RESUMO: O assunto em estudo neste trabalho é a responsabilização trabalhista no âmbito das delegações de serviços notariais e registrais em relação ao novo titular. Considerando que os serviços notariais e registrais possuem um regime jurídico próprio, diverso daquele aplicado a empresas, serão analisados os requisitos para aplicação da sucessão trabalhista e a peculiaridade dos serviços notariais. Analisa-se a natureza jurídica, a figura do agente delegado e a relação de emprego entre o agente titular e o empregado. Ademais, expõe-se a construção jurisprudencial a respeito do tema, tratando da responsabilidade do sucedido, do sucessor e do Estado.
Palavras-chave: Sucessão trabalhista – serviços notariais e registrais – requisitos – jurisprudência.
ABSTRACT: The subject under study in this work is labor liability in the scope of notary and registration services’ delegations in relation to the new holder. Considering that notary and registration services have their own legal regime, different from that applied to companies, the requirements for the application of labor succession and the peculiarity of notary services will be analyzed. The legal nature, the figure of the delegated agent and the employment relationship between the holder and the employee are analyzed. In addition, the jurisprudential construction on the subject is exposed, dealing with the responsibility of the former agent, of the successor and of the State.
Keywords: Labor succession - notary and registration services - requirements - jurisprudence.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Regime jurídico dos notários e dos registradores; 3. Sucessão trabalhista no âmbito notarial e registral; 3.1 Ausência de personalidade jurídica; 3.2 Ausência dos requisitos da sucessão trabalhista; 3.3 Independência dos delegatários; 3.1 Entendimento jurisprudencial; 4. Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata da aplicação do instituto da sucessão trabalhista no âmbito das serventias notariais e registrais, que vem sendo tese de debate nas Cortes Judiciais.
Essa grande demanda nos Tribunais se nota especialmente em razão da realização de concursos de públicos para a titulação das serventias, conforme exigido pelo art. 236 da Constituição de 1988, e a superação da antiga prática de se alocar parentes nas serventias com altos salários.
Analisam-se, nesse contexto, os requisitos exigidos pelo ordenamento para aplicação da sucessão trabalhista e a sua compatibilidade com o regime jurídico previsto e aplicado para as serventias notariais e registrais.
Faz-se, ainda, uma exposição de entendimentos doutrinários, bem como da compreensão que as Cortes Judiciais vêm adotando sobre o tema e sua evolução no decorrer dos anos.
Para essa compreensão, além dos aspectos normativos, verifica-se a realidade fática e histórica que permeia a prática estabelecida por anos nos chamados cartórios, que eram considerados patrimônios privados e repassados como direito sucessório de pais para filhos e onde se empregava diversos familiares com valores altíssimos fora do patamar estabelecido pelo mercado de trabalho.
Nesse contexto, observa-se de forma objetiva e imparcial, sem paixões, ainda que nobres, a possibilidade de aplicação da sucessão trabalhista aos novos titulares das serventias para arcarem com débitos dos antigos delegatários.
2 REGIME JURÍDICO DOS NOTÁRIOS E DOS REGISTRADORES
As atividades exercidas por notários e por registradores, no âmbito das serventias, são funções públicas, delegadas aos particulares, por meio do art. 236 da Constituição[1]. A partir disso, verifica-se a diferença entre a natureza do serviço e a natureza do ato de prestar, eis que, apesar de serem exercidos em caráter privado[2], tais serviços não são privados.
Nesse sentido, o autor Luís Paulo Aliende Ribeiro transcreve que:
O exercício necessariamente privado ocorre no campo destinado à gestão privada, ou seja, na atuação jurídica dos notários e registradores e no gerenciamento financeiro e de pessoal de cada unidade de serviço, o que, quanto à organização geral dos serviços e à relação de sujeição especial que liga os delegados ao Poder Público outorgante, não afasta o regime jurídico de direito público e a natureza estatal desta singular atividade de atribuição da fé pública e da publicidade oficial a atos, contratos e direitos de terceiros.
A gestão privada, isoladamente considerada, não permite, por este motivo, a caracterização da atividade notarial de registros como atividade econômica em sentido estrito, permanecendo, em face do parcial regime jurídico de direito público de direito público, sua natureza de serviço público[3].
Os notários e os registradores não exercem cargo, uma vez que não fazem parte da estrutura administrativa do Estado. Trata-se, na realidade, de agente público, não se confundindo com o conceito de servidor público. São considerados como particulares em colaboração, alheios à estrutura Estatal, compondo outra categoria de agentes públicos ao lado dos agentes políticos e dos servidores públicos.
Assim são os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho:
A expressão agentes públicos tem sentido amplo. Significa o conjunto de pessoas que, a qualquer título, exercem uma função pública como prepostos do Estado. Essa função, é mister que se diga, pode ser remunerada ou gratuita, definitiva ou transitória, política ou jurídica. O que é certo é que, quando atuam no mundo jurídico, tais agentes estão de alguma forma vinculados ao Poder Público. Como se sabe, o Estado só se faz presente através das pessoas físicas que em seu nome manifestam determinada vontade, e é por isso que essa manifestação volitiva acaba por ser imputada ao próprio Estado. São todas essas pessoas físicas que constituem os agentes públicos.
(...)
Sendo quantitativa e qualitativamente tão abrangente a categoria dos agentes públicos, há que se reconhecer a existência de grupamentos que guardem entre si algum fator de semelhança.
(...)
Outra categoria de agentes públicos é a dos agentes particulares colaboradores.
(...)
Clássico exemplo desses agentes são os jurados, as pessoas convocadas para serviços eleitorais, como os mesários e os integrantes de juntas apuradoras, e os comissários de menores voluntários. São também considerados agentes particulares colaboradores os titulares de ofícios de notas e de registro não oficializados (art. 236, CF) e os concessionários e permissionários de serviços públicos[4].
Enquanto os servidores públicos são remunerados pelos cofres públicos, aos quais se aplica um estatuto comum, os notários e os registradores são pagos pelos pelas pessoas naturais ou pelas pessoas coletivas que deles se utilizam.
Cabe notar que o regime jurídico dos notários e dos registradores também se difere daquele aplicado às concessionárias e às permissionárias. Estes exercem serviços que devem ser prestados pelo Estado, mas podem ser transferidos aos particulares (pessoa física ou jurídica), com natureza contratual e dependência de prévio procedimento licitatório, ao passo que aqueles só podem ser delegados à pessoa física.
Não se deve confundir ainda a atividade delegada com a serventia, eis que as atividades notariais e registrais são criadas e extintas por lei e somente, após a criação, as atividades serão delegadas aos aprovados em concurso de provas e títulos. As serventias, portanto, não são criadas pelo ato de delegação, uma vez que antecedem a delegação e persistem à sua extinção.
A delegação é realização por meio de concurso público de ingresso ou de remoção, sendo que dois terços das vagas são providas por concurso de ingresso e um terço por concurso de remoção. Esse concurso deve ser realizado no prazo de seis meses após a vacância da serventia.
