LEONARDO GUIMARÃES TORRES
(orientador)
RESUMO: A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro é uma das principais regulamentações do ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que ela disciplina a aplicação das leis brasileiras de uma maneira geral, sendo considerada uma norma sobre normas. É uma lei de introdução às leis, por conter princípios gerais sobre as normas sem qualquer discriminação. É, pois, aplicável a todos os ramos do direito. Em seu texto, encontra-se o art. 3º que basicamente adverte que ninguém deve expor desconhecer a lei em face ao seu não cumprimento. Desse modo, é de extrema importância que se tenha conhecimento sobre o seu texto e suas regras, a fim de se ter noção do que ela prevê. Frente a isso, o objetivo central desse estudo é discorrer sobre a importância que a sociedade deve ter sobre o ordenamento jurídico brasileiro para que com isso se tenha conscientização de sua própria cidadania. Para apresentar esse trabalho, utilizou-se uma revisão da literatura baseada em livros, artigos científicos e o texto da própria Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Nos resultados, ficou evidenciado o quanto é importante implantar medidas que abordem conhecimentos jurídicos nas escolas a fim de formar cidadãos conscientes de seus deveres e direitos.
Palavras-chave: Conhecimento jurídico. Relevância. Cidadania. Direito.
ABSTRACT: The Law of Introduction to the rules of Brazilian Law is one of the main rules in the Brazilian legal system, given that it disciplines the application of Brazilian legal rules in general, being considered a rule on norms. It is an introductory law, since it contains general principles about standards without any discrimination. It is therefore applicable to all branches of law. In its text, art. 3rd that basically warns that no one should expose not knowing the law due to its non-compliance. Thus, it is extremely important to have knowledge about its text and its rules, in order to be aware of what it provides. In view of this, the main objective of this study is to discuss the importance that society must have on the Brazilian legal system so that with that it becomes aware of its own citizenship. To present this work, a literature review based on books, scientific articles and the text of the Law of Introduction to the rules of Brazilian Law was used. The results showed how important it is to implement measures that address legal knowledge in schools in order to form citizens aware of their duties and rights.
Keywords: Legal knowledge. Relevance. Citizenship. Right.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos muito se tem detectado um crescente número de analfabetos funcionais, ou seja, que sabem ler e escrever, mas que não conseguem, por exemplo, interpretar um texto ou criar uma resenha crítica sobre determinado assunto. Esse quadro real mostra o quão importante é a educação e o quanto ela está distante da sua efetividade.
Esse cenário ainda respinga sobre um dos assuntos mais discutidos pela população, mas que ao mesmo tempo pouco se conhece a fundo: a legislação brasileira e seus aspectos. Nesse sentido, há uma enorme lacuna no entendimento dos indivíduos sobre os conhecimentos básicos do ramo jurídico. E isso acaba refletindo na própria identificação do indivíduo frente a si mesmo e para a sociedade.
Diante desses fatos, o presente trabalho busca analisar o quão importante é o conhecimento jurídico para a formação do indivíduo e seu exercício da cidadania. Para melhor discorrer sobre essa temática, tem-se como base o normatizado pelo art. 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, ao qual afirma que ninguém deve alegar desconhecer a lei em face ao seu não cumprimento.
Em razão disso é de suma importância que se conheça os valores, os princípios, as limitações e direitos encontrados no texto jurídico brasileiro. Dessa maneira, entende-se ser fundamental a discussão sobre esse assunto, haja vista que é de interesse de todo cidadão o conhecimento sobre seus direitos e deveres.
O que se pretende com esse estudo é enfatizar a importância que a educação possui no sentido de ensinar as pessoas a terem maior conhecimento sobre suas normas, ajudando-os a se tornarem cidadãos mais conscientes. De nada adianta exigir o cumprimento da lei se grande parte das pessoas não a conhece, e que em muitas situações, não poderia conhecer.
Portanto, no decorrer desse estudo, procura-se responder: quais as medidas educativas podem ser realizadas para que a sociedade possa ter maior conhecimento jurídico para o exercício da cidadania?
