RESUMO: Paulatinamente se tem discutido acerca da extensão do sigilo entre advogado e cliente quando se está diante de uma suposta prática de lavagem de dinheiro. Caberia ao profissional, quando no exercício de seu mister, violar a confiança nele depositada e informar as autoridades competentes a respeito da suposta prática? A questão, de relevantes considerações práticas, passou a ser amplamente debatida após a publicação da Lei nº 12.683/2012, o qual acrescentou na Lei nº 9.613/98 o dever dos profissionais que prestam consultoria ou assessoria (e outras atividades similares) em informar a Unidade de Inteligência Financeira do Brasil a respeito de tais práticas. Portanto, busca-se com este trabalho estudar se as obrigações são válidas ou não, bem como estudar as consequências dos advogados que auxiliam na prática de branqueamento ou recebem como contraprestação honorários maculados.
Palavras-chave: Lavagem. Advocacia. Criminalização.
ABSTRACT: Gradually it’s has been discussed about lawyers and client’s secrecy when it is faced to be helping cover money laundering activities. Could the professional, exercising its job, violate the trust of his client and inform the legal authorities about the supposed laundering? This question, with applicable practical considerations, became wide discussed after the publication of the Law nº 12.683/2012, which complemented the Law nº 9.613/98 the obligation to consultive or advisory professionals (and other resembling activities) to inform the Brazilian’s Unit of Final Intelligence about supposed money laundering practices. Therefore, this article pretends to study either these obligations are lawful or not, as well as study its consequences to lawyers who help their clients perform money laundering or lawyers who receives its fees stained by money laundering activities.
Keyword: Laundering. Advocacy. Criminalization.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A LAVAGEM DE CAPITAIS PELOS ADVOGADOS; 2.1 O DEVER DE SIGILO DO PROFISSIONAL; 2.3 DOS HONORÁRIOS MACULADOS; 3 DO DIREITO COMPARADO; 3.1 DA EXPERIÊNCIA DO CANADÁ; 3.2 DA EXPERIÊNCIA ESPANHOLA; 4 DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4841; 5 CONCLUSÃO; 6 REFERÊNCIAS.
De acordo com levantamento de dados e pesquisas integradas, estima-se que seja lavado, anualmente, 2% a 5% do PIB mundial, conforme dados divulgados pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes. Os efeitos econômicos decorrentes da prática da atividade fomentam nefastas consequências ao plano econômico-social de um país, especialmente em um plano macroeconômico onde atinge diretamente os índices inflacionários, desdobrando-se em relevante fator prejudicial para o desenvolvimento socioeconômico e cultural de um país.
Com o intuito de reprimir a prática ilícita, em 14 de julho de 1989 o G7 se reuniu em Paris organizando a Financial Action Task Force – FATF (também conhecido como Grupo de Ação Financeira contra Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo – GAFI/FATF), precipuamente designada para combater a prática crescente de lavagem de dinheiro, conduta criminosa que vinha sendo comumente utilizada por traficantes de drogas e mafiosos. A força tarefa ficou mundialmente reconhecida pelas 40 recomendações expedidas instruindo formas de combate e repressão à lavagem de capitais, posteriormente sendo adotada mais 9 recomendações.
As medidas de combate estudadas pela entidade são encontradas em diversos países, em razão de sua aplicabilidade prática que demonstrou apta a combater efetivamente a lavagem de dinheiro, bem como prevenir a conduta pelos variados agentes e grupos criminosos.
Observando que todas as atividades voltadas ao comércio de assessoria, consultoria, auditoria, aconselhamento etc. estão suscetíveis a fornecer substratos na prática do ilícito e possível mascaramento da prática, buscou o Gafi estabelecer as mais variadas recomendações à todos que estão suscetíveis em contribuir para a prática, ainda que de forma eventual, indireta ou culposa, atingindo classes cuja essência se naturaliza no dever jurídico de sigilo entre o cliente e o profissão, a exemplo dos advogados.
Evitando que os profissionais de consultoria jurídica fornecessem os subterfúgios idôneos ao cometimento do ilícito, seja de forma direta – agindo com a intenção de auxiliá-lo ou produzir o resultado – ou indireta – agindo de forma negligente, imprudente ou com imperícia – no decorrer de suas atribuições.
Fora com base na Recomendação nº 23 do Gafi que o legislador brasileiro se inspirou ao editar e publicar a Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012, impondo a todos os profissionais que atuam, mesmo que de forma eventual, nas atividades de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência o dever de comunicar as autoridades competentes quando houvesse a suspeita da ocorrência de uma possível lavagem de dinheiro por seus clientes, ensejando multa o seu não cumprimento.
Assim, discute-se a respeito da extensão desta obrigação legal aos advogados, posto que, ainda que genericamente, os elementos descritos na norma em questão, abrange homogeneamente as atividades especializadas dos advogados, quais sejam a consultoria e assessoria jurídica, sabido de que o respectivo profissional, para o regular exercício da profissão, se mantem em uma relação de estrita confiança com seu tomador.
