RESUMO: sabe-se que os direitos fundamentais são a coluna do Estado Democrático de Direito, uma vez que asseguram e protegem a sociedade de abusos e arbitrariedades do legislador que, por meio de normas infraconstitucionais ou atos administrativos, possa vir a cometer. Os direitos fundamentais, portanto, não podem sofrer alterações no que concerne a sua efetividade, por nenhuma medida Estatal, o que traz á luz o princípio da proibição do retrocesso social, mais precisamente na fruição dos direitos sociais. Assim, sendo os direitos dos trabalhadores um direito fundamental social, devem ser protegidos contra as arbitrariedades estatais que visem suprir ou alterar tal direto sem que haja para tanto uma compensação.
PALAVRAS- CHAVES: Retrocesso. Sociedade. Direito do Trabalho. Vedação
1. INTRODUÇÃO:
O presente estudo abordará os principais pontos da Reforma Trabalhista, mais precisamente os que, supostamente, possam ferir os direitos sociais estabelecidos pela CRFB/88. Isto porque, alterações e supressões de direitos trabalhistas devem passar pelo crivo do princípio da proibição do retrocesso social.
Inicialmente, abordar-se-á o conceito do princípio da vedação do retrocesso social (ou proibição), visto que se trata de uma garantia constitucional implícita, tendo sua origem do princípio da segurança jurídica e da máxima efetividade dos direitos constitucionais, bem como da dignidade da pessoa humana, para posteriormente adentrar-se a seguinte indagação: as alterações trazidas pela Reforma Trabalhista ferem o princípio constitucional da proibição do retrocesso social?
Cumpre ressaltar que os direitos sociais possuem, conforme doutrina majoritária, caráter progressista, ou seja, as alterações dos direitos sociais são para amoldar a vida cotidiana do cidadão no sentido de garantir os direitos já estabelecidos e apresentar outros direitos eficazes.
Nessa senda, o presente artigo tem como objetivo analisar os direitos dos trabalhadores como sendo também direitos da pessoa humana, conforme o art. 7º da Constituição, bem como identificar se as reformas laborais trazidas ferem princípios constitucionais.
Ademais, o presente trabalho se justifica diante do contexto político atual que trouxe reformas significativas (como a trabalhista e previdenciária, bem como inúmeras outras reformas por meio de Medidas Provisórias), numa tentativa de consolidar uma posição de liberdade econômica do país, o que pode pôr em xeque direitos constitucionalmente garantidos.
Para a realização do trabalho utilizar-se-á do método qualitativo, visto que serão observadas as nuances sociais, utilizando-se de pesquisa bibliográfica por meio de renomados doutrinadores, bem como o entendimento dos Tribunais sobre a reforma e a aplicabilidade do princípio da vedação do retrocesso social.
2. O PRINCÍO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO
2. 1 Aspectos gerais relativo aos direitos sociais como direitos fundamentais
A Constituição Federal foi a primeira na história constitucional brasileira a prever um título para os direitos e garantias fundamentais, onde foram consagrados os direitos sociais básicos e de caráter geral, bem como um prevê um extenso rol de direitos dos trabalhadores.
Sobre esse assunto, WOLFGANG SARLET, MARINONE e MITIDIERO (2017, p. 642) explicitam que embora na evolução constitucional precedente já houvesse previsão de algumas normas, versando sobre justiça social e alguns textos sobre direitos sociais foi apenas com a Carta Magna que tais direitos foram devidamente positivados.
Sobre o assunto lecionam os autores:
Com efeito, o preâmbulo já evidencia o forte compromisso com a justiça social, comprometimento este reforçado pelos princípios fundamentais elencados no Título I da CF, dentre os quais se destaca a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), positivada como fundamento do próprio Estado Democrático de Direito. Tal princípio, para além de outros aspectos dignos de nota, atua como verdadeiro fio condutor relativamente aos diversos direitos fundamentais, reforçando a existência de uma recíproca complementaridade entre os direitos civis e políticos (por muitos designados de direitos individuais ou direitos de liberdade e os direitos sociais, na medida em que os direitos fundamentais (ainda que não todos e não da mesma forma) expressam parcelas do conteúdo e dimensões do princípio da dignidade humana.
Desta feita, evidenciados os aspectos dos direitos fundamentais trazidos pela Constituição de 1988, torna-se necessário adentrar ao conceito do Princípio da vedação do Retrocesso Social, como proteção dos direitos sociais.