Para a realização da pesquisa foi feita uma revisão de literatura, constituído de estudo bibliográfico e documental. A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de leituras das leis, em especial a Lei nº 12.376/2010, da Constituição Federal, de revistas jurídicas, de livros e artigos vinculados ao tema proposto.
A presente pesquisa foi realizada mediante o levantamento de documentos. Assim, a coleta de dados é resultado de uma busca feita em bases de dados, tais como: Scielo; Google, dentre outros, entre os dias 01 a 12 de outubro de 2020.
1. A LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO
Antes de se adentrar ao tema específico desse trabalho, cabe inicialmente discorrer a respeito da lei ao qual se baseia: Introdução às normas do direito brasileiro. Nesse tópico serão apresentados os aspectos gerais a respeito dessa lei e em especial o seu art. 3º.
Nos dizeres de Beviláqua (1927), uma lei de introdução é uma lei anexa que juntamente com o código é exposta como forma de interpretação da mesma, buscando com isso uma maior facilidade de compreensão por parte dos operadores do direito e da sociedade. Ela traz disposições gerais sobre interpretação, aplicação e integração da norma no tempo e espaço.
No Brasil, primeiramente encontra-se a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) de 1942, que orientada com base nas normas civilistas franceses, trouxe 19 artigos que se encontrava no próprio Código Civil de 1916.
Como explica Silveira (2018) a LICC surgiu num período complicado para o Brasil: o regime militar. Nesse período, caracterizado pela violência física e supressão de vários direitos do cidadão, a LICC nasceu pela precisão em implantar o critério do domicílio da pessoa em detrimento da lei da nacionalidade, dada a inviabilidade fática do conhecimento das leis alienígenas pelos magistrados à época, com o Art. 9º determinando a aplicação apenas subsidiária da lei do domicílio.
Após décadas, com o fim do regime militar, redemocratização do país e com o avanço social, em 2010 a nomenclatura foi alterada para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Para Batalha (1959, p. 5) “a Lei de Introdução ao Código Civil é um conjunto de normas sobre normas”. Ou seja, a LICC não trata do direito material, mas disciplina as normas aplicáveis com outras normas.
Diniz (2010, p. 57) explica que a LICC “disciplina as próprias normas jurídicas, assinalando-lhes a maneira de aplicação e entendimento, predeterminando as fontes de direito positivo, indicando-lhes as dimensões espaço-temporais”.
Por tais razões é que não se encontrava motivos à permanência da nomenclatura do referido documento como sendo Lei de Introdução ao Direito Civil, posto que a sobredita Lei não trata exclusivamente das normas concernentes ao Código Civil, mas a todo o ordenamento jurídico brasileiro, o que acarretou na mudança de seu nome por meio da Lei n. 12.376/2010, passando a chamar-se, doravante, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), conforme se extrai da leitura do art. 2º, bem reconheceu a ampliação do seu campo de aplicação, conforme art. 1º. A presente lei foi reconhecida pela Constituição Federal de 1988 como lei ordinária.
Sobre essa mudança e opinando sobre a Lei de Introdução, cabe citar as seguintes palavras:
A Lei de Introdução é uma lex legum, ou seja, um conjunto de normas, constituindo um direito sobre direito ‘ein Recht der Rechtsordenung, Recht ueber Recht, surdroit, jus supra jura’, um superdireito, um direito coordenador de direito. Não rege as relações de vida, mas sim as normas, uma vez que indica como interpretá-las ou aplicá-las, determinando-lhes a vigência e eficácia, suas dimensões espácio-temporais, assinalando suas projeções nas situações conflitivas de ordenamentos jurídicos nacionais e alienígenas, evidenciando os respectivos elementos de conexão. Como se vê, engloba não só o direito civil, mas também os diversos ramos do direito privado e público, notadamente a seara do direito internacional privado. A Lei de Introdução é o Estatuto de Direito Internacional Privado; é uma norma cogente brasileira, por determinação legislativa da soberania nacional, aplicável a todas as leis (DINIZ, 2011, p. 34).
Com isso, a LINDB disciplina a aplicação das normas jurídicas brasileiras de uma maneira geral, sendo considerada uma norma sobre normas. Ela regula os direitos e obrigações de ordem privada, ao passo que a Lei de Introdução disciplina o âmbito de aplicação das normas jurídicas (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012).