Ante o exposto, o presente trabalho abordará teoricamente os pontos precípuos no exercício da advocacia e a sua comunicação com a possível prática do ilícito de lavagem de capitais, discorrendo sobre eventual contrariedade a respeito do dever legal de confidencialidade, abrangendo a extensão da obrigação do inciso XVI do parágrafo único do art. 9º da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, bem como a possível lavagem de capitais pelo próprio advogado.
Preliminarmente, o crime de lavagem de bens, direitos ou valores encontra-se previsto no art. 1º da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, possuindo a seguinte redação:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Desta forma, o agente que busca ocultar ou dissimular a origem do bem, de forma dolosa, visto que o elemento subjetivo do tipo penal não prevê a modalidade culposa ante a ausência da disposição normativa, enquadrar-se-á no tipo penal em comento, praticando a infração de lavagem de bens.
O tema em questão triparte-se em três situações distintas: (a) a primeira é quando o agente não deseja praticar os elementos objetivos do tipo ou concorrer para a prática, porém se encontra em relação de dúvida sobre a obrigação em informar ao Órgão Público competente sobre as operações suspeitas; (b) a segunda é percebida quando o profissional concorre para a prática da infração penal ou venha ele mesmo a realiza-la; e (c) por último, haverá a hipótese em que o profissional não deseja praticar a infração, mas vem a prestar serviços àqueles que o cometeram e acabam por ser remunerados com o proveito do crime, também conhecido como honorários maculados. (ESTELLITA et al, 2016, p. 11)
Na esteira do artigo supra, a legislação trouxe em seu art. 9º, parágrafo único, o rol dos agentes obrigados a prestar toda informação que venha obter sobre a possível lavagem de capitais ao Poder Público, determinando em seu inciso XIV a obrigação às “pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações” (BRASIL, 2012).
As operações a qual o inciso se refere são elencadas logo em seguida, sendo-as:
a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza;
b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos;
c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários;
d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas;
e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e
f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais;
O enfoque se encontra nas palavras consultoria e assessoria, visto que a Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994 (Estatuto da OAB - EOAB), em seu inciso II do art. 1º estabelece que serão atividades privativas do advogado as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
Indaga-se a extensão da norma contraposta ao art. 1º, II do Estatuto da OAB, visto que ela não se limitou a estabelecer quais atividades de consultoria, assessoria, contadoria etc. que recairá o dever de prestar as eventuais informações que venham a obter de seus clientes.
Têm-se, portanto, dois fatores importantes a serem considerados: a. considerando a advocacia como uma das atividades obrigadas a informar, poderá incorrer nas penalidades previstas na legislação; b. se não considerar a advocacia como atividade obrigada a prestar os esclarecimentos, legitima-se uma possível atividade de consultoria ou assessoria aos criminosos em como promover a lavagem de capitais.
Na primeira consideração se percebe a existência de uma antinomia, pois há direito em conflito, eis que o advogado é obrigado a guardar o sigilo das informações que venha a receber dos clientes, consoante determinação legal da norma do inciso II do art. 7º do Estatuto da OAB, vindo a incorrer nas penas do delito previsto no art. 154 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal - CP), cuja rubrica se destaca como “Violação do segredo profissional”, quando o profissional divulga o segredo de seu cliente.
Neste sentido, deverá o operador do direito lançar mão dos critérios de solução da antinomia, quais sejam os critérios hierárquico, cronológico e especial, com o escopo de por fim ao conflito, pois se agir será punido, porém em sua omissão incorrerá também em penalidades.
Apresenta-se um dos principais complicadores à resolução do conflito, posto que pelo critério cronológico, prevalecerá o dever do advogado em comunicar o Poder Público, em específico o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, sobre a possível ilicitude de seu cliente. Contudo, considerando-se esta como norma geral (art. 9º, parágrafo único, XIV, Lei nº 9.613/98), a resolução se faz pelo critério da especialidade, em razão da norma do art. 7º, II, do EOAB ser especial em equiparação àquela, afastando-se o dever do profissional em comunicar o órgão público.
A questão importa na prática, pois haverá responsabilidade administrativa se adotar a hipótese da obrigação ao profissional jurídico em informar ao órgão público competente, ensejando as penalidades listadas pelo art. 12 da Lei nº 9.613/98:
I - advertência;
II - multa pecuniária variável não superior:
a) ao dobro do valor da operação;
b) ao dobro do lucro real obtido ou que presumivelmente seria obtido pela realização da operação; ou
c) ao valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais);
III - inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo de administrador das pessoas jurídicas referidas no art. 9º;
IV - cassação ou suspensão da autorização para o exercício de atividade, operação ou funcionamento.
Mesmo não possuindo caráter vinculativo, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao julgar a apelação cível nº 2007.34.00.004227-1, entendeu que a assessoria por escritórios de advocacia em compra e venda de imóveis não se considera atividade típica de advogados, impondo-lhes o dever de comunicar ao COAF eventuais suspeitas de lavagem de capitais.
