RESUMO: A infecção hospitalar constitui-se em um problema de saúde pública que além dos danos causados aos seres humanos, geram um enorme custo financeiro. Trata-se de fenômeno extremamente complexo, seja no plano técnico ou jurídico. Tanto a ciência como a própria legislação reconhecem a impossibilidade de se eliminar totalmente os riscos das infecções hospitalares, sendo sua ocorrência, por vezes, aleatória e imprevisível. Apesar da importância do tema sob o ponto de vista jurídico, sua abordagem tem merecido pouca atenção por parte da doutrina jurídica nacional. O presente artigo se propõe a analisar a infecção hospitalar sob a ótica da responsabilidade civil, e formular algumas reflexões e críticas a respeito do tema, chamando a atenção para a necessidade de se refletir sobre um novo sistema de reparação.
ABSTRACT: Hospital infection is a public health problem that, in addition to the damage caused to human beings, generates an enormous financial cost. This is an extremely complex phenomenon, whether on a technical or legal level. Both science and legislation recognize the impossibility of completely eliminating the risks of nosocomial infections, and their occurrence is sometimes random and unpredictable. Despite the importance of the topic from the legal point of view, its approach has received little attention from national legal doctrine. This article proposes to analyze hospital infection from the perspective of civil liability, and to formulate some reflections and criticisms on the subject, calling attention to the need to reflect on a new repair system.
INTRODUÇÃO
A infecção hospitalar é atualmente uma das maiores causas de morte verificada no interior dos hospitais não somente no Brasil como em todo o mundo. O problema está presente em todos os hospitais mesmo com o notável progresso científico e tecnológico da medicina experimentado ao longo dos últimos anos. As infecções hospitalares afetam anualmente milhões de pacientes.
A busca por um ambiente hospitalar livre da ocorrência das infecções é um desafio constante não somente para os profissionais da saúde, pois representa um problema de saúde pública que não só geram danos aos pacientes, como implicam também em um enorme custo financeiro. A preocupação com sua a prevenção e controle, portanto, é hoje uma realidade mundial, e que a despeito do custo financeiro, deve ser vista pelos hospitais de forma positiva.[1]
Ocorre que mesmo com os esforços desempenhados pelas autoridades públicas na luta pelo controle da infecção hospitalar através de sua regulamentação, disseminação de informações por meio de cursos e manuais, e por meio dos próprios profissionais da saúde, é impossível afirmar que a solução desse grande problema seja de fácil obtenção.[2]
No Brasil, todos os hospitais são obrigados a manter em suas dependências, as chamadas comissões de controle de infecção hospitalar que são representadas por médicos, enfermeiros, bioquímicos, farmacêuticos, entre outros profissionais, e que devem desenvolver um conjunto de medidas a serem seguidas com a finalidade de reduzir sua incidência e gravidade.
Essas comissões devem executar tarefas importantes, como a constatação dos casos de infecção hospitalar, a elaboração de normas de padronização, o treinamento de profissionais, o auxílio nos programas de vigilância, entre inúmeras outras funções.
Ocorre que no Brasil nem todo hospital mantém uma comissão de controle de infecção hospitalar.
Para confirmar a afirmação acima mencionada, cita-se, como exemplo, a pesquisa realizada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) em parceria com o Ministério Público (MP), entre outubro de 2007 e janeiro de 2008, que constatou, a partir de uma amostra de 158 hospitais do Estado de São Paulo, que 7,6% não tinham comissões de controle de infecção hospitalar.[3]
Em estudo mais recente e mais abrangente, e que demonstra que a situação outrora verificada ainda persiste, onde foram avaliados relatórios de todas as instituições hospitalares do Estado de São Paulo (n=838), entre setembro de 2012 e fevereiro de 2017, constatou-se que 7,16% das instituições não tinham comissões de controle de infecção hospitalar.[4]
O contexto supracitado sugere que realmente há certa fragilidade na organização efetiva do controle das infecções hospitalares no Estado de São Paulo, mesmo diante da legislação, dos avanços científicos e tecnológicos e da crescente formação de pessoal especializado para essa função.
Mas ao lado da problemática referente ao controle da infecção hospitalar encontra-se também o crescente número de ações de responsabilidade civil ajuizadas perante os tribunais com fundamento em sua ocorrência.
O problema da infecção hospitalar, sob a ótica da responsabilidade civil, apesar de ter uma enorme importância, até mesmo pelo alto índice de sua incidência, tem merecido pouca atenção por parte da doutrina jurídica nacional.
A infecção hospitalar é um fenômeno extremamente complexo e nem sempre está associado à falta de assepsia pelos operadores da saúde, já que o seu surgimento pode se dar de forma aleatória.
As infecções hospitalares resultam de interações complexas e de múltiplos fatores causais e pode por vezes não estar relacionada à falta de cuidado médico ou hospitalar, e esse é um dos motivos pelos quais se torna difícil definir a infecção hospitalar para efeitos de reparação civil.
A partir daí surgem vários questionamentos: Seria justo impor o dever de indenizar a todos os casos de forma irrestrita? A responsabilidade pelos prejuízos provocados por infecções hospitalares ocorridas mesmo quando adotadas todas as medidas de assepsia e cuidados necessários deve ser suportada pelos hospitais? Sabendo que sua ocorrência pode advir mesmo com a adoção de todos os cuidados necessários, isentar a responsabilidade dos hospitais quando não se puder imputá-la à falta dos mesmos não seria uma injustiça contra as vítimas desse mal?
O tema da responsabilidade civil nos casos de infecção hospitalar, apesar de ter uma enorme importância, tem merecido pouca atenção por parte da doutrina jurídica nacional. A infecção hospitalar ainda não recebeu atenção mais acurada dos juristas e estudiosos, nem foi estudada em toda a extensão que merece, não tendo sido compreendida adequadamente sob a ótica da responsabilidade civil.[5]
Desse modo, neste capítulo será analisado o tema da responsabilidade civil nos casos de infecção hospitalar.
Em um primeiro momento trataremos da opinião doutrinária a respeito de tal tema, verificando o posicionamento de diversos autores e como eles têm analisado a infecção sob o prisma da responsabilidade civil.
De antemão já deve ser frisado que não se pode confundir a responsabilidade civil dos hospitais com a responsabilidade civil dos médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde, inclusive nos casos de infecção hospitalar.
A responsabilidade civil dos médicos e outros profissionais da saúde, a exemplo de outros profissionais liberais, somente surge quando há comprovação da culpa. Isso significa que eles apenas responderão por danos advindos da infecção hospitalar quando restar comprovado que agiram com culpa em qualquer uma de suas modalidades (imperícia, imprudência ou negligência).
Além da culpa deverá também restar demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta destes profissionais e a ocorrência da infecção hospitalar. Ou seja, apenas quando demonstrado que da conduta culposa provém a infecção hospitalar, é que estes profissionais responderão pelos danos causados pela ocorrência da mesma.
Diferente situação, no entanto, refere-se à responsabilidade dos hospitais pelos danos decorrentes das infecções hospitalares.
Para José de Aguiar Dias, por exemplo, a responsabilidade civil hospitalar consubstancia-se em uma obrigação de resultado, consistente no dever de zelar pela incolumidade do paciente e que a infecção hospitalar consiste em falta a esse dever.[6]
O autor, portanto, relaciona a ocorrência da infecção hospitalar ao dever de manter a segurança do paciente. Pelo seu entendimento, extrai-se que, na ocorrência da infecção hospitalar nasce automaticamente o dever de indenizar, pois ela é considerada pelo autor como uma falta do dever de manter a segurança do paciente.
Caio Mário, por sua vez, aborda a infecção hospitalar sob uma perspectiva diferente. O autor afirma que se a mesma decorreu de condições deficientes de assepsia ou ausência de cautela a evitar a “doença nosocômica”, o hospital poderá ser responsabilizado.[7] Pela sua definição, a indenização será devida somente nos casos em que restar comprovado, que a infecção hospitalar decorreu da ausência de assepsia.
Verifica-se, dessa forma, que há uma grande diferença na forma de se pensar a infecção hospitalar sob o prisma da responsabilidade civil pelos autores acima mencionados, considerando que para o primeiro, com o simples surgimento da infecção hospitalar já restaria configurado o dever de indenizar, ao passo que para o segundo autor, apenas se restar comprovado que a infecção hospitalar decorreu da ausência de assepsia.
Para Humberto Theodoro Júnior:
A responsabilidade civil dos hospitais, seja por infecção hospitalar, seja por qualquer outra lesão sofrida pelos pacientes em razão dos serviços de internação, não se inclui na regra do art. 1.545 do CC/1916 (LGL\1916\1) (obrigação de meio). Aplica-se-lhes, portanto, a teoria comum da responsabilidade contratual, segundo a qual o contratante se presume culpado pelo não alcance do resultado a que se obrigou. Não se trata de teoria pura do risco, porque sempre será lícito ao hospital provar a não ocorrência de culpa para eximir-se do dever de indenizar. Mas o ônus da prova da culpa não caberá, como ocorre no caso de erro médico, ao paciente ofendido. Quem se apresenta como vítima de lesão sofrida durante internamento somente terá de provar, para obter a competente indenização, o dano e sua verificação coincidente com sua estada no hospital. A culpa estaria presumida contra o estabelecimento, até prova em contrário.[8]
O autor acima mencionado defende que há na ocorrência da infecção hospitalar uma presunção de culpa em desfavor do hospital. Todavia, verifica-se que não há uma definição clara de como seria elidida essa culpa. Ou seja, o autor não estabelece o que o hospital deve comprovar para afastar a presunção de culpa que defende existir nos casos de infecção hospitalar.