Para Carvalho (2013, p. 22) “o artigo 3° da LINDB é de fundamental importância para os sistemas jurídicos modernos, garante, por meio de uma presunção, a eficácia global do ordenamento”.
Para fins desse estudo, o principal artigo dessa lei é o art. 3º, que em seu texto aduz que ‘ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece’. O respectivo artigo trata sobre o princípio da publicidade.
A respeito desse princípio, Amaral (2017, p. 48) aduz que “a publicidade passou a ser um dos elementos essenciais dos atos jurídicos, tendo o condão de atribuir eficácia perante terceiros, além de manter o controle público pela comunidade”.
No Brasil o princípio da publicidade se encontra acolhido no texto constitucional por meio do caput do art. 37, exatamente para permitir que a sociedade fiscalize a transparência e retidão dos atos públicos (BRASIL, 1988).
Assim, transformou-se o princípio da publicidade como norma fundamental do “procedimento moderno, oposto ao segredo inquisitorial que estabelece como suprema garantia da sociedade em geral, de averiguação da razoabilidade dos atos jurídicos praticados” (DI PIETRO, 2014, p. 53).
Portanto, o indivíduo não pode atribuir o ato de praticar um ilícito, por exemplo, com base no desconhecimento da norma. Corroborando com esse entendimento, Lisboa (2004, p. 20) acrescenta que o art. 3º traduz o princípio da inescusabilidade, pelo qual “não se admite a qualquer pessoa a alegação de desconhecimento do conteúdo da lei para justificar o seu descumprimento”. Para esse autor, a lei obriga a todos os seus destinatários, mesmos aqueles que ignoram a sua existência, ninguém pode alegar ignorância sobre a existência de uma lei com o pretexto de fundamentar a sua não observância.
Venosa (2010, p. 15) também afirma que “ninguém pode eximir-se de cumprir a lei por não conhecê-la (nemo ius ignorare censetur)”. Desta feita, fica evidente observar que a finalidade do art. 3º da LINDB é garantir a obrigatoriedade da norma. Uma vez publicada e tendo entrado em vigor, torna-se obrigatória para todos.
É nesse momento que a publicidade da lei se mostra absolutamente imprescindível, já que não é plausível se exigir o cumprimento de lei de pessoa que não a conhece e que, por circunstâncias alheias à sua vontade, não poderia conhecer. Se a princípio é óbvio recusar o desconhecimento de lei como causa para descumpri-la, em outro instante é intrigante aceitar que todo destinatário tem ao menos acesso fácil e imediato ao seu conteúdo (SILVEIRA, 2018).
O impasse vai além da barreira da publicidade da norma, já que não se encontra na sociedade brasileira a própria cultura do interesse pelo conhecimento do ordenamento. As pessoas costumam fazer negócios jurídicos baseando-se nos usos e costumes do local, difícil notar a curiosidade pelo direito positivado longe da seara jurídica.
Por conta disso, buscando uma adaptação e entendimento da norma, há a sua publicidade. A “publicação oficial da lei tem por finalidade torná-la conhecida, mas visa precipuamente neutralizar a ignorância – fazer com que ela não seja levada em conta, não obstante possa existir – sem, contudo, eliminá-la” (JUNIOR, 1988 apud SILVEIRA, 2018, p. 30).
A obrigatoriedade da lei vem com a publicação no Diário Oficial da União (DOU) ou do Estado (DOE) ou Distrito Federal (DODF), observado o disposto sobre a vacatio legis. As formas de acesso ao DOU são as assinaturas eletrônica e impressa, sendo a primeira com acesso gratuito (SILVEIRA, 2018). Ocorre existem milhares de pessoas que não averigua as publicações de leis e que também não possuem acesso à meios eletrônicos (no caso aqui da internet).
Essas pessoas acima descritas fazem parte de uma exceção na sociedade, que cada vez mais está conectada pelos meios virtuais, vide as mídias sociais e portais de notícias. Porém, não existe exceção no texto do art. 3º da LINDB. Para essa norma, nenhuma dessas pessoas que fazem parte da exceção poderá alegar que não tinha condições de acesso à lei, por isso não a conhece, por isso não a cumpre (SILVEIRA, 2018).