Na ocasião, discutia-se acerca da aplicabilidade das disposições do parágrafo único do art. 1º da Resolução nº 14/2006 do COAF, a qual determina que pessoas jurídicas que exerçam atividade de compra e venda de imóveis deverá informar ao órgão público eventuais suspeitas da prática de branqueamento de capitais, previstos no art. 1º da Lei nº 9.613/98.
Art. 1º Com o objetivo de prevenir e combater os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, conforme estabelecido na Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, regulamentada pelo Decreto nº 2.799, de 8 de outubro de 1998, as pessoas jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis deverão observar as disposições constantes da presente Resolução.
Parágrafo único. Enquadram-se nas disposições desta Resolução, dentre outras, as seguintes pessoas jurídicas que exerçam as atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis em caráter permanente ou eventual, de forma principal ou acessória, cumulativamente ou não:
I. Construtoras;
II. Incorporadoras;
III. Imobiliárias;
IV. Loteadoras;
V. Leiloeiras de imóveis;
VI. Administradoras de bens imóveis; e
VII. Cooperativas habitacionais.
O magistrado, no julgamento do mandamus¸ entendeu que a palavra “dentre outras” indicava que o rol previsto no ato administrativo o declarava meramente exemplificativo, razão pela qual incide a obrigação dos escritórios de advocacia em providenciar a emissão das informações das operações aos COAF, em virtude de não ser atividade típica de advogado. O tribunal, ao julgar a apelação, manteve a sentença, consubstanciando o entendimento do magistrado. Neste sentido, cite-se o aresto:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SOCIEDADE DE ADVOGADOS. ASSESSORAMENTO PARA COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS. COMUNICAÇÃO DE OPERAÇÕES SUSPEITAS DE LAVAGEM DE DINHEIRO E OCULTAÇÃO DE ATIVOS. ART. 1º, PARÁGRAFO ÚNICO DA RESOLUÇÃO N. 14/2006, DO CONSELHO DE CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS (COAF). INCIDÊNCIA. 1. As sociedades de advogados, no exercício de atividades de assessoramento para compra e venda de imóveis não realizam atividade típica da advocacia, não se aplicando, nessa hipótese, a cláusula de inviolabilidade prevista na Constituição Federal (art. 133) e na Lei n. 8.906/1994 (art. 2º, § 3º). Não há óbice, desse modo, a que se submetam às disposições da Resolução n. 14/2006 do COAF. 2. "Sociedade de advogados, no exercício de atividades de assessoramento para compra e venda de imóveis, submete-se à Resolução-COAF n. 14/2006, ante os termos do seu art. 1º e parágrafo único. O sigilo previsto no Estatuto da Advocacia não alcança atividades que não são típicas dos advogados, as quais vêm previstas no seu art. 1º" (Parecer do MPF). 3. Sentença confirmada. 4. Apelação desprovida.
(AMS 0004182-05.2007.4.01.3400, DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 20/04/2010 PAG 243.)
A questão tem relevo prático, pois retira-se da norma da alínea a do inciso XVI do art. 9º da Lei nº 9.613/98 a mesma obrigação contida na então Resolução nº 14/06 do COAF, ou seja, a obrigação daqueles que promovem assessoria, consultoria, auditoria, contadoria, aconselhamento ou assistência em operações de compra e vendas de imóveis.
Com isso, de acordo com o entendimento supramencionado, as sociedades simples de advogados estariam obrigadas a fornecer eventuais informações ao COAF, sob pena de incorrer nas multas cominadas pela respectiva lei.
Questão de difícil pacificação, posto que a obrigação imputada poderá refletir diretamente nas atividades advocatícias quando ligadas à eventuais litígios, ou seja, quando envolver assessoramento ao cliente para promover operação de compra e venda de imóveis com o intuito de evitar litígios, a exemplo dos advogados contratualistas que confeccionam os contratos de compra e venda ou de sua promessa (observado o imperativo legal do art. 108 do Código Civil).
Chamado a manifestar-se, decidiu o Órgão Especial do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que as obrigações atribuídas aos profissionais de consultoria e assessoria no inciso XIV do parágrafo único do art. 9º não vinculam os advogados, pois inviável admitir que a norma geral revogue a norma especial, sendo esta última o dever de sigilo imposto pelo art. 7º, II, do EOAB. A consulta ficara com a seguinte ementa:
Consulta n. 49.0000.2012.006678-6/OEP. Assunto: Consulta. Lei n. 12683/2012. Lei de Lavagem de Dinheiro. Aplicabilidade ou não aos advogados e sociedades de advogados. Consulente: Conselho Seccional da OAB/São Paulo. Relatora: Conselheira Federal Daniela Rodrigues Teixeira (DF). Ementa n. 076/2012/OEP: Lei 12.683/12, que altera a Lei 9.613/98, para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Inaplicabilidade aos advogados e sociedades de advogados. Homenagem aos princípios constitucionais que protegem o sigilo profissional e a imprescindibilidade do advogado à Justiça. Lei especial, Estatuto da Ordem (Lei 8.906/94), não pode ser implicitamente revogado por lei que trata genericamente de outras profissões. Advogados e as sociedades de advocacia não devem fazer cadastro no COAF, nem têm o dever de divulgar dados sigilosos de seus clientes que lhe foram entregues no exercício profissional. Obrigação das Seccionais e Comissões de Prerrogativas Nacional e estaduais de amparar os advogados que ilegalmente sejam instados a fazê-los. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros do Órgão Especial do Conselho Pleno do CFOAB, por unanimidade, em conhecer e responder à consulta, nos termos do voto da Relatora, parte integrante deste. Brasília, 20 de agosto de 2012. Alberto de Paula Machado - Presidente. Daniela Rodrigues Teixeira - Relatora. (DOU. 23.08.2012, S. 1, p. 71)
Desta forma, em regra, não se atribui ao advogado a responsabilização jurídica pelo não cumprimento do dever legal de informar ao COAF acerca de supostas irregularidades nas operações elencadas pelo inciso XIV do parágrafo único do art. 9º da Lei nº 9.613/98, em razão do fato de não lhe ser possível exigir a quebra da confiança depositada ao advogado pelo cliente, em razão de lhe ser determinado constitucionalmente (art. 133 da Constituição Federal), legalmente (art. 7º, II, do EOAB) e administrativamente (art. 35 do Código de Ética e Disciplina da OAB).