2.2 O princípio da proibição do retrocesso
Para a proteção dos direitos sociais, especialmente em face do legislador, mas também em face de atos administrativos o direito brasileiro estabeleceu a noção de uma proibição jurídico-constitucional de retrocesso, a fim de coibir medidas que suprimam direitos constitucionais.
A doutrina e a jurisprudência têm reconhecido a vigência como garantia implícita do princípio da vedação do retrocesso, a coibir medidas que, mediante revogação ou alteração infraconstitucional venham desconstituir determinado direito fundamental e social, porquanto equivaleria violação da própria Constituição.
Elucida WOLFGANG SARLET, MARINONE e MITIDIERO (2017, p. 643) que a proibição do retrocesso social costuma ser vinculada ao dever de realização progressiva dos direitos sociais, conforme o art. 2º do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, ratificado pelo Brasil.
Outrossim, pode-se afirmar que a proibição do retrocesso está intrinsecamente ligada ao princípio da segurança jurídica, resguardado pelo art. 5º e 6º da Constituição Federal, bem como ao Estado Democrático de Direito.
Ademais, a proibição de medidas retrocessivas conduz a máxima efetividade das normas que definem os direitos e garantias fundamentais. Sobre esse assunto, necessário trazer à baila novamente o entendimento de WOLFGANG SARLET, MARINONE e MITIDIERO (2017, p. 661):
Assim como, numa perspectiva defensiva do princípio da dignidade da pessoa humana, objetiva impedir a afetação dos níveis de proteção já concretizados das normas de direitos sociais, sobretudo no que concerne às garantias mínimas de existência digna. Destaque-se, aliás, que o conjunto de prestações básicas, especialmente aquelas que densificam o princípio da dignidade da pessoa humana e correspondem ao mínimo existencial, não poderá ser suprimido nem reduzido, mesmo se ressalvados os direitos adquiridos, já que a violação de medidas de concretização do núcleo essencial da dignidade humana é injustificável sob o ponto de vista da ordem jurídica e social.
Dito isto, compreende-se que o princípio da vedação do retrocesso (ou proibição) expressa a ideia de que uma vez obtido um determinado grau de realização dos direitos sociais, eles passam a constituir uma garantia institucional e um direito subjetivo.
Mesmo entendimento possui a R. doutrinadora FLAVIA BAHIA (2017, p. 220), senão veja-se:
O núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas do Estado que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática, numa “anulação”, “revogação” ou “aniquilação” pura e simples desse núcleo essencial.
Nessa senda, o princípio da vedação do retrocesso social traz à luz a ideia de que os avanços no direito do trabalho, no que concerne a direitos sociais, não podem retroceder, estando, portanto, fora da discricionariedade do poder público, o que será abordado no presente estudo.
No entanto, segundo leciona FLAVIA BAHIA (2017, p. 220) não se trata de vedação absoluta “e nem tem por objetivo derrotar a autonomia do Legislativo e do Executivo, mas serve como importante vetor de proteção às políticas já adotadas pelo poder público”. Ora, sabe-se que o destino de um país não é previsível, diante disto torna-se necessário que os direitos fundamentais continuem assegurados para que a sociedade não sofra abalos significativos, independente do cenário que se apresente.
Para os doutrinadores PAULO e ALEXANDRINO (2017, p. 247) os direitos sociais vinculam o legislador infraconstitucional, exigindo-lhes um comportamento positivo na regulamentação e implementação de políticas públicas, respeitando o núcleo essencial, sob pena de inconstitucionalidade.
A esse propósito, necessário trazer à baila o que PAULO e ALEXANDRINO (2017, p. 221) aduzem sobre o princípio da proibição do retrocesso social:
Questão polêmica no constitucionalismo moderno diz respeito ao chamado princípio da proibição do retrocesso social, que, embora ainda não esteja expressamente previsto no nosso atual texto constitucional, tem encontrado crescente acolhida no âmbito da doutrina mais afinada com a concepção do Estado Democrático de Direito (e social), consagrado pela nossa ordem constitucional. Esse princípio da vedação de retrocesso (também conhecido pela expressão francesa effet cliquet) visa a impedir que o legislador venha desconstituir pura e simplesmente o grau de concretização que ele próprio havia dado às normas da Constituição, especialmente quando se cuida de normas constitucionais que, em maior ou menor escala, acabam por depender dessas normas infraconstitucionais para alcançarem sua plena eficácia e efetividade.
