RAIMUNDO RIBEIRO DE CARVALHO NETO
(coautor)[1]
MARILIA MARTINS SOARES ANDRADE
(Orientadora)
RESUMO: O Direito Brasileiro precisa ajustar-se às novas realidades geradas pela herança digital, pois, além de ser um tema recente e pouco discutido, está presente em grande parte dos lares. A cada dia, o patrimônio digital adquire valor econômico e gera discussões sobre seu destino após o falecimento do indivíduo, quando este não tenha deixado expressa sua última vontade acerca de seus bens digitais. Assim, o presente estudo teve por objetivo, além do estudo da herança digital e suas consequências jurídicas, uma análise desta, no Brasil, e sua regulamentação legislativa através de investigações da legislação em vigor sobre o tema, pesquisa de projetos de lei e suas implicações, investigação de casos práticos e averiguação de sua anexação ao Direito Sucessório. Quanto ao método de abordagem, utilizou-se a pesquisa exploratória com estudos bibliográficos. Os resultados obtidos levaram à constatação que o atual ordenamento jurídico necessita de uma normalização jurídica, para não haver incertezas com relação ao destino desses artigos digitais. Dessa forma, concluiu-se que há urgência na elaboração de uma legislação específica, para resguardar o direito fundamental à herança, e, mesmo na ausência da lei, deve-se usar a interpretação extensiva, e, sobretudo, a sucessão testamentária como soluções aos casos concretos.
Palavras-chave: Herança Digital. Direito Digital. Bens Digitais. Direito Sucessório.
ABSTRACT: Brazilian law needs to adjust to the new realities generated by the digital heritage, because, in addition to being a recent and little discussed topic, it is present in most households. Every day, digital heritage acquires economic value and generates discussions about its destiny after the individual's death, when he has not expressed his last will about his digital assets. Thus, the present study aimed, in addition to the study of digital inheritance and its legal consequences, an analysis of this, in Brazil, and its legislative regulation through investigations of the legislation in force on the subject, research of bills and its implications, investigation of practical cases and investigation of its annexation to Succession Law. As for the approach method, exploratory research with bibliographic studies was used. The results obtained led to the observation that the current legal system needs a legal standardization, so that there is no uncertainty regarding the destination of these digital articles. Thus, it was concluded that there is urgency in the elaboration of specific legislation, to safeguard the fundamental right to inheritance, and, even in the absence of the law, extensive interpretation should be used, and, above all, testamentary succession as solutions to concrete cases.
Keywords: Digital Heritage. Digital Law. Digital Goods. Succession Law.
Sumário: Introdução. 1. Direito das sucessões. 1.1 Noções gerais do direito das sucessões. 1.2 Da abertura e modalidades de sucessão. 2. Herança digital. 2.1 Conceito de herança digital e de testamento digital. 2.2 Direito Digital e a digitalização da sociedade e os tipos de bens. 3. Legislação alienígena x Legislação brasileira. 3.1 Legislação alienígena e Legislação Brasileira. 3.2 Projetos de Lei no Brasil. 4. Casos concretos. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O crescente avanço do uso dos meios digitais, atualmente, vem fazendo com que muitas pessoas, especialmente as que trabalham neste ramo, obtenham um patrimônio financeiro razoável e, em muitos casos, esse retorno não se encerra após o seu falecimento. Nos últimos anos se observa o surgimento de casos no meio jurídico, especialmente no ramo civil, quanto à temática da herança digital. Conceitualmente podemos definir este termo, segundo Furtado (2019, p. 1), “como sendo o conjunto de interesses patrimoniais e existenciais afeitos a uma pessoa existentes em suas contas virtuais, em redes sociais e sites eletrônicos em geral”.
O Código Civil pátrio, legislação que versa acerca da herança no tocante ao direito sucessório, dispõe que a herança é o conjunto de direitos e obrigações (patrimônio) transmitidos com a morte do indivíduo (BELTRAME, 2019).
Ocorre que, no cenário atual, não podemos mais restringir a transmissão da herança somente à transferência de patrimônio corpóreo, haja vista o crescente aumento de patrimônio digital deixado nos meios digitais, e, tendo em vista que o direito das sucessões estabelece que o patrimônio seja transmitido ao herdeiro (necessário ou testamentário), surgem alguns questionamentos a respeito da incorporação na herança de bens formados digitalmente.
Nesse viés, o presente estudo tem por tema a herança digital e seus desdobramentos no ordenamento jurídico brasileiro, e, dessa forma, o objeto a ser explorado consiste no estudo da herança digital e suas consequências jurídicas.
O interesse por esse assunto surgiu quando, ao se buscar um objeto de pesquisa, percebeu-se que atualmente têm sido levados aos tribunais processos em que a família do falecido deseja obter acesso aos arquivos pessoais armazenados na rede, dentre eles os que possuem valor econômico. Ocorre que, na atual legislação brasileira, não há nenhuma norma que permita o acesso, ou que faça menção ao tema da herança digital, e, em tais circunstâncias, as decisões dos tribunais tendem a serem diferentes umas das outras.
É de conhecimento de todos que várias informações são transferidas via Internet, sejam por redes sociais, blogs, livros digitais, sites, músicas, filmes, fotos, textos, aplicativos, dentre outros, aos quais somente o usuário tem acesso, fazendo, assim, uso do seu direito constitucional à intimidade e à vida privada. Com a crescente relação digital entre as pessoas e ainda o retorno financeiro proveniente de contas eletrônicas vinculadas principalmente às redes sociais, o Judiciário começou a se deparar com ações judiciais voltadas a essa temática.
A hipótese levantada para o estudo respaldou-se no fato de que, por vivermos em uma sociedade conectada e cibernética, cuja realidade ainda não está devidamente regulamentada, o Direito não consegue acompanhar as inovações que ocorrem com a mesma rapidez. Dessa forma, para responder ao problema deste estudo, far-se-á necessário elaborar uma abordagem a respeito da herança tradicional e dos novos “patrimônios” apresentados pela era da internet.
Cabe ressaltar que são recentes as discussões no ordenamento jurídico brasileiro sobre o direito digital, e, com isso, muitas situações não possuem normas regulamentadoras. Isso se dá pelo fato de que, somente nos últimos anos, a internet veio a se tornar mais acessível a toda população brasileira. A partir dessa popularização, surgiram os bens digitais, destacando-se dentre eles os de valor econômico, posto que, por possuírem esse valor, deveriam compor a herança. Em resumo, se possui valor patrimonial, portanto, cabe sucessão.
Diante desse atual cenário, o presente estudo tem por objetivo geral analisar e discorrer sobre a herança digital no Brasil e sua regulamentação no ordenamento jurídico. Para se alcançar o objetivo proposto, pretende-se efetuar investigações da legislação em vigor sobre o tema, investigação de casos práticos, pesquisas sobre projetos legislativos e suas implicações, além do exame de sua anexação ao Direito das Sucessões quanto de sua transmissão post mortem.