2.2 DA RESPONSABILIDADE PENAL
Apesar de ser imune, em regra, quanto à obrigação em informar ao COAF acerca de supostas irregularidades cometidas pelos clientes, difere a situação quando os profissionais jurídicos decidem, com liame subjetivo, auxiliar seu cliente em como lavar promover a operação de branqueamento de bens ou direitos.
Ao advogado não se veda a consultoria jurídica ou mesmo assessoria àqueles que cometem operações ilícitas com o intuito de promover a lavagem dos bens, sendo, contudo, inadmissível que oriente ao cliente subterfúgios jurídicos aptos a auxiliá-los em sua prática delituosa. Estaria agindo contrário aos deveres inerentes à sua profissão, pois deve o causídico se abster de praticar atos que atentem contra a ética, moral, honestidade e à pessoa humana, confronte art. 2º, VII, “c” do Código de Ética e Disciplina da OAB, bem como nos incisos XVII e XVIII do art. 34 do EOAB.
Por não haver tipo penal específico, nem tampouco haverá participação, em regra, caso o advogado se preste a fornecer as informações solicitadas pelo cliente, não restará nenhuma responsabilidade penal a ser cobrada. No entanto, por óbvio, caso o advogado, aderindo ao desígnios do cliente, auxilia-o em como realizar a conduta prevista no art. 1º da Lei nº 9.613/98, restará sua autoria ou participação, a depender do caso.
Como bem destacado com Pierpaulo Cruz Bottini (2014), “caso viole as normas de cuidado e tenha dolo de colaborar com o crime, será punido, ao menos a título de participação”. E mantem o citado autor que se o ato praticado pelo advogado contribuir para o crime de lavagem, haverá participação na prática do crime, se houver o dolo do profissional em colaborar com o agente.
No mesmo sentido, apesar do art. 133 da Constituição Federal conhecer a importância da advocacia para a administração da justiça, nada impede que haja a responsabilização criminal deste quando estiver possibilitando que o cliente promova a lavagem de dinheiro, pois não estará respaldado pelo exercício regular de sua profissão, mas sim contribuindo e concorrendo com o delito previsto. (ESTELLITA et al, 2016, p. 153)
Desta forma, configura-se a coexistência da responsabilidade administrativa e criminal em face do profissional.
Em razão do princípio da culpabilidade adotado no Direito Penal, não haverá qualquer responsabilidade objetiva. Desta forma, caso o advogado preste a consultoria ignorando a situação de fato que ensejou a busca do cliente pelas informações, não poderá haver qualquer penalização daquele, visto que não agiu com a vontade em praticar ou verbo núcleo do tipo (dolo) e que o tipo penal não prevê a modalidade culposa.
Hodiernamente tem ganhado holofote o dissenso sobre os honorários dos advogados quando assessoria o cliente acusado de praticar o ilícito de branqueamento de capitais. A discussão possui inúmeros relevos práticos, visto que paulatinamente tem sido admitida a teoria da cegueira deliberada pelos Tribunais, a qual busca imputar a prática do crime de branqueamento aos profissionais quando estes, buscando ignorar a origem do dinheiro, os aceita.
Preliminarmente, entende-se por honorários maculados o pagamento ao profissional, à título dos serviços prestados ao cliente, com os proveitos da infração praticada. É o caso de, v.g, o indivíduo ser acusado da prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006) promover o pagamento ao seu procurador com o dinheiro que obteve no decorrer da prática do ilícito.
A discussão se divide em duas vertentes: a. não haverá ilícito penal o simples fato de ter o advogado recebido honorários maculados; e b. que o honorário pago, em decorrência de ser possivelmente fruto do ilícito, enseja a responsabilização do profissional.
Para a primeira haverá um sério comprometimento econômico-financeiro ao profissional, uma vez que a advocacia precipuamente é exercida privativamente, ou seja, o profissional recebe diretamente do cliente a sua renda. Também se discute sobre o possível cerceamento das atividades e o direito de defesa do acusado, posto que apesar de cometido o ilícito penal, tem constitucional direito a uma defesa técnica (art. 5º, LIV, da Constituição Federal).