Por fim, cumpre salientar que o que se pretende é evitar que o legislador venha a revogar (no todo ou em parte essencial) um ou mais diplomas infraconstitucionais que já haviam estabelecido um direito social constitucionalmente consagrado.
Outrossim, a CFRB/1988 fixou uma gama de direitos sociais dos trabalhadores e aduz que outros direitos de outras normas que vierem, deverão trazer ao trabalhador condição social melhor do que a anteriormente estabelecida, ou seja, a Constituição elevou os direitos dos trabalhadores ao status de direitos fundamentais, visto que, inclusive, estão presentes no Capítulo II – Dos Direitos Sociais, do Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais.
Adiante analisar-se-á a Reforma Trabalhista e suas principais alterações, a fim de determinar se as inovações trazidas pela alteração legislativa ferem o princípio da vedação do retrocesso social, bem como aos direitos fundamentais sociais garantidos pela Carta Magna.
2.3 Proibição do Retrocesso no Direito do Trabalho
2.3.1 principais alterações trazidas pela Reforma Trabalhista
Diante do que já fora anteriormente abordado, analisar-se-á algumas das alterações legislativas e da sua constitucionalidade perante o princípio da vedação do retrocesso social.
A Lei 13.467/17 alterou boa parte da CLT. Entre os vários institutos que foram objeto de alteração e redução dos direitos dos trabalhadores, cita-se a título de exemplo a desproteção sindical em casos de aumento da jornada de trabalho em um ou vários dias, com redução em outros, sistema conhecido como “banco de horas”. Isto porque, antes da reforma, tal alteração era realizada apenas sobre o crivo de um acordo coletivo, fruto de autocomposição.
No entanto, o presente estudo tratará não de alterações isoladas, mas sim da Lei como um todo, como um corpo normativo que pode ser inconstitucional à luz do princípio da proibição do retrocesso, violando a CRFB/88 em seu art. 7º, caput, bem como o pacto comunicativo- constitucional de formação da norma constitucional.
ORSI e PEREIRA (2018, p.10) pontuam as principais alterações da Reforma Trabalhista, entre elas, a considerada de maior inovação é no que concerne ao trabalho intermitente. Os autores esclarecem que “trabalho intermitente é aquele em que o empregado, embora subordinado ao empregador, não tem habitualidade na prestação de serviços. ”. Isto porque, ocorrem alternâncias entre os períodos de atividade e de inatividade, as quais podem ser de dias, meses ou horas, conforme o que preceitua o art. 452 A e seguintes da CLT.
Ainda, enquanto estiver no período de inatividade, o empregado não precisa estar à disposição do empregador e, por esta razão não será remunerado, podendo prestar serviços de outros tomadores, conforme disposição do art. 452 –C, §1º, ou seja, o trabalhador intermitente percebe remuneração apenas pelos dias trabalhados. (FILGUEIRAS, 2019, p. 16)
Outra alteração significativa teve a CLT no que diz respeito ao trabalhador autônomo, conforme art. 442-B e §§. Já o §6º prevê que se presente a subordinação, será reconhecido o vínculo empregatício. Outrossim, o § 3º indica que o trabalhador autônomo poderá prestar serviço de qualquer natureza a outros tomadores de serviços que não o tomador principal (ORSI e PEREIRA, 2018, p.11)
O tele trabalho segundo ORSI e PEREIRA (2018, p. 11) também teve significativas alterações, conforme artigos 75-A e 75 –E que apresenta o conceito de tele trabalho como sendo: “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo (art. 75 –B, caput, CLT).
Demais disto, segundo o que dispõe a CLT a prestação de serviços deve constar expressamente do contrato de trabalho e, embora o empregado frequente as dependências do empregador, para atividades especificas, isto não descaracteriza o tele trabalho (BRASIL, 2017).