A situação acima imposta mostra que a discussão sobre o conhecimento jurídico deve sempre ser levada em consideração pelo Poder Público e pela sociedade. A respeito dessa relevância, apresenta-se o tópico seguinte.
2 RELEVÂNCIA DO CONHECIMENTO JURÍDICO FORMANDO CIDADÃOS
No tópico anterior, expôs-se que pelo art. 3º da LINDB nenhum brasileiro pode alegar desconhecimento da lei. Na prática, o que tem se verificado é ineficácia desse regramento jurídico. Isso se explica pelo fato, como citado anteriormente, muitos brasileiros ainda não possuírem acesso às formas de publicação das normas existentes e as que estão sendo realizadas. Isso acaba por dificultar o conhecimento jurídico desses indivíduos.
A título de exemplo, encontra-se o conhecimento sobre o texto constitucional. Sendo a norma que regula os direitos civis, individuais e coletivos da sociedade brasileira, a Constituição Federal de 1988 deve ser amplamente estudada.
O conhecimento sobre o texto constitucional é de suma importância, pois para que haja uma sociedade ciente de seus direitos e deveres é preciso que se tenha total entendimento dos objetivos e limites impostos pela considerada carta cidadã. A norma constitucional é a base para qualquer outra norma e sobre ela recai a obrigação de conceder a garantia da ordem nacional. Desse modo, estudar os artigos e emendas constitucionais é primeiro passo para que se forme uma consciência política, social e individual.
Nesse sentido, cabe destacar as seguintes palavras:
O Brasil nos últimos tempos vem vivenciando uma agitação, a população está acompanhando e exigindo transformações no sistema político. A reforma política tanto citada pelos eleitos e eleitores primordialmente passa pela Constituição, logo o cidadão que quer modificações tem que, antes de tudo, entender como as regras são, e quais as externalidades positivas ou negativas que elas impõem na sociedade, para então ter uma crítica a par de influencias de senso comum, preconceitos, discriminações, que são frutos da ausência de um ensino de qualidade (LEITE, 2015, p. 05).
Assim, “para o cidadão a importância do conhecimento da Constituição, permite ter uma visão mais crítica e ao mesmo tempo quebra a verticalização, o governo passa a funcionar em conjunto com o povo e não para o povo, as tomadas de decisões passam pelo senso crítico do cidadão” (LEITE, 2015, p. 06).
Dessa maneira, ao se ter conhecimento sobre os seus direitos e deveres, o cidadão se torna parte ativa da sociedade. É preciso que este cidadão tenha noção teórica de como funciona o Estado e quais os direitos e garantias que a norma constitucional prevê para os indivíduos e para a sociedade.
Nesse ponto, ter conhecimento sobre as normas e o sistema jurídico se faz pertinente e necessário, principalmente na construção do ‘ser’ cidadão. Mas o que é ser cidadão? Nos dizeres de Silva (2017, p. 01) “ser cidadão é possuir valores éticos, morais, é exercer atitudes responsáveis, ser honesto, humilde, etc.”.
Isso mostra que o conhecimento jurídico é um mecanismo eficaz na formação de um cidadão. Um indivíduo que tenha em si mesmo valores morais, éticos e que saiba exercer atividades responsáveis dentro da margem da norma. Desse modo, trazendo essa condição para o tema desse trabalho, o conhecimento sobre os aspectos jurídicos ajuda o indivíduo a ter a consciência sobre a importância da cidadania e de sua função dentro de uma comunidade (SILVA, 2017).
Importante mencionar que parte da doutrina jurídica tem discutido a relativização do art. 3º da LINDB. Para alguns autores não dá pra cobrar conhecimento de normas a todos os cidadãos, porque muitos vivem em situação diferentes, como por exemplo, num isolamento total. É o caso daqueles que vivem na zona rural onde não há acesso à escola ou os índios. Sobre essa questão, pontua o seguinte autor:
[...] Simplificando bastante as coisas, poderíamos dizer que merece punição um empresário que inicia nova empreitada no ramo imobiliário, efetuando loteamentos, e o faz sem pesquisar minimamente as exigências legais de sua atividade. Por outro lado, não é justo reprimir um homem rude do interior que simplesmente loteasse sua terra entre os filhos (HAYASHI, 2016, p. 02).
