RESUMO: O presente artigo, apresentado à Faculdade Metropolitana de Manaus – FAMETRO, como trabalho de conclusão de curso, integrante da disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II do curso de Direito, tem como objetivo geral a análise das competências que recaem sobre os Municípios quando o assunto é meio ambiente e objetivo específico a possibilidade de os Municípios legislarem sobre a matéria ambiental. Analisa a doutrina majoritária que versa sobre o assunto abordado, bem como os julgados oriundos dos tribunais pátrios. Conclui que, ainda que não de forma expressa, os Municípios possuem a competência legislativa necessária para versar sobre matéria ambiental. Chega a esta conclusão, após análise dos instrumentos citados acima, não só por isso, mas também pelo fato do legislador constituinte conceder aos Municípios a capacidade legislativa, em que pese de forma suplementar, relativa a assuntos de interesse local, desde que respeitados os limites impostos pelas legislações de caráter geral e as legislações estaduais, que porventura abordem a matéria em tela.
Palavras-Chaves: Direito Ambiental, Competência Administrativa e Legislativa, Competência dos Municípios, Competência Legislativa dos Municípios em Matéria Ambiental.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Das Competências Definidas na Constituição Federal de 1988. 3. A Previsão da Competência Ambiental na Constituição Federal de 1988. 4. Legislação Sobre Assuntos de Interesse Local e Legislação Suplementar à Federal e Estadual. Artigo 30, Incisos I e II da Constituição Federal de 1988. 5. Conclusão. 6. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo demonstrar as competências dos Municípios no que tange à matéria ambiental, trazendo a possibilidade, ou não, à luz da Constituição Federal de 1988, de os mesmos legislarem sobre a matéria, haja vista tal possibilidade conferir maior segurança ao bem de uso comum do povo.
Bem se sabe que a temática ambiental, com o passar dos anos e o consequente desenvolvimento global, às custas, muitas vezes, de matéria prima extraída do meio ambiente, se torna cada vez mais importante, à medida em que se constatam a escassez de matérias de primeira importância, em diversas áreas que vão desde a alimentação de populações em geral à geração de energia.
Tendo isso em vista, muito se discute acerca de como conferir ao meio ambiente - preocupação esta que não se restringe somente ao Brasil - mais segurança, principalmente sob o aspecto jurídico do bem em comento, discussão esta que engloba o assunto aqui abordado, uma vez que tendo os Municípios a competência necessária para legislar sobre a seara ambiental, abordando as peculiaridades de cada região, mais protegido estaria o meio ambiente.
Para tanto, veremos no primeiro tópico do presente trabalho, a divisão trazida pela Constituição Federal de 1988 acerca das competências, que se dividem em duas: a competência administrativa e a competência legislativa. À medida em que são explicitadas as características de cada uma, são citados os dispositivos da Carta Magna que elencam tais competências, finalizando com o enfoque na competência legislativa, por ser este o objetivo do trabalho.
Ao passo em que são explicadas as previsões constitucionais referentes aos tipos de competências e qual delas será abordada no presente artigo, o segundo tópico aborda a previsão relativa à matéria ambiental, sem que haja a distinção entre administrativa ou legislativa, explicando o que o legislador constituinte atribuiu aos entes acerca da matéria ambiental.
Concluindo no sentido de que expressamente só houve a delegação de competência administrativa aos Municípios no que tange à matéria ambiental, ressalvando a possibilidade de um olhar sistemático às competências legislativas atinentes ao ente federativo estudado aqui, o tópico de número três aborda os incisos I e II do artigo 30 do texto constitucional, que dizem respeito, respectivamente, à legislação sobre assuntos de interesse local e à legislação suplementar à legislação estadual e federal, abordando as definições adotadas pela doutrina majoritária acerca dos casos em que é cabível os Municípios legislarem suplementarmente, baseados no interesse local, bem como o posicionamento jurisprudencial relativo a tais cenários.
Após, ocorre a análise acerca da possibilidade de subsunção do caso à norma, ou seja, da possibilidade do acima exposto ser aplicado na seara ambiental, carreando, de igual maneira, doutrinas e jurisprudências versando sobre o assunto.