Fazendo alusão ao mundo tecnológico, a cada momento surgem situações inusitadas ligadas ao ambiente digital, e, à vista disso, é notória a importância da realização do presente estudo, visto que tal tema caracteriza-se como um novo marco no Direito das Sucessões e engloba vários outros ramos do ordenamento jurídico brasileiro, dentre os quais se destacam o Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Digital e as normas processualísticas pertinentes, podendo-se concluir que o assunto “herança digital” é bem relevante e importante para a comunidade jurídica.
Também vale ressaltar que, por ser um tema pouco pesquisado na academia, torna-se gradativamente necessário que as novas tecnologias de informação sejam estudadas e discutidas com o intuito de que os regramentos do direito acompanhem da melhor maneira possível a evolução do avanço tecnológico.
Para o desenvolvimento dessa análise, a vertente metodológica adotada será a da pesquisa exploratória, pois o Direito possui laços com a sociedade, modificando-se conforme a sociedade também se modifica, e, consequentemente, como o tema abordado lida com uma novidade no Direito, é indispensável a utilização dessa vertente, com o intuito de que se adeque o método ao objeto estudado. Além disso, deve-se questionar a ausência de norma em relação aos bens digitais suscetíveis de herança, propondo-se, por decorrência, uma modificação legislativa concreta para uma adequação à nova realidade em que está inserida.
Quanto ao procedimento, com o propósito de melhor explicar o acima disposto, a pesquisa se pautará na revisão bibliográfica do tipo narrativa, pois algumas das principais fontes do Direito são a doutrina e as normas legais, sendo natural optar por estes procedimentos numa pesquisa nessa área. Dessa forma, proceder-se-á o levantamento bibliográfico em livros de doutrina, jurisprudências, legislações, artigos em revistas científicas e publicados na Internet, projetos de lei e suas implicações, legislações de outros países sobre o tema, além de casos concretos, bem como efetuar apreciações dos pressupostos que perpassem a matéria.
Com esse propósito, o presente estudo será dividido em quatro capítulos, sendo que o primeiro capítulo estudará normas e doutrinas, alicerces do Direito Sucessório brasileiro. Em um segundo momento, tratar-se-á da questão específica da herança digital no Brasil. No terceiro tópico será apresentado um comparativo com outros países, da atual legislação, além da exposição dos atuais projetos legislativos que buscam normatizar a respeito da sucessão de bens digitais e, por fim, no quarto capítulo, serão vistos casos concretos de temas ocorridos no Brasil e no mundo, com destaque para os problemas advindos dessas ocorrências.
1 DIREITO DAS SUCESSÕES
O tema central desta pesquisa pauta-se na aplicabilidade dos bens digitais em face do direito sucessório. Nessa perspectiva, de forma inicial para o estudo a ser construído, faz-se necessário uma breve delimitação de conceitos e normas gerais pertinentes ao direito das sucessões que se farão objeto do presente capítulo.
1.1 Noções gerais do direito das sucessões
A existência jurídica da pessoa natural termina com a morte, conforme disposto no artigo 6° do Código Civil Brasileiro, podendo a morte ser real ou presumida. Ao se constatar o falecimento, é determinada a extinção da personalidade jurídica do ser humano pelo sistema legal pátrio e o falecido deixa de ser destinatário de normas jurídicas, não podendo mais ser considerado sujeito de direito e obrigações. Porém as situações jurídicas ativas e passivas consideradas transmissíveis não são extintas com o falecimento do titular (BRASIL, 2002).
Podemos entender, então, que o patrimônio está devidamente ligado ao direto sucessório, haja vista que o herdeiro irá receber a título de espólio todo patrimônio acumulado e deixado pelo “de cujus” antes de seu falecimento a título de herança.
É possível compreender que a função social do direito sucessório está ligada à legitimação do exercício da propriedade que, no entender de Farias e Rosenvald (2015, p.20), “permitirá a conservação das unidades econômicas, em prol da proteção de seu núcleo familiar como fenômeno da diretriz da sociabilidade”, sendo este um dos princípios basilares do Código Civil.
Dispõe o artigo 1.784 do código civil brasileiro que: aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Dessa forma, compreende-se que a abertura e transmissão da herança ocorrem basicamente no mesmo momento, sendo essa transmissão automática com base em norma legal. Entretanto se faz necessária a aceitação da herança pelos herdeiros, sendo que essa aceitação pode se dar de forma expressa, por meio de declaração escrita, tácita, onde são praticados atos privativos de herdeiros e presumida, mediante pedido judicial de interessado (BRASIL, 2002).
A constituição federal, em seu artigo 5°, XXX assegura o direito de herança:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...] XXX - é garantido o direito de herança (BRASIL, 1988).
O direito de herança, além de estar garantido na constituição, está regulamentado também no código civil. Também chamada de espólio ou monte, a herança é classificada como o conjunto de direitos e obrigações que são transmitidos em razão da morte de um indivíduo (COSTA FILHO, 2016).
Diniz (2012, p.77) define como sendo “o patrimônio do falecido, isto é, o conjunto de direitos e deveres que se transmite aos herdeiros legítimos ou testamentários, exceto se forem personalíssimos ou inerentes à pessoa do de cujus”.
Segundo Costa Filho (2016), pelo princípio da Saisine, os bens deixados pelo de cujus são transmitidos imediatamente aos seus herdeiros, independentemente de aceite, posto que o próprio falecido transmitiu ao sucessor sua posse e domínio.
Além disso, o código civil determina que a lei que regula a legitimação para suceder é aquela vigente ao tempo da abertura da sucessão, conforme o previsto no art. 1.787. ao proferir: “regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela’’ (BRASIL, 2002).
1.2 Da abertura e modalidades de sucessão
Segundo o Código Civil, em seu Art. 1.784, “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários” (BRASIL, 2002). Dessa forma, é possível perceber a grande relevância da definição precisa do tempo da morte, para que haja uma correta destinação aos herdeiros do de cujus.
Como já mencionado, pelo princípio de Saisine, logo após a morte do de cujus, ocorre a transmissão de seus bens aos herdeiros legítimos e testamentários, com o intuito de impedir que o patrimônio fique sem um titular, enquanto ocorre a transferência definitiva dos bens (GONÇALVES, 2016).
A sucessão se inicia a partir da morte, sendo ela real ou presumida. A sucessão real se dá quando há corpo ou restos dele, e a presumida quando não há um corpo, para ser comprovada materialmente a morte do de cujus, podendo ocorrer de duas maneiras. A primeira com decretação de ausência que ocorre quando o indivíduo desaparece sem que houvesse presunção que o mesmo faleceu, ou seja, desaparecendo sem deixar vestígios e sem declaração de ausência, que ocorre quando for extremamente provável a morte do indivíduo que se encontrava em perigo de vida, e a segunda se estiver desaparecido ou feito prisioneiro e não tiver sido encontrado em até 2 anos após o final da guerra (GONÇALVES, 2016).