Ainda nesse entendimento, defende-se a relativização da obrigatoriedade da lei, no sentido de ela ser mais flexível, principalmente quando a realidade social brasileira não é unificada de modo igualitário. Enquanto alguns têm acesso ao conhecimento amplo da norma jurídica, outros milhares ficam a margem desse fato.
Para Galvão (2018, p. 02) “o pluralismo legislativo, o caráter técnico da lei e os problemas suscitados pela interpretação e aplicação tornam absolutamente impossível, atualmente, a afirmação de que é normal o conhecimento da lei”.
Digno de transcrição é o seguinte trecho:
Do mesmo jeito que a segurança jurídica é importante para a democratização, antes de tudo devemos nos ater sobre a realidade social da população, que muitas das vezes não tem acesso ao “mundo normativo” seja pessoalmente ou por intermédio de um especialista no direito. Ao tornar essa obrigatoriedade absoluta é visível a conclusão de violação de outro princípio igualmente tutelado pela nossa Carta Política, como o da igualdade substancial (intrínseco ao valor da dignidade da pessoa humana). Em suma, pode-se até deduzir que a construção do nosso Estado Democrático de Direito, a luz da Constituição Federal, tem como fundamentos a dignidade humana, a igualdade (substancial) e a solidariedade social. Igualdade que deve ser conjugada junto ao princípio da diversidade, uma vez que as pessoas não detêm idênticas condições sociais, econômicas ou psicológicas, dando lugar a uma igualdade substancial, em respeito às diferenças, que convenhamos, no caso do Brasil é patente (SILVA, 2012, p. 02).
De qualquer forma é evidente que essa pesquisa caminha no entendimento oposto ao acima mostrado. Firma-se aqui que apenas tendo conhecimento sobre as normas publicadas é que se pode de fato exercer a cidadania. É justamente para evitar essa disparidade entre o conhecimento jurídico dos cidadãos que se deve cada vez mais ampliar o rol de medidas educativas que implementem o ensino sobre leis.
Nesse caminho, cabe ao Estado a obrigatoriedade de relativizar o dispositivo em análise, ao mesmo tempo adotar medidas que visem uma mudança em sua sociedade para que esta entenda a importância da ciência jurídica. Sobre esse assunto, discorre-se o tópico seguinte.
3 MEDIDAS DE SOLUÇÃO PARA IMPLANTAR O CONHECIMENTO JURÍDICO
Uma vez reconhecido a importância dos assuntos jurídicos para a formação do indivíduo em cidadão, o Estado juntamente com a sociedade deve aplicar medidas de conscientização sobre os assuntos relacionados à lei. É claro que a função do Estado é promover o contínuo desenvolvimento de sua sociedade, mas o que tem sido feito para aumentar o conhecimento e interesse jurídico? O que fazer para mudar a cultura da apatia pela ciência jurídica da sociedade brasileira? Ora, ninguém ousa negar a importância de uma política nesse sentido visto que a relação Estado-Sociedade e Cidadão-Cidadão devem respeitar o ordenamento jurídico.
Nesse aspecto, a única forma de combater o analfabetismo e a ignorância sobre a legislação brasileira é, além de criar meios mais incisivos de divulgação das leis, aplicarem os seus conhecimentos por meio da educação.
A norma constitucional traz em seu art. 205 a consagração do direito à educação. Em seu texto afirma que a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família em promovê-la e incentivá-la com a ajuda da sociedade. Sua finalidade é em auxiliar no desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).
Como bem acentua Silva (2018, p. 04) “se por um lado temos o dever de conhecer a lei, o Estado tem o dever de promover uma educação que nos conduza a tal, pois certamente este entendimento cabe nas expressões pelo desenvolvimento e preparo da pessoa para exercício da cidadania”.