Ruy Stoco discorda parcialmente do entendimento defendido por Humberto Theodoro Júnior quando afirma que o surgimento da infecção hospitalar não deve ser compreendido como um inadimplemento de uma obrigação contratual. Para ele, a infecção hospitalar é uma “[...] concausa independente surgida por fatores diversos à atuação do médico ou do exercício da atividade do hospital em fornecer os meios.” Defende, portanto, que inexiste quebra do contrato nas hipóteses de concausas independentes que impedem o paciente, como mero hóspede, de receber o tratamento seguro e adequado. Contudo, o autor também sustenta que “[...] a presença de germes no ambiente hospitalar conduz à presunção de culpa desses estabelecimentos por falta de cuidados e de controle.” Assim, a infecção hospitalar traduz uma conduta omissiva, desidiosa ou negligente, que não pode ser suportada ou revelada.[9]
Édson Batista e Suênya Marley Mourão Batista entendem também que diante de um caso de infecção hospitalar há o descumprimento do dever de cuidado pronto e eficiente, que segundo eles, é o mesmo que inadimplemento da obrigação característica da assistência hospitalar, de oferecer ao paciente um ambiente saudável e realizar o controle da infecção em caráter permanente.[10]
Nehemias Domingos de Melo menciona que:
Tratando-se de infecção hospitalar, a responsabilidade do hospital será também objetiva, tendo em vista que o dever de assepsia do ambiente hospitalar é um dever ínsito à prestação do serviço. Neste caso, a prevenção contra esse risco corre por conta das empresas, não só por intermédio de técnicas de controle ambiental local, como de severa vigilância (isolamento) de possíveis focos. Mesmo quando for necessário operar um paciente com baixa resistência física ou imunológica, deve o hospital, antes de realizá-la, restabelecer seu poder de resistência ou então, no pós-cirúrgico, aplicar antibióticos para combate da infecção previsível. Não sendo adotados esses mecanismos, o hospital responderá pelos danos decorrentes da infecção que venha atingir o paciente, independentemente da culpa.[11]
Sergio Cavalieri Filho, por sua vez, entende que contaminação por infecção caracteriza-se como falha do serviço, levando à indenização também independentemente da constatação do elemento culpa.[12]
Ainda sobre a ótica da falha na prestação do serviço, João Monteiro de Castro menciona que:
A infecção hospitalar adquirida no interior do hospital ou clínica tem sido analisada sob a ótica de falha na prestação de serviço do hospital, uma obrigação contratual relativamente à incolumidade do paciente, no que concerne aos recursos colocados à disposição para o adequado tratamento e recuperação. A responsabilidade do hospital só é excluída quando a causa da moléstia puder ser atribuída a evento especifico e determinado, por exemplo, má prática do médico.[13]
Em uma abordagem diferente da despendida pela maioria dos doutrinadores Miguel Kfouri Neto, elenca que a responsabilização do hospital nos casos de infecção hospitalar depende da comprovação, de que: 1) o paciente antes de ingressar no hospital, não portava nenhum agente infeccioso ou apresentava baixa imunidade; 2) a infecção não é endógena, ou seja, produzida pelo próprio organismo; 3) a infecção surgiu quando o paciente já se encontrava sob o exclusivo controle do hospital; 4) a infecção foi ocasionada por um agente infeccioso tipicamente hospitalar.[14]
Entende também, o mesmo autor, que não se aplica à espécie a teoria do risco, o que no seu entender redundaria na imposição do dever indenizar tão só em face do dano e da permanência do enfermo no hospital. Assim, nem mesmo a infecção preexistente, ou decorrente da enfermidade em si, poderia afastar a obrigação do nosocômio.[15]
Por fim, para Jurandir Sebastião, mesmo diante do:
[...] silêncio legislativo, a escassez doutrinária e não, ainda, uniformização jurisprudencial, [...] infecção hospitalar, para efeitos de reparação, não é aquela que simplesmente manifesta-se após a internação, mas, sim, aquela que se adquire após a internação, por decorrência de procedimentos médicos mal executados, ou por omissão, ou insuficiência nos seus cuidados de prevenção profilática. A ação ou omissão tanto pode ocorrer somente em relação ao paciente infectado, quanto em relação aos procedimentos ordinários, gerais, de prevenção. [e conclui que] De qualquer forma, sempre há de haver um nexo de causalidade determinante e censurável produto da ação ou omissão humana.[16]
O autor supracitado aponta ainda que a análise judicial da prova deve ser feita pelo prisma da culpa presumida.
Com base nos entendimentos acima mencionados, e pela análise da jurisprudência, passaremos a discorrer e dividir as principais formas de se pensar a infecção hospitalar sob a ótica da responsabilidade civil, que estão sendo aplicadas na análise das demandas indenizatórias pelo judiciário brasileiro.
Com efeito, não há no direito brasileiro nenhuma definição legal da infecção hospitalar para efeitos de reparação civil.
As definições existentes em nossa legislação referem-se tão somente aos conceitos fornecidos pela ciência médica, cuja atenção volta-se apenas para o seu controle.
Todavia, o que se percebe é que a fim de favorecer as vítimas das infecções hospitalares, nossos tribunais pátrios, de uma maneira geral, adotam também para as hipóteses de infecção hospitalar, o regime da responsabilidade civil objetiva com fundamento no Código de Defesa do Consumidor, pois se entende que a infecção hospitalar decorre do fato da internação e não da atividade médica em si.
A responsabilidade objetiva é aquela que obriga o causador do dano a indenizar independentemente da constatação da culpa em qualquer uma das suas modalidades e em se tratando de infecção hospitalar tem sido utilizada em inúmeros casos, para condenar os hospitais pelo simples surgimento de uma infecção nas dependências dos hospitais.
Mas há quem critique a adoção da responsabilidade civil objetiva na forma como vendo sendo utilizada, em suma, com base na alegação de que o risco de ocorrência da infecção hospitalar persiste mesmo quando adotadas todas as medidas de profilaxia e controle, ou seja, há infecções que ocorrem mesmo tomados todos os cuidados para que não ocorressem.
A respeito do tema Jurandir Sebastião menciona que:
Cumpridas as regras estabelecidas de profilaxia técnica e pessoal, o risco de contaminação (que pode ocorrer dos germes naturais do próprio paciente) e sequente infecção não podem ser interpretados como risco empresarial, a impor, por isso mesmo, indenização pelo critério da responsabilidade sem culpa – como é a regra genérica, literal, do art. 14, caput, do CDC.[17]
Elma Lourdes Campos PavoneZoboli também critica a aplicação da responsabilidade objetiva pelos tribunais aos casos de infecção hospitalar, pois segundo ela, trata todos os hospitais, que estejam ou não empenhados no combate à infecção hospitalar, da mesma forma.
A autora propõe uma diferenciação entre as ocorrências de infecção em consequência das falhas do funcionamento de organizações que se preocupam com o controle e as que decorrem de deficiências grosseiras próprias de instituições que propiciam um aumento no risco de ocorrência da infecção hospitalar:
Em um paralelo poder-se-ia propor uma diferenciação entre as ocorrências de infecção hospitalar em conseqüência de falhas do funcionamento de organizações idôneas, que se aplicam com afinco na execução de um programa e nas medidas de controle específicos, em consonância com as mais atuais recomendações das políticas públicas de saúde e dos expertos na matéria, e as que decorrem de deficiências grosseiras próprias de instituições que prestam pouca ou nenhuma atenção a esse ponto e que propiciam a manutenção de riscos desnecessários à saúde de seus usuários. Faz-se necessário demarcar a responsabilidade ética e a responsabilidade jurídica, ou nas palavras de Leonard Martina separar o "erro honesto" do "erro culposo". A tese da responsabilidade objetiva parece deixar pouco espaço para isso, tratando todos os hospitais, que estejam ou não empenhados no combate à infecção nosocomial, da mesma forma.[18]
Por outro lado se realmente fosse admitida a possibilidade de exclusão da responsabilidade dos hospitais quando comprovado, por exemplo,que atendeu todas as medidas de controle específico, as infecções hospitalares inevitáveis, ou seja, aquelas que a ciência médica admite ocorrência mesmo quando adotadas todas as precauções, ficariam imunes à indenização.
Aliás, foi exatamente nesse sentido a crítica feita pelo Ministro Cesar Asfor no julgamento doRESP: n. 629.212/RJ:
Nessas condições, é de se concluir que ninguém responderia pela infecção hospitalar quando oferecidos todos os meios para a garantia da incolumidade física do paciente, independentemente de o hospital assumir os riscos da sua internação. As infecções inevitáveis ficariam imunes à reparação, mesmo relacionadas ao serviço prestado pelo nosocômio, como ocorrido in casu. Tal solução não me parece a mais segura e tampouco se coaduna com a lógica da responsabilidade objetiva, cuja adoção no Direito pátrio serve justamente ao desiderato de não deixar sem reparação a ofensa relacionada às atividades cujos riscos são assumidos por quem as presta. Isso é o que há de relevante. O hospital assume os riscos inerentes à internação do paciente e em virtude disso há de responder objetivamente. Orientação diversa fragilizaria em muito o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que afasta expressamente a necessidade de culpa pelo prestador de serviço. Portanto, não se aplica aqui a lógica inerente à obrigação de meio, mas sim a tônica da assunção de risco. Conforme o já explicitado, hospital e médico têm obrigação de meio quanto ao tratamento em si, o que se distingue dos riscos da internação.[19]
A análise jurisprudencial ainda não uniformizada demonstra que não são poucas as decisões no mesmo sentido, como demonstram, por exemplo, as ementas extraídas de acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICO-HOSPITALARES. Ação de indenizatória. Morte por infecção hospitalar. Hipótese em que o filho dos autores foi internado no estabelecimento da ré por distúrbios psicológicos, mas foi acometido por infecção hospitalar, que provocou a sua morte. Responsabilidade objetiva do hospital. Danos morais configurados. Indenização arbitrada em oitenta mil reais para cada um dos genitores. Pensão por morte fixada em um terço do salário mínimo até quando, se vivo, completaria o de cujo sessenta e cinco anos ou até que faleçam ambos os autores, assegurado o direito de acrescer ao supérstite. Pedido inicial julgado procedente. Possibilidade de ratificação dos fundamentos da sentença quando, suficientemente motivada, reputar a Turma Julgadora ser o caso de mantê-la. Aplicação do disposto no artigo 252, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Sentença mantida. Recurso improvido. Dispositivo: negaram provimento ao recurso. [20]
RESPONSABILIDADE CIVIL - Hospital - Danos morais, materiais e estéticos - Infecção hospitalar - Infecção contraída durante o processo cirúrgico, dentro das dependências do hospital - Responsabilidade objetiva do nosocômio - Danos materiais não comprovados - Dano estético e moral configurados - Sentença reformada - Recurso provido em parte.[21]
A adoção da responsabilidade objetiva possui, portanto, como seu maior amparo o argumento de melhor favorecer as vítimas da infecção hospitalar e de que os hospitais assumem os riscos relacionados à internação do paciente razão pela qual devem responder objetivamente.
