A boa-fé objetiva constitui o padrão comportamental exigível dos sujeitos da relação contratual, inclusive, das relações de consumo, onde os contratantes, em razão de norma cogente, precisam observar padrões de agir, por ação ou omissão, condizentes com os deveres de lealdade, probidade e honestidade, tanto na fase pré-contratual, como na de conclusão e execução dos contratos, assim como no período pós-contratual.
Agir em conformidade com a boa-fé objetiva é portar-se nas relações contratuais com padrão de postura esperado de sujeito probo, leal e honesto, que atua com transparência em suas relações, sem artimanhas e armadilhas contratuais que possam surpreender negativamente a parte adversa.
É preciso, todavia, observar que a boa-fé objetiva, como o próprio nome está a indicar, volta-se para um padrão comportamental exigível nas relações contratuais segundo parâmetros aferíveis objetivamente no contexto da relação, pouco importando o desejo interior de cada uma das partes da relação contratual. Os ímpetos intrínsecos e não externados dos sujeitos contratantes, voltados à seara da boa-fé subjetiva, não ganham, a priori, relevância jurídica no bojo das discussões das relações contratuais. A boa-fé que importa às relações contratuais é aquela apurável objetivamente em razão do comportamento dos sujeitos contratantes, independentemente dos sentimentos e vontades guardados na intimidade de cada um.
Nesta linha, a título exemplificativo, o sujeito que firma um contrato de seguro com cláusula que lhe beneficiaria em razão de um sinistro e, intimamente, torce para que esse fato fortuito se concretize, a princípio, age em desconformidade coma boa-fé subjetiva, que, para o direito, nessa hipótese, não guardaria maior relevância. Seria a situação de um contrato de seguro de um automóvel com indenização contratada superior ao valor de mercado do bem. Nessa situação, ainda que segurado torça intimamente para que o bem seja furtado, esse sentimento seria irrelevante juridicamente, acaso as partes se comportassem objetivamente segundo o que se espera de uma pessoa leal e honesta. Então, neste exemplo, a boa-fé objetiva se materializaria com o comportamento objetivamente aferível de zelo e cautela com o bem.
Neste toar, antes de prosseguir, é preciso perceber a diferença entre boa-fé subjetiva, corresponde ao estado psicológico do agente, e a boa-fé objetiva, como uma regra de conduta compatível com um agir probo, leal e transparente das partes contratantes.
O Código Civil de 2002, em seu artigo 422, trouxe norma expressa no que tange ao dever de boa-fé objetiva, prescrevendo que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. A doutrina e jurisprudência acrescentam ainda a imperatividade do dever de boa-fé objetiva às fases pré e pós contratuais.
Nessa linha, o jurista Caio Mário da Silva Pereira, com a sabedoria que lhe é peculiar, descreve a boa-fé objetiva nos seguintes termos:
A boa-fé objetiva serve como elemento interpretativo do contrato, como elemento de criação de deveres jurídicos (dever de correção, de cuidado e segurança, de informação, de cooperação, de sigilo, de prestar contas) e até como elemento de limitação e ruptura de direitos (proibições do venire contra factum proprium, que veda que a conduta da parte entre em contradição com conduta anterior, do inciviliter agere, que proíbe comportamentos que violem o princípio da dignidade humana, e da tu quoque, que é a invocação de uma cláusula ou regra que a própria parte já tenha violado).
Então, agir em conformidade com a boa-fé objetiva é portar-se na relação contratual com lealdade, honestidade e transparência, segundo parâmetros objetivamente aferíveis, considerando a natureza e circunstâncias do negócio.
Neste contexto, exemplificativamente, em um contrato de prestação de serviço de cerimonial para uma formatura universitária, em que a empresa de cerimonial contratada oferta seus serviços para organização dos eventos de formatura e cobra um determinado valor pelo serviço, não poderia esta mesma empresa ganhar comissões “por fora” da relação contratual sobre os demais serviços contratados pelos formandos, sob pena de agressão ao dever de guardar a boa-fé objetiva na relação contratual. Neste exemplo, se os formandos celebraram a avença contratual com o estabelecimento de valor certo e determinado pelos serviços contratados, não poderia jamais a empresa de cerimonial se conluiar com os demais fornecedores para embutir nos demais contratos valores a lhe serem repassados a título de “comissões”, já que esse comportamento iria de encontro aos deveres de lealdade, honestidade e transparência exigidos na relação por força do princípio da boa-fé objetiva.
Outrossim, é necessário observar que boa-fé objetiva constitui norma jurídica impositiva e implícita às relações contratuais. Não há a necessidade de que o instrumento contratual contenha cláusula explícita prevendo o dever das partes guardar a boa-fé na relação, sendo, em verdade, dever legal considerando cláusula implícita a todos os contratos.
Em verdade, a atuação do princípio da boa-fé objetiva nas relações contratuais ganha relevo justamente nas situações não expressamente disciplinadas no instrumento contratual. Nesta linha, em princípio, acaso não haja abusividade nas cláusulas contratuais, os deveres e obrigações dos contratantes devem ser regidos pelas cláusulas ajustadas entre as partes, em atenção ao princípio pacta sunt servanda. Todavia, o comportamento dos sujeitos contratuais, sobretudo naquilo que não é taxativamente ajustado no instrumento contratual, deve ser pautado em conformidade com a boa-fé objetiva, ou seja, todos aqueles envolvidos na relação contratual devem portar-se de forma leal, honesta e transparente, de acordo com o que se espera de pessoas de bem.
Assim, a interpretação das cláusulas contratuais deve levar em consideração a postura esperada de uma pessoa leal, honesta e transparente, de modo que devem ser banidas interpretações que favoreçam as famigeradas armadilhas contratuais, que trazem vantagem excessiva para uma das partes em detrimento da outra. Da mesma forma, as omissões contratuais devem ser suplantadas tomando como norte a postura esperada de sujeitos que atuam com boa-fé.
Então, é possível concluir que a boa-fé objetiva constitui obrigação de ordem legal, sendo considerada cláusula cogente e implícita a todas as relações contratuais, que exige dos sujeitos da relação um padrão de comportamento condizente com um agir leal, honesto e transparente, desde as tratativas, fase pré-contratual, passando pela fase de celebração e execução, até a fase pós-contratual.
Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru, SP: Edipro, 2001.
_______.Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria celeste Cordeiro Leite dos Santos.10ª ed. Brasília: Editora UNB, 1999.
FILHO, Rodolfo Pamplona; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, Volume II – Das Obrigações. 4ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004.
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência. 12ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2003.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do Direito Civil. Volume III - Contratos. ed 12º. Rio de Janeiro: ED. Forense, 2005.
Precisa estar logado para fazer comentários.