Conforme bem retratado por Sanchez Rios (2010, p. 145),
Ao se adentrar em uma sucinta interpretação dogmática do tipo penal de lavagem em vigor em nosso direito positivo (Lei nº 9.613/98), depara-se com os aspectos dissonantes, pois a atuação do profissional, conforme tradicional entendimento, demandaria um elementar subjetivo especial – receber para ocultar ou dissimular – e quem presta efetivo serviço profissional não oculta nem dissimula. Essa perspectiva da ação neutra do advogado ao receber honorários maculados encontraria, no âmbito, da solução do dolo, a restrição da incidência do tipo penal da lavagem, recebendo respaldo dogmático e político criminal (pois manteriam-se as prerrogativas do defensor do livre exercício da profissão).
Ocorre que, diante do princípio da legalidade estrita (art. 1º do Código Penal e art. 5º, XXIX, da Constituição Federal), não haverá crime se não houver sanção prevista em lei. Desta forma, o mero fato de receber seus honorários, cuja origem é ilícita, não configura, per si, crime. Deve haver a intenção do advogado em praticar o verbo núcleo do tipo, isto é, ocultar ou dissimular a origem, natureza, localização, disposição, movimentação ou propriedade dos bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
A segunda hipótese reconhece o sancionamento do profissional que recebe o capital fruto do ilícito praticado, respondendo pelo seu branqueamento nos termos do art. 1º da Lei nº 9.613/98. Para esta vertente, haverá a responsabilização do indivíduo que, possuindo capacidade em saber qual a precedência do dinheiro, busca ignorá-la para evitar possível responsabilização. Esta hipótese vem paulatinamente ganhando espaço tanto na teoria quanto na prática, em razão da adoção da teoria da cegueira deliberada, supramencionada.
Historicamente, a teoria ganhou seus contornos em 1861, quando pela primeira fora mencionada no julgamento do caso Regina v. Sleep. Na ocasião, Sleep fora acusado de desfalcar bens públicos. Alegou em sua defesa que não sabia a origem dos bens, tendo, no entanto, sido condenado pelo júri. Ocorre que o juiz Willes o absolveu sob a alegação de que o júri não teria certeza se o homem de fato conhecia a origem dos bens públicos ou se ele deliberadamente procurou desconhecê-la (ROBBINS, 1990).
Conforme bem destacado por Robbins (1990), “this comment suggests that, with sufficient evidence, the court would have upheld conviction for deliberate ignorance in lieu of actual knowledge”.
Com base nesse julgamento, em 1875 tornou a ser aplicado no julgamento do caso Bosley v. Davies, em que considerou culpado Davies pela prática ilícita de jogos em suas instalações hoteleiras, aplicando-se-lhe o que seria posteriormente a teoria da cegueira deliberada ao afirmar que apesar de ser necessário o conhecimento da imputação, era possível exigir o conhecimento destes pelo réu, condenando-o sob este fundamento. (ROBBINS, 1990)
No Brasil, a teoria foi aplicada pela primeira vez no julgamento da ação penal nº 2005.81.00.014586-0. Na presente ação, o Ministério Público Federal imputou aos sócios de uma concessionária a prática de lavagem de capitais decorrente da compra de 11 (onze) automóveis em espécie por um dos autores do crime conhecido como “assalto ao banco central”. Na sentença, o juiz da 11ª Vara da Federal do Ceará entendeu que apesar de não saber sobre a origem dos bens, era possível suspeitar de sua origem, aplicando a teoria da cegueira deliberada. Posteriormente, a Segunda Turma Criminal do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sede de apelação, absolveu os acusados sob o fundamento de que não havia previsão legal da referida teoria, bem como estaria violando o princípio da culpabilidade, o qual veda a responsabilidade objetiva no Direito Penal. Neste sentido:
[...]2.4- Imputação do crime de lavagem em face da venda, por loja estabelecida em Fortaleza, de 11 veículos, mediante o pagamento em espécie: a transposição da doutrina americana da cegueira deliberada (willful blindness), nos moldes da sentença recorrida, beira, efetivamente, a responsabilidade penal objetiva; não há elementos concretos na sentença recorrida que demonstrem que esses acusados tinham ciência de que os valores por ele recebidos eram de origem ilícita, vinculada ou não a um dos delitos descritos na Lei n.º 9.613/98. O inciso II do § 2.º do art. 1.º dessa lei exige a ciência expressa e não, apenas, o dolo eventual. Ausência de indicação ou sequer referência a qualquer atividade enquadrável no inciso II do § 2º.