Diante disso, ainda que não esteja devidamente comprovado que a infecção hospitalar decorreu da falta de controle ou assepsia, não poderia o hospital esquivar-se da responsabilização pelos danos eventualmente ocasionados.
Para ilustrar as implicações da adoção da teoria da responsabilidade objetiva na forma como vem sendo aplicada para os casos de infecção hospitalar, cita-se o recente acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, publicado no dia 28/05/2018, que deu provimento ao recurso de Apelação nº 1004049-35.2014.8.26.0048, reformando a sentença de improcedência proferida pelo juízo de primeiro grau, em demanda indenizatória fundada na ocorrência de infecção hospitalar.
O juiz de primeiro grau entendeu que a infecção hospitalar não podia ser atribuída ao hospital, já que todo o atendimento médico-hospitalar foi realizado de acordo com a boa prática médica. Mas para o Tribunal de Justiça de São Paulo, com base na adoção da responsabilidade objetiva, ainda quando demonstrada a adoção das medidas de prevenção, deve o hospital responder pelos danos advindos da infecção hospitalar:
In casu, ainda que o Sr. Perito (laudo fls. 2.254/2.339) tenha respondido: i) “7.1.1- Todos os procedimentos no sentido de prevenção e controle das infecções foram tomados pelo hospital, segundo prontuário médico e documentos de folha 852/856? Sim.”; ii) “7.1.4 A infecção hospitalar é passível de total controle a partir da admissão do paciente? Não. 7.1.5 É possível evitar que ocorra infecção hospitalar em todos os casos que são internados em um hospital? Não. 7.1.6- Há um percentual de casos de infecção hospitalar que sejam inerentes aos serviços de saúde? Sim.”; iii) “7.3.4 Quais procedimentos médicos/hospitalares poderiam evitar a aquisição da infecção hospitalar? Todos os procedimentos médicos e hospitalares foram seguidos, segundo normatização da Comissão de Infecção Hospitalar.”; iv) “7.3.11 O procedimento cirúrgico pós operatório, ainda que indiretamente deu causa a infecção hospitalar contraída pela 'de cujus'? Não.”; e v) “7.3.13 - Foram adotados todos os procedimentos de antissepsia cirúrgica no pré-operatório nas mãos dos médicos e demais funcionários que participam da intervenção como medida de prevenção de infecções de sitio cirúrgico? Sim. 7.3.14 Foram adotados os procedimentos de rotina para adequada limpeza e descontaminação das superfícies ambientais do hospital onde a “de cujus” ficou internada? Sim.”,tais fatos não ilidem a responsabilidade da instituição médica, tendo em vista que para tanto não basta a adoção de todas as medidas de prevenção de infecções hospitalares. (TJSP).
Jurandir Sebastião, como já mencionado, critica essa abordagem feita pelos tribunais. Para o autor, não há dúvidas de que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) possui como objetivos assegurar a saúde, segurança e qualidade de vida, porém, essa finalidade, precisa ser entendida com base nos princípios da boa fé e do equilíbrio nas relações contratuais.
O autor entende que o hospital não pode ser visto como uma instituição de exploração econômica, já que não alberga hospedes por voluntariedade e sim pela necessidade de terapia.
Assim, para ele a análise da responsabilidade nos casos de infecção hospitalar deve ser feita, para melhor compreensão e aplicação do artigo 14 do CDC, com base na teoria da culpa presumida e não pela teoria objetiva.[22]
De qualquer forma, parece mesmo difícil condicionar a indenização nos casos de infecção hospitalar à comprovação pelo autor da culpa do médico, enfermeiro ou dos outros profissionais da saúde responsáveis pelo atendimento do paciente, ou até mesmo comprovar a falta de algum cuidado médico-hospitalar específico.
Isso porque se já difícil comprovar que a infecção possui origem hospitalar, sabendo, ademais, que sua ocorrência pode até mesmo se dar de forma aleatória e indefinida, seria ainda mais se lhe fosse exigida a comprovação de tais pressupostos.
Resta saber se a aplicação da responsabilidade civil objetiva para concluir quea simples ocorrência da infecção hospitalar já daria ensejo ao dever de indenizar, ou seja, sem que seja discutida a culpa dos profissionais ou a inadequação de algum procedimento ou falta de assepsia, seria realmente a mais justa e coerente em se tratando de responsabilidade dos estabelecimentos de saúde nos casos de infecção hospitalar.
A INFECÇÃO HOSPITALAR SOB A ÓTICA DA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E A CULPA PRESUMIDA
Há uma segunda corrente doutrinária e jurisprudencial que defende que a contaminação por infecção hospitalar enseja o dever de indenizar com fundamento na responsabilidade contratual.
Segundo o entendimento dessa corrente, há na infecção hospitalar, responsabilidade contratual do hospital relativa à incolumidade do paciente.
Assim, diante de um determinado caso de infecção hospitalar, pode-se afirmar, com base nesse entendimento, que o dever jurídico de cuidado pronto e eficiente é presumidamente descumprido, ou seja, entende-se que há uma presunção de inadimplemento da obrigação característica da assistência hospitalar de oferecer ao paciente um ambiente saudável. O dever de incolumidade do paciente não foi obedecido.
É analisada, portanto, como uma espécie de culpa contratual presumida.
O Superior Tribunal de Justiça, em voto conduzido pelo Ministro Sávio de Figueiredo Teixeira, já decidiu nesse sentido, conforme pode ser extraído da ementa abaixo reproduzida:
RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS SOFRIDOS EM CONSEQUENCIA DE INFECÇÃO HOSPITALAR. CULPA CONTRATUAL. DANOS MORAL E ESTETICO. CUMULABILIDADE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO. I - Tratando-se da denominada infecção hospitalar, há responsabilidade contratual do hospital relativamente a incolumidade do paciente, no que respeita aos meios para seu adequado tratamento e recuperação, não havendo lugar para alegação da ocorrência de "caso fortuito", uma vez ser de curial conhecimento que tais moléstias se acham estreitamente ligadas a atividade da instituição, residindo somente no emprego de recursos ou rotinas próprias dessa atividade a possibilidade de prevenção. II - essa responsabilidade somente pode ser excluída quando a causa da moléstia possa ser atribuída a evento especifico e determinado. III - nos termos em que veio a orientar-se a jurisprudência das turmas que integram a seção de direito privado deste tribunal as indenizações pelos danos moral e estético podem ser cumuladas, se inconfundíveis suas causas e passiveis de apuração em separado.[23]
Há também inúmeras decisões proferidas pelos tribunais estaduais no sentido acima mencionado, como pode ser verificado em acórdão proferido pela Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul no recurso de Apelação nº 70009587502.
Para o relator Umberto GuaspariSudbrack, a natureza da responsabilidade civil do hospital nos casos de infecção hospitalar é contratual considerando a necessidade de se manter a incolumidade física do paciente no que diz respeito aos meios adequados para tratamento e recuperação:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS. INFECÇÃO HOSPITALAR. A responsabilidade do hospital, em se tratando de infecção hospitalar, é contratual, considerando-se a necessidade de incolumidade física do paciente no que respeita aos meios empregados para seu adequado tratamento e recuperação. [...]. (Apelação Cível Nº 70009587502, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto GuaspariSudbrack, Julgado em 23/09/2004).[24]
Como visto, em item especifico no presente trabalho, não são poucos os doutrinadores que também entendem dessa forma, ou seja, que defendem que a infecção hospitalar enseja responsabilidade contratual, onde a culpa pelo descumprimento é presumida.
A presunção da culpa seria uma espécie de solução intermediária que ainda considera a culpa como suporte da responsabilidade civil, distanciando-se, da doutrina subjetiva tradicional apenas no que concerne ao ônus da prova.
A vítima, na teoria clássica da culpa, deve necessariamente demonstrar os elementos fundamentais a sua pretensão. Na culpa presumida, o ônus de provar é invertido, presumindo-se o comportamento culposo do causador do dano, cabendo-lhe demonstrar a ausência de culpa.[25]
Assim, com base nesse entendimento, se houvesse uma definição do que se entende por culpa na ocorrência de infecção hospitalar, seria possível constatar em quais hipóteses os hospitais não estariam obrigados a indenizar o paciente.
Jurandir Sebastião, defensor da aplicação da teoria da culpa presumida parece nos dar essa resposta ao conceituar a infecção hospitalar:
[...] como dano decorrente de conduta reprovável e por isso desencadeadora da obrigação de reparar no juízo cível, há de se compreender a conduta médica incorreta, ou a inobservância de cuidados profiláticos de rotina, ou o descumprimento dos cuidados especiais previstos em normas destinadas a este fim, com vistas a cada categoria hospitalar e respectivas internações, etc., gerando no paciente agravo à sua saúde, seqüela irreversível, perda da chance de cura e/ou até a morte.[26]
Por sua definição, extrai-se que a culpa seria “a conduta médica incorreta, ou a inobservância de cuidados especiais previstos em normas destinadas a este fim.”
E diante disso, demonstrando o hospital que não houve conduta médica incorreta ou que observou todas as regras da legislação sanitária, não haveria que se falar em indenização a ser paga pelo hospital.