Há duas modalidades de sucessão: a legítima e a testamentária. A primeira é decorrente da lei e a segunda, deve ser expressa pelo falecido como disposição de última vontade em testamento. Conforme expresso no Código Civil:
Art. 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.
Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo (BRASIL, 2002).
A sucessão legítima decorre da ausência de testamento e, nesse caso, a herança do falecido é direcionada aos herdeiros necessários e facultativos, que são chamados a suceder na forma da lei (GONÇALVES, 2016). É o que retrata o art. 1.788: “Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo” (BRASIL, 2002).
Segundo o código, tem-se a seguinte ordem de vocação hereditária:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - Aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - Aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - Ao cônjuge sobrevivente;
IV - Aos colaterais.
Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo (BRASIL, 2002).
A Sucessão Testamentária é aquela em que o falecido exprime sua última vontade, feita por meio de testamento, que é um ato no qual um indivíduo dispõe de seus bens em partes ou em sua totalidade, podendo ser alterado a qualquer tempo. Para ter validade, é necessária a presença de alguns elementos intrínsecos que são: a capacidade do testador, espontaneidade da declaração, objeto, limites e, por fim, os elementos extrínsecos: as espécies e os requisitos (GONÇALVES, 2016).
Sua aplicação também ocorre quando há ausência de herdeiros necessários. Nesse caso, o testador poderá dispor de todos os seus bens, ou em casos de deserdação ou exclusão da sucessão por indignidade. Desse modo, dispõe o Código Civil no art. 1.857, “Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte”, e no art. 1.858, “O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo” (BRASIL, 2002).
2 HERANÇA DIGITAL
Com o avanço da tecnologia, a sociedade acaba por gerar um grande acervo de ativos e valores digitais. Com isso, surgiu a denominada herança digital com base no direito digital. Com a digitalização da sociedade, escutar música a partir de um CD, por exemplo, é coisa do século passado, visto que, hoje, muitos dos arquivos estão armazenados no mundo virtual, os quais estão divididos em duas classes: a de bens com e sem valor econômico.
2.1 Conceito de herança digital e de testamento digital
Como exposto no capítulo anterior, a herança é o conjunto de direitos e obrigações transmitidos em razão da morte de uma pessoa. Em decorrência do princípio da Saisine, estes bens deixados pelo “de cujus” são transmitidos de forma imediata aos seus sucessores, constatando-se, então, que estes bens não passam um instante sequer sem proprietário.
Para Diniz (2012, p. 382):
Os bens do espólio ou herança formam um todo ideal, uma universalidade, mesmo que não constem de objetos materiais, contendo apenas direitos e obrigações (coisas incorpóreas). Assim sendo, a herança, objeto da sucessão causa mortis, é o patrimônio do falecido, ou seja, o conjunto de direitos e deveres que se transmite aos herdeiros legítimos e testamentários.
Segundo Gonçalves (2016, p. 287), patrimônio é definido como “os bens corpóreos e os incorpóreos que integram o patrimônio da pessoa. Em sentido amplo, o conjunto de bens, de qualquer ordem, pertencentes a um titular, constitui o seu patrimônio”.
Percebe-se notoriamente que não há nada que impeça a inclusão de alguns arquivos digitais ao patrimônio, caso possuam valor econômico. Além das senhas, tudo que possa ser guardado em um espaço virtual e processado em dispositivos eletrônicos, como fotos, músicas, games, filmes, moedas virtuais, livros, contas, etc. podem fazer parte desse patrimônio.
Na prática, os bens digitais, no direito de propriedade, são bens deixados pelo de cujus e serão transmitidos de forma imediata aos seus sucessores, demonstrando, assim, que os mesmos não passariam um instante sequer sem proprietário, levando, dessa forma, que o inventário ou busca por esses bens necessite de um conhecimento técnico na área de informática. Necessita, ainda, de uma legislação específica que se adeque ao cenário atual e ao futuro, que regulamente a atuação das empresas que dispõem destes bens digitais, de forma que estas não impeçam o acesso dos seus sucessores ao patrimônio virtual deixado pelo de cujus (GONÇALVES, 2016).
No testamento digital estão aglomerados todos os bens que o de cujus adquiriu em vida no meio virtual, como páginas em redes sociais, arquivos pessoais como fotos, vídeos, gravações armazenadas em nuvem, dentre outros arquivos digitais, adquiridos no âmbito virtual. O termo ‘testamento digital’ ainda não é reconhecido no ordenamento jurídico brasileiro, entretanto já é uma realidade que está cada vez mais presente no mundo atual. Algumas empresas dispõem de uma espécie de testamento quanto aos arquivos digitais deixados (ALMEIDA, 2019).
O Instagram e o Facebook apresentam duas possibilidades no caso de falecimento do titular da conta: remoção do perfil ou transformá-lo em um memorial. Já o Twitter disponibiliza apenas a opção de desativação da conta. A Microsoft permite que o representante legal ou parente do usuário, mediante a apresentação de documentos, tenha acesso ao conteúdo armazenado nas contas de e-mail (Hotmail, Outlook e Live) de usuários falecidos ou incapacitados. O Google permite previamente ao usuário decidir o que fazer com fotos, e-mails e os outros arquivos armazenados, e se acontecer de o acesso ser interrompido, tal mecanismo é denominado Testamento Virtual. Contudo, há algumas empresas que se recusam a fornecer acesso aos dados digitais de usuários falecidos, como a Amazon e a Apple (ALMEIDA, 2019).
2.2 Direito Digital e a digitalização da sociedade e os tipos de bens
A Internet, atualmente, vem apresentando um desenvolvimento bastante acelerado dos meios virtuais e as novas tecnologias estão invadindo todas as áreas do conhecimento humano. Desde então, ocorreram mudanças significativas nas formas como os indivíduos interagem com o meio digital e uma dessas modificações se deu no modo como as pessoas passaram a armazenar suas informações, músicas, vídeos, documentos e etc. (COSTA FILHO, 2016).
Assim, o armazenamento de dados no meio digital se tornou uma prática cotidiana na vida dos usuários e os acessos a essas informações, sejam estas mensagens, livros, redes sociais, músicas, fotos, vídeos, blogs e outros, em regra, são realizados por meio de login e senhas exclusivas dos seus usuários. Desse modo, milhões de usuários utilizam as mais variadas formas de armazenamento de dados nos meios digitais, construindo, desta forma, um verdadeiro patrimônio digital (PINHEIRO, 2016).
Considerando a enorme dimensão de bens armazenados no meio digital por uma sociedade completamente conectada, surgem incertezas dentro do campo do Direito, especialmente com relação à destinação dos bens armazenados virtualmente em caso de morte do proprietário, como por exemplo: qual o destino desses bens; se esses bens incorporariam o objeto da herança do falecido; se os herdeiros do proprietário possuem direito de sucessão sobre esses bens.