1.DAS COMPETÊNCIAS DEFINIDAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
À medida em que, no decorrer do texto constitucional, são divididas entre os entes federativos as suas respectivas competências, o legislador, de forma explícita, preceitua que cabe à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar, de forma concorrente, ou seja, de forma conjunta, sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição, conforme se depreende do Art. 24, VI. (BRASIL, 1988)
Nota-se que, de forma explicita, houve a preocupação do legislador em demonstrar o tipo de competência que recaiu à União, aos Estados e ao Distrito Federal no tocante à matéria ambiental, haja vista as competências se dividirem em duas: a competência material e a competência legislativa.
Competência material, ou competência administrativa, são aquelas elencadas nos artigos 21 e 23 da Carta Magna e são divididas em outras duas: as de caráter comum e as exclusivas. (BRASIL, 1988)
As exclusivas são aquelas caracterizadas por serem de responsabilidade de um único ente federativo e podem ser visualizadas no Art. 21. Já as comuns são aquelas que restam apenas a um único ente e podem ser encontradas no Art. 23. (BRASIL, 1988)
No que diz respeito à competência legislativa, conforme se constata no próprio nome, é a competência que permite o ente federativo legislar sobre determinada matéria e, assim como a material, é dividida entre as privativas e concorrentes, com o acréscimo das chamadas competências suplementares, com previsão no §2º do Art. 24 da Lei Maior. (BRASIL, 1988)
Faz-se imperioso entender qual o tipo de competência abordada no presente trabalho, que, conforme já introduzido, busca descobrir se os municípios possuem a competência para legislar sobre matéria ambiental.
O texto constitucional prevê, explicitamente, quais as competências legislativas recaem sobre os municípios, nos termos do Art. 30. O dispositivo preleciona que a eles compete legislar acerca assuntos de interesse local, bem como suplementar a legislação federal e estadual no que couber. (BRASIL, 1988)
A previsão direta existente no corpo da Constituição acerca do município e da matéria ambiental é encontrada no Art. 23, que, conforme dito alhures, elenca as competências materiais comuns aos entes da federação, não sendo o foco deste trabalho. (BRASIL, 1988)
Logo, entendida a repartição existente entre as competências, faz-se necessário entender, à luz do texto constitucional, as previsões para competência ambiental.
2.A PREVISÃO DA COMPETÊNCIA AMBIENTAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
No texto constitucional, há previsões acerca das competências ambientais, distinguindo, à medida em que são elencados conforme seu respectivo ente detentor, se são legislativas ou administrativas.
Sem que haja essa distinção, as competências previstas vão desde o combate à poluição em todas as suas formas, à legislação em matéria ambiental.
Com tais previsões, nota-se a preocupação do legislador em resguardar, em todos os aspectos, o meio ambiente contra as formas de degradação, conferindo maior segurança em todos os níveis de poder.
Todavia, conforme supracitado, a Constituição separa, de forma explícita, a qual ente recai determinada competência, se material ou legislativa, elencando, assim, o que compete aos Municípios, Estados, Distrito Federal e União.
Como o presente trabalho visa verificar a possibilidade de os Municípios possuírem a competência legislativa necessária em matéria ambiental, as que dizem respeito aos Estados, Distrito Federal e união não serão abordadas.
Nessa histeria, no que tange aos Municípios, o legislador elenca suas competências, senão vejamos:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental;
VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. (BRASIL, 1988)
Do dispositivo transcrito acima, extrai-se as competências que recaem nos Municípios. No tocante à competência administrativa, comuns aos entes federativos, vejamos o que prevê a Carta Magna:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;
XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito. (BRASIL, 1988)
Logo, entendida a distinção entre os tipos de competência, qual sejam, a administrativa e a legislativa, bem como entendida as competências que os Municípios possuem, independente da natureza, imprescindível se faz entender a competência ambiental prevista aos Municípios sob o prisma constitucional.
Infere-se dos dispositivos acima citados que, no âmbito ambiental, o legislador menciona, explicitamente, que compete aos Municípios a proteção ao meio ambiente e o combate à poluição em qualquer de suas formas, de forma concorrente com os Estados, Distrito Federal e União.
Do exposto, constata-se que no texto constitucional, o legislador apenas previu, na seara ambiental, competência administrativa aos Municípios, uma vez que no dispositivo que prevê as competências legislativas, não há menção ao meio ambiente.