Para o autor, “[...] ocorrendo infecção hospitalar, para melhor compreensão e aplicação do art. 14 do CDC, a análise judicial da prova há de ser feita pelo prisma de culpa presumida (na qual o réu pode provar ausência de culpa). Não de responsabilidade sem culpa.”[27] O autor explica que:
Em resumo, em sede de dano à saúde do paciente, da mesma forma que o médico, apesar da expressa previsão de responsabilidade mediante verificação de culpa (§ 4º do art. 14 do CDC), a nosso ver, tem obrigação de fazer prova do bom, acertado, exato, eficiente e satisfatório cumprimento do contrato de empenho (diante da natureza sui generis da relação médico/paciente), o hospital, pela mesma aplicação do princípio processual da carga probatória dinâmica, deverá levar para os autos, quantum satis, a prova da ausência de culpa, para afastar a presunção que tem contra si. Para prova da ausência de culpa, o hospital deve fazer a demonstração de total atendimento às exigências sanitárias impostas pelo Poder Público e, até, acima delas, se recomendado pela Ciência Médica, na sua natural evolução. Em relação ao paciente infectado o hospital deve fazer prova do cuidado prévio, da atenção e da terapia aplicada. Registre-se que a “infecção hospitalar”, quando ausente conduta censurável no funcionamento hospitalar (o que equivale à inexistência de defeito do serviço), assemelha-se a iatrogenia em sentido estrito, e esta não gera o dever de indenizar.[28]
Humberto Theodoro Junior, ao que parece, também defende a aplicação da teoria da culpa presumida e a isenção da responsabilidade do hospital quando demonstrado que observou as regras da legislação sanitária com práticas voltadas ao combate da infecção hospitalar. Na lição do autor:
Quanto à infecção hospitalar, suas origens tanto podem localizar-se nas condições ambientais como nas próprias condições pessoais do paciente, capazes de provocar a autoinfecção. Aceita-se que o risco de infecção é inerente ao ato cirúrgico e que não existe, em lugar algum do mundo, índice zero de infecção. Recomenda-se, em litígios em torno do assunto, a pesquisa probatória em torno das práticas adotadas pelo hospital para controle de desinfecção. Se há diligências constantes nesse sentido, não há culpa do estabelecimento. Se são ausentes ou insuficientes as medidas rotineiras de prevenção contra a infecção hospitalar, tem-se como configurada a culpa do hospital pela infecção contraída pelo paciente durante a internação.[29]
Ruy Stoco, embora não faça referência expressa às hipóteses em que os hospitais se eximiriam do dever de indenizar, salienta também, que a infecção hospitalar conduz a presunção de culpa do estabelecimento e não a responsabilização objetiva.[30]
A conclusão para a adoção dessa teoria, portanto, é que tendo o hospital comprovado que agiu conforme as regras da legislação sanitária, em conformidade com as recomendações das políticas públicas de saúde e de quem entende da matéria, não haveria que se falar em descumprimento do dever contratual, e, portanto, ausente estaria o dever de indenizar. Nesse caso, as infecções hospitalares ocorridas mesmo quando adotadas as referidas medidas ficariam imunes à indenização.
Aliás, foi exatamente essa, a crítica feita pelo ministro Cesar Asfor Rocha no Recurso Especial nº 629.212–RJ, mencionado no tópico anterior e explica porque inúmeras decisões têm rejeitado o tratamento da infecção hospitalar sob a ótica da responsabilidade contratual:
Contudo, inobstante a juridicidade da tese referente à responsabilidade objetiva, não se pode deixar de mencionar precedente anterior deste douto Colegiado no sentido de que a infecção hospitalar encerra "reparação de dano moral fundada em culpa contratual, e não em responsabilidade objetiva" (REsp n. 116.372/MG, relatado pelo eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 02/02/1998). Naquele feito, assim se entendeu porque a infecção hospitalar derivaria do descumprimento de um dever contratual relativo à incolumidade física do paciente, firmado entre este e o hospital. É o que se colhe do seguinte excerto: "Por outro lado, não se pode negar a existência de vínculo contratual entre o doente e o hospital, cuja obrigação envolve, além de qualquer dúvida razoável, o dever de incolumidade do paciente no que respeita aos meios para seu adequado atendimento e recuperação, não havendo lugar, em linha de princípio, para alegação de 'caso fortuito' no que tange à chamada 'infecção hospitalar', cuja ocorrência, como de curial conhecimento, se acha estritamente ligada à atividade da própria instituição hospitalar, quando não se cuida de hipótese em que possa ser atribuída sua causa a qualquer evento específico e determinado, que exclua expressamente tal responsabilidade. Trata-se, portanto, a meu juízo, de reparação de dano moral fundada em culpa contratual, e não em responsabilidade objetiva." Do aludido precedente se extrai o entendimento de que o dever de incolumidade do paciente é obrigação contratual de meio, cuja responsabilização é presumida e somente poderia ser excluída por evento externo. A uma primeira vista, tal ilação parece irrelevante ao caso presente, pois independentemente se tratar de responsabilidade objetiva ou culpa contratual presumida, não houve in casu invocação de fato externo apto a afastar a responsabilização sob o prisma da culpa. Todavia, dito precedente não explica, data venia, como ficaria a reparação das infecções hospitalares quando se têm por atendidas as condições para uma boa estada do paciente nas instalações do hospital. Vale dizer, a doutrina da culpa não esclarece se há ou não reparação das infecções inevitáveis. De fato, admitindo-se como correta a tese de que a responsabilidade pela infecção hospitalar decorre do descumprimento culposo de um dever referente aos meios necessários ao atendimento e recuperação do paciente, igualmente certo seria concluir que não haveria responsabilidade quando tais meios restassem atendidos pela instituição que o acolhe. Isso significa, em outros termos, que a orientação firmada no mencionado precedente exclui a responsabilidade do hospital não apenas quando há evento externo, como ali consignado, pois tendo sido cumprido o dever de cuidado com a internação e com a higiene das instalações, também seria possível que nesse caso a instituição estivesse isenta de responsabilidade. Assim, bastar-lhe-ia provar tal suposto cuidado para elidir a presunção de culpa. Nessas condições, é de se concluir que ninguém responderia pela infecção hospitalar quando oferecidos todos os meios para a garantia da incolumidade física do paciente, independentemente de o hospital assumir os riscos da sua internação. As infecções inevitáveis ficariam imunes à reparação, mesmo relacionadas ao serviço prestado pelo nosocômio, como ocorrido in casu. Tal solução não me parece a mais segura e tampouco se coaduna com a lógica da responsabilidade objetiva, cuja adoção no Direito pátrio serve justamente ao desiderato de não deixar sem reparação a ofensa relacionada às atividades cujos riscos são assumidos por quem as presta.[31]
De fato, há infecções que são inevitáveis e ocorrem mesmo com adoção de todas as medidas de controle pelo hospital.
Nesse caso, adotando-se o entendimento ora discutido para os casos de infecção hospitalar, tendo o hospital comprovado que observa todas as regras sanitárias pertinentes ao controle de infecção hospitalar e apresenta índices satisfatórios desse controle, não restaria configurada a responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares e as infecções inevitáveis ficariam imunes à reparação.
Vale ressaltar que há também inúmeras decisões nesse sentido, ou seja, no sentido de que tendo o nosocômio observado as regras sanitárias pertinentes ao controle de infecção hospitalar e apresentado índices satisfatórios desse controle, não tendo, ademais incorrido em qualquer ato de negligência, não há que se falar indenização.
Aqui cabe também mencionar uma abordagem um pouco diferente feita pelos tribunais, mas cujas implicações acabam sendo as mesmas, que se refere ao entendimento de que a infecção hospitalar conduziria à presunção de que houve falha na prestação dos serviços. Todavia, se o hospital comprova que observa as normas de controle de infecção hospitalar, não haveria que se falar em falha na prestação dos serviços, e consequentemente, o dever de indenizar seria afastado.
Cita-se, como exemplo, a decisão proferida pelo Desembargador James Siano do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que expendeu as seguintes observações:
O art. 14 do Código de Defesa do Consumidor preconiza que o "fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços”. Ou seja, a responsabilização eclode da conjugação de três fatores: defeito do serviço, dano e relação de causalidade. No § 1º do precitado artigo há a conceituação do denominado "serviço defeituoso." “O serviço presume-se defeituoso quando é mal apresentado ao público consumidor (inc. I), quando sua fruição é capaz de suscitar riscos acima do nível de razoável expectativa (inc. II), bem como quando, em razão do decurso do tempo, desde a sua prestação, é de se supor que não ostente sinais de envelhecimento (inciso III)" (Código Brasileiro de/ Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 7 ed., p. 174, g.n.). "Em cima dessas considerações, lembre-se, então, que há serviços que naturalmente geram insegurança, tais como (...) serviços de odontologia, hospitalares, médicos etc." (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Rizzatto Nunes, 3 ed., p. 217, g.n.). Sob tal enfoque se vislumbra presente o inarredável argumento de que a infecção nosocomial se encontra presente em todos os estabelecimentos hospitalares, mesmo nos centros de excelência, quer brasileiros, quer estrangeiros, existindo um porcentagem mínima considerada como admissível. No Brasil a Lei nº 9431/97, que dispõe sobre a obrigatoriedade da manutenção de programa de controle de infecções hospitalares, determina para tanto a constituição pelos hospitais de Comissão de Controle de Infecções Hospitalares (art. 2, I). A embargada comprovou nos autos que sua Comissão de Controle conseguiu atuar com índice de infecção hospitalar de 5,4% no ano 2000 e 5,3% no ano de 2001 (f. 343/366), patamar comparável a países da Europa ocidental, conforme estudo reproduzido no voto majoritário (f. 649), sem a incidência de impugnação específica. A medicina quanto à natureza da infecção fala em não prevenível como aquela que acontece a despeito de todas as precauções tomadas e a prevenível quando a alteração de algum evento relacionado pode implicar na prevenção da infecção, a título de exemplo, a chamada infecção cruzada (Principais Aspectos em Infecção Hospitalar, Prof. Glória Maria Andrade, disponível em http://vsites.unb.br/ib/cel/microbiologia/cih/ conc.ppt#5, acesso em 16.03.10). A aludida divisão se mostra relevante ao menos como norte para a visualização do defeito na realização do serviço médico. A realidade da existência de infecção mesmo a despeito de todas as precauções tomadas exige uma apreciação acurada a fim de se observar presente algum elemento capaz de potencializar o risco e por isso interferir na possibilidade da prevenção. Na hipótese em apreço resta ausente mínimo substrato fático tendente a convencer que a infecção decorreu da extrapolação do risco segundo o nível razoável de sua expectativa, notadamente, acerca dos serviços hospitalares que foram prestados ao embargante. A cláusula de incolumidade ínsita na prestação do serviço não supera as limitações advindas da própria capacidade humana, segundo o atual estágio da medicina.[32]
Ainda nesse sentido, em decisão mais recente:
Apelações Cíveis. Erro médico – Infecção hospitalar – Responsabilidade civil do hospital não caracterizada – Inexistência de prova de falta de higienização do ambiente hospitalar – não caracterização de defeito do serviço – Inteligência da norma do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, que, na hipótese, deve ainda ser interpretada segundo o “stateoftheart”, já que descabida a exigência de superação de risco considerado previsível e dentro dos níveis compatíveis com as normas de higiene e controle até hoje conhecidas e reputadas satisfatórias – Possibilidade, ademais, de que a infecção tenha origem em bactéria presente na própria pelo do autor da demanda – Apelo da ré provido, prejudicado o recurso de apelação interposto pelos coautores, que visava total procedência do pedido inicial. Dá-se provimento ao recurso da ré, prejudicado o recurso dos autores.[33]
A responsabilidade contratual com culpa presumida para os casos de infecção hospitalar, portanto, abre caminho para a exclusão da responsabilidade dos hospitais quando há comprovação dos cuidados com a internação e com higiene das instalações.