(PROCESSO: 200581000145860, ACR - Apelação Criminal - 5520, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, Segunda Turma, JULGAMENTO: 09/09/2008, PUBLICAÇÃO: DJ - Data::22/10/2008 - Página::207 - Nº::205)
Aponta-se, contudo, que a teoria tomou seus contrastes no Brasil quando do julgamento da Ação Penal nº 470 (vulgarmente conhecida como Mensalão) no Supremo Tribunal Federal, o qual destacou o relator que:
(…) Pode-se identificar na conduta dos acusados-beneficiários, especialmente dos parlamentares beneficiários, a postura típica daqueles que escolhem deliberadamente fechar os olhos para o que, de outra maneira, lhes seria óbvio, ou seja, o agir com indiferença, ignorância ou cegueira deliberada. Para o crime de lavagem de dinheiro, tem se admitido, por construção do Direito anglo-saxão, a responsabilização criminal através da assim denominada doutrina da cegueira deliberada (willful blindness doctrine).
Por óbvio, haverá lavagem quando o escritório é contratado para prestar determinado serviço jurídico a determinado preço, o qual, porém, vem a posteriormente repassar percentual dos valores obtidos ao prestador (cliente), havendo claro indícios do cometimento do delito previsto no art. 1º da Lei n 9.613/98.
Convém retratar, de forma sincrética, a experiência em outros países que já debateram - e ainda debatem - sobre a atividade advocatícia em estrita ligação à lavagem de capitais. Importante se faz da lição dos países como Canadá e Espanha, posto seus interessantes desdobramentos e posições tão antagônicas nas decisões tomadas a respeito do assunto.
Ademais, em pertinência ao tema, convém destacar que no ordenamento jurídico brasileiro não se depreende quaisquer imposições legislativas ou normativas restringindo o percebimento dos honorários advocatícios, tampouco a forma de os auferir, como feito pelo Canadá. A experiência ali constatada em muito se assemelha à atual vivida em atualmente. Por ocasião da promulgação do Proceeds of Crime (Money Laudering) and Terrorist Financing Act, de 29 de junho de 2000, assentou-se o entendimento que a obrigação estipulada em seu item 5, acerca das pessoas obrigadas a repassarem as devidas informações quando houvesse suspeitas de lavagem de direito, se estendia aos advogados diante da redação contida nos itens 5(i) e 5(j), o qual determina:
5 This Part applies to the following persons and entities:
(i) persons and entities engaged in a prescribed business, profession or activity;
(j) persons and entities engaged in a prescribed business or profession, while carrying out a prescribed activity;
Deste modo, a Federation Of Law Societies of Canada ajuizou representação na Supreme Court of British Columbia[1], solicitando a declaração da inconstitucionalidade da obrigação em face dos advogados, o qual posteriormente fora reconhecida a inconstitucionalidade, sendo um de seus argumentos a de que haveria clara violação ao sigilo entre o profissional, bem como o de que a imposição das obrigações deveria ser realizada pelo Conselho de Classe competente. (ESTELLITA et al, 2016, p. 99 e 104)
Neste sentido, com o escopo em evitar a lavagem de dinheiro por parte dos advogados, a Law Society of British Columbia (órgão semelhante às seccionais da Ordem dos Advogado do Brasil), estabeleceu as regras que ficaram conhecidas como “No cash rule” (na tradução livre, regra do sem dinheiro), a qual basicamente consiste na proibição imposta aos membros da classe, seja os profissionais liberais ou as sociedades advocatícias, em receberam ou aceitarem mais que $7,5 mil em espécie em suas transações, bem como limitou a $1 mil – reitera-se ser imprescindível que seja em espécie o montante - o reembolso de despesas em determinadas situações. A “No cash rule” fora posteriormente adotada pela Federation of Law Societaties of Canada e demais seccionais representativas do conselho de classe, com exceção do Quebec, bem como o ulterior regramento a respeito da identificação dos clientes conhecida como “Client ID”, estabelecendo aos advogados o dever de armazenar toda informação relativa a seus clientes, com o escopo de possível identificação dos clientes para qual se presta o serviço, sendo certo que tais informações serão repassadas à autoridades competentes em aferir os dados levantados.(ESTELLITA et al, 2016, p. 95)
A experiência mencionada pode influenciar diretamente na questão em debate, posto que somente a partir de 2012 com o advento da Lei nº 12.683 começou-se a questionar o papel da advocacia como fator de fomento para a lavagem de dinheiro, sendo que em outros países há muito debatiam o assunto, em especial o Canadá. Como mencionado, o julgamento do caso pela Supreme Court of British Columbia, impactou consideravelmente os deveres impostos aos profissionais, conhecendo que as medidas de combate ao branqueamento de capitais a potencialização destas pelos advogados, em verdade, restará melhor enfrentada pela regulamentação pelos próprios conselhos de Classe, e não ao legislador, até porque este, por mais nobre sua intenção, acaba por desnaturalizá-la, tornando-o uma espécie de agente público sui generis.
Atendendo as determinações postas pela Directive 2005/60/CE do European Parliament and of the Council, de 26 de outubro de 2005, a Espanha editou a Lei nº 10/2010 incluindo o advogado como um dos profissionais responsáveis pelo combate direto ao delito de branqueamento de capitais, após ser condenada pela Court of Justice of the European Union em outubro de 2007 por descumprir as determinações da respectiva diretriz.
