EMANUELLE ARAÚJO CORREIA
WELLINGTON GOMES MIRANDA
(orientadores)
RESUMO: O estudo em tela possui o seguinte objetivo: analisar a dispensa de licitação em períodos de pandemia: Análise sob a ótica do art. 4° da Lei 13.979/2020. Sua importância denota o fato de que a licitação está regulamentada pela Lei nº 8.666/93, sendo que a obrigação de licitar decorre do art. 37, XXI da Constituição da República Federativa do Brasil (CFRB) de 1988. Neste cenário, surge a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Metodologicamente, o estudo se caracteriza pela revisão bibliográfica, da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, com ênfase em seu art.4º. Trata-se de uma medida condizente com as necessidades da atualidade não devendo, por evidente, ser instrumento de desvirtualização. Por isso, é necessária rigorosa fiscalização nesse sentido.
Palavras-Chave: Dispensa. Licitação. Pandemia.
ABSTRACT: The on-screen study has the following objective: to analyze the exemption from bidding in periods of pandemic: Analysis from the perspective of art. 4° of Law 13.979/2020. Its importance denotes the fact that. Bidding is regulated by Law No. 8,666/93, and the obligation to bid stems from article 37, XXI of the Constitution of the Federative Republic of Brazil (CFRB) of 1988. In this scenario, law no. 13,979 of February 6, 2020 appears, which provides for measures to cope with the public health emergency of international importance resulting from the coronavirus responsible for the 2019 outbreak. Among other emergency measures, Law No. 13,979/2020 brought in its art.4º the provision of exemption from bidding for the acquisition of goods, services and supplies necessary for public health as long as the public health emergency of international importance due to coronavirus persists. Methodologically, the study is characterized by the bibliographic review, of Law No. 13,979, of February 6, 2020, with emphasis on its article 4. It is a measure consistent with the needs of today and should not, of course, be an instrument of devirtualization. For this reason, strict supervision is necessary in this regard.
Keywords: Dispense. Bidding. Pandemic.
1 INTRODUÇÃO
É indiscutível que o surto decorrente da descoberta do novo coronavírus em 2019 (COVID-19) trouxe diversos impactos econômicos e sociais em todo o planeta e no Brasil, inclusive. A crise provocada por esta pandemia gerou diversas medidas necessárias por parte do governo para socorrer a população.
Neste contexto, encontra-se o processo de aquisição de bens e serviços emergenciais que possam auxiliar no enfrentamento da situação. A licitação é o procedimento administrativo formal e isonômico pelo qual a Administração Pública pode, mediante um processo de regras e critérios legais, avaliar e contratar bens, obras, serviços, compras e alienações, da forma mais vantajosa ao interesse público. Em outras palavras, é o meio de compra e venda da Administração Pública, podendo ser dispensada apenas em alguns casos previstos em lei.
Ressalta-se aqui que, a licitação é a regra, e os casos de dispensa e inexigibilidade são exceções que, para serem aplicados devem estar devidamente fundamentados pela gestão pública. A licitação está regulamentada pela Lei nº 8.666/93, sendo que a obrigação de licitar decorre do art. 37, XXI da Constituição da República Federativa do Brasil (CFRB) de 1988.
Neste cenário, surge a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, responsável pelo surto de 2019. Dentre outras medidas de emergência, a Lei nº 13.979/2020 trouxe em seu art.4º a previsão da dispensa de licitação para aquisição contratação de bens, serviços e insumos necessários à saúde pública enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.
A licitação possui notória relevância na sociedade, especialmente no aspecto financeiro de muitas empresas, pois pode ser um negócio muito vantajoso, e que movimenta bilhões de reais anualmente nos mais variados ramos de produção e serviços, é através dela que o Poder Público satisfaz as necessidades públicas e ao mesmo tempo fomenta o desenvolvimento econômico do país. Trata-se, portanto, de um assunto de alta relevância em diversas áreas de atuação.
É de saltar aos olhos a importância da licitação e o seu devido processamento legal para o interesse público, haja vista sua colocação como instrumento de controle de recursos públicos, evitando-se assim desvios de finalidade por parte de seus administradores, corrupção, furto de dinheiro público etc.