Contudo, se pode parecer injusto condenar o hospital que respeita as regras sanitárias pertinentes ao controle de infecção hospitalar pelos danos provenientes deste mal, deixar a vítima sem ressarcimento financeiro também poderia ser considerada uma injustiça, posto que, conforme demonstrado, há infecções que são inevitáveis, ou seja, ocorrem mesmo quando tomadas todas as medidas de profilaxia cabíveis.
Percebe-se que atualmente há, de fato, uma tendência geral em tratar o problema da infecção hospitalar como uma falta resultante da inobservância das normas referentes ao seu controle em uma abordagem excessivamente determinista e tão logo tenha ocorrido a infecção hospitalar, automaticamente surgiria o dever de indenizar.
Todavia, não se pode aceitar que a simples ocorrência da infecção hospitalar já daria ensejo ao dever de indenizar. A questão não é tão evidente, e cada caso deve ser analisado individualmente, como será demonstrado nas considerações finais do presente trabalho.
A INFECÇÃO ENDÓGENA E A RESPONSABILIDADE CIVIL
Interessante questão a ser analisada que pode e deve ser levantada nas ações judiciais, refere-se às infecções endógenas, ou seja, que decorrem de bactérias existentes no próprio paciente. A microbiota endógena do próprio paciente, que é constituída em sua grande maioria por bactérias, pode ser lesiva a este.
A superfície da pele, por exemplo, ao agir como uma barreira protetora é naturalmente colonizada por inúmeras bactérias. A existência dessas bactérias, no entanto, não quer dizer necessariamente que há uma infecção. Por outro lado, existem bactérias oportunistas que podem causar infecções, mormente quando há fatores que contribuem para sua ocorrência. Uma bactéria da pele pode entrar na corrente sanguínea (bacteremia) e dirigir-se a outras partes do organismo causando uma infecção generalizada.
Ana Rita Gonçalves Gerônimo explica nesse sentido que:
A flora endógena, maioritariamente constituída por bactérias, que está presente na pele e mucosas do ser humano e que se desenvolve neste, pode ser lesiva para este. Especialmente, quando o equilíbrio entre o ser humano é quebrado, passando a definir-se a flora como patogénica. Quando isto se sucede, estamos perante uma relação simbiótica denominado por parasitismo. E uma das possíveis consequências desta relação é a infecção. [...]
Apesar da flora microbiana humana ser predominantemente benéfica para o ser humano, a verdade é que uma parte dela vive como parasita ou como agentes patogénicos.
Existe uma proporcionalidade directa entre a quantidade de microrganismos e a probabilidade de ocorrência de doença. Por isso, quando as defesas do hospedeiro (sistema imunitário) decaem consideravelmente, a flora microbiana endógena pode causar doenças. Estas são denominadas por infecções endógenas, visto que os microrganismos que a originam são parte integrante do ser humano.
As infecções endógenas etiologicamente bacterianas são maioritariamente consideradas infecções oportunistas, visto que ocorrem mediante debilidade ou decaimento das defesas do ser humano. Este tipo de situação ocorre mediante a existência de determinados factores predisponentes: doenças pré-existentes (doença reumática cardíaca, insuficiência cardíaca); leucemia; imunossupressão (imunoterapia - hormonas corticosteróides); doentes submetidos a tratamento oncológico (quimioterapia e radioterapia moderna); situações de lesão ou perfuração das membranas ou superfícies mucosas; malnutrição; terapêutica antimicrobiana entre outras situações de susceptibilidade.
[...]
Por exemplo, o uso desregrado de antibióticos predispõe os humanos para infecções oportunistas, para além das resistências que eventualmente decorrerão. As referidas infecções oportunistas decorrem em função do impacto negativo que os antibióticos têm na ruptura da estabilidade da flora comensal com o possível desencadear da doença. Outro dos exemplos são os vários processos infecciosos (cáries dentárias, a doença periodontal, os abcessos, as secreções de odor fétido e as endocardites) que podem ser originados pela flora microbiana. Temos ainda como exemplo ilustrativo de infecções designadas por oportunistas causadas pela flora normal ou por bactérias transitórias, as doenças ao nível do trato respiratório (pneumonia), do tracto urogenital (infecções urogenitais) e do sistema circulatório (bacteriémia) causadas pelas bactérias Serratiamarcescens que surgem no decurso uma deficiência imune.
[...]
Em termos clínicos, as infecções endógenas mostram-se relevantes no contexto do ambiente hospitalar, visto que constituem uma das principais e mais graves patologias dos doentes hospitalizados que apresentam menor resistência aos agentes agressores.[34]
O objetivo principal, portanto, reside em saber se haveria fundamentos médicos e jurídicos para a responsabilidade civil por infecções endógenas.
A análise da jurisprudência nos mostra, de uma forma geral, que nos poucos casos onde houve a discussão em torno do caráter endógeno ou exógeno da infecção e restou demonstrado que a infecção tem origem endógena, a responsabilidade dos hospitais foi afastada.
O fundamento é de que, com a confirmação da natureza endógena da infecção, comprova-se a ausência de nexo de causalidade entre o serviço prestado pelo hospital e a infecção que acometeu a paciente, conforme pode ser extraído da ementa abaixo reproduzida, provinda de recente acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:
ERRO MÉDICO. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO. INFECÇÃO APÓS PARTO CESARIANO. AUSÊNCIA DE PROVA DO NEXO CAUSAL. CIRCUNSTÂNCIA QUE AFASTA A RESPONSABILIDADE DE INDENIZAR POR PARTE DO HOSPITAL. INFECÇÃO DEVIDA À CAUSA ENDÓGENA. PACIENTE OBESA. Conquanto na prestação do serviço hospitalar se entenda esteja a responsabilidade sob análise da responsabilidade objetiva, cabendo inclusive a inversão do ônus da prova, posto que se trata de uma prestação de serviço em nítida relação de consumo, não se exime o consumidor da obrigação de provar a existência dos danos e do nexo causal entre estes danos e o serviço prestado, ônus que não se desincumbiu a autora, visto que deixou de comprovar a relação de causalidade entre a infecção e o período em que esteve internada no hospital. A prova pericial considerou que a obesidade da autora contribuiu para a infecção. Foi esclarecido, inclusive, que a infecção não se deu no parto ocorrido nas dependências hospitalares da ré. Ausente o nexo causal, não há como imputar a responsabilidade pelos danos sofridos pela autora aos réus. Sentença de improcedência mantida. Recurso não provido.[35]
A perícia médica é o meio de prova hábil para comprovar o caráter da infecção. Diante da natureza complexa dos casos e pela necessidade de se investigar a etiologia da infecção, mostra-se necessária a nomeação de um perito que detenha domínio nessa área. Além da definição provável da natureza da infecção que acometeu o paciente, o especialista também deverá emitir seu parecer sobre a questão da possibilidade de determinar o tempo, lugar e a causa provável da infecção.
Não se pode, no entanto, admitir que o simples fato de a infecção possuir natureza endógena deve necessariamente levar a improcedência da ação.
Somente se restar demonstrado que o procedimento médico e hospitalar foi realizado em conformidade com o atual conhecimento da medicina, que os riscos da infecção foram informados ao paciente e que a origem da infecção foi uma incontrolável reação do organismo do paciente proveniente de bactéria da flora endógena, é que não poderá prevalecer a responsabilização dos hospitais.
A análise da adequação do procedimento médico ao caso também deve ser considerada, pois se o procedimento realizado não era em um primeiro momento recomendado pela medicina, consequentemente, ainda que a infecção tenha ocorrido por uma incontrolável reação do organismo, remanesceria a responsabilidade nesse caso, pela inadequação do procedimento escolhido.
A REPARTIÇÃO FINANCEIRA DOS DANOS PROVENIENTES DAS INFECÇÕES HOSPITALARES COMO SOLUÇÃO ALTERNATIVA AO PROBLEMA DA RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CASOS DE INFECÇÃO HOSPITALAR
De tudo o que foi acima exposto, a conclusão que se chega é que a infecção hospitalar representa realmente um fenômeno extremamente complexo, inclusive no campo jurídico.
Não há uma definição certa da infecção hospitalar para efeitos de responsabilidade civil na atualidade, e isso ocorre porque realmente não há como estabelecer, dentre as maneiras de se pensar a infecção hospitalar sob a ótica da responsabilidade civil, atualmente defendidas, uma única solução que se adeque como justa para todos os casos de ocorrência da infecção hospitalar.
Surge, diante disso, a possibilidade e necessidade de se pensar em outra solução para o problema, como a que ocorreu na França, por exemplo, onde foi estabelecido um sistema de reparação dos danos graves provenientes das infecções hospitalares sem passar pelo regime da responsabilidade de civil.
Na França, após diversas mudanças no modo de pensar a infecção hospitalar sob a ótica da responsabilidade civil, desde a aplicação do regime da culpa até uma maior flexibilização dessa teoria com abordagens mais favoráveis ao doente, assim como ocorre atualmente no Brasil, organizou-se um novo regime jurídico de reparação para as infecções hospitalares.
Como uma forma de não sobrecarregar os hospitais, e atendendo a necessidade de se resolver um problema de saúde pública, a Lei de 4 de Março de 2002[36], e mais recentemente a Lei 31 de dezembro de 2002[37], alterou esse quadro, promovendo a repartição financeira dos danos resultantes das infecções hospitalares e a solidariedade nacional.[38]
Eric Mondielli, professor de direito público da faculdade de direito e ciência política de Nantes, aborda de forma clara essa evolução do regime de responsabilidade em matéria judicial e administrativa, nos casos de infecção hospitalar em artigo publicado na Revista de Direito Sanitário da Universidade de São Paulo.