À luz dos arts. 35 e 39 da Lei 8.935/1994, após o provimento, os notários e os registradores só podem perder a delegação nas seguintes hipóteses: a) sentença judicial transitada em julgado; b) decisão decorrente de processo administrativo, assegurada a ampla defesa; c) morte ou invalidez; d) renúncia e e) aposentadoria facultativa. Entende-se, nos termos em que foi decidido pelo Conselho Nacional de Justiça[5], que essas hipóteses são meramente exemplificativas e, portanto, permite-se a aplicação de penalidade de perda de delegação.
3 SUCESSÃO TRABALHISTA NO ÂMBITO NOTARIAL E REGISTRAL
Conhecidas as linhas gerais a respeito do regime jurídico dos notários e dos registradores, passa-se à análise do instituto da sucessão de empregadores, conhecida também por sucessão trabalhista e alteração subjetiva do contrato, normatizado nos arts. 10 e 448 da CLT.
O art. 10 da CLT dispõe que qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados. Complementado pelo o art. 448 também da CLT, o qual prescreve que a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.
Sobre o assunto, Mauricio Godinho Delgado esclarece que sucessão de empregadores:
Consiste no instituto justrabalhista em virtude do qual se opera no contexto da transferência de titularidade de empresa ou estabelecimento, uma completa transmissão de créditos e assunção de dívidas trabalhistas entre alienante e adquirente envolvidos.
Conhece-se a figura também por outros epítetos, como sucessão trabalhista e alteração subjetiva do contrato.
A referência à ideia de sucessão efetuada pelas duas primeiras denominações justifica-se: de fato, ocorre nessa figura do Direito do Trabalho a assunção de créditos e débitos pelo novo titular em face do antigo, em contexto de alienação ou cessão da empresa ou estabelecimento entre tais titulares.
A referência à alteração contratual subjetiva também se justifica. É que, em virtude da pessoalidade atávica à figura do empregado e da impessoalidade inerente `figura do empregador, apenas este é que pode se fazer substituir ou alterar ao longo da relação de emprego, sem que tal modificação provoque o rompimento ou a descaracterização da relação empregatícia. Logo, se há alteração subjetiva do contrato, essa somente pode se referir à mudança da pessoa do empregador[6].
Ocorre que, para configuração da sucessão trabalhista, deve se observar a ocorrência dos seguintes requisitos: a) transferência de Unidade Econômica-jurídica e b) continuidade na mesma área do negócio.
Considerando que, com a realização de concursos para ingresso na atividade notarial e registral, nos termos do art. 236 da CF, tem ocorrido inúmeras reclamações trabalhistas movidas por escreventes prepostos não aproveitados pelos novos delegatários, passa-se, assim, a verificar se há possibilidade de sucessão trabalhista nas hipóteses de delegação de atividade notarial e registral, para se verificar quem responde pelas verbas salariais e seus reflexos no curso da prestação de serviços.
3.1 AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA
As serventias, no passado, respondiam pelos danos e pelas obrigações gerados por seus titulares, uma vez que eram consideradas na prática como bens imóveis, inclusive passíveis de herança e adquiridos por doação ou por venda.
Com o passar do tempo, as serventias deixaram de ser consideradas bens, perdendo seu conteúdo econômico e ficando fora do comércio, já que serviços notariais e registrais deixaram de pertencer ao patrimônio dos delegados, que passaram a exercer cargos públicos, a título vitalício.
Após, os serviços delegados passaram a ser delegados por meio de concurso público a pessoas físicas para serem exercidos em caráter privado.
Em razão disso, o entendimento predominante da doutrina e da jurisprudência é no sentido de que as serventias não possuem personalidade jurídica. Constituem, na realidade, unidades de serviços notariais e registrais, que, por meio de concurso público, são delegadas a determinada pessoa a fim de desempenhar atividades funcionais.
Diante disso, o titular da serventia deve responder pessoalmente pelos atos praticados no ofício notarial ou registral, acarretando a ilegitimidade passiva das serventias extrajudiciais para figurar no polo passivo, uma vez que estas não detêm personalidade jurídica.
Em decorrência desses fatos, Paulo Roberto de Carvalho Rêgo prescreve que:
Por isso hoje o “cartório” ou seu “titular” não são uma entidade. Não detém personalidade jurídica e autônoma e, por isso, não pode ocorrer sucessão comercial e direta, onde o atual Oficial a exercer a função pública delegada assumiria todo o passivo da serventia e responderia civilmente por atos ilícitos ou funcionais, eventualmente praticados desde sua instalação, todo com o fito de convocar o então serventuários para eventuais relações processuais, seja no polo ativo, seja no passivo.
O cartório e a função exercida pelo seus Oficial não possuem personalidade jurídica. Entretanto, com equivocado enfoque, sobre o titular da função de Notário ou Registrador, frequentemente esse se vê acionado por atos ou omissões do serventuário anterior, como se o mero exercício da função ostentasse situação de pessoa jurídica, à imagem de uma empresa comercial, ente dotado de personalidade e patrimônio próprios, destacados, quando, em realidade, os bens em uso nos serviços extrajudiciais e seus componentes pertencem, com exclusividade, a cada um dos seus momentâneos Oficiais delegados, cada qual com seus patrimônio privado (...).
O cartório e a função titulada não são pessoas físicas ou jurídicas; não sãos entes jurídicos no ordenamento brasileiro, não podendo e nem devendo figurar no polo ativo ou passivo processual. Em realidade não têm personalidade própria e nem são entes patrimoniais, capazes de contrair direitos e obrigações. Entes jurídicos somente aqueles prestos em lei, e os arts. 16 e 18 do Código Civil assim não os classifica. Em suma, é mera evocação designativa de um serviço público prestado por particulares, profissionais do direito, e, como tal, insuscetível de figurar ad causam ou ad processum, em qualquer relação de direito, ativa ou passivamente[7].
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é firme no sentido de que os cartórios e as serventias não detêm personalidade jurídica. Cabe, contudo, ressaltar que há decisões diversas quanto à possibilidade de as serventias comporem o polo ativo de ação judicial. Enquanto alguns julgados não admitem a legitimidade passiva das serventias outros, apesar de reconhecerem a ausência de personalidade jurídica, reconhecem a qualidade de parte no sentido processual, assim como ocorre com espólio e a massa falida, reconhecendo, assim, sua capacidade para estar em juízo.