Dentre as opções de métodos disponíveis, escolheu-se por adotar a abordagem dedutiva a qual se refere ao raciocínio que parte do geral e segue para o particular, por meio de argumentos verdadeiros para então atingir a conclusão.
A partir de uma linha de raciocínio dedutiva, serão utilizados métodos auxiliares que possuem fins mais concretos em relação à explicação geral dos fenômenos objetivos. Dentre estes métodos de procedimento destaca-se o histórico e o comparativo. O primeiro baseia-se na investigação dos eventos passados, a fim de verificar sua relação com a sociedade atual e o segundo para comparar as situações afetadas pelo tema e verificar as semelhanças e diferenças entre elas.
A Administração Pública é composta exclusivamente pelos órgãos integrantes da administração direta (órgãos vinculados a uma pessoa jurídica que exerce atribuições administrativa e pelas entidades compreendidas como administração indireta. Sendo entidades da administração indireta as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista. A administração direta é representada pelos órgãos que compõem as pessoas políticas do Estado (União, estado, Distrito Federal e municípios), que receberam qualificações para o exercício, de forma centralizada, de atividades administrativas (GASPARINI, 2017).
Por sua vez, a administração indireta é representada pelo conjunto de pessoas jurídicas desprevenidas de autonomia política, ligadas à administração direta. Neste lugar, o Estado transfere a sua titularidade ou execução das funções para que outras pessoas jurídicas, ligadas a ele, para que estas possam satisfazer as demandas. (JUSTEN FILHO, 2016).
A administração pública consiste, em linhas gerais, como o conjunto de ações, diretrizes, princípios, dispositivos, entre outros, que regem a Administração do Estado. A principal função do Estado é prover e garantir os direitos individuais e coletivos dos indivíduos que nele se encontram, no entanto, esses direitos se alteram com o decorrer do tempo em decorrência das grandes e constantes transformações.
Administração Pública, em sentido objetivo, é a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve, sob regime jurídico de direito público, para a consecução dos interesses coletivos (DI PIETRO, 2019, p. 52)
Entre as várias áreas práticas de utilização da administração, está a gestão de organizações públicas que cumprem seu papel com a efetivação das políticas públicas. Assim como no caso da administração geral, o estudo da administração no contexto público é recente, mas suas práticas são antigas. Nesse sentido, Heady (1970, p.13) diz que “a Administração Pública como um aspecto da atividade governamental existe desde que os sistemas políticos funcionam e tentam alcançar objetivos programados estabelecidos pelos que tomam as decisões políticas”.
Como ciência e área de formação, a administração pública constituiu-se nos Estados Unidos, há mais de meio século, tendo como objetivo a preparação de servidores públicos para a administração pública moderna.
A responsabilidade sobre os atos e as funções inerentes aos serviços públicos tem vindo a ser firmada em torno do conceito de preocupação para com a função pública, decodificado como o compromisso de responder pelos resultados, no sentido do controle cuidadoso dos atos administrativos, da atenção pela legalidade, dos métodos de trabalho, da eficiência na prestação de serviços para a sociedade e da pronta responsabilização de atos e autores que contrariem os interesses da Administração Pública, tais como a inépcia, a corrupção. (JUSTEN FILHO, 2016)
Em análise mais extensa pode-se dizer que a responsabilidade do servidor frente aos serviços públicos está voltada à observância de valores éticos, às pessoas, à sociedade e a própria Administração Pública e são essenciais para compor estratégias que constituem sinergia com o cidadão, materializando e sustentando imagem e reputação de instituição cidadã e responsável.
2.2 PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS
A administração pública é fundamentada por princípios. A obediência a esses princípios é requisito indispensável para a concretização dos fins sociais almejados pela sociedade. Assim sendo, os princípios constitucionais norteadores da administração são legalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O princípio da legalidade preceitua que toda atividade da Administração Pública deverá ser exercida nos exatos ditames da Lei. Não sendo assim, estará a Administração incorrendo em ação contrária à lei, passível de nulidade, pois não se vinculou ao que a lei determinou.