O autor menciona que durante determinado período a responsabilidade civil nos casos de infecção hospitalar ficou subordinada ao regime da culpa, o que de fato colocava o doente em uma posição difícil de ter de prova além da culpa propriamente dita, o prejuízo e a relação de causalidade. Assim, levando em consideração essa dificuldade, a fim de favorecer a indenização do doente, adotou-se o princípio da presunção da culpa, que foi, segundo o autor, primeiramente aplicada pelo Conselho de Estado, com o acórdão Cohen em 9 de dezembro de 1988.[39]
O mesmo autor menciona que houve, no entanto, uma reversão da jurisprudência, com relação à aplicação da presunção da culpa na França em matéria de infecção hospitalar no ano de 1999, passando a considerar a responsabilidade dos estabelecimentos de saúde como uma obrigação de segurança de resultado, entendimento, que, no entanto, foi limitado em um acórdão de 27 de março de 2001 pelo órgão jurisdicional supremo, onde restou decidido que competia ao doente demonstrar que a infecção possuía caráter hospitalar, e somente neste caso se teria uma obrigação de segurança de resultado.[40]
Após ter sido confirmado o caráter culposo da infecção hospitalar, depois favorecido a indenização do doente com a aplicação da teoria da culpa presumida e posteriormente considerada a responsabilidade dos estabelecimentos de saúde como uma obrigação de segurança de resultado, o legislador francês com a lei de 4 de Março de 2002, promoveu a dissociação da responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares nos casos de infecção hospitalar e a solidariedade nacional:
O legislador, com a lei de 4 de março de 2002 sobre os direitos dos pacientes e a qualidade do sistema de saúde, após ter confirmado o caráter culposo da infecção hospitalar, depois erigido o princípio de uma responsabilidade sem culpa para os estabelecimentos de serviços ou organismos nos quais são realizados atos individuais de prevenção, de diagnóstico ou de cuidados no caso desse tipo de infecção, finalmente cruzou o rubicão (cf. do título IV da lei, relativo à reparação das conseqüências dos riscos sanitários), operando a dissociação da responsabilidade dos atores de saúde da indenização das conseqüências prejudiciais do acidente médico, da afecção iatrogênica ou da infecção hospitalar não-culposa e baseada na solidariedade nacional. Esta inovação tem por objetivo encontrar um ponto de equilíbrio entre os interesses da vítima, os profissionais de saúde e os estabelecimentos de saúde.[41]
Os estabelecimentos de saúde passaram a responder objetivamente, ou seja, sem a necessidade de constatação da culpa, todavia, as infecções hospitalares cujas consequências financeiras são muito pesadas com uma taxa de incapacidade permanente da integridade física ou mental superior a 25% ou no caso de morte, passaram a serem diretamente compensadas pela solidariedade nacional através da Office National d'IndemnisationdesAccidentsMédicaux (ONIAM)[42]. O autor menciona ainda que o legislador foi sábio ao ponto de manter em proveito da ONIAM, a possibilidade de se voltar contra os estabelecimentos hospitalares em uma ação regressiva, quando for caracterizada a culpa, ou seja, quando for caracterizado o descumprimento das obrigações fixadas para a regulamentação em matéria de luta contra as obrigações hospitalares.[43]
Assim, verifica-se que a legislação francesa definiu de forma expressa que a responsabilidade dos hospitais na França por danos decorrentes da infecção hospitalar é uma responsabilidade objetiva, ou seja, sem a necessidade de comprovação da culpa.
Os estabelecimentos hospitalares são responsáveis civilmente nos casos de infecção hospitalar, todavia, nos casos em que as consequências financeiras são elevadas, o ressarcimento é realizado pela ONIAM, ressalvado o seu direito de ingressar com ação de regresso contra as instituições de saúde em caso de culpa ou quando negado o ressarcimento referentes às infecções com uma taxa de incapacidade permanente da integridade física ou mental inferior a 25%.
A solução adotada parece ter equilibrado a balança de forma a não sobrecarregar financeiramente os hospitais e estabelecer o ressarcimento financeiro às vítimas sem a necessidade de comprovação da culpa.
No Brasil, contudo, permanece indefinida a responsabilidade dos hospitais nos casos de infecção hospitalar.
De fato há uma tendência jurisprudencial em considerar a responsabilidade dos hospitais como uma responsabilidade objetiva por meio da qual se entende que com o simples surgimento da infecção hospitalar, nasce automaticamente o dever de indenizar.
No entanto, o ressarcimento financeiro das vítimas é atribuído integralmente ao estabelecimento hospitalar, o que pode realmente representar uma sobrecarga financeira a determinados hospitais.
É necessário, portanto, traçar um caminho melhor, alternativo àquele que vem sendo dado pela doutrina e tribunais, a exemplo do que aconteceu na França, sem se esquecer das peculiaridades do tema e não perder de vista o ser humano e seu direito à saúde e dignidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A infecção hospitalar representa um fenômeno de extrema complexidade tanto do ponto de vista técnico como do ponto de vista jurídico, o que dificulta a sua definição para efeitos de reparação civil.
Os médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde, somente responderão pelos danos advindos das infecções hospitalares se houver comprovação da culpa. Isso significa que eles apenas responderão por danos advindos da infecção hospitalar quando restar comprovado que agiram com culpa em qualquer uma de suas modalidades (imperícia, imprudência ou negligência).
Além da culpa, deverá também restar demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta culposa destes profissionais e a ocorrência da infecção hospitalar. Ou seja, apenas quando demonstrado que da conduta culposa provém a infecção hospitalar, é que estes profissionais responderão pelos danos causados pela ocorrência da mesma.
Assim, quando for do interesse específico da vítima que o profissional responda pela infecção hospitalar, deverá comprovar além da culpa do profissional, o nexo de causalidade entre a sua conduta e a infecção hospitalar.
Diferente situação, no entanto, refere-se à responsabilidade dos hospitais pelos danos decorrentes das infecções hospitalares.
A doutrina e jurisprudência se dividem sobre o tema, já que para uns, a infecção hospitalar ensejaria a responsabilidade objetiva por meio da qual com simples surgimento já nasce o dever de indenizar, enquanto outros defendem que há na infecção hospitalar responsabilidade contratual onde a culpa é presumida em desfavor dos hospitais.
Ainda que se considere uma ou outra como correta, alguns questionamentos para efeitos de reparação civil ainda permaneceriam sem respostas.
A adoção da responsabilidade objetiva na maneira como vem sendo utilizada na maioria dos casos tende realmente a considerar os hospitais que se preocupam com o controle da infecção hospitalar e os que não se preocupam da mesma forma quando considera que com o simples surgimento da infecção hospitalar nasceria o dever de indenizar e é daí que surge o primeiro questionamento: A responsabilidade pelos prejuízos provocados por infecções hospitalares ocorridas mesmo quando adotadas todas as medidas de assepsia e cuidados necessários deve realmente ser suportada pelos hospitais?
A resposta para o questionamento acima, entretanto, fica difícil de ser obtida quando consideramos que realmente há infecções que ocorrem mesmo com a adoção de todas as medidas de controle e profilaxia pertinentes. Como ficaria a indenização das vítimas nesses casos?
Alguns têm considerado, com base na adoção da teoria da responsabilidade objetiva, que os hospitais responderiam mesmo quando adotadas as medidas de controle e profilaxia recomendadas pela medicina, ao passo que para aqueles que defendem a responsabilidade contratual com culpa presumida, restando demonstrado que o hospital adotou todas as medidas de controle e profilaxia recomendadas pela medicina atual, não haveria o dever de indenizar.
A consequência da adoção do segundo entendimento é que as infecções ocorridas ainda quando tomadas tais medidas, realmente ficariam imunes a indenização e essa foi a crítica feita pelo ministro Cesar Asfor no julgamento do Recurso Especial nº 629.212 ao afastar a responsabilidade contratual com culpa presumida para os casos de infecção hospitalar.
A adoção da responsabilidade contratual com culpa presumida nos casos de infecção hospitalar, por seu turno, abre caminho para a exclusão da responsabilidade dos hospitais quando há comprovação dos cuidados com a internação e com higiene das instalações. Diante disso, para elidir a presunção da culpa, o hospital deve comprovar que todos os meios para garantia da incolumidade física do paciente foram adotados.
Há muitas decisões nos dois sentidos acima mencionados.
O fato é que ao mesmo tempo em que parece ser injusto condenar o hospital que atende todas as regras sanitárias pertinentes ao controle de infecção hospitalar e se preocupa em manter índices satisfatórios desse controle, deixar a vítima sem amparo ainda quando isso ocorra, também parece ser uma injustiça, posto que, conforme demonstrado, há infecções que são inevitáveis, ou seja, ocorrem mesmo quando tomadas todas as medidas de profilaxia cabíveis.
Percebe-se que há uma tendência geral em tratar o problema da infecção hospitalar como uma falta resultante da inobservância das normas referentes ao seu controle em uma abordagem excessivamente determinista. Ou seja, em considerar que bastaria a comprovação da ocorrência da infecção hospitalar, para restar caracterizado o dever de indenizar. Nesse caso, portanto, a simples ocorrência da infecção hospitalar, já daria ensejo à reparação civil pelos prejuízos ocasionados.
Contudo, não se pode aceitar que a simples ocorrência da infecção hospitalar já daria ensejo ao dever de indenizar. A questão não é tão evidente, e cada caso deve ser analisado individualmente.
A responsabilidade civil dos hospitais deve realmente ser considerada como uma responsabilidade objetiva a teor da definição contida no Código de Defesa do Consumidor, contudo a responsabilidade objetiva não pode ser utilizada para condenar os hospitais pelo simples fato do paciente ter contraído uma infecção nas dependências do hospital.
A responsabilidade dos fornecedores e prestadores de serviço é objetiva quando há falha na prestação dos serviços. Mas a ocorrência da infecção hospitalar não pode ser sempre considerada como uma falha ou como decorrência de uma falha na prestação dos serviços.
É por isso que a simples ocorrência da infecção hospitalar não leva automaticamente ao dever de indenizar.
Haverá, portanto, responsabilização objetiva, todavia, apenas para os casos em que restar configurada a falha na prestação dos serviços. E só haverá realmente falha quando o serviço for defeituoso, ou seja, quando não fornecer a segurança que o consumidor dele pode esperar.
Se o procedimento médico-hospitalar for realizado da melhor forma possível, não se pode dizer que não forneceu a segurança que o consumidor dele poderia esperar. O serviço nesse caso, não se mostrou defeituoso.
As infecções hospitalares nesse caso, se os riscos de sua ocorrência tiverem sido previamente informados ao paciente antes do procedimento realizado, não darão direito à indenização. Trata-se de infecção inevitável, que não deve conduzir à reparação civil.