Tal ausência levou a questionamentos, posto que no Brasil, país de dimensões continentais, com estados com áreas territoriais que se equiparam a países, apenas Estados, Distrito Federal e União possuírem competência constitucional para legislar sobre meio ambiente pode acarretar em danos ao meio ambiente, uma vez que cada região possui suas peculiaridades, que, não raro, não são compatíveis umas com as outras.
Os questionamentos supracitados dizem respeito à possibilidade, ou não, sob o ponto de vista constitucional, de os Municípios legislarem sobre meio ambiental, haja vista a ausência de previsão na Constituição Federal de 1988 para tanto.
Para entender tal possibilidade, se faz necessário, dentro das competências legislativas expressamente atribuídas aos Municípios, averiguar, sob o ponto de vista sistemático, a perspectiva para legislar sobre essa seara.
Em análise ao comando que elenca as competências legislativas dos Municípios, qual seja o artigo 30 da Lei Maior, destaca-se o que prevê os incisos I e II, que dizem respeito, respectivamente, à legislação acerca de assuntos de interesse local e suplementar à legislação federal e estadual, no que couber. (BRASIL, 1988)
3.LEGISLAÇÃO SOBRE ASSUNTOS DE INTERESSE LOCAL E LEGISLAÇÃO SUPLEMENTAR À FEDERAL E ESTADUAL. ARTIGO 30, INCISOS I E II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
Em que pese a previsão mais restrita no texto constitucional acerca das competências legislativas que recaem sobre os Municípios, em stricto sensu, elencadas no artigo 30 da CF, em lato sensu, tais competências acabam abrangendo todo e qualquer assunto, exceto aqueles reservados especificamente para determinado ente federativo.
Ao analisar o dispositivo supracitado, verifica-se que não há vinculação, por parte do legislador, a determinada seara. Vejamos:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; (BRASIL, 1988)
Infere-se que é conferido aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos que impactem diretamente nos interesses dos mesmos, bem como suplementar as legislações federais e estaduais, adequando-as às peculiaridades de cada Município, respeitando os limites e não indo em sentido contrário às determinações constantes nas legislações existentes.
Logo, constata-se a possibilidade de os Municípios legislarem, ainda que não haja previsão explícita no texto constitucional, sobre assuntos que sejam de interesses local, suplementando as legislações federais e estaduais que disciplinem a matéria.
Nas palavras de Regina Maria Macedo Nery Ferrari:
[...]o art. 24 refere-se apenas à União, Estados e ao Distrito Federal, não incluindo nesse elenco a figura do Município, admitindo a competência suplementar apenas em relação aos Estados. O art. 30, II, veio, de certa forma, suprir a falha do art. 24; não criando competência para o Município, mas admitido que ele tenha competência legislativa suplementar da legislação federal e estadual, naquilo que couber, ou seja, dentro dos assuntos de interesse local. (1993, p. 64, apud GABRIEL, 2010)
É válido abrir um parêntese para destacar que somente cabe a legislação suplementar aos Municípios nas matérias que sejam de interesse local, uma vez que não faria sentido competir aos Municípios legislar, ainda que de forma suplementar, acerca de matéria que não interfira ou que tenha reflexo em seus interesses.
Retornando desta digressão, conclui-se que pode o Município legislar de forma suplementar, todavia, desde que seja acerca de assunto de interesse local.
Conforme assevera Hely Lopes Meirelles:
[...]interesse local não é interesse exclusivo do Município, não é interesse privativo da localidade, não é interesse único dos munícipes [...]. Não há interesse municipal que não seja reflexamente da União e do Estado-Membro, como também não há interesse regional ou nacional que não ressoe nos municípios, como partes integrantes da federação brasileira. O que define e caracteriza interesse local, inscrito como dogma constitucional é a preponderância do interesse do Município sobre o do Estado ou da União. (1993, p. 94, apud GABRIEL, 2020)
Ainda, na definição de João Lopes Guimarães:
O Município tem competência para legislar sobre questões de ‘interesse local’, compreendendo-se por ‘interesse local’ toda matéria que seja de preponderante relevância para o Município, em relação à União e ao Estado. Pois bem, ocorre que trânsito, na área municipal, é tipicamente matéria de interesse local. (1998, p. 99)
Destaca-se, ainda, a vertente doutrinária que assevera que interesse local não é somente aquele que compreende necessariamente todo território de um determinado Município.