Outra alteração de grande relevância para os ocupantes de cargo de confiança é o fato de independente do tempo em que se encontrem na função, não incorporará o valor da gratificação em seu salário, conforme disposição do art. 468, § 2º, da CLT, contrariando, inclusive, a Súmula 372, I, do TST que assegurava esse tipo de incorporação (BRASIL, 2017)
Outro ponto merece destaque, o que a doutrina tem classificado como trabalhador hipersuficiente, conforme o que leciona ORSI e PEREIRA (2018, p.11):
Segundo a doutrina, a Reforma determinou a criação de nova categoria de trabalhador: o empregado hipersuficiente, caracterizado por receber salário igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social (o famoso “teto do INSS”) e de ser portador de diploma de nível superior (art. 44, parágrafo único, CLT)
O art. 10- A da CLT traz uma importante alteração no que concerne ao sócio retirante, que responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois da devida averbação da modificação do contrato social (BRASIL, 2017)
Já no que concerne aos uniformes ORSI e PEREIRA (2018, p. 14) esclarecem que o art. 456 – A da CLT deu discricionariedade ao empregador para definir o padrão de vestimenta no meio ambiente do trabalho, sendo licita a inclusão de logomarca da empresa ou de empresas parceiras e de outros itens de identificação relacionados à atividade empresária desempenhada.
As horas in itinere sofreram grande alteração, a qual pode ser compreendida por meio da leitura do art. 58, § 2°, da CLT, vez que foram excluídas do computo da jornada de trabalho o tempo despendido pelo empregado desde a suas residências até o posto de trabalho e seu retorno, caminhando ou por outro meio de transporte (BRASIL, 2017)
Segundo o art. 59 da CLT exclui-se a obrigatoriedade de que o acordo individual de prorrogação de jornada seja escrito, sendo possível que seja feito com base em acordo verbal entre empregador e empregado. Outrossim, em jornadas de 12x36 exclui-se a necessidade de autorização do MTE para a realização de horas extras, conforme o que dispõe o art. 60, parágrafo único, da CLT) (BRASIL, 2017)
Outras alterações significativas dizem respeito a compensação de jornada e a jornada 12x36, conforme ensina ORSI e PEREIRA (2018, p.15) permite-se a negociação de banco de horas diretamente entre empregado e empregador, mediante acordo individual escrito, hipótese trazida pelo art. 59, § 6º, da CLT. Alteração significativa teve a jornada de 12x36, conforme o que dispõe o art. 59 -A da CLT, a qual poderá ser celebrada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, com algumas ressalvas trazidas pela lei.
Demais disto, um dos pontos centrais da reforma trabalhista foi o art. 611 – A da CLT, que trata de acordos coletivos, no sentido de que tais acordos têm prevalência sobre a lei, veja-se o que preceitua o referido artigo:
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II – banco de horas anual; III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI – regulamento empresarial; VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; X – modalidade de registro de jornada de XI – troca do dia de feriado; XII – enquadramento do grau de insalubridade; XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; XV – participação nos lucros ou resultados da empresa (Brasil, 2017).
Segundo estudos do Repositório IPEA confeccionado por CARVALHO (2017, p. 03), o artigo busca a flexibilização dos dispositivos acerca da jornada de trabalho (I, II, X, XI) e remuneração (V, IX, XIV e XV), ou seja, a intenção do legislador foi trazer à baila a prevalência do negociado sobre o legislado, limitando o papel da Justiça do Trabalho na análise dos acordos e convenções.
Ainda segundo os estudos do IPEA feito por CARVALHO (2017, p. 03), o primeiro parágrafo do art. 611 – A deixa cristalino que não caberá a Justiça do Trabalho dispor sobre o conteúdo dos acordos, devendo tão somente analisar sua conformidade aos elementos juridicamente formais.
Já o art. 611 – B, indica o que não é passível de ser negociado, sendo basicamente itens que constam da CRFB/88, a exemplo de dias de férias, licença maternidade, normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, etc.) (BRASIL, 2017).
Cumpre destacar que o parágrafo único deste artigo procurou evitar que a Justiça do Trabalho anule cláusulas de acordos coletivos que disponham sobre jornadas excessivas, levando em conta seus efeitos sobre a saúde e segurança do trabalhador, conforme extrai-se do texto legal:
Art. 611 – B
Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normais de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do dispostos neste artigo (BRASIL, 2017).
A este proposito veja-se o que preceitua o CARVALHO (2017, p. 04):
Cabe aqui dar um exemplo de como a junção de dois ou mais dispositivos pode ter um potencial danoso ao trabalhador do que quando analisados isoladamente. O Artigo 394-A permite o trabalho de gestantes em atividades insalubres em graus médio e mínimo, exceto mediante apresentação de atestado de saúde; entretanto, o item XII do Artigo 611-A permite a negociação do enquadramento da insalubridade, o que abre a possibilidade para que gestantes trabalhem em condições de insalubridade que atualmente sejam consideradas de grau máximo.