Verifica-se abaixo a referida divergência:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.772.466 – RS (2018/0263668-4) RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL RECORRIDO : CICERO PEREIRA BAPTISTA RECORRIDO : TABELIONATO SERVICO NOTARIAL ADVOGADO : EDIO CONCEICAO DE OLIVEIRA CARNEIRO – RS022598 DECISÃO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CÓDIGO FUX. EXECUÇÃO FISCAL. CARTÓRIO DE REGISTRO CIVIL. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. RECURSO ESPECIAL DA FAZENDA NACIONAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Trata-se de Recurso Especial interposto pela FAZENDA NACIONAL contra acórdão proferido pelo egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, assim ementado: TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. TABELIONATO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA. HONORÁRIOS RECURSAIS. 1. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que os serviços de registros públicos, cartorários e notariais não detêm personalidade jurídica, de modo que quem responde pelos atos decorrentes dos serviços notariais é o titular do cartório. Logo, o tabelionato não possui legitimidade para figurar no polo passivo da execução fiscal. 2. Ainda que possuam CNPJ, os Tabelionatos não carregam a personalidade jurídica própria que os habilite a figurar no polo ativo ou passivo de ações judiciais, de modo que eventuais responsabilidades advindas da atividade não são a eles imputáveis, mas sim aos seus titulares, os Tabeliães, que devem responder pelas obrigações tributárias. 3. Vencida na fase recursal, a parte apelante deve arcar com o pagamento dos honorários recursais, conforme § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil (fls. 99). 2. Os Embargos de Declaração opostos (fls. 108/116), foram rejeitados (fls. 124/129). 3. Em seu Apelo Nobre, fundado na alínea a do art. 105, III da CF/1988, a Fazenda Nacional aponta ofensa aos arts. 1.022, II do Código Fux, 4º., V, da Lei 6.830/1980, 126, III do CTN, 22 da Lei 8.935/1994 e 38 da Lei 9.492/1997. Aduz, em resumo, que onde está inserido o nome do cartório e o número do CNPJ, deve-se ler o nome da pessoa física titular (e o seu CPF), posto que é a pessoa física quem, de fato, pratica os fatores geradores, acompanha a formação e paga eventual tributo, e responderá em caso de inadimplemento. Aliás, ainda que o referencial incluído no polo passivo da obrigação seja o CNPJ do cartório, quem acompanha a obrigação (e o processo de execução fiscal), desde o seu início, e é notificado de todos os atos, por ser o verdadeiro contribuinte, é o registrador (fls. 144). Pugna pela reforma do julgado. 4. Sem contrarrazões, o recurso foi admitido na origem (fls. 159). 5. É o relatório. 6. De início, cumpre destacar que a alegada violação do art. 1.022 do Código Fux não ocorreu, tendo em vista o fato de que a lide foi resolvida nos limites propostos e com a devida fundamentação. As questões postas a debate foram decididas com clareza, não tendo havido qualquer vício que justificasse o manejo dos Embargos de Declaração. Observe-se, ademais, que o julgamento diverso do pretendido, como na espécie, não implica ofensa à norma ora invocada. 7. Conforme o entendimento do STJ, os serviços de registros públicos, cartorários e notariais não detêm personalidade jurídica, de modo que quem responde pelos atos decorrentes dos serviços notariais é o titular do cartório. Assim, o tabelionato não possui legitimidade para figurar como polo passivo da presente demanda. Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes: AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. ATOS PRATICADOS NO ÂMBITO DA SERVENTIA. RESPONSABILIDADE DO DELEGATÁRIO À ÉPOCA DOS FATOS. 1- A atual jurisprudência desta Corte orienta que o tabelionato não detém personalidade jurídica, respondendo pelos danos decorrentes dos serviços notariais o titular do cartório na época dos fatos. Responsabilidade que não se transfere ao tabelião posterior (AgRg no Resp 624.975/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Dje 11/11/2010). 2- O Agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. 3- Agravo Regimental improvido (AgRg no AREsp. 460.534/ES, Rel. Min. SIDNEI BENETI, Dje 28.4.2014). ² ² ² RECURSO ESPECIAL – CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL – TABELIONATO – INTERPRETAÇÃO DO ART. 22 DA LEI 8.935/94 – LEI DOS CARTÓRIOS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO TABELIONATO – LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – AUSÊNCIA – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. O art. 22 da Lei 8.935/94 não prevê que os tabelionatos, comumente denominados Cartórios, responderão por eventuais danos que os titulares e seus prepostos causarem a terceiros. 2. O cartório extrajudicial não detém personalidade jurídica e, portanto, deverá ser representado em juízo pelo respectivo titular. 3. A possibilidade do próprio tabelionato ser demandado em juízo, implica admitir que, em caso de sucessão, o titular sucessor deveria responder pelos danos que o titular sucedido ou seus prepostos causarem a terceiros, nos termos do art. 22 do Lei dos Cartórios, o que contrasta com o entendimento de que apenas o titular do cartório à época do dano responde pela falha no serviço notarial. 4. Recurso especial improvido (Resp. 911.151/DF, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, Dje 6.8.2010). 8. Dessa forma, está o acórdão recorrido em consonância com a orientação desta Corte, incidindo à espécie a Súmula 83/STJ. 9. Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial da FAZENDA NACIONAL. 10. Publique-se. Intimações necessárias. Brasília (DF), 25 de outubro de 2018. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO MINISTRO RELATOR (STJ – Resp: 1772466 RS 2018/0263668-4, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Publicação: DJ 08/11/2018).
PROCESSUAL CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL. CAPACIDADE PROCESSUAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO DE OFÍCIO. PREQUESTIONAMENTO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA.
1. Tendo a Corte Regional fundamentado sua decisão em base jurídica adequada e suficiente ao desate da lide, não haveria por que reexaminar a matéria sob perspectiva diversa ditada pela embargante. Violação do art. 535 do CPC não-caracterizada.
2. Entre as atribuições do magistrado, inclui-se a prerrogativa de, a todo tempo, zelar pela higidez da relação processual, determinando as providências corretivas que julgar adequadas para que o processo ultime-se de modo eficaz e efetivo. Hipótese em que o apego excessivo à formalidade da norma adjetiva contraria os princípios que informam a razoabilidade, a efetividade e a economia processual.
3. O Cartório de Notas, conquanto não detentor de personalidade jurídica, ostenta a qualidade de parte no sentido processual, ad instar do que ocorre com o espólio, a massa falida etc., de modo que tem capacidade para estar em juízo.
4. Recurso especial não-provido. (Resp 774.911/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/10/2005, DJ 20/02/2006, p. 313).
Verifica-se, dessa forma, que, apesar de haver decisão diversas quanto à possibilidade de as serventias integrarem ou não o polo passivo da demanda, o STJ é firme no sentido de que elas não possuem personalidade jurídica.
3.2 AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA SUCESSÃO TRABALHISTA
Para analisar, portanto, a possibilidade de sucessão trabalhista pelo titular da serventia, é necessário verificar o cumprimento dos requisitos para aplicação da regra sucessória.
Observa-se que, no direito do trabalho, o conceito de sucessão ultrapassa os limites estabelecidos do Direito Civil e do Direito Empresarial.
À luz dos artigos 10 e 448 da CLT, é considerada como sucessão de empregadores a mudança de propriedade ou a alteração na estrutura jurídica da empresa.
A sucessão trabalhista, nos termos da legislação, seria uma transferência de empresa e/ou estabelecimento, juntamente com seus créditos e seus débitos.