O vocábulo lei é utilizado constitucionalmente para indicar diversas espécies de atos estatais, tal como se vê no elenco contido no art. 59 da CF/88. Rigorosamente, a expressão lei indica um gênero que abrange a Constituição (e suas emendas), às leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislativos e, mesmo, as resoluções. (...). Mais precisamente, o princípio da legalidade significa a necessidade de uma manifestação de vontade dos órgãos constituídos pela Constituição, representativos da soberania popular.” (JUSTEN FILHO, 2016, p. 192)
Portanto, ao observarmos este princípio, constatamos o quão importante ele é, pois, o mesmo protege o cidadão de arbitrariedades e desvios da Administração Pública. O princípio da legalidade é umbilicalmente ligado ao Estado Democrático de Direito, pois este está submisso à lei.
Nesse enfoque, seguindo o raciocínio de Bandeira de Mello (2014, p. 93):
O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina. Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize. Donde administrar é prover aos interesses públicos assim caracterizados em lei, fazendo-o na conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo suas disposições.
Observe-se ainda, que quando se fala no agir da Administração Pública dentro dos preceitos da lei, se quer dizer que todos os seus agentes deverão obedecer do mesmo modo o comando legal, desde o agente do mais alto patamar, até o mais simples dos servidores, sem exceção. Sendo assim, pelo princípio da legalidade, fica estritamente vedado à Administração e seus agentes agirem de forma contrária ao interesse público, de forma que não se coadunem com os preceitos legais.
2.2.2 Impessoalidade
Para uma melhor compreensão do referido princípio tratá-lo-emos sob dois enfoques distintos. O primeiro prisma traz à tona a impessoalidade como determinante de toda a performance administrativa, traduzindo a ideia de que toda atuação da Administração deve visar ao interesse público, satisfazendo-o (FAZZIO JÚNIOR, 2015).
Essa atuação impede que determinado ato seja praticado visando a interesses do agente ou de terceiros, devendo ater-se à vontade da lei, impedindo assim perseguições ou favorecimentos aos administrados. Qualquer ato praticado com objetivo diverso da satisfação do interesse público será nulo por desvio de finalidade.
O objetivo da atuação da Administração pode estar expresso ou implícito na lei, havendo sempre uma finalidade geral, que é a satisfação do interesse público, e um escopo específico, que é o fim direto ou imediato que a lei pretende atingir (MELLO, 2016).
A segunda acepção do princípio da impessoalidade aparece como vedação a que o agente público se valha das atividades desenvolvidas pela Administração para obter promoção pessoal, ou seja, está ligada à ideia de vedação à pessoalização das realizações da Administração Pública. estando consagrada no § 1º do art. 37 da Constituição Federal. Veja-se:
§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridade ou servidores públicos.
Nesse desdobramento a impessoalidade tem por escopo proibir a vinculação de atividades da Administração à pessoa dos administradores, evitando que estes utilizem a propaganda oficial para sua promoção pessoal.
Princípio que impõe à Administração Pública o agir ético de seus agentes, de forma proba moralmente aceitável. Essa moral administrativa pode ser diferenciada da moral comum, não em sua essência, mas sim pelos seus efeitos no mundo jurídico, pois os atos administrativos praticados em discordância com o princípio da moralidade deverão ser declarados nulos.
Conforme lições de Pedro Braga (2015, p. 81), a moralidade administrativa tem registro constitucional como um dos princípios norteadores da Administração Pública. Segundo o autor: ‘‘a probidade igualmente, eis que é uma forma que a moralidade assume na prática (art. 37 da CRFB). [...] a imoralidade administrativa constitui razão plausível para a nulidade do ato inquinado de vício’’
O Decreto n° 1.171/1994 (Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal) prescreve que ‘‘o servidor público não poderá jamais desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente’’. A moralidade administrativa deve ser observada pelo agente público, em seu agir, de modo objetivo e não de forma subjetiva.