Diante deste cenário, os doutrinadores e juristas brasileiros divergem acerca do destino destes bens digitais. Alguns concordam que a melhor forma de se resolver essa situação seria por meio de um registro do próprio proprietário, ou seja, a melhor solução seria a manifestação de última vontade por meio de testamento. Já no caso de não se existir um testamento, alguns juristas defendem a inclusão deste patrimônio digital no rol do patrimônio determinado no artigo. 1.788 do Código Civil (PEREIRA, 2018).
Com a digitalização das relações humanas, houve uma migração das pessoas do meio físico para o meio digital. Podem-se notar vários exemplos dessa mudança: antes as pessoas utilizavam CD, agora o Spotify; antes a locadora e agora a Netflix; do táxi para o Uber; das enciclopédias para o Google; das mensagens e ligações para o WhatsApp; do mapa ao GPS ou Waze; da TV para o YouTube, e das agências bancárias para o app. A partir dessas mudanças, passamos a produzir um conteúdo digital e, dessa forma, todas essas ações acabam sendo armazenadas em nuvem, tornando-se um enorme acervo virtual (RIBEIRO, 2019).
Sob esse aspecto, a pandemia do novo Coronavírus, surgida na Província de Wuhan na China, e que desde então se propagou por todo o planeta, ao propugnar por um distanciamento social como uma medida de evitar o contágio, trouxe consigo, em ampla escala, uma mudança no exercício de alguns serviços. As reuniões passaram a ser feitas por videoconferência, as aulas, via remota, e um aumento exponencial do teletrabalho e da telemedicina. Apesar dos inúmeros malefícios da covid-19, ela acabou contribuindo para acelerar um processo que levaria anos, mas que já estava em curso: a digitalização da sociedade, passando a interagir quase que totalmente pelo mundo virtual. Tal processo foi adiantado em cerca dez anos (ROSATI, 2020).
A digitalização da sociedade traz muitos benefícios, além de ser facilitadora da vida da população, visto que, hoje em dia, o pagamento das contas pode ser realizado através de aplicativos, o que acaba poupando muito tempo. A recente novidade de 2020 foi o Pix, um sistema que permite transferências e pagamento de forma imediata em tempo integral (MARTELLO, 2020).
Não se esquecendo de mencionar o e-comerce, que representa grande parte dessa digitalização, pois com ele os comerciantes passaram a ter um alcance maior, tendo em vista que na internet praticamente não há barreiras geográficas para os negócios, além do custo que é reduzido para se operar nesse ambiente, e isso acaba refletindo na diminuição das despesas. Outra vantagem é que as empresas podem comercializar seus produtos e serviços em tempo integral, sem enfrentar as questões de limitação de horário. Além do que possibilita a diminuição da cadeia distributiva dos bens, pois os fabricantes e prestadores de serviços conseguem vender diretamente aos consumidores os seus produtos ou serviços. Infere-se, então, que o e-comerce contribui e muito para a digitalização da sociedade (TEIXEIRA, 2015).
Quando a sociedade muda, o direito deve acompanhar essa evolução. Ainda que o ordenamento jurídico não consiga andar junto com as mudanças sociais, ele deve, ao menos, tentar evoluir e não se tornar tão obsoleto. Na atual realidade, qualquer acontecimento tem, ainda que minimamente, relação com a internet, nem que seja a sua posterior divulgação pelos meios eletrônicos. As relações atuais e a manifestação de vontade que as legitima já se tornaram eletrônicas e estão armazenadas na rede mundial de computadores. As pessoas estão sempre conectadas e, consequentemente, utilizam o computador para resolver seus problemas do dia a dia.
Quanto aos bens de valoração econômica, o acervo digital deixado pelo de cujus deverá fazer parte da lista dos bens que serão repartidos, devendo ser extraído o valor econômico destes, pois, atualmente, muitos dos bens digitais possuem um valor econômico (COSTA FILHO, 2016).
Um bom exemplo disso está expresso na seguinte situação: o falecimento de um importante empresário que realizava, há anos, viagens semanalmente pelo mundo afora, acumulando milhares de milhas aéreas, as quais provavelmente não foram usadas até o fim da sua vida. Esse ativo possui valor econômico, que pode ser comercializado, utilizado para emissão de passagens ou até mesmo compra de bens, e seria um completo absurdo não permitir sua transmissibilidade aos herdeiros (ZAMPIER, 2017).
Segundo Costa Filho (2016, p. 32):
O potencial econômico do acervo digital é inegável. Em pesquisa realizada a pedido da empresa de segurança informática McAfee, a MSI Internacional entrevistou 323 consumidores brasileiros sobre o valor financeiro que atribuem aos seus ativos digitais. Foram avaliados downloads de música, memórias pessoais (como fotografias), comunicações pessoais (e-mails ou anotações), registros pessoais (saúde, finanças e seguros), informações de carreira (currículos, carteiras, cartas de apresentação, contatos de e- mail), passatempos e projetos de criação.
Há dificuldade em identificar se um bem possui ou não valoração econômica, pois o que hoje não tem valor, no futuro pode ter um valor incalculável. São os arquivos que se tornam raros e que passam a possuir muito valor, não necessariamente pelo objeto em si, mas pela história que ele carrega, como uma música, uma foto, livros digitais e até jogos.
Em relação aos bens que não são suscetíveis de valoração econômica por serem personalíssimos, estes, na maioria dos casos, não irão compor a herança. Porém, muitos familiares dos falecidos entram com ações para terem acesso aos bens digitais deixados, ou ainda a exclusão desses bens deixados, por serem lembranças dolorosas de reviver (COSTA FILHO, 2016).
Diante disso, um perfil numa rede social, por exemplo, mantém de certa forma o de cujus ainda presente, o que pode ocasionar um desconforto entre os familiares do falecido. Por outro lado, há muitas ações movidas pelos herdeiros dos usuários para que se tenha acesso aos arquivos e informações deixados pelo de cujus, por possuírem grande valor sentimental para eles, como por exemplo: e-mails, fotografias, vídeos, dentre outros. Concomitante a isso, existe outro aspecto que se deve levar em consideração: a privacidade do de cujus, pois a transmissão dos tais bens esbarra no direito de privacidade e personalidade do falecido (ALMEIDA, 2019).
Um usuário morto de uma rede social como Instagram, Facebook ou Twitter, por exemplo, não necessariamente iria desejar que suas postagens ou mensagens fossem expostas para sua família, pois poderia querer manter sua privacidade, já que algumas dessas redes são pessoais e suas informações devem ser acessadas apenas pelo usuário.
Para Diniz (2012, p.150):
A privacidade não se confunde com a intimidade, mas esta pode incluir-se naquela. Por isso a tratamos de modo diverso, apesar de a privacidade voltar-se a aspectos externos da existência humana — como recolhimento na própria residência sem ser molestado, escolha do modo de viver, hábitos, comunicação via epistolar ou telefônica etc. — e a intimidade dizer respeito a aspectos internos do viver da pessoa, como segredo pessoal, relacionamento amoroso, situação de pudor etc.