Dentro desse contexto, uma das maneiras disponíveis para estabelecer se houve falha no cuidado prestado é examinar se o hospital cumpre as normas de cuidado, regulação, regimento interno, leis sanitárias, portarias aplicáveis ao controle da infecção hospitalar.
A falha na prestação dos serviços nos casos de infecção hospitalar deve ser considerada presumida. Ao estabelecimento de saúde, portanto, caberá provar a ausência dessa falha.
Interessante ainda destacar, por outro lado, que o hospital poderá ainda ser responsabilizado se a infecção hospitalar, uma vez ocorrida, não for tratada corretamente. Assim, se hospital comprova que adotou todas as medidas de controle, mas ainda assim a infecção hospitalar ocorreu, e, todavia, após o seu surgimento, não foram tomadas as medidas necessárias para tratá-la, o hospital poderá ser responsabilizado.
A infecção hospitalar para efeitos de reparação civil é aquela contraída após a admissão do paciente. O nexo de causalidade deverá ser sempre buscado. Ou seja, deve restar comprovado que a infecção foi adquirida no hospital em decorrência de algum procedimento que possa ser considerado falho. Aqui também reside uma grande dificuldade dos processos que envolvem o tema. Isso porque se já é difícil comprovar a conduta médico-hospitalar inadequada, mais difícil ainda é estabelecer que a infecção hospitalar provenha dela.
No entanto, em se tratando de infecções hospitalares e em virtude de sua complexidade, acredita-se que não se deve exigir realmente a certeza plena do nexo de causalidade.
A grande dificuldade na definição da infecção hospitalar para efeitos de responsabilidade civil, não está somente centrada na definição da existência ou não de falha na prestação dos serviços por parte do estabelecimento, mas principalmente em atribuir a ocorrência da infecção hospitalar a essa falha.
Pode-se assim dizer, que a maior dificuldade reside em se estabelecer o nexo de causalidade, considerando que o nexo de causalidade nos casos de ocorrência da infecção hospitalar deve ser compreendido como o liame que liga a existência de alguma falha à ocorrência da infecção hospitalar, e não ao simples fato de o paciente ter contraído uma infecção nas dependências do hospital.
Os processos de compensação em casos relacionados às infecções hospitalares exigem, portanto, uma análise detalhada de todo o tratamento dispensado ao paciente e uma busca pela fonte da infecção e dos responsáveis por ela.
Nos processos que envolvem o tema, portanto, o primeiro passo será estabelecer o caráter da infecção para considerá-la como uma infecção hospitalar. Essa característica, por seu turno, é determinada pelo momento em que foi contraída. As infecções hospitalares são aquelas contraídas após a admissão do paciente. Nesse primeiro momento, dessa forma, caberá ao hospital, se for o caso, comprovar o exato momento em que a infecção foi contraída se um dos argumentos de sua defesa for de que a infecção não possui origem hospitalar. Se não houve prova contundente nesse sentido, o juiz poderá com base em outros elementos sugestivos contidos nos autos, deduzir que se trata de uma infecção hospitalar.
Determinado o caráter hospitalar da infecção que acometeu o paciente, o segundo passo é determinar se a infecção hospitalar decorreu de uma conduta hospitalar inadequada. A dificuldade nesse caso será ainda maior.Se o hospital demonstra de forma cabal que a ocorrência da infecção hospitalar não está relacionada a alguma falha, não haverá indenização. Se o hospital não comprova de forma cabal, e há evidências suficientes para o juiz basear que a infecção decorre de uma falha, poderá haver a condenação do estabelecimento. Há ainda a possibilidade de olhar para as todas as possibilidades de explicação para a infecção hospitalar e constatar se alguma delas pode estar relacionada a alguma falha e nesse caso, poderá também haver a condenação do hospital.
O juiz, nas duas últimas hipóteses, não necessitará de uma certeza científica de que a infecção hospitalar decorreu de uma falha cometida para condenar o hospital, mas tão somente de evidências que possam corroborar com a ideia de que a infecção hospitalar ocorreu por falta de cuidado. Na falta de evidências, no entanto, não poderá subsistir a condenação. As possibilidades acima mencionadas só caberão quando houver incerteza. Se há uma conclusão médica certa apontando para a causa específica, não se permitirá a utilização das possibilidades acima mencionadas.
A existência de explicações diversas para a ocorrência das infecções hospitalares, certamente conduzirá a possibilidade da defesa, convencer o juiz de que a infecção hospitalar não decorreu de uma conduta hospitalar inadequada. Mas por outro, a existência de diversas explicações para o surgimento da infecção hospitalar poderá dar subsídios para que seja estabelecida a condenação se estiverem relacionados a algum procedimento médico-hospitalar inadequado.
Há casos em que a natureza de uma infecção hospitalar se mostra evidente, como ocorre, por exemplo, com as infecções surgidas após um procedimento cirúrgico. Nesses casos, no entanto, será extremamente difícil estabelecer a conduta inadequada no procedimento cirúrgico, considerando que na maioria das vezes sua ocorrência será entendida como um risco inerente da cirurgia. Se não houver evidências indicando qualquer falha, realmente não poderá haver a condenação. Mas a análise do caso poderá também se ater ao enfoque do tratamento dispensado à infecção hospitalar propriamente dita. Ou seja, se a infecção hospitalar não for tratada da forma correta, o hospital também poderá ser responsabilizado.
Outra interessante questão a ser analisada que pode e deve ser levantada nas ações judiciais, refere-se às infecções endógenas, ou seja, que decorrem de bactérias existentes no próprio paciente.
A análise da jurisprudência nos mostra que de uma forma geral, nos poucos casos em que houve a discussão em torno do caráter endógeno ou exógeno da infecção e restou demonstrado que a infecção tem origem endógena, a responsabilidade dos hospitais foi afastada.
Não se pode, no entanto, admitir que o simples fato de a infecção possuir natureza endógena deve necessariamente levar a improcedência da ação. Somente se restar demonstrado que o procedimento médico ou hospitalar foi realizado em conformidade com o atual conhecimento da medicina, que os riscos da infecção foram informados ao paciente e que a origem da infecção foi uma incontrolável reação do organismo do paciente proveniente de bactéria da flora endógena, é que não poderá prevalecer a responsabilização dos hospitais.
A análise da adequação do procedimento médico-hospitalar ao caso também deve ser considerada, pois se o procedimento realizado não era em um primeiro momento recomendado pela medicina, consequentemente, ainda que a infecção tenha ocorrido por uma incontrolável reação do organismo, remanesceria a responsabilidade nesse caso, pela inadequação do procedimento escolhido.
Por fim, convém também ressaltar quenão deve existir distinção entre o tratamento dos hospitais públicos ou privados sob a ótica da responsabilidade para os casos de infecção hospitalar, já que as circunstâncias ensejadoras da ocorrência da infecção hospitalar são as mesmas.
Acredita-se, em decorrência das considerações acima expedidas, que o dever de indenizar pelo simples surgimento da infecção hospitalar somente poderá ser admitido quando for estabelecida uma solução diversa para o problema a exemplo do que aconteceu na França, que possa equilibrar a balança de forma a não sobrecarregar financeiramente os estabelecimentos hospitalares.
Portanto, de tudo o que foi acima exposto, a conclusão que se chega é que a infecção hospitalar é realmente um fenômeno extremamente complexo, inclusive no campo jurídico. Acredita-se, dessa forma, que a abordagem dos temas acima mencionados, tentando preencher a lacuna que hoje existe, representa um importante passo em virtude dos problemas advindos desse mal.
REFERÊNCIAS
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[1] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 151-152.
[2] PUCCINI, Paulo de Tarso. Perspectivas do controle da infecção hospitalar e as novas forças sociais em defesa da saúde. Ciência & Saúde Coletiva,Rio de Janeiro, v. 16, n. 7, p. 3045, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n7/04.pdf>. Acesso em: 20jul. 2018.
[3] MEDEIROS, Eduardo Alexandrino Servolo; ROSENTHAL, Caio. A prática segura e a qualidade na atenção. In: O CONTROLE da infecção hospitalar no Estado de São Paulo. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2010. p. 11. Disponível em: <http://ccihadm.med.br/legislacao/Controle_de_ infeccoes_hospitalares_no_Estado_de_Sao_Paulo.pdf>. Acesso em: 20jul. 2018.
[4]LAMBLET LCR, PADOVEZE MC. Comissões de Controle de Infecção Hospitalar: perspectiva de ações do Conselho Regional de Enfermagem. Revista Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário. 2018 jan./mar, 7(1):29-42.
[5] STOCO, Ruy. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 9. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013. p. 759.
[6] AGUIAR, Dias apud KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8. ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013. p.232
[7] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 154.
[8] THEODORO JUNIOR, Humberto. Aspectos processuais da ação de responsabilidade por erro médico. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 88, n. 760, p. 46, fev. 1999.
[9] STOCO, Ruy. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 9. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013. p. 760.
[10] BATISTA, Édson; BATISTA, Suênya Marley Mourão. A responsabilidade civil de médicos e hospitais nos casos de infecção hospitalar. Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina, v. 3, n. 2, p. 32, 2010.
[11]MELO,Nehemias Domingos de. Responsabilidade civil por erro médico: doutrina e jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 150.
[12] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 421.
[13] CASTRO, João Monteiro. Responsabilidade civil do médico. São Paulo: Método, 2005. p. 163.
[14]KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8. ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013.p. 221.
[15]Ibid., p. 225.
[16] SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade civil médico/hospitalar e o ônus da prova. Revista Jurídica Unijus, Uberaba, v. 9, n. 2, p. 37-38, nov. 2006.
[17] SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade civil médico/hospitalar e o ônus da prova. Revista Jurídica Unijus, Uberaba, v. 9, n. 2, p. 40, nov. 2006.
[18] ZOBOLI, Elma Lourdes Campos Pavone. Comentários. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 3, n. 2, 135, jul. 2002. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/81248/84887>. Acesso em:13 Jun. 2018.