A diretriz em comento do Parlamento e Conselho Europeu, em síntese, adotou o posicionamento de que o advogado estaria resguardado no exercício de sua atividade típica contenciosa, mas sendo perfeitamente possível ao Estado reduzir a amplitude do dever de confidencialidade das informações obtidas quando no exercício de atividades outras que não diretamente relacionadas ao contencioso.
Neste sentido:
Where independent members of professions providing legal advice which are legally recognised and controlled, such as lawyers, are ascertaining the legal position of a client or representing a client in legal proceedings, it would not be appropriate under this Directive to put those legal professionals in respect of these activities under an obligation to report suspicions of money laundering or terrorist financing. There must be exemptions from any obligation to report information obtained either before, during or after judicial proceedings, or in the course of ascertaining the legal position for a client. Thus, legal advice shall remain subject to the obligation of professional secrecy unless the legal counsellor is taking part in money laundering or terrorist financing, the legal advice is provided for money laundering or terrorist financing purposes or the lawyer knows that the client is seeking legal advice for money laundering or terrorist financing purposes.
Desta forma, o Lei nº 10/2010 incluiu em seu art. 2º a obrigação dos advogados em informar sobre eventuais suspeitas quando estes participarem na concepção, realização ou assessoramento em nome do cliente nas operações de compras de imóveis ou estabelecimentos comerciais; fundos de gestão, valores e ativos; abertura de contas corrente, poupança ou conta de valores; organizar os aportes de capitais necessários para criação, funcionamento ou gestão de empresas; criação, funcionamento ou gestão de fideicomissos, sociedades; quando atuam em nome de seus clientes em qualquer operação financeira ou imobiliária. Contudo, não estão obrigados quando as informações obtidas pelos clientes desde que destinadas a eventuais processos judiciais ou com intuito de evitá-los, confronte o art. 22 da referida lei.
De maneira semelhante ao ocorrido no Brasil, a Espanha possui leis no sentido de resguardar o sigilo das informações obtidas pelos advogados, sendo objeto de regulamentação da própria profissão pelo Código Deontológico dos Advogados da Espanha. Menciona-se ainda a previsão constitucional impondo o dever de cuidado das informações que os profissionais em comento devem ter quando do exercício de suas funções, visto que lhe são resguardados constitucionalmente a confidencialidade das informações lhes confiadas. Evidente que a norma jurídica do art. 2º da Lei nº 10/2010 se encontra em conflito com os direitos previamente legitimados.
Instado a se manifestar a respeito das obrigações impostas aos advogados, o Court of Justice of the European Union declarou que a legitimidade das obrigações impostas aos advogados pelas Directive 91/308/EEC e Directive 2001/97/CE não infringe o direito ao devido processo legal, assegurado pelo art. 6º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, legitimando o teor da Directive 2005/60/CE, vez que esta decorre diretamente da Directive 91/308/EEC, consoante determinado em seu parágrafo 4º[2].
Em 23 de agosto de 2012 fora ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4841 junto ao Supremo Tribunal Federal – STF pela Confederação Nacional dos Profissionais Liberais - CNPL, em razão da publicação da Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012, que alterou a Lei nº 9.613/98.
Insurge a Confederação contra os art. 2º da Lei nº 12.683/12, sob o fundamento de que as obrigações presentes no arts. 10 e 11 acrescidos pelo artigo impugnado violam o direito de sigilo dos profissionais liberais, citando as imposições normativas legais e administrativas aos variados profissionais, inclusive a obrigação de sigilo dos advogados para com seus clientes, consagrado no art. 7º, II, do EOAB. No mesmo sentido, impugnam a incidência da norma do inciso XVI do parágrafo único do art. 9º da Lei nº 9.613/98, posto que a obrigação abarcará todos os profissionais liberais que demandam do sigilo profissional para o regular exercício de suas atribuições.
O Procurador-Geral da República manifestou em duas vezes no processo, sendo a primeira na ocasião sobre o pedido liminar pleiteado, e a segunda acerca do mérito. Nesta última, impugnou pela improcedência do pedido, sob o fundamento de que: i. a Lei nº 12.683/12 reproduziu a Recomendação nº 23 do Gafi; ii. que o sigilo não é um direito absoluto, sendo perfeitamente plausível, em determinadas situações, seja quebrado desde que com “justa causa”; e iii. que o objeto de impugnação não atinge diretamente a advocacia contenciosa.
Salienta-se que até a data deste trabalho não houve julgamento da ação, sendo que nem sequer chegou a ser incluído para a pauta de julgamento, estando concluso para o relator desde 2013.
Destaca-se que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB se manifestou pela improcedência dos pedidos quanto aos advogados, sob o fundamento de que a autora não possui legitimidade ativa para demandar em favor destes profissionais.
Importante salientar que se afastado o pedido da CFOAB, o julgamento em nada impactará os advogados, sendo certo que isso poderá influenciar negativamente, como já reconhecido no julgamento da Apelação Cível em Mandado de Segurança nº 0004182-05.2007.4.01.3400, onde estipulou que as obrigações de comunicar eventuais suspeitas de lavagem de capitais se aplicam ao advogado, isto quando o âmbito era meramente de ato administrativo.