Os bens digitais podem ou não possuir valoração econômica. Alguns são personalíssimos, possuidores apenas de valor sentimental, outros vinculados rigorosamente a questões econômicas, e outros ainda com caráter misto, ou seja, incluindo aspectos personalíssimos, porém com conteúdo econômico (ALMEIDA, 2019).
Diante disso, o ideal seria haver um registro da última vontade do usuário em relação aos seus arquivos digitais, como, por exemplo, um testamento, pois através dele estaria expressa a última vontade do falecido, com relação aos seus bens digitais, devendo, assim, ser respeitada, pois nesse caso o que vale é a manifestação da vontade do de cujus. Mesmo os que não possuam valor econômico devem ser incluídos no registro da última vontade, pois a privacidade, além de ser algo muito importante, deve ser mantida, fato que tem plena garantia na Constituição.
3 LEGISLAÇÃO ALIENÍGENA X LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Os bens armazenados de forma digital possuem valor emocional e econômico, e, no mundo, a regulamentação destes bens já vem sendo regulada. No Brasil, tendo em vista a ausência de legislação que regula diretamente a sucessão de bens digitais, torna-se importante o planejamento minucioso por parte dos usuários do meio digital sobre o destino destes bens após a sua morte. Atualmente, muitos desses bens estão armazenados no mundo virtual, os quais estão divididos em duas classes: os de bens com e sem valor econômico.
3.1 Legislação alienígena e Legislação Brasileira
No Brasil, como já mencionado, o tema da herança digital não é muito discutido no âmbito jurídico. No entanto, é de suma importância sua regulamentação, pois a cada dia surgem mais inovações, e com elas vários questionamentos acerca desse assunto.
Em todo o mundo, essa temática já está sendo tratada em seus ordenamentos jurídicos. Países com notório destaque no campo tecnológico, como os EUA, Bulgária e Estônia, já possuem legislação ou tratam dessa questão de alguma forma, pois suas populações creem que seus arquivos digitais são como bens valiosos e, a partir disso, devem ser tratados como tal. Com isso, dissolvem qualquer divergência acerca da destinação de seus bens digitais (ALMEIDA, 2019).
Nos Estados Unidos, cada estado possui uma legislação própria, e alguns deles conseguiram evoluir na regulamentação desse tipo de sucessão, como o estado de Connecticut, Rhode Island, Indiana, Oklahoma e Delaware por exemplo. Segundo Lara (2016, p. 28-32):
2.4.1. Primeira geração
[...] 2.4.1.2. Estado de Connecticut
Connecticut foi um dos primeiros Estados Norte-Americanos a abordar os direitos dos herdeiros aos ativos digitais.
Em 2005, o legislador permitiu que se tivesse acesso ao conteúdo do correio eletrônico ou conta do falecido, mas com a apresentação da certidão de óbito e uma cópia autenticada do certificado de nomeação como procurador ou administrador, ou ainda por ordem judicial.
2.4.1.3. Estado de Rhode Island
Em 2007, o Estado de Rhode Island aprovou o acesso às contas do correio eletrônico aos descendentes do falecido. Uma lei exigiu que as prestadoras de serviço do correio eletrônico fornecessem ao procurador e administrador o acesso às contas ou cópia de conteúdo da conta do correio eletrônico do falecido, mediante exibição da certidão de óbito e certidão de nomeação de procurador ou administrador, ou por ordem judicial.
2.4.2. Segunda geração
[...] 2.4.2.1. Estado de Indiana
Em 2007 foi adicionado no código Estadual de Indiana o dispositivo legal que exigia que fossem mantidos os registros armazenados eletronicamente de uma pessoa falecida, residente naquele Estado Norte-Americano.
A empresa detentora dos registros eletrônicos do falecido, após ser notificada da morte do usuário, não poderá destruí-los por dois anos.
Para liberar tais registros é necessário que o representante do falecido apresente cópia do testamento e certidão de óbito, ou por ordem judicial, porém a empresa não precisa liberar os registros que nem a pessoa falecida teria direito de acessar normalmente.
2.4.3. Terceira geração
[...] 2.4.3.1. Estado de Oklahoma
Em 2010, o Estado do Oklahoma aprovou uma legislação com um amplo alcance, permitindo a possibilidade de procuradores e administradores encerrarem qualquer conta de uma pessoa falecida em qualquer site de rede social, microblog, site de mensagens curtas de serviço ou de quaisquer sites de serviços de e-mail.
[...] 2.4.3.7. Estado de Delaware
No Estado Norte-americano de Delaware está definido em lei que os bens digitais deixados pelas pessoas que morrem poderão ser passados para seus herdeiros, inclusive o acesso à conta do Facebook. Isso já vem criando polêmica com aquela rede social, pois o Facebook deixa claro em seu termo de uso que a transferência de propriedade não é permitida.
Na Europa, a tutela dos dados pessoais atualmente é gerenciada por dois regramentos principais. O primeiro deles é o regulamento 2016/679, o qual indica que não se aplica proteção aos dados pessoais de pessoas falecidas. O segundo é a diretiva 2016/680, que trata da proteção de dados pessoais pelas autoridades competentes. A Bulgária, por exemplo, em sua lei de proteção de dados pessoais de 2011, garante direitos relativos à proteção dos dados pessoais, inclusive ao acesso a eles. Já a lei da Estônia trata dos dados pessoais de pessoas falecidas como direito autoral e, com isso, a tutela desses dados fica a cargo da família e, após trinta anos da morte, são direcionadas ao domínio público. Poucos países europeus tratam da tutela dos dados pessoais de pessoas mortas, seja de forma preventiva ou resolutiva (ALMEIDA, 2019).
Deve-se destacar a importância e relevância desse assunto, pois toda pessoa merece toda e qualquer proteção ao seu patrimônio. Hoje o mundo está globalizado, e a grande maioria da população tem acesso e faz uso do ambiente virtual, seja de que forma for, e como consequência disso acaba por gerar uma herança digital. Porém, como herança está relacionada à morte, a maioria das pessoas não gosta de tocar nesse assunto e acabam cometendo um equívoco, pois é urgente discutir o futuro do Direito Sucessório, visto que todos um dia irão morrer.
Como visto anteriormente, a atual legislação brasileira ainda é omissa quanto ao avanço da era digital. O Código Civil nada menciona a respeito dos bens armazenados no meio digital e não prevê, em seus artigos, regulamentos sobre a herança digital, o que poderá trazer diversas demandas ao judiciário, tendo em vista que a maioria das empresas que comandam os grandes sites na internet dispõe de suas próprias regras e muitas vezes não respeitam a soberania dos países. São essas as principais leis que tratam do uso da internet no Brasil:
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) afetou a todos que utilizam a internet, criando um cenário de segurança jurídica, através da padronização das normas e de práticas, promovendo assim uma proteção igualitária a todos que vivem no Brasil e até fora dele. Apesar de ser uma legislação bem recente, a LGPD passou por algumas atualizações importantes a partir da Medida Provisória n. 869, de dezembro de 2018, que foi motivada basicamente com o intuito de criar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), garantindo a eficácia e aplicação prática das diretrizes advindas da regulação de proteção de dados no Brasil. Esse instituto pretende alcançar o mesmo nível de adequação do Regulamento GDPR (PINHEIRO, 2020).