Como visto em tópico anterior, para sua configuração, devem estar presentes os seguintes requisitos: a) mudança na estrutura jurídica ou na propriedade da empresa, como ocorre na compra e venda, sucessão hereditária, arrendamento, incorporação, fusão, cisão, dentre outros e b) continuidade no ramo do negócio.
Na hipótese em que novo delegatário assume a serventia por meio de concurso público, não há, todavia, concretizada a sucessão de empregadores, uma vez que a alteração na titularidade do cartório não se deu em virtude de negócio mercantil, como, por exemplo, em um contrato de compra e venda.
Ocorre, nos termos do art. 236 da Constituição Federal, uma delegação do Poder Público para um particular, não havendo qualquer negócio jurídico entre o anterior e o novo titular da delegação, não há cláusulas contratuais, eis que a delegação, como já visto, só pode recair sobre pessoas naturais e não sobre empresa ou pessoa mercantil. Há, no caso, relações distintas entre essas pessoas físicas e o Poder Público.
O particular, desse modo, ao ser nomeação em razão de concurso público para ser titular de serventia notarial ou registral, será responsável pelos atos praticados, sem que adquira créditos e débitos do antigo delegatário. Isso acontece especialmente porque o acervo é composto por cadernos de registro que pertencem ao Estado, ficando apenas sob responsabilidade do titular do cartório.
Incabível, dessa forma, falar em sucessão trabalhista, quando não ocorreu a celebração de negócio mercantil entre o antigo e o novo delegatário.
Há que se verificar, outrossim, que a delegação é pessoal e intransferível, isto é, o responsável pelas obrigações é o titular da época dos fatos.
Nesse sentido, foi definida a responsabilidade dos notários e dos oficiais de registro pelo art. 22 da Lei 8.935/94, conforme texto a seguir:
Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.
Em razão disso, inclusive as obrigações tributárias são de responsabilidade pessoal do delegatário, conforme previsto no art. 30 da Lei 8.935/94:
Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro:
(...)
XI – fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar;
Nesse sentido também é a previsão do Código Tributário Nacional:
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
(...)
VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;
Essa responsabilidade pessoal e intransferível do titular da serventia já foi consignada pelo Superior Tribunal de Justiça em diversos julgados, conforme se observa a seguir:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. CONTRADIÇÃO. OFICIAL DE REGISTROS PÚBLICOS. CERTIDÃO DE DOMÍNIO DE IMÓVEL EM DUPLICIDADE. FRUSTRAÇÃO DE NEGÓCIO DE COMPRA E VENDA. RESPONSABILIDADE PESSOAL. PRESCRIÇÃO. DIVERGÊNCIA. COTEJO ANALÍTICO. COISA JULGADA. FUNDAMENTAÇÃO. NÃO PROVIMENTO.
1. Não há omissão no acórdão recorrido se o Tribunal ‘a quo’ examina suficientemente as questões que lhe foram propostas, apenas que em sentido contrário ao interesse subjetivo do recorrente. A contradição, outrossim, que autoriza a oposição de embargos de declaração é a interna, ou seja, aquela que se verifica entre a fundamentação e a conclusão do julgado, e não a simples adoção de fundamentos que desagradam a parte.
2. É pessoal a responsabilidade do oficial de registros públicos por seus atos e omissões, cabendo-lhe indenizar o prejudicado pelos danos causados. Precedentes. A conclusão pela culpa do titular do cartório de registro de imóveis ao emitir certidão de propriedade de imóvel em nome de terceira pessoa, que não o legítimo proprietário, o que ensejou posterior declaração de nulidade do negócio de compra e venda em decorrência de procedência de pedido reivindicatório proposta por este, é imune ao crivo do recurso especial, como ensina o verbete n. 7, da Súmula.
3. A ausência de particularização do dispositivo legal tido por violado, bem como de demonstração analítica da divergência, atrai o enunciado n. 284, da Súmula do STF.
4. A apontada violação à coisa julgada, ao argumento de que na lide anterior (reivindicatória) o recorrente teria sido declarado passivamente ilegítimo, foi rechaçada pelo acórdão recorrido ao fundamento de que esta somente atinge as partes do processo, nos termos do artigo 472, do CPC, não sendo impugnado o referido fundamento. Incide, pois, o verbete n. 283, da Súmula do STF.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Resp 804.759/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 27/11/2012, Dje 11/12/2012)
RECURSO ESPECIAL – CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL – TABELIONATO – INTERPRETAÇÃO DO ART. 22 DA LEI N. 8.935/94 – LEI DOS CARTÓRIOS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO TABELIONATO –
LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM- AUSÊNCIA – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. O art. 22 da Lei n. 8.935/94 não prevê que os tabelionatos, comumente denominados “Cartórios”, responderão por eventuais danos que os titulares e seus prepostos causarem a terceiros.
2. O cartório extrajudicial não detém personalidade jurídica e, portanto, deverá ser representado em juízo pelo respectivo titular.
3. A possibilidade do próprio tabelionato ser demandado em juízo, implica admitir que, em caso de sucessão, o titular sucessor deveria responder pelos danos que o titular sucedido ou seus prepostos causarem a terceiros, nos termos do art. 22 do Lei dos Cartórios, o que contrasta com o entendimento de que apenas o titular do cartório à época do dano responde pela falha no serviço notarial.
4. Recurso especial improvido’.
(Resp 911.151/DF, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2010, Dje 06/08/2010)
‘AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. TABELIONATO. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA. RESPONSABILIDADE DO TITULAR DO CARTÓRIO À ÉPOCA DOS FATOS.
1. O tabelionato não detém personalidade jurídica, respondendo pelos danos decorrentes dos serviços notariais o titular do cartório na época dos fatos. Responsabilidade que não se transfere ao tabelião posterior. Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Resp 624.975/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 21/10/2010, Dje 11/11/2010).
Constatada a responsabilidade pessoal e intransferível pelas obrigações trabalhistas, verifica-se que é dever do titular da serventia à época dos fatos promover o pagamento de todas as verbas rescisórias dos trabalhadores.
Não há que se falar, assim, em sucessão empresarial trabalhista no âmbito da atividade notarial e registral, eis que, nos termos já mencionados no início deste trabalho, a atividade do reclamado não é privada, apesar de exercida de forma privativa, pois o delegatário exerce uma função pública.
Ilustrando essa diferenciação, registra-se a seguir parte do voto exarado pelo Desembargador Relator Paulo Sergio Pimenta do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região no acórdão do RO 0010700-06.2014.5.18.0006:
(...)
No regime privado, em atuação do livre mercado, a rigor, não há intervenção do Poder Público, exceto aquelas intervenções autorizadas pela Constituição (tributárias, por exemplo).
Na prestação dos serviços públicos, pode haver atuação de modo privativo mediante concessão ou permissão. Nestas modalidades, nada obsta que o permissionário ou concessionário constitua empresas privadas, que atuam em área do mercado em regime de monopólio ou, de forma plural.