Desse modo, é somente pela educação que o Estado pode efetivamente fazer com que todos tenham o conhecimento mínimo e necessário sobre as leis. E isso se faz dentro da escola. Com base nisso, a melhor medida que pode ser realizada é a inclusão na grade curricular de matérias relacionadas ao conhecimento jurídico.
Sobre essa perspectiva, inclui-se conteúdos jurídicos na grade curricular do Ensino Médio juntamente com outras matérias como Português, Matemática, Biologia, História, etc. Essa medida é importante porque a sua inclusão no âmbito escolar brasileiro, que objetiva em formar “cidadãos comprometidos com o pleno desenvolvimento da sociedade além do despertar da consciência dos mesmos em relação ao cumprimento da função social que cada um tem perante seu grupo social” (TAUCHERT; MARTINS, 2016, p. 02).
Somente pela educação é que o jovem poderá ter noção sobre cidadania e de como funciona a estrutura social, além de conhecer qual a sua real função perante os demais, e ainda “demonstrar o quanto o desrespeito aos seus direitos de cidadão por parte do poder público, das Instituições e dos seus semelhantes pode ocasionar sua exclusão, marginalização e consequentemente os problemas de natureza social” (TAUCHERT; MARTINS, 2016, p. 03).
Diversas pesquisas apontam que a grande parcela da juventude atual não possui qualquer conhecimento sobre os seus direitos. Isso mostra que a educação precisa ser revista. É preciso que se amplie o conteúdo didático atual e que se insiram conteúdos que auxiliem os jovens a conhecer seus direitos e deveres enquanto cidadão.
Nessa faixa etária o ideal seria o ensino sobre o Direito Constitucional, por representar as principais normas no direito brasileiro. A Constituição é a principal norma brasileira aos quais todas as outras se baseiam. Portanto, ter conhecimento sobre o seu texto se torna essencial.
Desse modo:
O que se busca com essa nova disciplina é demonstrar para os jovens que o Direito Constitucional é o alicerce fundamental de uma sociedade, e que a falta desse entendimento se tornaria um dos motivos para que o grupo social não alcance seus princípios basilares. Dessa forma o Direito Constitucional se coloca como um elemento de colaboração para que os princípios de cidadania sejam efetivamente difundidos entre esses cidadãos que estão se formando para futuramente compor a estrutura social, exercendo assim, a função de engrenagem que faz a máquina da humanidade funcionar (RANGEL, 2014, p. 28).
Frente a essa concepção, algumas medidas estão sendo implantadas para mudar a realidade sobre o desconhecimento da norma jurídica. Sabendo da importância do ensino sobre o Direito Constitucional, o então senador da República Romário (PSB/RJ) criou o Projeto de Lei 3380/2015 onde altera a Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre os currículos da educação básica.
Esse Projeto de Lei busca inserir o ensino de Direito Constitucional nas escolas de Ensino Fundamental e Ensino Médio; a saber:
O Congresso Nacional decreta: Art. 1º Os arts. 27 e 32 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), passam a vigorar com a seguinte redação:
Art. 27.
I – difusão de valores fundamentais ao interesse social e aos direitos e deveres dos cidadãos e de respeito ao bem comum e à ordem democrática, com a introdução do estudo da Constituição Federal;
Art. 32.
II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, do exercício da cidadania, da tecnologia, das artes e dos valores éticos e cívicos em que se fundamenta a sociedade;
(BRASIL, 2015)
O autor do projeto tem como objetivo “reformar a educação escolar dos ensinos fundamental e médio trazendo para dentro da grade curricular a disciplina de Direito Constitucional, tendo em vista que oportunizará os futuros cidadãos brasileiros no sentido de ter noções jurídicas através de conteúdos provenientes do curso de Direito” (FRANÇA, 2017, p. 01).