A LGPD estabelece, ainda, que o consentimento do cidadão é imprescindível para o tratamento de arquivos pessoais, porém apresenta algumas exceções, como a de cumprir uma obrigação legal. A lei traz ainda várias garantias ao cidadão, como: solicitação para deletar dados, revogar um consentimento, fazer transferência de dados a outro fornecedor de serviços, dentre outras. Sem deixar de mencionar que, quem gerir uma base de dados pessoais, deverá elaborar medidas preventivas de segurança, lavrar normas de governança e, ainda, reproduzir boas práticas e certificações presentes no mercado (PINHEIRO, 2020).
No atual enredo legislativo brasileiro, infelizmente não se conseguiu antever a indispensabilidade de uma inovação legislativa, sobretudo na esfera penal, o que aconteceu somente após um fato marcante para então introduzir pertinentes dispositivos legais como: a Lei dos Crimes Hediondos, decorrente do sequestro de Abílio Diniz; a Lei Maria da Penha, denominação oriunda da vítima que por duas vezes sofreu tentativa de homicídio do marido e acabou paraplégica; entre tantas outras. A mesma coisa ocorreu com a Lei 12.737/2012, intitulada com o nome da atriz Carolina Dieckmann que teve sua intimidade exposta com a divulgação de fotos íntimas em seu computador. Tal fato acabou acelerando o processo legislativo, que clamava por uma legislação a respeito dos cibercrimes (SILVA, 2017). In verbis:
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
§ 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.
§ 2º Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico.
§ 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave [...] (BRASIL, 1940).
Apesar de um grande avanço na luta contra o cibercrime, a lei foi extremamente enxuta, com o acréscimo de apenas dois artigos ao Código Penal e alteração de outros dois, não alcançando, com isso, todas as espécies de cibercrimes próprios e impróprios que deveria. A adequação típica de eventual conduta à norma é pouco eficaz, já que os tipos penais se valeram de conceitos imprecisos. Além do que a sanção prevista é extremamente branda, não cumprindo o anseio de reprimir e prevenir espécies delitivas, ainda por cima apresentando grave desproporção com delitos tradicionais (SILVA; BARRETO; KUFA, 2020).
Diante disso, o ideal seria haver um acréscimo ou alteração de mais alguns artigos, pois, a partir daí, não haveria brechas na lei, e com isso ela faria seu papel preventivo e punitivo acerca dos crimes digitais.
E por fim, o Marco Civil da internet que no atual cenário legislativo digital no Brasil ainda é pouco significativo, porém existem algumas leis relacionadas ao direito digital. Uma delas é o Marco Civil da Internet, denominação comumente dada à lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014, que visa à definição de princípios, de garantias, de direitos e deveres ao uso da internet no Brasil (TEIXEIRA, 2015). Quanto aos dados pessoais digitais, a lei 12.965/2014 dispõe sobre apenas em seu art. 10:
Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.
§ 1º O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7º.
§ 2º O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7º [...] (BRASIL, 2014).
Lima (2016, p. 420) dispõe que:
Por menos representativa que uma pessoa seja em certa comunidade, o rastro digital deixado se constitui em parte da história de sua família. Quão magnífico não será um bisneto poder acompanhar a opinião de seu bisavô, quando em sua idade, e vivendo momentos históricos completamente diferentes? São palavras que unem gerações.
Vale ressaltar que a lei Marco Civil da Internet não impossibilita a regulação da Herança Digital. Em outras palavras, ela auxilia no tocante à proteção aos dados, pois delimita regras em geral, e a partir delas a Internet deixa de ser uma ‘terra sem leis’, ocasionando que a sucessão dos bens digitais se torne uma realidade dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Porém, fez falta algo relacionado diretamente os bens digitais, pois ficou um ‘vazio’ quanto à temática (TEIXEIRA, 2015).
Um dos principais problemas não resolvidos com a lei n°12.965/2014 diz respeito à herança digital, pois há uma lacuna na legislação sobre a destinação dos bens incorpóreos, por eles estarem presentes exclusivamente no meio digital. Contudo, os herdeiros têm o direito de herdar tais bens mesmo sem uma legislação específica (PEREIRA, 2018).
Pode-se perceber que o Marco Civil da Internet praticamente não dispõe em nada quanto à herança digital, porém trata de uma forma mais completa quanto ao direito à privacidade, ou melhor, ao não direito de seus familiares terem acesso ao conteúdo por ele deixado.
Embora a Lei N°12.965/2014 seja uma grande conquista para o regramento dessas novas relações sociais, ainda existe a primordialidade de que o Congresso Nacional aprove os projetos legislativos que já tramitam sobre este assunto ou que, através do Marco Civil da Internet, elabore uma lei capaz de atender as necessidades da sociedade com relação à transmissão de bens digitais.
3.2 Projetos de Lei no Brasil
Diante da falta de regulamentação específica que discipline a transmissão dos bens digitais no Brasil, o Congresso Nacional já se mobiliza para disciplinar e regulamentar em relação à herança digital no Brasil, mostrando que há, atualmente, três projetos de lei tramitando neste sentido na Câmara dos Deputados. Os três entram no mérito de uma questão fundamental: A titularidade do material construído em vida pelo indivíduo na internet (COSTA FILHO, 2016). Faz-se importante destacar as disposições dos três projetos:
O mais recente Projeto de Lei é o de nº 7.742/2017 (o mesmo insere um dispositivo ao Marco Civil da Internet) que defende a exclusão das contas online dos usuários falecidos como a primeira opção em caso de o usuário não ter deixado testamento. A única exceção seria em relação aos familiares que poderiam pleitear judicialmente o acesso a tais contas. A previsão viria expressa na inclusão de um novo artigo no Marco Civil da Internet, o art.10-A que possuiria a seguinte redação:
PROJETO DE LEI N.º 7.742, DE 2017.
(Do Sr. Deputado Alfredo Nascimento -PR/AM)
Acrescenta o art. 10-A à Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet), a fim de dispor sobre a destinação das contas de aplicações de internet após a morte de seu titular
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º A Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 10-A: Art. 10-A. Os provedores de aplicações de internet devem excluir as respectivas contas de usuários brasileiros mortos imediatamente após a comprovação do óbito.
§ 1º A exclusão dependerá de requerimento aos provedores de aplicações de internet, em formulário próprio, do cônjuge, companheiro ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive.
§ 2º Mesmo após a exclusão das contas, devem os provedores de aplicações de internet manter armazenados os dados e registros dessas contas pelo prazo de 1 (um) ano, a partir da data do óbito, ressalvado requerimento cautelar da autoridade policial ou do Ministério Público de prorrogação, por igual período, da guarda de tais dados e registros.