A atuação do reclamado, por outro lado, era por delegação de função pública, para a qual assumia responsabilidades pessoais, exclusivas e intransferíveis na consecução de suas tarefas. Não se trata de serviço público que exija constituição de empresa.
E na gestão administrativa de suas funções públicas, o reclamado contratava quem quisesse, estipulava a remuneração a ser aplicada, definia o número de trabalhadores que almejava, instituía regras que agregassem benefícios que aderiam aos respectivos contratos de trabalho etc.
Tudo isto, repito, sob sua exclusiva, pessoal e intransferível responsabilidade, como comanda a lei vigente.
Como imaginar que, findas as suas atividades, pudesse se atribuir ao novo notário, concursado, as obrigações de assumir um quadro de pessoal de trabalhadores: a) que não contratou; b) com o qual não estabeleceu o elemento essencial da fidúcia; c) que não estipulou o valor das remunerações; d) que não estipulou a carga horária; e) que não definiu o número de pessoas que integrariam o quadro de pessoal; f) que não estabeleceu vantagens ou deveres contratuais?
Não atuando no mercado privado, o reclamado nada conquistou nesse mercado que já não fosse um nicho do próprio segmento de ações públicas.
Sendo assim, o reclamado não transmitiu nenhum acervo que correspondesse à sua atuação no mercado privado, como uma carteira de clientes, por exemplo, ou mesmo um fundo de comércio.
Também não adquiriu e tombou nenhum bem (móvel ou imóvel) que tenha passado a integrar o patrimônio público ou o patrimônio privado da notaria concursada que o substituiu.
Ao contrário, segundo declaração do próprio réu a este juízo, feita em audiência (ainda que não tenha havido registro em ata, formalizo agora a informação, observando o princípio da oralidade- destacando que, querendo, tal informação poderá ser refutada em sede de recurso), até mesmo a sede onde ainda funciona o tabelionato e todos os móveis que o guarnecem foram, por ele, colocados para alugar. E a renda dessa locação beneficiará a quem? Ora, ao próprio reclamado e não ao ente despersonalizado.
Em suma – e esta alusão fática apenas confirma o que é possível concluir sem dificuldade, toda a riqueza amealhada no desenvolvimento das atividades de notas, passaram a integrar o patrimônio pessoal do ex-notário, continuam na sua posse (mesmo que indireta, em alguns casos), não havendo transmissão patrimonial de nenhuma sorte ao notário que assumiu as funções públicas que, até então, eram desempenhadas pelo reclamado.
A simples transmissão de uma atividade, diante desse contexto, não caracteriza a sucessão trabalhista.
Para que reste configura esse instituto trabalhista, é necessário que a atividade transmitida tenha se iniciado e se desenvolvido no campo privado e não no âmbito público, que envolva transmissão de patrimônio e seja decorrente de livre manifestação da vontade do vendedor e do comprador.
Na hipótese de delegação de serventia notarial ou registral, a atividade se desenvolve em âmbito público. Não ocorre a transmissão de patrimônio, que permanece na propriedade do Estado, e não há livre manifestação de vontade, uma vez que a assunção dessa função pública ocorre por meio de concurso público (art. 236 da Constituição Federal).
Segue-se, dessa forma, com a transcrição do esclarecedor voto do voto exarado pelo Desembargador Relator Paulo Sergio Pimenta:
Ora, por que, estando prevista na Constituição de 1988 a ocupação de cargos, empregos e funções públicas mediante concurso aberto à sociedade, somente agora se deu a posse, de notários e oficiais de registros aprovados em certame público?
É fácil concluir que ao estarmos tratando deste tema nos atuais dias, passados mais de 26 anos da implantação de uma nova Constituição da República, tal cenário decorre justamente da resistência na transmissão dessas delegações. Então, pelo quesito da vontade dos titulares ou interinos não concursados, é corolário supor que não haveria nenhuma transmissão.
Então, como comparar isto a uma sucessão trabalhista?
- Não há acervo patrimonial transferido;
- não há atividade privada desenvolvida;
- não há mercado explorado por iniciativa privada;
- não existe fundo de comércio e nada que a ele se assemelhe, mesmo que por analogia;
- as funções transmitidas são públicas (e não privadas);
- a transmissão não se dá por manifestação da livre vontade do notário antecessor, e sim por intermediação do Poder Público e por exigência, já antiga, da sociedade brasileira, que insculpiu este comando de realização de certame público para os cargos e funções públicas, quando escreveu a Constituição da República;
- por não haver o elemento essencial da vontade, não existe negócio jurídico celebrado entre as partes (notário anterior e notário atual).
Antes de se invocar a figura da sucessão trabalhista, seria mais natural cotejar o modelo de transmissão das atividades notariais e de oficiais de registro com as chamadas transmissões por injunção de ato público (ou espécies de aquisições originárias), como ocorre, por exemplo, com as vendas que acontecem em leilões e praças públicas.
É cediço que a aquisição, através da intermediação do Poder Público, não acarreta para o adquirente nenhum ônus oculto ou explícito sobre o bem adquirido. São as chamadas aquisições originárias ou primárias.
Tal se dá quando se adquire um apartamento, por exemplo, em hasta pública e sobre o qual pairam dívidas tributárias.
O art. 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional destaca que os sucessores de bens, adquiridos em hasta pública, não adquirem os tributos que, até então, recaíam sobre tal patrimônio.
‘Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, ub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.
Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.’
Tal dispositivo tem aplicação, inclusive, na Justiça do Trabalho:
‘ARREMATAÇÃO. ÔNUS SOBRE O IMÓVEL ARREMATADO. 1. De acordo com o art. 130, parágrafo único do CTN, em caso de arrematação por hasta pública, considera-se sub-rogado no preço os créditos tributários de impostos que tenham como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, estendendo-se tal tratamento a taxas por prestação de serviços a tais bens e contribuições de melhoria. Portanto, está na arrecadação do preço ocorrida em hasta pública os possíveis valores destinados à satisfação dos créditos tributários, recebendo o arrematante o bem livre de tais ônus, devendo ainda ser respeitado o privilégio do crédito trabalhista. 2. A desoneração do arrematante acerca de tais dívidas tributárias sobre o bem havido não (TRT18, AP – 0018300-53.2006.5.18.0008, Rel. PAULO PIMENTA, 2ª TURMA, 18/04/2012)’
A Justiça do Trabalho também nunca agiu diferente na hora de interpretar as responsabilidades dos adquirentes de bens móveis e imóveis em hasta ou praça pública.
Veja que o conceito de sucessão não pode ser tomado apenas pela transmissão de acervo patrimonial ou continuidade das atividades anteriormente desenvolvidas pelo antigo proprietário. Fosse assim, seria forçoso reconhecer que um arrematante, em processo judicial trabalhista, de imóvel que, antes, servia como restaurante, ali estabelecendo outro restaurante, passaria a ser considerado sucessor trabalhista das dívidas do antigo proprietário – o que, sem dúvida, seria um absurdo.