O autor ainda justifica a inserção da disciplina de Direito Constitucional na grade curricular do sistema educacional brasileiro como “uma forma de expansão da noção cívica que versem sobre a formação da cidadania onde está ligada diretamente com a democracia do país, tornando-os mais conscientes sobre seus direitos e deveres e prepará-los para uma sociedade mais justa” (FRANÇA, 2017, p. 01). Até o presente momento, tal Projeto está aguardando parecer do Relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
No âmbito trabalhista, necessário citar a iniciativa louvável do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), que além de dar suporte direcionado à atividade a ser praticada pelos novos empreendedores, disponibiliza diversos artigos que tratam de temas pertinentes como regime de tributação, obrigações trabalhistas, dentre outros (SILVEIRA, 2018).
Com tais medidas acima citadas, fica evidente afirmar que a inclusão do Direito Constitucional como disciplina obrigatória no sistema de educação no Brasil, por exemplo, se faz necessário, pois trará inúmeros benefícios, uma vez que possibilitará que a próxima geração possa adquirir conhecimentos jurídicos e a Constituição Federal é uma disciplina que contém noções básicas para este fim.
Ao incluir os conhecimentos jurídicos na escola e nas empresas, o Estado e a sociedade têm criado um poderoso mecanismo de prevenção à negligência intelectual sobre a legislação brasileira, fazendo com que o art. 3º aqui analisado não se torne cada vez mais ineficaz e contraditório com a realidade social atual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desconhecimento da norma jurídica brasileira é evidente ao se olhar para as camadas mais pobres e vulneráveis da sociedade. É sabido que quanto maior o nível de escolaridade, maior o entendimento sobre assuntos complexos e diversos, incluindo aí os aspectos jurídicos.
Desse modo, a proposta inicial dessa pesquisa era evidenciar o quão importante é implantar medidas educativas a fim de trazer para a sociedade mais vulnerável o conhecimento mínimo sobre as normas jurídicas. Isso é importante, porque como bem apresentado no decorrer desse estudo, a legislação brasileira não acata o desconhecimento da lei como motivação para as práticas consideradas ilícitas, como bem acentua o art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Sendo assim, devido ao fato de que no ordenamento jurídico brasileiro há uma infinidade de leis e decretos sobre todos os assuntos possíveis, incluir dentro das grades curriculares das escolas de Ensino Médio conteúdos jurídicos faz com que não apenas o jovem comece a se inteirar sobre esse assunto, mas a entender os seus direitos e deveres enquanto cidadão.
A linha de defesa desse estudo vai de caminho ao entendimento de que é preciso que se implante o ensino sobre o Direito Constitucional nas escolas, para que o educando possa adquirir o senso sobre cidadania e que pudesse conhecer de fato os seus direitos e deveres.
No que concerne aos deveres, por exemplo, ao estudar o Direito Constitucional, os alunos poderão ter a oportunidade de conhecerem melhor a legislação brasileira e a importância da compreensão do exercício da cidadania em seus valores sociais, morais e políticos transformando-a em uma sociedade mais justa e obtendo-se a plena consciência da importância de sua participação em todo o sistema político e social.
Diante de todo o exposto, reafirma-se novamente o entendimento de que a disciplina de Direito Constitucional deve ser implementada na grade curricular do Ensino Médio a fim de fazer com que o aluno possa começar a criar a noção do que seja ser cidadão e um indivíduo presente na sociedade. Essa proposta deve ser avaliada por equipe multidisciplinar devidamente qualificada, considerando que toda a estrutura de carga horária será revista e consequentemente ampliada, para que se tenha uma grade curricular bem elaborada e viável do ponto de vista pedagógico.
De igual forma, também seria interessante que empresas privadas expusessem as normas trabalhistas em seus estabelecimentos para que seus funcionários possam ter o conhecimento devido de seus direitos trabalhistas.
Medidas como essas ajudam muito a fazer com que a sociedade possa ampliar o seu conhecimento na área jurídica, ramo este de fundamental importância para o equilíbrio social e harmonia pública.
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VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 10ª edição. Fls. 109-110. Ed. Atlas. São Paulo. 2010.
Bacharelando do Curso de Direito da Universidade de Gurupi - UNIRG
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Marilton Barros. A importância do conhecimento jurídico para o exercício da cidadania. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2020, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55884/a-importncia-do-conhecimento-jurdico-para-o-exerccio-da-cidadania. Acesso em: 22 nov 2024.
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