§ 3º As contas em aplicações de internet poderão ser mantidas mesmo após a comprovação do óbito do seu titular, sempre que essa opção for possibilitada pelo respectivo provedor e caso o cônjuge, companheiro ou parente do morto indicados no caput deste artigo formule requerimento nesse sentido, no prazo de um ano a partir do óbito, devendo ser bloqueado o seu gerenciamento por qualquer pessoa, exceto se o usuário morto tiver deixado autorização expressa indicando quem deva gerenciá-la.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na da data de sua publicação (BRASIL, 2017).
Percebe-se que o referido projeto de lei almeja acabar com o sofrimento e desconforto dos familiares de usuários de redes sociais mortos, propondo que as contas nos provedores de internet sejam encerradas imediatamente após a comprovação do óbito. Contudo, tais provedores estão obrigados a manter os respectivos dados da conta pelo prazo de um ano, prorrogável por igual período para fins de prova em apurações criminais. Além disso, caso os familiares do falecido resolvam manter um ‘memorial’, a partir dessa conta poderão, porém isso só será possível se o falecido tiver deixando previamente estabelecido quem poderá gerenciar a sua conta após a sua morte.
Faz parte desse pacote o PL nº 8.562/2017 (esse já insere três dispositivos ao Código Civil), o qual, junto ao projeto anteriormente mencionando, também tramita na Câmara dos Deputados. Esse projeto carrega o texto de um dos primeiros projetos de lei a tramitar na Câmara sobre o assunto, o PL 4.847. A proposta, datada originalmente de 2012, pretende incluir três novos artigos ao Código Civil de forma a inserir o conceito da herança digital, de fato, no ordenamento jurídico.
PROJETO DE LEI N.º 8.562, DE 2017.
(Do Sr. Deputado Elizeu Dionizio)
Acrescenta o Capítulo II-A e os arts. 1.797-A a 1.797-C à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º - Esta Lei estabelece normas a respeito da herança digital.
Art. 2º Fica acrescido o Capítulo II-A e os arts. 1.797-A a 1.797-C à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, com a seguinte redação:
Capítulo II-A
Da Herança Digital
Art. 1.797-A. A herança digital defere-se como o conteúdo intangível do falecido, tudo o que é possível guardar ou acumular em espaço virtual, nas condições seguintes:
I – Senhas;
II – Redes sociais;
III – Contas da Internet;
IV – Qualquer bem e serviço virtual e digital de titularidade do falecido.
Art. 1.797-B. Se o falecido, tendo capacidade para testar, não o tiver feito, a herança será transmitida aos herdeiros legítimos.
Art. 1.797-C. Cabe ao herdeiro:
I - Definir o destino das contas do falecido;
a) - transformá-las em memorial, deixando o acesso restrito a amigos confirmados e mantendo apenas o conteúdo principal ou;
b) - apagar todos os dados do usuário ou;
c) - remover a conta do antigo usuário.
Art. 3°- Esta lei entrará em vigor na data da sua publicação (BRASIL, 2017).
Sendo assim, o art. 1.797-A passaria a prever um rol exemplificativo dos bens que podem compor o acervo digital. Por se tratar de um rol meramente exemplificativo, portanto, ele não excluiria outras opções. Seria o caso, por exemplo, dos contatos, das fotos e dos textos construídos pelo de cujus. Em sequência, o art. 1.797-B prevê a possibilidade da chamada herança digital. Por fim, o art. 1.797-C pretende sugerir as opções deixadas ao herdeiro.
O PL nº 4.099, de 2012 (insere um dispositivo ao Código Civil) traria a herança digital no âmbito da sucessão legítima. A ideia é atribuí-la aos herdeiros do falecido, os quais teriam total liberdade quanto à sua gestão e destino. O projeto de lei prevê a inserção de um parágrafo único ao artigo 1.778 do código civil, cuja redação está a seguir:
PROJETO DE LEI N.º 4.099-A, DE 2012.
(Do Sr. Deputado Jorginho Mello)
Altera o art. 1.788 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que "institui o Código Civil".
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1.º. Esta lei altera o art. 1.788 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que “institui o Código Civil”, a fim de dispor sobre a sucessão dos bens e contas digitais do autor da herança.
Art. 2.º. O art. 1.788 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
“Art. 1.788.
Parágrafo único. Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança. (NR)
Art. 3.º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação (BRASIL, 2012).
Em sua justificativa ao Projeto de Lei, o Deputado Federal Jorginho de Mello faz uma menção à omissão legislativa com relação ao tema e às divergentes decisões judiciais concernentes ao acesso às contas virtuais de entes falecidos.
Essas propostas já mostram um importante avanço no objetivo de alertar acerca da existência e importância da herança digital. Com isso, as pessoas poderão se planejar quanto ao futuro de seus bens e, caso não haja planejamento, seus herdeiros tomarão conhecimento do acervo de bens digitais disponíveis.
Até a finalização do presente estudo, os projetos apresentados não lograram êxito, perdurando toda a questão acerca da herança digital sem a devida proteção normativa. No presente momento, todos os projetos de lei encontram-se arquivados pela câmara ou senado. Em síntese, pode se observar que, por mais que tenham existido várias tentativas legislativas, nenhuma delas se efetivou e, consequentemente, o Brasil segue sem nenhuma norma que discipline a sucessão dos bens digitais.
4 CASOS CONCRETOS
No caso do ator Bruce Willis, ocorrido em setembro de 2012, foi noticiado pela mídia que o referido ator iria entrar com uma ação contra a Apple e o iTunes, pelo direito de deixar sua coleção do iTunes para seus filhos após sua morte, o que imediatamente foi negado por ele, ocasionando a seguinte dúvida: Willis poderia realmente deixar suas músicas do iTunes, compradas legalmente, porém sujeitas a um contrato de licença, para suas filhas? Tradicionalmente as mídias impressas, músicas e livros são protegidos, ou seja, quando o proprietário falece, seus herdeiros podem herdar esse conteúdo, podem vender, doar ou até descartar. Quanto às mídias digitais, elas são regidas por um contrato de licença de usuário final ou EULA (WONG, 2013).
Para Lara (2016, p.82):
Muito embora exista o entendimento por parte das empresas exploradoras desse mercado de que esses bens não se transferem, pois são mera prestação de serviço, isso não se sustenta porque contraria o curso natural do desenvolvimento tecnológico, pois em breve a grande maioria dos livros, músicas, filmes etc., serão somente digitais e estarão depositados na nuvem, mas continuarão sendo bens com valor econômico e de propriedade daquele que os adquiriu.
Segundo a política da Apple, seus provedores fornecem apenas licenças restritas e intransferíveis, e as contas não conferem nenhum tipo de propriedade ao usuário. Permite-se apenas que o usuário consinta em que outras pessoas acessem sua conta. Não resta dúvida de que a tecnologia mudou o mundo visceralmente na última metade do século e, junto com as mudanças, trouxe muitas incertezas. Para sanar tais dúvidas presentes e futuras, a solução seria uma legislação específica (WONG, 2013).