E tanto seria absurdo, que este caminho nunca foi trilhado pela jurisprudência trabalhista. Destaco jurisprudência da SBDI-2/TST (EMENTA PARCIAL, grifos nossos):
‘(...)
V – SUCESSÃO TRABALHISTA – ALIENAÇÃO DO FUNDO DE COMÉRCIO E CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS LABORAIS – SUBSTITUIÇÃO AERONÁUTICA – VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI E DOLO PROCESSUAL NÃO CONFIGURADOS.
A sucessão trabalhista pressupõe dois requisitos: a transferência total ou parcial do fundo de comércio ao sucessor e a continuidade da prestação de serviços dos antigos empregados à nova empresa. No caso, nenhum dos requisitos citados está presente. Não houve, tecnicamente, transferência de fundo de comércio porque a aquisição do direito de explorar as rotas não se deu por força de negócio jurídico de cessão entabulado entre a UNITED e a PAN AM, mas decorreu de arrematação feita em expropriação de bens da massa falida no Poder Judiciário americano. Se sucessão houver em tal caso, então esta também ocorrerá toda vez que uma empresa quebrar e seus imóveis forem praceados e adquiridos por uma terceira pessoa jurídica, o que configura absurdo. Lembro, ainda, em reforço de tal argumento, que o direito civil distingue entre a aquisição de direitos em hasta pública, que é primária, livre de qualquer ônus, e a cessão ou alienação feita entre particulares, forma secundária de adquiri-los. Igualmente, em momento algum os Reclamantes prestaram serviços à empresa apontada como sucessora. Tal circunstância não é objeto de controvérsia nos autos da Rescisória, pois os próprios autores explicam que requereram a declaração da condição de sucessora da UNITED tão-somente porque não conseguiram encontrar bens penhoráveis da PAN AM, sem afirmar que tenham laborado, por um só dia, para a empresa aérea Recorrente.
Outrossim, não há falar na substituição do Código Brasileiro do Ar, pois esta, à semelhança da sucessão, pressupõe negócio jurídico entabulado entre as partes. No caso, não houve substituição avençada, mas sim concessão de serviço público por ato administrativo normativo do governo brasileiro- decreto -, como bem apreendido pelo acórdão rescindendo.
Para que o dolo seja considerado causa de rescisão, deve ser suficiente para, sozinho, lastrear decisão em sentido distinto da tomada pelo magistrado. No caso, porém, a sucessão não seria reconhecida mesmo que se soubesse da arrematação realizada em hasta pública na Justiça Americana do direito de explorar as rotas.
(...)
Recurso Ordinário conhecido e provido para julgar improcedente a Ação Rescisória.’ (TST-ROAR-667.949/2000.3, rel. Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, órgão julgador: Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-2/TST), data do julgamento: 10.02.2014).
A transferência, portanto, da titularidade da serventia notarial ou registral, em razão de concurso público (art. 236 da Constituição da República), assemelha-se mais às características de arrematação em hasta ou praça pública do que ao instituto da sucessão comercial, notadamente em virtude de o primeiro não ser negócio jurídico entre o sucessor e o sucedido, mas uma transmissão de direitos e funções por atuação do Poder Público.
Não cabe, dessa maneira, equiparar o titular da serventia à figura do empresário, uma vez que não é possível aplicar os dispositivos da CLT que regulamentam o instituto da sucessão trabalhista (arts. 10 e 448), tendo em vista que não há empresa constituída nem alteração da estrutura empresarial nem sequer transmissão de fundo de comércio ou de outra propriedade empresarial.
3.3 INDEPENDÊNCIA DOS DELEGATÁRIOS
Além de não ser possível a aplicação do instituto da sucessão trabalhista na hipótese de delegação de serventias a novos titulares, em razão de não aplicação dos dispositivos legais que disciplinam a questão, eventual responsabilização de novo titular por obrigações trabalhistas do antigo delegatário acabaria com a independência dos notários e dos registradores, garantida expressamente, como visto acima, na Lei 8.935/1994.
Tal prática impediria o novo titular de formar uma equipe de sua confiança, com salários adequado à situação da serventia delegada, retirando, assim, a liberdade concedida pela legislação para administração do pessoal que prestará os serviços delegados, conforme visto no art. 20 da Lei 8.935/94.
Isso se dá pelo fato da característica de ser intuito personae do contrato de trabalho ficar ainda mais evidente na hipótese da atividade notarial, eis que os delegatários dotam seus prepostos de parte da fé pública que recebem do Estado, o que exige total fidúcia por parte da equipe que irá formar, devendo admitir pessoas de total confiança.
A intenção de aplicação da sucessão trabalhista aos novos titulares de serventias, além de padecer de amparo legal, desconhece a realidade dos cartórios que se consagrou no país. A tradição brasileira é de que a maioria dos prepostos é parente do delegatário, fato que leva ao entendimento leigo de que cartórios se passam de pais para filhos. Considerando que há serventias, recebidas por concurso público, na titularidade do mesmo familiar há décadas e que seus integrantes recebem valor muito elevados, superiores ao praticado no mercado de trabalho, o novo titular teria que assumir um débito astronômico, inviabilizando a prestação dos serviços e contrariando o interesse do Estado na prestação de um serviço eficiente.
Essa tentativa de responsabilização dos novos titulares de serventias pelos antigos empregados vem gerando uma enorme insegurança, acarretando o risco de perpetuação do antigo regime de transmissão de cartórios de pais para filho, pelo fato, como visto, do antigo titular empregar conhecidos com salários exorbitantes, tornando inviável o exercício da delegação pelo novo titular.
Segundo Luiz Guilherme Loureiro:
(...) tal corrente jurisprudencial implica ofensa ao princípio republicano que repele a personalização da função pública e que se eternize o seu serviço. Ao ser obrigado a manter com preposto do antigo titular, notadamente com os parentes destes, ou então arcar com as obrigações trabalhistas de quem não lhe prestou serviços (tese da sucessão), o novo delegatário praticamente fica à mercê do antigo titular e de seus parentes, o que equivale à perenizarão do serviço público em favor de particulares e em detrimento do Estado[8].
A sucessão trabalhista, portanto, não se sustenta na delegação de serventias em razão de incompatibilidade técnica de não aplicação dos dispositivos legais e de incompatibilidade prática, eis que tal regime inviabilizaria a manutenção pelos novos titulares.
3.4 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
A jurisprudência brasileira, compreendendo melhor o sistema constitucional e legal da atividade notarial e registral, vem firmando entendimento no sentido de que o marco inicial para responsabilização do novo titular da delegação, que recebeu a outorga por meio de concurso público, é a sua investidura.
Conforme registrado por Luiz Guilherme Loureiro:
O TJSP, por exemplo, já firmou o entendimento de que o marco inicial para a responsabilidade do novo titular da delegação, que obteve o direito à outorga corresponde após a provação em concurso público, é a de sua investidura (Apelação 454-040-4/3-00-Guarujá).