De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
Poder-se-á dizer que apenas agora a Constituição Federal consagrou a moralidade como princípio da administração pública (art 37 da CF). Isso não é verdade. Os princípios podem estar ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer constam de texto regrado. Defluem no todo do ordenamento jurídico. Encontram-se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diversas normas regedoras de determinada matéria. O só fato de um princípio não figurar no texto constitucional, não significa que nunca teve relevância de princípio. A circunstância de, no texto constitucional anterior, não figurar o princípio da moralidade não significa que o administrador poderia agir de forma imoral ou mesmo amoral STF – 2ª T. Recurso Extraordinário nº 160.381 – SP, Rel. Min. Marco Aurélio, v.u.; RTJ 153/1.030).
Como visto, deverá o agente público, além de agir dentro dos ditames legais e observando o interesse público, observar também se sua conduta está sendo moral, proba, ética, pois a moralidade administrativa integra a legalidade do ato administrativo. Como já diziam os romanos: “non omne quod licet honestum est”, ou seja, nem tudo que é legal, é honesto.
A moralidade constitui pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública. Urge ressaltar que não podemos confundir o princípio da moralidade com o da legalidade, pois a Constituição expressamente faz menção aos dois princípios autonomamente, não se confundindo. Segundo Di Pietro (2019, p. 40):
A moralidade administrativa se desenvolveu ligada à ideia de desvio de poder, pois se entendia que em ambas as hipóteses a Administração Pública se utilizava de meios lícitos para atingir finalidades meta jurídicas irregulares. A imoralidade estaria na intenção do agente.
Assim, conclui-se que o princípio da moralidade trata dos padrões éticos, mas objetivos, que são assimilados e difundidos entre todos, e não apenas uma noção puramente pessoal, do agente administrativo (GASPARINI, 2017).
2.2.4 Princípio da publicidade
O princípio da publicidade prevê que os atos praticados pela Administração Pública devem ser públicos. Tal exigência decorre do Estado Democrático de Direito, pois nesse sistema não se pode admitir a prática de atos de forma sigilosa, excetuando-se os casos previstos na Constituição Federal.
Di Pietro (2019, p. 67) leciona que:
Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
Claro é que com a publicação dos atos, emerge a possibilidade de controle pelo povo, pois é evidente que só com o conhecimento de seus conteúdos é que se poderá exercer esse direito de controle. Além da questão da transparência e do controle, a publicidade dos atos confere eficácia aos mesmos, pois só a partir da sua devida publicação, é que o ato começará a produzir os seus efeitos.
Através do princípio da eficiência é imposto aos agentes públicos o dever de executar suas atribuições de modo mais eficiente possível, prestando desta forma, um serviço satisfatório aos seus usuários.
O princípio da eficiência impõe que o agente público desempenhe suas atividades estatais com maior agilidade, perfeição, qualidade e apontada pelas modernas técnicas administrativas. A eficiência assume duas divisões elementares: a primeira consiste em organizar e estruturar a máquina estatal com o objetivo de fazer com que ela fique mais racional de tal modo que as demandas da coletividade sejam alcançadas de forma mais aceitável e a segunda, é regular a atuação dos agentes públicos buscando que estes tenham um desempenho melhor a fim de atingirem os melhores resultados com uma menor proporção de custos envolvidos (MANSOLDO, 2009).
Para que isso ocorra, os serviços devem ser prestados de forma rápida, econômica, com zelo. Não há mais espaço para serviços de má qualidade, burocráticos, que se tornam verdadeiras inutilidades públicas, onerando o erário e prejudicando a sociedade. A Administração Pública deve sempre objetivar o interesse público.
Mais importante ainda se torna o princípio da eficiência, a partir do momento em que sendo um princípio basilar do direito administrativo, serve de apoio jurídico para que possa ser exigida pelos cidadãos, está eficiência da Administração Pública. A sociedade como um todo é quem custeia os serviços públicos, sendo assim, nada mais justo que haja um proceder eficiente por parte da Administração Pública para satisfazer suas necessidades com qualidade.
3 ANÁLISE SOB À ÓTICA DO ARTIGO 4° DA LEI 13.979/2020 E AS POSSÍVEIS FRAUDES
3.1 A PANDEMIA E A DISPENSA DA LICITAÇÃO
A Administração Pública é regida por um rol de princípios, princípios estes que agem em favor do interesse público, lidando da melhor forma com os bens e direitos coletivos, cumprindo as determinações que a Constituição Federal específica para essa administração, segundo o artigo 37 da Carta Magna, zelando pela legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, a saber:
“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]” (Artigo 37, CRFB/88).