Quanto ao recolhimento das contribuições previdenciárias e do FGTS leciona BARBOSA (2017, p. 09) que com as alterações trazidas pela Reforma Trabalhista, deve o empregador efetuar o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do trabalhador, bem como o depósito do FGTS com base nos valores pagos no período mensal, além de fornecer os comprovantes do cumprimento destas obrigações.
Continua BARBOSA (2017, p. 09):
Os segurados enquadrados como empregados que, no somatório de remunerações auferidas de um ou mais empregadores no período de um mês, independentemente do tipo de contrato de trabalho, receberem remuneração inferior ao salário mínimo mensal, podem recolher ao Regime Geral de Previdência Social a diferença entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo mensal, em que deve incidir a mesma alíquota aplicada à contribuição do trabalhador retida pelo empregador (art. 911-A, § 1º, da CLT). Na hipótese de não ser feito o recolhimento complementar previsto no § 1º do art. 911-A da CLT, o mês em que a remuneração total recebida pelo segurado de um ou mais empregadores for menor que o salário mínimo mensal não será considerado para fins de aquisição e manutenção de qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência Social nem para cumprimento dos períodos de carência para concessão dos benefícios previdenciários (art. 911-A, § 2º, da CLT) .
No que concerne às gorjetas BARBOSA (2017, p.10) afirma que se considera gorjeta não apenas a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também o valor cobrado pela empresa, como serviço ou adicional, a qualquer título e destinado aos empregados, consoante o que preceitua o art. 457, §3º, da CLT.
Dos pontos alterados e indicados alhures é possível constatar que a Reforma Trabalhista trouxe uma grande mudança. No presente trabalho não será possível levantar todas as alterações, buscando-se tecer apenas alguns comentários e analisando se as alterações ferem ou não o princípio constitucional da vedação do retrocesso.
Portanto, comentado os principais pontos trazidos pela Lei 13.467/17, passa-se a análise da Reforma Trabalhista frente ao princípio da vedação do retrocesso.
2.3.2. O princípio da vedação ao retrocesso social frente as alterações trazidas pela Lei 13.467/17.
CASSAR e BORGES (2017, p. 06) esclarecem que ao contrário do afirmado pela imprensa, o conteúdo trazido pela Lei 13.467/2017 contraria princípios trabalhistas, suprimindo regras benéficas aos trabalhadores, priorizando normas menos favoráveis ao empregado, a livre autonomia da vontade, o negociado individualmente e coletivamente sobre o legislado, no sentido de reduzir os direitos trabalhistas.
Outrossim, as alterações, conforme estudado anteriormente, valorizaram a imprevisibilidade do trabalho intermitente, a liberdade de ajustes entre empregador e empregado, excluindo regras de direito civil e de processo civil protetoras ao direito e processo do trabalho (CASSAR e BORGES, 2017, p. 07).
A este propósito, o princípio da vedação ao retrocesso social guarda relação com o princípio da segurança jurídica, ao passo que garante também a proteção de direitos fundamentais contra a vontade do legislador que venha a objetivar a supressão ou redução de um direito já existente.
A segurança jurídica na literatura jurídica contemporânea possui suma relevância, sendo a ela atrelado o caráter de princípio fundamental da ordem jurídica estatal. Conforme lição de Celso Bandeira de Melo (2009, p. 112), a segurança jurídica também coincide com uma das maiores aspirações do ser humano, qual seja a garantia de estabilidade em suas relações jurídicas e da ordem jurídica por si, razão pela qual muitas vezes destaca-se o vínculo entre a ideia de segurança jurídica e a noção de dignidade da pessoa humana. Tem-se que tal dignidade não se presume protegida e garantida de fato se não houver um patamar de estabilidade jurídica que proporcione segurança e confiabilidade aos sujeitos de direito.
No Brasil, conforme já estudado, o tema da proibição do retrocesso ainda é lento, conflituoso e ligado tão somente à literatura jurídica portuguesa e alemã. Entretanto, são diversos os doutrinadores que abordam a questão, à sua maneira, motivo pelo qual passa-se a analisar a compreensão de alguns dos mesmos.