No caso Kobe Bryant, um dos maiores ídolos do Los Angeles Lakers, de 41 anos, morreu em janeiro de 2020 em um acidente de helicóptero na Califórnia, vitimando mais oito pessoas, dentre elas sua filha Gianna, de 13 anos. Bryant jogou por 20 anos, até se aposentar em 2016 (MAGALHÃES, 2020).
Na NBA, além de ter sido, por várias vezes, campeão, foi medalhista de ouro nos Jogos Olímpicos, dentre tantas outras vitórias em sua carreira. Bryant brilhou, também, no mundo do cinema, onde ganhou, em 2018, o Oscar de melhor curta-metragem de animação. Ele era uma referência dentro de quadra, sendo o criador da Mamba Mentality, que significa ter uma mentalidade focada na vitória, em doar todo o seu coração em prol de um objetivo, e, além disso, era sucesso também no mundo virtual, possuindo mais de 19 milhões de seguidores no Instagram, e mais de 15 milhões no Twitter (TAFELLI, 2020).
Com isso, fica a seguinte dúvida: qual será o destino das redes sociais e demais ativos digitais de Kobe Bryant? O estado da Califórnia, onde Kobe vivia, aprovou a UFADAA (Uniform Fiduciary Access to Digital Assets Act). Com isso, caso o ídolo da NBA tenha feito alguma declaração a respeito do destino destes bens (ele poderia escolher em deletar suas contas, transmiti-las à sua família, a um administrador profissional ou mesmo transformá-las num memorial), sua vontade deveria preponderar. Caso não tenha feito esta declaração, aí sim, sua família, em especial sua esposa, teria o poder de decidir qual seria a destinação aos ativos digitais, sendo inclusive possível a sucessão deste acervo incorpóreo (ZAMPIER, 2020).
No caso Gugu Liberato, o número de seguidores do apresentador na rede social Instagram aumentou de 1.908.277 para 2.971.434, um crescimento de 55,7%, desde o dia 21 de novembro de 2019, data do acidente doméstico sofrido por ele na Flórida (EUA), que resultou em seu falecimento. Esse levantamento, realizado na data de 02 de dezembro de 2019, ajuda a dimensionar o poder e o valor das redes sociais. Tal infortúnio que vitimou o apresentador reacendeu as discussões acerca do tema da herança digital, pois há muitas divergências acerca do destino dos ativos digitais deixados, principalmente quanto ao acesso integral ao conteúdo deixado nas redes sociais pelo de cujus (OLIVEIRA, 2019).
No momento atual, o Instagram é um dos maiores canais de comunicação do mundo, pois, além de uma rede social, tornou-se um negócio lucrativo, usado para vender produtos ou serviços, que não se limita tão só a aumentar a lucratividade, bem como conquistar novos clientes, ganhar mais visibilidade, expandir a sua marca comercial ou pessoal e se tornar uma referência no mercado. Os chamados publipost, que são posts patrocinados na divulgação de determinado produto ou serviço através das redes sociais, já são uma realidade em todo o mundo. O Instagram se tornou uma vitrine. Todavia não apenas para expor produtos ou serviços, mas para apresentar sua produção de conteúdo, transformações, benefícios e soluções aos produtos ou serviços que dispõem aos seus clientes (MUNHOZ, 2020).
Diante disso, é de suma importância que as redes sociais componham o acervo digital e, consequentemente, integrem a herança do de cujus, pois além de proporcionar significante valor econômico a ela, pode gerar lucro aos herdeiros. Pode se concluir que apenas com uma legislação específica que regulamentasse o instituto do direito sucessório daria fim a esse imbróglio.
A Herança Digital, por ser um tema relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro, não possui uma legislação específica. Com a digitalização da sociedade, a cada dia arquivos digitais são armazenados em nuvem, e esses bens, muitos com valor econômico, acabam por serem deixados de lado ou geram litígios quanto aos herdeiros. A incerteza quanto à melhor forma de sucessão desses arquivos já é realidade desde 2012, quando foram criados projetos de lei referentes ao tema, notando-se, com isso, uma preocupação em adequar patrimônio digital à herança.
É salutar que se revele a importância do presente estudo o qual permitiu um conhecimento profundo acerca da temática. É notória a importância desse ramo do direito, visto que tal tema caracteriza-se como um novo marco no Direito das Sucessões e engloba vários outros ramos do ordenamento jurídico brasileiro. Deve-se destacar a importância para a sociedade, pois o direito dos herdeiros não deve ser prejudicado independentemente destes bens possuírem valoração econômica ou não.
O Brasil deve seguir a tendência mundial, fazendo com que, em pouco tempo, os brasileiros possuam grandes somas armazenadas no meio digital e, com isso, encerrar diversos litígios em torno do comércio, propriedade e sucessão dos bens armazenados virtualmente.
Obteve-se como resultado que o ordenamento jurídico necessita de uma uniformização legal, para que haja segurança jurídica e, com isso, evitar incertezas referentes ao destino dos bens, pois sem a objetividade de uma lei, os arquivos podem ser esquecidos e até mesmo inutilizados, sendo que esses bens, de algum modo, poderiam ajudar a sociedade como um todo ou particularmente a família do de cujus.
Reporta-se ao final pela importância normativa da herança digital, ressaltando que o Marco Civil da Internet não a dificulta, pelo contrário, ajuda com o quesito da proteção aos dados. Essa normatização promoverá maior segurança jurídica aos direitos dos herdeiros, preservando a honra, intimidade e privacidade do de cujus.
Os objetivos traçados foram: um estudo da herança digital e suas consequências jurídicas, uma análise da herança digital no Brasil, e sua regulamentação no ordenamento jurídico, através de investigações da legislação em vigor sobre o tema, pesquisa de projetos de lei e suas implicações, investigação de casos práticos, e averiguação de sua anexação ao Direito das Sucessões. Tais objetivos foram alcançados como mostram os resultados. Essas considerações permitem confirmar a hipótese de que, por vivermos em uma sociedade conectada e cibernética, é essencial que haja sua regulamentação.
Sugere-se que deve haver uma legislação característica para normatizar esse instituto, pois isso iria pôr fim às incertezas e preocupações que englobam o perigo do descumprimento do direito à preservação da intimidade do de cujus. O que se propõe não é a criação de uma infinidade de leis, mas leis específicas a essa questão. O presente estudo não espera pôr fim a discussão sobre o tema, mas abrir precedentes para mais pesquisas acerca dele.
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[1] bacharelando em direito pelo centro universitário UNINOVAFAPI
bacharelando em direito pelo centro universitário UNINOVAFAPI
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Marcelo de Sousa. Herança digital no Brasil: aplicabilidade do direito sucessório quanto aos bens digitais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jan 2021, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56091/herana-digital-no-brasil-aplicabilidade-do-direito-sucessrio-quanto-aos-bens-digitais. Acesso em: 22 nov 2024.
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