Para tanto, protegendo esses princípios, a Constituição exige da administração pública que sejam realizadas licitações, facultando à mesma oportunidade para todos que se colocam na concorrência, cumprindo o princípio da legalidade, esclarecendo ao gestor público que o ato administrativo não deve estar submisso a sua vontade subjetiva, posto que deve cumprir a legislação, princípios da administração pública, regras e instrumentos próprios desta administração.
Hely Lopes Meirelles contribui com o entendimento sobre o princípio da legalidade, afirmando que a administração pública difere da privada, posto que “...enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei permite”, ou seja, no setor privado, não tendo lei que proíba, a organização particular pode realizar qualquer ação (MEIRELLES, 2016).
A palavra ‘’Licitação’’ possui origem latina, derivado de licitone, e comporta inúmeros significados que abrangem todas as modalidades do procedimento, ato ou efeito de licitar, com a oferta de lances em um leilão ou hasta pública. Possui os significados a mesma concepção de oferecer, arrematar, fazer preço sobre a coisa, disputar ou concorrer, venda por lances e objetiva à adjudicação do preço mais vantajoso para a Administração Pública (CRETELLA JÚNIOR, 2016, p. 49)
No que tange aos conceitos existem diversos teóricos e doutrinadores, todos com fartos detalhes sobre a temática do processo licitatório. Entre tantas conceitualizações, destacam-se algumas.
Segundo Cretella Júnior (2016, p. 49) a licitação:
Tem o sentido preciso e técnico de procedimento administrativo preliminar complexo, a que recorre a Administração quando, desejando celebrar contrato com o particular, referente a compras, vendas, obras, trabalhos ou serviços, seleciona, entre tantas propostas, a que melhor atende aos interesses público, baseando-se, para tanto em critério objetivo, fixado de antemão, em edital que se deu ampla publicidade.
De acordo com tal definição, a licitação é como um procedimento administrativo complexo, no qual a Administração terá que percorrer para realizar suas compras e contratações.
Meireles (2016, p. 274), por seu turno, explana que:
Licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Como procedimento desenvolve-se por meio de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, o que propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos.
Observa-se que a abrangência desse conceito, o qual traz a obrigatoriedade por parte da Administração de se utilizar do processo licitatório na seleção da proposta mais vantajosa.
A Administração e os licitantes têm seus atos vinculados ao procedimento e princípios Administrativos e Constitucionais, no qual sua inobservância por parte da Administração ocasiona que seus atos sejam eivados de ilegalidade.
Diante dessa vinculação ao procedimento licitatório para a Administração efetuar seus contratos, Gasparini (2017, p. 479), conceitua Licitação como:
Procedimento administrativo por meio do qual a pessoa a isso juridicamente obrigada, seleciona, em razão de critérios objetivos previamente estabelecidos, de interessados que tenham atendido à sua convocação, proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse.
Observa-se que a Administração, na busca pela proposta mais vantajosa, fica obrigada a observar critérios estabelecidos em Lei e vinculada ao ato convocatório, o Edital. Com isso, observa-se que o procedimento licitatório é formal e burocratizado, com fulcro de trazer legalidade ao comprar e contratações da Administração Pública.
Enquanto a organização pública somente pode fazer aquilo que existe dentro do texto legal, dentro do princípio de moralidade exigido do administrador público, que deve observar preceitos éticos, honestidade e boa-fé com o interesse público, o que já não ocorre a mesma cobrança para o administrador privado.
A Lei das Licitações é a Lei nº 8666, de 21 de junho de 1993, de âmbito nacional, criada para regulamentar o texto constitucional - inciso XXI do artigo 37, que instruíam as licitações e contratos na Administração Pública, assim estabelecendo normas gerais, que orientavam como deveriam ser celebrados as licitações e os contratos na administração pública, alcançando: obras, serviços, publicidade, compras, alienações e locações nas três esferas de governo (BRASIL, 1993).