SARLET (2006, p. 445) verifica por sua análise dos direitos constitucional brasileiro e da doutrina nacional, que a proibição do retrocesso social é um princípio implícito que se consolida no direito constitucional, vinculando-se ao princípio da dignidade da pessoa humana, do Estado Democrático e Social de Direito, bem como da segurança jurídica.
Em outro espectro, BARROSO (2009, p. 154), esclarece, que os direitos socais, mesmo que se encontrem agrupados às normas programáticas, que estabelecem programas sociais a serem seguidas pelo Poder Público, são passiveis de intervenção do Poder Judiciário para que se faça valer a vontade do constituinte em face a arbitrariedades do legislador, dentro dos limites da razoabilidade.
Diante disto, importa destacar que a Reforma Trabalhista, em diversos aspectos modificou ou suprimiu a concretização de direitos sociais já concretizados pela CLT.
Isto porque, de forma ampla, a proibição do retrocesso se apresenta como um direito subjetivo negativo, sendo possível afirmar que muitas medidas legislativas se encontram conflitantes à Constituição o que vem a diminuir um grau de concretização anteriormente outorgado pelo legislador. (SARLET, 2006, p.444).
CONCLUSÃO:
O presente trabalho teve como objetivo analisar o princípio da proibição do retrocesso frente as alterações trazidas pela Lei n. 13.467/2017, no cenário de debate recente acerca da flexibilização e sucateamento dos direitos trabalhistas advindo com a aprovação desta Reforma.
No primeiro capítulo abordou-se o estudo do princípio da proibição ao retrocesso social, iniciando pelo seu conceito, adentrando sobre sua tutela no ordenamento jurídico brasileiro.
No segundo capitulo foram analisadas algumas das principais alterações da Reforma Trabalhista para analisar os efeitos trazidos pelas alterações.
Por fim, o terceiro capitulo tratou de analisar o princípio da proibição ao retrocesso social a partir das principais alterações da Lei 13.467/2017. Foram apresentados conceitos de respeitáveis doutrinadores sobre o assunto.
Sobre isto, a Reforma Trabalhista, ao favorecer o negociado frente ao legislado, por exemplo, não equiparou a desigualdade entre empregado e empregador, deixando de criar mecanismos que protegeriam a parte mais frágil dessa relação, qual seja, o empregado.
Em face, desse desequilíbrio existente na relação travada entre empregado e empregador, por ser o trabalhador hipossuficiente em relação ao empregador, é que se consagrou o princípio da proteção ao trabalhador na CLT, o que segundo o presente estudo não foi observado pelo legislador que criou mecanismos que favorecem ao empregador em detrimento do empregado.
Demonstrou-se que parte das alterações trazidas pela Lei 13.467 trouxeram sim retrocesso social sucateando direitos já adquiridos pelos trabalhadores ao longo dos anos. Isto porque a diretriz básica do direito do trabalho é a proteção do trabalhador.
REFERÊNCIAS:
BAHIA, Flavia. Direito constitucional. 3. ed. Recife: Armador, 2017. 407 p.
BRASIL. Lei no 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Diário Oficial da União, Brasília, 2017.
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 154.
CASSAR, Volia Bomfim; BORGES, Leonardo Dias. Comentários à Reforma Trabalhista: Lei 13.467 de 2017. 01. ed. atual. São Paulo: Forense, 2017. 214 p.
CARVALHO, Sandro Sacchet de. Uma visão Geral sobre a Reforma Trabalhista. Política em Foco: Mercado de Trabalho, São Paulo, ed. 01, 06 mar. 2017.
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Reforma Trabalhista: promessas e realidades. 1.ed. São Paulo: Curt Nimuendajú, 2019. 226 p.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Reforma trabalhista. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, 18 p.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 112-113.
ORSI. Renata. PEREIRA. Leone. Reforma Trabalhista. Reta Final OAB 1 ed. Salvador: JusPodivm. 2017, p. 31.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 16. ed. Rio de Janeiro: Método, 2017. 1280 p.
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. 1668 p.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006. p. 444.
Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RATZLAFF, EDUARDO SOBOLESKI. O princípio da proibição do retrocesso frente à reforma trabalhista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 fev 2021, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56154/o-princpio-da-proibio-do-retrocesso-frente-reforma-trabalhista. Acesso em: 22 nov 2024.
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