Também a Justiça Federal tem acolhido exceção de pré-executividade para reconhecer a nulidade das inscrições em dívida ativa em desfavor do cartório, para determinar sua exclusão do polo passivo da execução fiscal e o prosseguimento desta apenas em face dos delegatórios que deixara de cumprir, a tempo e modo, obrigações relativas a contribuições previdenciárias e tributárias[9].
Na Justiça do Trabalho, vigora o entendimento que se aplica o instituto da sucessão trabalhista se houver a transferência da unidade econômica-jurídica que integra a serventia e continuidade na prestação de serviços. Nesses casos, o novo titular seria responsável créditos trabalhista referentes a contratos trabalhista vigentes e até mesmo pelos decorrentes de contratos já extintos.
Observe-se os julgados do Tribunal Superior do Trabalho nesse sentido:
MUDANÇA DA TITULARIDADE DE CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL – RESPONSABILIDADE SUCESSÃO TRABALHISTA. 1. A sucessão de empresas, nos termos dos arts. 10 e 448 da CLT, não afeta os contratos de trabalho nem os direitos adquiridos dos empregados. Isso implica dizer que o sucessor responde, inclusive, pelos contratos de trabalho já extintos no momento da sucessão, ou seja, por débitos exigidos por reclamante que nunca lhe prestou serviços. 2. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, no caso de mudança da titularidade dos cartórios extrajudiciais, havendo a transferência da unidade econômica-jurídica que integra o estabelecimento, além da continuidade na prestação dos serviços do cartório, resta caracteriza a sucessão trabalhista nos mesmos moldes da sucessão de empresas, de sorte que o tabelião sucessor é o responsável pelos débitos trabalhistas contraídos pelo sucedido. Recurso de Revista não Conhecido. (RR-873/2005-301-01-00-0. Rel. Min. Ives Granda Martins Filhos, 7ª. Turma)
SUCESSÃO TRABALHISTA – MUDANÇA DE TITULARIDADE DE CARTÓRIO DE REGISTROS. O entendimento do Tribunal Regional no sentido de que, a teor dos arts. 10 e 448 da CLT, o tabelião sucessor é responsável pelos créditos trabalhistas relativos tanto aos contratos laborais vigentes quando aos já extintos, não afronta o disposto no art. 236 da Constituição Federal, uma vez que mencionado dispositivo constitucional versa sobre o caráter privado dos serviços notariais e de registro, deixando claro que o titular do cartório equipara-se ao empregador comum. (AIRR 2.457/2005-042-02-40-7, Rel. Mis. Vieira de Mello Filho, 1ª Turma)
SUCESSÃO TRABALHISTA – MUDANÇA DE TITULARIDADE DE CARTÓRIO E REGISTRO. I- A sucessão trabalhista opera-se sempre que a pessoa do empregador é substituída exploração do negócio, com transferência de bens e sem ruptura na continuidade da atividade empresarial. Nessa hipótese, o sucessor é responsável pelos direitos trabalhistas oriundos das relações laborais vigentes à época do repasse, bem como pelos débitos de igual natureza decorrentes de contratos já rescindidos. Com efeito, a mudança na propriedade do estabelecimento não afeta os direitos dos respectivos trabalhadores, à luz dos artigos 10 e448 da CLT. II- Como é cediço, o cartório extrajudicial não possui personalidade jurídica própria, seu titular é o responsável pela contratação, remuneração e direção da prestação dos serviços, equiparando-se ao empregador comum, sobretudo porque aufere renda proveniente da exploração das atividades cartorárias. Assim, a alteração da titularidade do serviço notarial, com a correspondente transferência da unidade econômico-jurídica que integra o estabelecimento, além da continuidade na prestação dos serviços, caracteriza a sucessão de empregadores. Destarte, a teor dos artigos 10 e 448 da CLT, o Tabelião sucessor é responsável pelos créditos trabalhistas relativos tanto aos contratos laborais vigentes quanto aos já extintos. III- Recurso a que se nega provimento (TST-RR-504/2005-244-01-00, Rel. Min. Barros Levenhagen, 4ª Turma).
Esse entendimento, com o devido respeito, demonstra uma incompreensão da realidade fática bem como da sistemática jurídica.
Como visto anteriormente, parentes são colocados como prepostos com valores insustentáveis em comparação com o mercado de trabalho.
Tal compreensão pode, inclusive, levar a fraudes, na hipótese, por exemplo, de um titular que assume interinamente e queira evitar que a serventia seja escolhida por um aprovado em concurso público ou talvez garantir ganhos exorbitantes a familiares em detrimento do bem público. Ademais, essa orientação do TST serve de estímulo para que titulares que estejam prestes a perder a serventia deixem de pagar as verbas rescisórias, uma vez que será responsabilidade do sucessor ainda que o empregado não lhe tenha prestado os serviços.
Outrossim, como retratado em tópico anterior, não se pode confundir delegação de serventia com a sucessão de empresas, por serem institutos distintos, não recebem a mesma denominação nem o mesmo tratamento legal.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de justiça, em recentes julgados, vem reconhecendo eventual responsabilidade do Estado e ausência de responsabilidade do novo titular da serventia, conforme no voto do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino proferido no ano de 2019:
Não há sucessão empresarial em relação aos atos praticados pelo antigo titular da serventia extrajudicial, podendo ser eventualmente responsabilizada a pessoa jurídica responsável pela delegação (Estado).
Analisando a questão na perspectiva da sucessão trabalhista, Gustavo Friedrich Trierweiler assinala a impossibilidade de o instituto da sucessão empresarial ser aplicado nas serventias notariais e registrais (TUTIKIAN, Cláudia Fonseca; TIMM, Luciano Benetti; PAIVA, João Pedro Lamana (coord.) – Novo Direito Imobiliário e registral – São Paulo: Quartier Latin, 2008. Cap. 17. Pp. 344-357), verbis:
A atividade notarial e registral é regida por legislação específica, havendo efetiva fiscalização da atuação, a qual é incumbida ao Poder Judiciário.
Isto porque o particular delegado cumpre função estatal, ou seja, é um longa manus do Estado responsável pelo serviço público.
Nesse sentido, dispõe inclusive o Conselho da Magistratura do Rio Grande do Sul, na resolução 157/95, que:
‘Art. 1º - É dever funcional do notário e oficial do registro transmitir todo o complexo que componha a serventia ao seu sucessor, como livros, papéis, registros, programas e dados de informática instalados, de modo a garantir seja mantida a continuidade do serviço.’
Da disposição normativa acima reproduzida, fica claro que o acervo da serventia (ex. livros, fichas e papéis) pertence ao respectivo Estado da Federação onde se localiza a serventia e, portanto, esta documentação deve permanecer no cartório, ou seja, não há valor destinado ao acervo.
Desta feita, o notário e o registrador atuam como verdadeiros “guardiões” dos instrumentos necessários ao desempenho da atividade, que são de propriedade exclusiva do Estado.
Assim, extinta a atividade do respectivo titular em determinada serventia, o acervo não pertencerá ao agente delegado, mas retornará ao Estado, permitindo sua entrega ao novo responsável pela serventia, tão logo designado.