Marçal Justen Filho esclarece que a referida lei determina que o contrato de terceiros para executar obras, serviços, publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações na Administração Pública, somente devem ser contratados mediante licitação, garantindo o princípio da isonomia, provando ser, entre as demais, aquela proposta mais vantajosa para a administração pública, e assim se consegue alcançar os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, além de também cumprir com os princípios correlatos (JUSTEN FILHO, 2016).
A Lei 8.666/ 1993 também previu penalidades contra ilícitos que tentem burlar suas determinações para o processo licitatório e os contratos administrativos, mas também indicava quais seriam as ocasiões de dispensa, como também inexigibilidade, da licitação na administração pública, alcançando os três poderes legislativo, executivo e judiciário, como também todas as esferas de governo: união, Distrito Federal, estados e municípios. Isso porque antes, o gestor tinha ampla discricionariedade, ensejando em espaço para corrupção.
A licitação é um procedimento instituído para que seja garantida a competição isonômica entre concorrentes que oferecem serviços, bens e obras à Administração Pública, da mesma forma para aquisição e alienação de bens. Entretanto, a própria lei disciplina casos em que a licitação é dispensável, ou mesmo inexigível, possibilitando à Administração Pública que possa realizar contratação direta com profissionais ou instituições, a fim de garantir condições de satisfazer da melhor forma as necessidades do serviço público.
José dos Santos Carvalho Filho (2018) ensina que a licitação dispensável está prevista no artigo 24 da Lei 8666 de 1993, onde descreve quais hipóteses a licitação, mesmo que juridicamente viável, pode ser dispensada pelo Gestor Público.
Já na hipótese de inexigibilidade, a licitação é inviável, porque algum tipo de fator impede que o certame garanta a competitividade.
Como bem disciplina Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
A diferença básica entre as duas hipóteses está no fato de que, na dispensa, há possibilidade de competição que justifique a licitação; de modo que a lei faculta a dispensa, que fica inserida na competência discricionária da Administração. Nos casos de inexigibilidade, não há possibilidade de competição, porque só existe um objeto ou uma pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitação é, portanto, inviável (DI PIETRO, 2019).
Celso Antônio Bandeira de Mello também localiza no artigo 24 da Lei 8666 de 1993 as hipóteses para que a licitação possa ser dispensada, destacando que serviços e compras de valor até R$ 8.000,00 (Oito Mil Reais) são os principais casos, entretanto, também existem casos em que a licitação se demonstra indesejável ou inviável, neste caso, torna o certame a inexigível (MELLO, 2016).
Quando se identifica que a licitação pode ser dispensada, a Administração Pública pode realizar a contratação direta de serviços, como afirma Jesse Torres Pereira Junior, pois o poder discricionário que o Gestor Público possui, permite que possa decidir em dispensar a licitação ou mesmo com a autorização de dispensa, decida realizar a licitação por entender que garantiria ganhos melhores para o interesse público (PEREIRA JÚNIOR, 2015)
É importante que se destaque que os cuidados que a licitação imprime para realizar um contrato ainda precisam ser respeitados, mesmo que a licitação seja dispensada. Como bem alerta Marçal Justem Filho, que entende o seguinte:
[...] os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação envolvem, na verdade, um procedimento especial e simplificado para seleção do contrato mais vantajoso para a Administração Pública. Há uma série ordenada de atos, colimando selecionar a melhor proposta e o contratante mais adequado. Ausência de licitação não significa desnecessidade de observar formalidades prévias (tais como verificação da necessidade e conveniência da contratação, disponibilidade recursos etc.). Devem ser observados os princípios fundamentais da atividade administrativa, buscando selecionar a melhor contratação possível, segundo os princípios da licitação (JUSTEN FILHO, 2016).
É importante que a Administração Pública quando decide pela dispensa da licitação possa explicitar os motivos que resultaram nesta decisão, fundamentando o ato de discricionariedade da forma mais detalhada possível, justificando porque a dispensa da licitação seria melhor para o interesse público, demonstrando as vantagens que seriam obtidas.