Assim como o país em si, com suas proporções continentais, o Brasil possui municípios com áreas territoriais que se equiparam ou até mesmo ultrapassam a área de estados e países.
Com base nisso, Paulo Affonso Leme Machado leciona que:
O interesse local não precisa incidir ou compreender, necessariamente, todo o território do Município, mas uma localidade, ou várias localidades, de que se compõe um Município. Foi feliz a expressão usada pela Constituição Federal de 1988. Portanto, pode ser objeto de legislação municipal aquilo que seja da convivência de um quarteirão, de um bairro, de um subdistrito ou de um distrito. (2004, p.389, apud BARBOSA, 2013)
Pois bem, uma vez entendida a possibilidade legal de os Municípios legislarem sobre os assuntos de interesse local, bem como compreendida a definição da expressão “interesse local”, é válido colacionar exemplos dos entendimentos jurisprudenciais acerca do assunto:
AÇÃO ANULATÓRIA – Multa de trânsito aplicada pela TRANSERP – Pretensão à nulidade – Impossibilidade – Legalidade dos autos de infração da TRANSERP lavrados por policial militar ou por meio de radar eletrônico – O Município tem competência para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual (CF, art. 30, I, II), o que autoriza a celebração de convênios ou credenciamentos em matéria de trânsito – Precedentes – R. Sentença de procedência - Recurso provido. (TJ-SP, 2020, on-line)
Da ementa acima transcrita, nota-se que o magistrado assevera a competência atribuídas aos Municípios. No caso analisado, tal competência é exercida na área relativa ao trânsito.
O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros.
[AI 347.717 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 31-5-2005, 2ª T, DJ de 5-8-2005.] = RE 266.536 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 17-4-2012, 1ª T, DJE de 11-5-2012.
Os Municípios têm autonomia para regular o horário do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas, pois a Constituição lhes confere competência para legislar sobre assuntos de interesse local.
[AI 622.405 AgR, rel. min. Eros Grau, j. 22-5-2007, 2ª T, DJ de 15-6-2007.] = AI 729.307 ED, rel. min. Cármen Lúcia, j. 27-10-2009, 1ª T, DJE de 4-12-2009 Vide ADI 3.731 MC, rel. min. Cezar Peluso, j. 29-8-2007, P, DJ de 11-10-2007.
Não vislumbro, no texto da Carta Política, a existência de obstáculo constitucional que possa inibir o exercício, pelo Município, da típica atribuição institucional que lhe pertence, fundada em título jurídico específico (CF, art. 30, I), para legislar, por autoridade própria, sobre a extensão da gratuidade do transporte público coletivo urbano às pessoas compreendidas na faixa etária entre 60 e 65 anos. Na realidade, o Município, ao assim legislar, apoia-se em competência material – que lhe reservou a própria Constituição da República – cuja prática autoriza essa mesma pessoa política a dispor, em sede legal, sobre tema que reflete assunto de interesse eminentemente local.
[RE 702.848, rel. min. Celso de Mello, j. 29-4-2013, dec. monocrática, DJE de 14-5-2013.]
Das transcrições acima, oriundas do Supremo Tribunal Federal, nota-se a variedade de julgamentos favoráveis à competência municipal, abrangendo áreas como a regulação do horário de funcionamento do comércio local, a instalação de equipamentos de segurança e conforto no âmbito das agências bancárias e a gratuidade do transporte público para maiores de 60 (sessenta) anos.
Logo, dos julgados colacionados acima, é patente o entendimento acerca da competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local, devidamente amparado no texto da Carta Política.
Todavia, tais julgados tratam de assuntos de diversas naturezas, sendo que o presente trabalho aborda a possibilidade sob o ponto de vista ambiental, trazendo à baila o questionamento desta atribuição, com amparo constitucional, alcançar tal área do direito.
Conforme exposto acima, é competente o município para legislar suplementarmente sobre matéria atribuída, originalmente, aos demais entes federativos, no que couber.