Nessa linha de raciocínio, conclui-se que o titular da serventia é um agente público delegado e não dono da serventia, não podendo ser confundidas situações jurídicas tão distintas.
O “proprietário” da serventia e titular do serviço público será sempre o Estado.
E prossegue analisando os efeitos da alteração da titularidade na serventia, verbis:
No caso de remoção, assim como nos casos de extinção ou perda da delegação, a serventia será declarada vaga, enquanto outro titular devidamente aprovado em concurso público não a escolha.
Na hipótese de vacância, independentemente, do motivo, a serventia retorna à responsabilidade do Estado até que novo titular assuma, pois a serventia, repita-se, não é uma pessoa jurídica, mas uma atividade estatal exercita por particulares sob regime de delegação.
“Neste período intermediário, a responsabilidade pelos encargos de dissidência trabalhista é do Estado”, e não do designado provisoriamente, em que pese este assumir plenamente as tarefas de titular.
Por fim, conclui no sentido da impossibilidade de incidência do instituto da sucessão de empregados às novas serventias, verbis:
Constata-se que há tão-somente a alteração do agente delegado responsável pela função pública em determinada serventia.
Assim, na verdade, não há alteração de delegação, as quais permanecem como o respectivo titular até sua extinção ou perda.
Neste sentido, inclusive, não se pode afastar a natureza “originária” inerente à aquisição de uma delegação e, portanto, o impedimento na transmissão de responsabilidade de outrem.
A conclusão ora apresentada é importante porque se consubstancia em uma interpretação sistemática da legislação, mesclando particularidades do direito notarial e registral com o direito do trabalho para isentar os novos titulares de passivos trabalhistas que não deram causa.
Por consequência, eventuais débitos trabalhistas devem ser direcionados, exclusivamente, ao titular da delegação que contratou os empregados diretamente, através de sua pessoa física, jamais ao novo titular da serventia, mormente por haver disposição legal específica o protegendo e, sobretudo, por não acarretar qualquer prejuízo aos empregados.
Enfim, via de regra, dúvidas não restam de que o instituto trabalhista da sucessão de empregados é inaplicável nas serventias notariais e registrais; caso, excepcionalmente, fosse aceita, deveria a responsabilidade recair, então, exclusivamente sobre o Estado, por ser o titular do poder que é delegado e único “proprietário” do acervo e, principalmente, porque a responsabilização do novo titular da serventia pelos créditos trabalhista anteriormente existentes foge aos limites obrigacionais previamente definidos em lei e inerentes à delegação da atividade.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado à sucessão na responsabilidade por atos ilícitos.
Com efeito, a delegação para o serviço notarial e de registro é feita de forma “originária”, não herdando o novo titular eventuais passivos (trabalhista, fiscal ou cível).
Esta Corte Superior de Justiça já se manifestou, em diferentes oportunidades, no sentido de que os serviços notariais e de registro não possuem personalidade jurídica, considerando-se legitimado para responder pelos danos causados por ato seu ou dos seus prepostos, o titular da serventia à época dos fatos[10].
Entendeu, dessa forma, o STJ que somente o antigo titular da serventia é responsável pelos débitos oriundos da época em que era o delegatário e, na impossibilidade de responder pelos atos praticados, a responsabilidade será da pessoa jurídica responsável pela delegação, isto é, do Estado, e não do novo titular.
4 CONCLUSÃO
A realidade fática e histórica demonstra que por muitos anos as serventias notariais e registrais foram consideradas como patrimônio privados dos seus titulares, sendo inclusive objeto de transmissão sucessória.
A Constituição de 1988, contudo, proíbe tal prática e exige a realização de concurso público para o exercício da atividade pelo delegatário, que, apesar de exercê-la em caráter privado, continuará exercendo função pública de titularidade do Estado.
Em razão do aumento do número de concursos para exercício das atividades nas serventias e a nomeação de novas pessoas para essas delegações, verificou-se um crescimento no número de ações judiciais trabalhistas de empregados dos antigos titulares, que passaram a demandar os novos delegatários sob o fundamento de aplicação do instituto da sucessão trabalhista.
O ordenamento jurídico e a realidade que vigorava nas serventias não permitem, entretanto, que se apliquem as regras da sucessão trabalhista.
Primeiro porque não se pode falar em transmissão de ativos e de passivos, que continuam na titularidade do Estado, que promove uma intermediação da aquisição, que é originária, não acarretando nenhum ônus oculto ou explícito.
Segundo porque desvirtuaria toda a sistemática legislativa adotada para a titulação das serventias, já que o delegatário recebe a delegação para agir como um longa manus do Poder Público e, por isso, deve ter todas as condições para agir com independência e contratar pessoas de sua máxima confiança, sem precisar se preocupar com empregados dos antigos titulares, que eram na prática parentes com altos salários.
Diante dessa realidade, o Superior Tribunal de Justiça, em recente julgado, pronunciou seu entendimento, no sentido de que o novo titular da serventia não se responsabiliza por débitos anteriores a sua titulação e que, no caso de inadimplemento pelo antigos, eventual responsabilidade recairia sobre a pessoa jurídica, o Estado.
Em um Estado democrática não se pode, ainda que com intuito louváveis, desvirtuar a legislação estabelecida pelo poder constituinte legitimamente eleito para tal função. As verbas trabalhistas, sem dúvidas, devem ser devidamente pagas, mas não à custa de desvirtuamento do ordenamento jurídico e da realidade fática, eis que, como visto ao longo desse estudo, não é possível a aplicação da sucessão trabalhista às serventias notarias e registrais.
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[1] Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
[2] Lei 8.935/94, art. 21. O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços.
[3] RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 53-54.
[4] José dos Santos, Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. 28. Ed. São Paulo: Atlas 2015, p. 611-613.
[5] CNJ, PCA 20081000005970, Rel. Cons. João Oreste Dalazen, 74ª Sessão, j. 18/11/2008, DJU 05/12/2008)
[7] RÊGO, Paulo Roberto de Carvalho. Registro Público e Notas: Natureza Jurídica do Vínculo Laboral de Preposto e Responsabilidade de Notários e Registradores. Porto Alegre: IRIB: S.A. Fabris, 2004, p. 101-102.
[8] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registro público: teoria e prática. 5. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Método, 2014, p. 11-12.
[9] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registro público: teoria e prática. 5. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Método, 2014, p. 12.
[10] (RE 1.340.805 – PE, Min. Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, 3a. Turma, data do julgamento: 04/06/2019)
Mestranda em função social do direito pela FADISP. Especialista em direito tributário e em direito notarial e registral. Graduada em direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Analista Judiciário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CURADO, Camilla de Sousa Brandão Fleury. A sucessão trabalhista no âmbito das serventias notariais e registrais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jan 2021, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56048/a-sucesso-trabalhista-no-mbito-das-serventias-notariais-e-registrais. Acesso em: 22 nov 2024.
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