[19] (STJ – RESP: n. 629.212/RJ, Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha, Data de Julgamento: 15/05/2007, Quarta Turma). No mesmo sentido, informa a jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. 1. A responsabilidade dos hospitais e clínicas (fornecedores de serviços) é objetiva, dispensando a comprovação de culpa, notadamente nos casos em que os danos sofridos resultam de infecção hospitalar. Precedentes. 2. O entendimento firmado pelo Tribunal a quo, que concluiu pela existência de nexo de causalidade entre a prestação do serviço de saúde e a morte do filho da parte autora não pode ser revisto em sede de recurso especial como pretende o recorrente, pois para derruir as conclusões a que chegou a Corte local, demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, providência vedada, em razão do óbice contido na Súmula 7 deste Tribunal. 3. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, somente quando ínfimo ou exagerado, circunstância esta que não se verifica na hipótese dos autos, pois o valor estabelecido não excede o arbitrado pelos mais recentes precedentes desta Corte. Incidência da Súmula 7 do STJ. 4. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1653046/DF, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 28/05/2018).
[20](TJSP; Apelação 0004064-93.2013.8.26.0100; Relator (a): João Camillo de Almeida Prado Costa; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 12ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/11/2017; Data de Registro: 29/11/2017). (SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça [do] Estado de São Paulo. São Paulo, 2017. Disponível em: <http://www.tjsp.jus.br/>. Acesso em: 10 jun. 2018).
[21] A perícia médica realizada nos autos do processo ressaltou expressamente que "A ocorrência de infecção do sítio cirúrgico não informa necessariamente que houve falha de técnica cirúrgica ou que o ambiente hospitalar não apresentava condições adequadas de higienização. As medidas preventivas atuais não conseguem evitar todas as infecções relacionadas à assistência à saúde.” No entanto, ainda assim houve a condenação do hospital com fundamento na teoria da responsabilidade objetiva. (TJSP; Apelação 0028621-36.2011.8.26.0482; Relator (a): Luiz Antonio de Godoy; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Presidente Prudente - 4ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 03/07/2018; Data de Registro: 03/07/2018).
[22] SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade civil médico/hospitalar e o ônus da prova. Revista Jurídica Unijus, Uberaba, v. 9, n. 2, p. 41-42, nov. 2006.
[23] (STJ - REsp: 116372 MG 1996/0078499-0, Relator: Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Data de Julgamento: 11/11/1997, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 02.02.1998). No mesmo sentido decidiu o Superior Tribunal em julgado mais recente: RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INFECÇÃO HOSPITALAR. SEQUELAS IRREVERSÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CULPA CONTRATUAL. SÚMULA 7. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. DANO MORAL. REVISÃO DO VALOR. JUROS DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. DATA DO ARBITRAMENTO. REDUÇÃO DA CAPACIDADE PARA O TRABALHO. PENSÃO MENSAL DEVIDA. 1. Não cabe, em recurso especial, rever a análise da prova para afastar a conclusão do acórdão recorrido de que a infecção de que padeceu o autor teve como causa a internação hospitalar (Súmula 7). 2. Em se tratando de infecção hospitalar, há responsabilidade contratual do hospital relativamente à incolumidade do paciente e "essa responsabilidade somente pode ser excluída quando a causa da moléstia possa ser atribuída a evento especifico e determinado" (REsp 116.372/MG, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, DJ 2.2.1998). 3. "Não cabe a denunciação quando se pretende, pura e simplesmente, transferir responsabilidades pelo evento danoso, não sendo a denunciação obrigatória nos casos do inciso III do art. 70 do Código de Processo Civil, na linha da jurisprudência da Corte" (REsp 302.205/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, DJ 4.2.2002). 4. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando ínfimo ou exagerado. Hipótese, todavia, em que o valor foi estabelecido na instância ordinária, atendendo às circunstâncias de fato da causa, de forma condizente com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 5. É devido o pensionamento vitalício pela diminuição da capacidade laborativa decorrente das sequelas irreversíveis, mesmo estando a vítima, em tese, capacitada para exercer alguma atividade laboral, pois a experiência comum revela que o portador de limitações físicas tem maior dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, além da necessidade de despender maior sacrifício no desempenho do trabalho. 6. A correção monetária deve incidir a partir da fixação de valor definitivo para a indenização do dano moral. Enunciado 362 da Súmula do STJ. 7. No caso de responsabilidade contratual, os juros de mora incidentes sobre a indenização por danos materiais, mesmo ilíquida, fluem a partir da citação. 8. A indenização por dano moral puro (prejuízo, por definição, extrapatrimonial) somente passa a ter expressão em dinheiro a partir da decisão judicial que a arbitrou. O pedido do autor é considerado, pela jurisprudência do STJ, mera estimativa, que não lhe acarretará ônus de sucumbência, caso o valor da indenização seja bastante inferior ao pedido (Súmula 326). Assim, a ausência de seu pagamento desde a data do ilícito não pode ser considerada como omissão imputável ao devedor, para o efeito de tê-lo em mora, pois, mesmo que o quisesse, não teria como satisfazer obrigação decorrente de dano moral, sem base de cálculo, não traduzida em dinheiro por sentença judicial, arbitramento ou acordo (CC/1916, art. 1064). Os juros moratórios devem, pois, fluir, no caso de indenização por dano moral, assim como a correção monetária, a partir da data do julgamento em que foi arbitrada a indenização, tendo presente o magistrado, no momento da mensuração do valor, também o período, maior ou menor, decorrido desde o fato causador do sofrimento infligido ao autor e as consequências, em seu estado emocional, desta demora. 9. Recurso especial do réu conhecido, em parte, e nela não provido. Recurso especial do autor conhecido e parcialmente provido. (REsp 903.258/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 17/11/2011).
[24] (TJRS– Ap. 70009587502, Relator: Desembargador Umberto GuaspariSudbrack, Data de Julgamento: 23/09/2004, quinta câmara cível). (RIO GRANDE DO SUL.Tribunal de Justiço do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2017. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/site/>. Acesso em: 13 jun. 2018.
[25] STOCO, Ruy. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 9. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013. p. 211-212.
[26] SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade civil médico/hospitalar e o ônus da prova. Revista Jurídica Unijus, Uberaba, v. 9, n. 2, p. 42, nov. 2006. (grifo do autor).
[27]SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade civil médico/hospitalar e o ônus da prova. Revista Jurídica Unijus, Uberaba, v. 9, n. 2, p. 43, nov. 2006.
[28]Ibid., p. 43-44.
[29] THEODORO JUNIOR, Humberto. Aspectos processuais da ação de responsabilidade por erro médico. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 88, n. 760, p. 46, fev. 1999.
[30] STOCO, Ruy. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 9. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013. p. 760.
[31] (STJ – RESP: n. 629.212/RJ, Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha, Data de Julgamento: 15/05/2007, Quarta Turma).
[32]Embargos Infringentes - Infecção Hospitalar - Ausência de caracterização de erro médico - Responsabilidade objetiva do hospital quanto aos serviços próprios de internação - Inocorrente sua configuração - Nosocômio que possui Comissão de Controle de Infecção, com índices de atuação equivalentes a países europeus - Aplicação consentânea do art. 14, § 1o, do CDC, que considera haver defeito do serviço quando sua fruição for capaz de suscitar riscos acima do nível de razoável expectativa - Situação não demonstrada nos autos - Cláusula ínsita de incolumidade que não supera os limites da capacidade humana, segundo o atual estágio da medicina. Embargos infringentes rejeitados (TJSP - Relator: James Siano, Data de Julgamento: 05/05/2010, 5ª Câmara de Direito Privado).
[33](TJSP - Apelação 0005184-10.2007.8.26.0157; Relator (a): Christine Santini; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Cubatão - 2ª. Vara Judicial; Data do Julgamento: 01/12/2015; Data de Registro: 02/12/2015).
[34] JERÓNIMO, Ana Rita Gonçalves. Patogénese de infecções causadas por bactérias da flora endógena.2013. Dissertação (Mestrado emCiências Farmacêuticas) -Escola de Ciências e Tecnologias da Saúde, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2013. Disponível em: <http://recil.grupolusofona.pt/bitstream/handle/10437/4631/Disserta%C3%A7...pdf?sequence=1>. Acesso em: 23 maio 2018.
[35](TJSP; Apelação 0011004-95.2009.8.26.0009; Relator (a): Carlos Alberto Garbi; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional IX - Vila Prudente - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/03/2017; Data de Registro: 22/03/2017). Nesse mesmo sentido: RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO - Morte em decorrência de infecção hospitalar - Hipótese de caso fortuito configurada - Ausente o nexo causai - Infecção de origem endógena, ou seja, a bactéria era proveniente do próprio corpo do paciente - Conclusões do perito que devem prevalecer - Ação julgada improcedente - Sentença mantida - Recurso improvido. (TJSP - Apelação Com Revisão 9111810-85.2004.8.26.0000; Relator (a): De Santi Ribeiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Cubatão - 2.VARA CIVEL; Data do Julgamento: N/A; Data de Registro: 17/08/2007).
[36] FRANCE. Loi nº 2002-303, du 4 mars 2002 relativeauxdroitsdesmalades et à laqualitédusystème de santé. JournalOfficiel de laRépubliqueFrançaise, Paris, 5 mar. 2002. Disponível em:<https://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000000227015&dateTexte=20020305>. Acesso em: 3 abr. 2018.
[37]FRANCE. Loi nº 2002-1577, du 30 décember 2002 relative à laresponsabilitécivilemédicale. Journal Officiel de la République Française, Paris, 31 dec. 2002. Disponível em: <https://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000000234122&fastPos=1&fastReqId=1459439495&categorieLien=id&oldAction=rechTexte>. Acesso em: 3 abr. 2018.
[38]KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8. ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013. p. 238.
[39] MONDIELLI, Eric. Responsabilidade e infecções hospitalares: a abordagem francesa. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 6, n. 1-3, p. 102, 2005.
[40] KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8. ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013. p.104.
[41] Ibid., p. 105.
[42] Serviço Nacional de Indenização dos Acidentes Médicos.
[43] MONDIELLI, Eric. Responsabilidade e infecções hospitalares: a abordagem francesa. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 6, n. 1-3, p. 116, 2005.
Servidor público estadual - Tribunal de Justiça De São Paulo. Graduado e mestre em Direito pela UNESP (Franca)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARCELOS, RODRIGO DINIZ DE PAULA. A responsabilidade civil nos casos de infecção hospitalar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jan 2021, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56031/a-responsabilidade-civil-nos-casos-de-infeco-hospitalar. Acesso em: 22 nov 2024.
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