“No que couber”, nas palavras de Élcio Reis Fonseca, significa dizer “desde que presente o interesse local, poderá o Legislativo municipal legislar supletivamente". (REIS, 2000)
Logo, resta caracterizar se a legislação ambiental reflete diretamente no âmbito do município, fato que ensejaria o surgimento da competência legislativa ambiental neste ente federativo.
Acerca do assunto, a doutrina se posiciona, de forma majoritária, da seguinte maneira:
Ao atribuir ao Município competência para legislar sobre assuntos locais, está-se referindo aos interesses que atendem de modo imediato às necessidades locais, ainda que tenham repercussão sobre as necessidades gerais do Estado ou do País. Com isso, questões como o fornecimento domiciliar de água potável, o serviço de coleta de lixo, o trânsito de veículos e outros temas típicos do meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho no âmbito do Município, embora de interesse local, não deixam de afetar o Estado e mesmo o país. (FIORILLO, 2020)
Destaca-se, da doutrina carreada acima, que há o entendimento acerca da possibilidade de legislação municipal com viés ambiental, ainda que tais legislações repercutam nas necessidades gerais dos Estados ou da União, haja vista as mesmas atenderem, de imediato, as necessidades locais.
Ainda, nas palavras de José Afonso da Silva:
A Constituição não situou os Municípios na área de competência concorrente do art. 24, mas lhes outorgou competência para suplementar a legislação federal e estadual no que couber, o que vale possibilitar-lhes disporem especialmente sobre as matérias ali arroladas e aquelas a respeito das quais e reconheceu à União apenas a normatividade geral. (2008, p. 504)
Do ensinamento, constata-se o entendimento que, ainda que não esteja presente no dispositivo que atribui a competência legislativa ambiental, os Municípios passaram a possuir tal competência com a previsão para legislar suplementarmente sobre assuntos de interesse local, conforma amplamente já demonstrado.
Nossos tribunais já se posicionaram, conforme demonstrado alhures, acerca da possibilidade da legislação municipal suplementar em diversas áreas, todavia, merece destaque as proferidas com caráter legislativo ambiental, objeto do presente artigo, como se observa:
O Município é competente para legislar sobre meio ambiente com União e Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja e harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c 30, I e II, da CRFB).
[RE 586.224, rel. min. Luiz Fux, j. 5-3-2015, P, DJE de 8-5-2015, Tema 145.]
É possível vislumbrar, na ementa acima transcrita, o entendimento do STF acerca da competência aqui debatida, ressalvando o que também já foi demonstrado: é competente o município para legislar de forma suplementar, desde que no limite do interesse local e de forma harmônica com as determinações já existentes sobre a matéria abordada, uma vez que não faria sentido editar norma que fosse em sentido contrário às já vigentes.
Acerca disso, vale colacionar julgado recente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, onde é destacada a necessidade de adequação da norma suplementar às normas de caráter geral, estaduais ou federais. Vejamos:
EMENTA: APELAÇÃO - DIREITO AMBIENTAL - COMPETÊNCIA LEGISLATIVA - APLICAÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL E DA LEGISLAÇÃO ESTADUAL AMBIENTAL A IMÓVEIS URBANOS - AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO MUNICIPAL ESPECÍFICA - DANO AMBIENTAL RESPONSABILIDADE OBJETIVA - PRESUNÇÃO DE VERACIDADE ATOS DE AGENTE PÚBLICO - INVERSÃO DO ONUS DA PROVA.
1 - A competência legislativa municipal para editar normas relativas ao direito ambiental é supletiva, pelo que não pode afastar as normas gerais editadas pela União ou a legislação estadual cabíveis.
2 - Nos termos do art. 405, CPC, gozam de presunção relativa de veracidade apenas as declarações constantes num documento público que corresponderem aos fatos que o agente público atestar terem sido por ele constatados, uma vez ocorridos em sua presença, ou se se referirem a fatos de seu próprio conhecimento. Sendo relativa à presunção, pode ser afastada por prova em contrário.
3 - Havendo documentos públicos que atestam a existência de conduta danosa ao meio-ambiente, o ônus da prova quanto à inexistência de ilegalidade na referida conduta é do particular, que deve demonstrar que observou, em todos os aspectos, a legislação ambiental cabível.
4 - A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral.