Ante o exposto, é possível concluir que no exercício da advocacia, deverá o profissional agir com o zelo devido para evitar possíveis contribuições para a prática do ilícito de branqueamento de capitais. O advogado, no exercício regular de suas atribuições, exerce um múnus público constitucionalmente imposto, sendo-lhe exigível em todos seus atos e falas o mínimo de decência para com a sociedade. Quando assim não o observa, agindo de forma indecorosa, é lícito ao Estado – seja ele Estado-Administração ou Estado-Justiça – exigir a devida responsabilização dos atos irregulares.
Neste sentido, é o que se fundamenta a implicação da responsabilização em eventual prática de lavagem de capitais pelo advogado, sempre em observância das ressalvas estudadas.
A primeira tem estrita relação com o dever de confidencialidade das informações obtidas pelo cliente. Deve-se aqui coibir possíveis abusos e perniciosas tentativas em desvirtuar a prerrogativa, cujo direito deve ser reconhecido em sua máxima constitucional: direito individual fundamental de 1ª geração.
Em que pese a exigência legal, tem-se reconhecido não ser possível exigir do advogado a quebra do sigilo entre o profissional e o cliente quando este procura o profissional para, dentro de suas atribuições legais e quando a atividade exercida for exclusivamente da classe, prestar assessoria, aconselhamento ou consultoria.
A segunda ressalva é a clara distinção entre o advogado-diligente e o advogado-criminoso. Este busca concorrer para a prática ilícita de seus clientes ou os orienta de tal forma a permiti-la, falhando com seu dever constitucional e praticando a conduta abjeta e culpável. Aquele age de forma zelosa e honrável, sendo-lhe incabível a imputação ou quaisquer obrigações que venham a limitar o exercício de suas funções.
Evidentemente deverá o profissional agir dentro das imposições administrativas e legais, pois do contrário poderá ser responsabilizado penal e administrativamente, desde que corrobore para a prática do ilícito, vez que se veda a imputação do art. 1º da Lei nº 9.613/98 a título de culpa.
Por fim, a terceira ressalva a ser observa tem relação com a função desempenhada e o recebimento por ela. Não se pode conceber que o profissional aja sem interesses econômicos, posto que felizmente adotou-se o sistema capitalista no Brasil, porém não lhe é possível que perceba os valores que não corresponda à realidade fática do serviço prestado, da capacidade econômica do réu, bem como da média cobrada pelo serviço por aquele mesmo profissional.
A respeito da contraprestação dos serviços do profissional, ainda não se definiu com precisão a respeito dos honorários advogados, sendo certo, porém, que a atitude deve estar dentro de um contexto fático plausível. Ou seja, é inviável que o advogado receba R$ 100.000,00 (cem mil reais) em espécie para a prestação dos serviços, em especial quando a renda salarial do cliente não chega a 10% do valor correspondente. Haverá, ainda, quando este obtém os respectivos valores e posteriormente desembolsa o cliente, posto que haverá a configuração do ilícito em seu dolo direto.
Por fim, observa-se que o entendimento aqui explicitado poderá sofrer relevante impacto quando do julgamento da ADI nº 4841 pelo Supremo Tribunal Federal, em que influenciará diretamente no dever de confidencialidade entre o advogado e seu cliente, caso este venha a ser obrigado em cumprir as determinações dos arts. 10 e 11 da Lei nº 9.613/98. Desta forma, haverá concomitantemente uma responsabilidade administrativa ao advogado em possível concurso com uma responsabilidade penal no caso de inobservar as regras legais.
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Brasília, DF, out 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 25 ago. 2020.
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______. LEI Nº 12.683, DE 9 DE JULHO DE 2012. Altera a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro, Brasília, DF, jul 2012. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12683.htm>. Acesso em: 25 de ago. 2020.
______. LEI Nº 9.613, DE 3 DE MARÇO DE 1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências, Brasília, DF, mar 1998. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9613compilado.htm> Acesso em: 25 ago. 2020.
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[1] Supreme Court of British Columbia. Federation of Law Societies of Canada v. Canada (Attorney General), 2011 BCSC 1270.
[2] A diretiva possui o seguinte teor: A fim de dirimir estas preocupações no domínio do branqueamento de capitais, foi adoptada a Directiva 91/308/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1991, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais. A mesma exigia que os Estados-Membros proibissem o branqueamento de capitais e obrigassem o sector financeiro, incluindo as instituições de crédito e um vasto leque de outras instituições financeiras, a identificar os seus clientes, a manter registos adequados, a instituir procedimentos internos de formação do pessoal e de prevenção do branqueamento de capitais e a comunicar eventuais indícios de branqueamento de capitais às autoridades competentes
Bacharel em Direito pela Instituição de Ensino Superior de Brasília (IESB); Pós-graduando em Direito Penal e Controle Social;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORIN, Lucas Coutinho. A lavagem de capitais no exercício da advocacia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2020, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55944/a-lavagem-de-capitais-no-exerccio-da-advocacia. Acesso em: 22 nov 2024.
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