5 - O domínio privado não é absoluto, possuindo limites, como o respeito ao meio ambiente, que o compatibilizam com o interesse da coletividade. Conforme entendimento do STJ, a função ecológica da propriedade é "derivação técnica e ampliação ética da função social", e, faz incidir limitações administrativas no domínio privado, que, contudo, não configuram desapossamento ou desapropriação indireta do imóvel em questão. (grifos nossos). (TJ-MG, 2018, on-line)
Neste passo, posto que demonstrado, por meio da doutrina e da jurisprudência, a possibilidade de os Municípios legislarem sobre a matéria ambiental, destacando os pontos necessários para tal, resta asseverada a competência legislativa municipal no tocante à questão ambiental.
CONCLUSÃO
No decorrer do processo de desenvolvimento, seja sob o ponto de vista econômico, social, ou qualquer outro, os recursos ambientais foram amplamente alvos de utilização e, na maioria das vezes, não foram levadas em consideração a capacidade ou a possibilidade de recuperação do meio ambiente, fato que acarretou na escassez de muitas fontes de matéria prima, de inúmeras áreas da sociedade.
Sendo cada vez maior a degradação causada pelas atividades desenvolvidas nas sociedades em geral, com o consequente aumento das repercussões em diversas áreas do meio ambiente, tais como hídricas ou relacionadas à fauna e à flora, o olhar sob o meio ambiente acompanhou o mesmo crescimento, principalmente no que tange à criação de mecanismos que propiciem uma maior segurança ao bem objeto do estudo.
Tais mecanismos buscaram conferir mais garantias de segurança, haja vista os processos de desenvolvimento das sociedades já mencionados, a julgar que que até mesmo os que não utilizam o meio ambiente como fonte de matéria, podem gerar danos ao bem aqui abordado, seja por meio de poluição atmosférica, de lençóis freáticos, ou qualquer outro tipo que caracterize poluição ambiental.
Com base nessa corrente, e legislação pátria não enveredou por caminho distinto, trazendo desde a sua Lei Maior dispositivos que buscam garantir mais segurança ao bem de uso comum do povo, com previsões expressas da necessidade de proteção ao meio ambiente, definido por lei como o conjunto de condições, leis, influencias e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
O texto constitucional, todavia, em função do seu sistema de repartição das competências, previu somente aos Estados, ao Distrito Federal e à União a possibilidade de legislarem acerca do meio ambiente, deixando os Municípios fora do rol de entes com tal competência, conferindo-os somente a competência administrativa acerca da seara aqui estudada.
Com base nisto, foram apontados no presente artigo argumentos que buscaram dirimir o questionamento levantado, qual seja: Os Municípios possuem competência para legislar sobre meio ambiente?
Após entendidas as hipóteses em que há previsão expressa para edição de legislação municipal, bem como entendida que tais previsões foram criadas pelo legislador constituinte em lato sensu, não restringindo a competência municipal a assunto certo, mas sim abrindo a possibilidade do referido ente legislar sobre todo tema, desde que seja de interesse local, assim como entendido o conceito atribuído a “interesse local”, abordando também o entendimento jurisprudencial sobre o mesmo, resta claro que, obedecidos os ditames constitucionais, os Municípios possuem a competência necessária para legislar sobre matéria ambiental.
Ainda, vale dizer que a possibilidade de os Municípios legislarem sobre meio ambiente confere segurança e municia os entes federativos para cumprirem com a missão constitucional que lhes foi atribuída: proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.
Ressalta-se, por fim, que a competência demonstrada no presente artigo, como já destacado, é adstrita aos requisitos apontados anteriormente, quais sejam: é possível o Município editar legislação suplementar à legislação estadual e federal, desde que seja a matéria abordada assunto de interesse local, harmoniosa com as diretrizes já editadas pela União, Estados e Distrito Federal, uma vez que a edição de norma que transcenda o interesse municipal fere a diretriz constitucional.
REFERÊNCIAS
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Graduando do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana de Manaus - FAMETRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HOSSAINE, Matheus Fontes. As competências dos municípios no Direito Ambiental: o município tem competência legislativa na seara ambiental? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2020, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55859/as-competncias-dos-municpios-no-direito-ambiental-o-municpio-tem-competncia-legislativa-na-seara-ambiental. Acesso em: 22 nov 2024.
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