Nesse contexto adentra a necessidade de se esmiuçar a questão da pandemia. De uma forma geral, o coronavírus trata-se de agente infeccioso conhecido desde meados do século XX. No entanto, com diversas mutações desde então, surge o chamado “novo Coronavírus”, o qual é responsável pelo COVID-19, conhecido mundialmente desde dezembro de 2019. Tal patógeno poderá ocasionar sintomatologia diversas conforme os aspectos imunológicos da pessoa infectada. No entanto, é mais comum serem notadas alterações nas vias respiratórias, o que pode gerar grave pneumonia. Até o fechamento do presente estudo, a doença já matou 272.889 (duzentos e setenta e dois mil oitocentos e oitenta e nove) brasileiros, sendo que nesta quarta-feira (10 de março de 2021), o Brasil registrou 2.349 mortes em 24 horas, pior número desde o início da pandemia.
A Lei 13.979, de 6 fevereiro de 2020 surgiu com o fulcro de dispor sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus. Conforme o artigo 2º da referida lei, distingue as medidas de isolamento e quarentena. O aludido dispositivo, em linhas gerais, ressalta que o isolamento consiste na separação das pessoas contaminadas pelo vírus de outros, sem contaminação. Por sua vez, a quarentena consiste em ''restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes’’. A quarentena, desse modo, pode ser entendida de forma mais abrangente, na medida em que se refere à restrição das atividades do dia a dia além de separação de pessoas.
O artigo 3° da Lei n° 13.979/2020 preceitua as seguintes medidas para controlar a proliferação do vírus: I - isolamento; II - quarentena; III - determinação de realização compulsória de: a) exames médicos; b) testes laboratoriais; c) coleta de amostras clínicas; d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou e) tratamentos médicos específicos.
A dispensa de licitação é prevista no art. 4° da aludida lei, sendo, conforme o parágrafo único, dispensa de caráter provisório, enquanto durar a emergência de saúde pública decorrente do vírus. Eis o teor do dispositivo retromencionado:
Art. 4º É dispensável a licitação para aquisição ou contratação de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei
Trata-se de previsão emergencial na medida em que busca agilizar o processo licitatório em prol da saúde pública. No entanto, a despeito da importância em se tramitarem mais agilmente os processos licitatórios em prol da saúde e da vida das pessoas, não se pode olvidar a existência de fraudes em processos licitatórios, conforme se verá.
Via de regra, os contratos firmados pela administração com particulares por meio de licitações envolvem uma quantidade considerável de capital. Razão esta que faz surgir, cada vez mais, particulares e administradores que, movidos pela ganância, encontram formas de ganhar dinheiro fácil, fraudando licitações e favorecendo-se do erário público.
Nas palavras de Adilson Abreu Dallari:
A licitação tornou-se a maneira mais segura de fraudar a Administração, porque é perfeitamente possível manipular qualquer licitação, mediante requisitos de participação, características do produto ou critérios de julgamento injustificados e injustificáveis. Isso não ocorreria se prestasse mais atenção à lição de Renato Alessi: o procedimento administrativo tem uma fase preliminar de tomada de decisões que vão condicionar o desenvolvimento da fase principal, e essa fase preliminar é relevante para o controle da licitação. (DALLARI, 2015, p. 88)
A fase preliminar, da qual trata a citação acima, é de grande importância. Neste momento é que serão definidos os rumos que a licitação tomará, com a descrição de seu objeto dos recursos hábeis para a despesa. Tal fase deve primar pela probidade, boa-fé, isonomia e eficiência.
Há ainda o direcionamento, que consiste em direcionar a licitação. Existe neste tipo de fraude um conluio da empresa particular interessada na realização do contrato com os administradores responsáveis por realizar a licitação. Por se tratar de modalidade que não pode ser utilizada em contratações de grande valor econômico, o direcionamento não é tão utilizado como o direcionamento do edital (DALARI, 2015).
Tal fraude ocorre ao se incluir no edital das licitações exigências completamente impossíveis de satisfazer e, especialmente, que não têm relevância para o objeto que está sendo licitado. Tais exigências fazem com que as empresas interessadas na realização do contrato acabem desistindo de participar do certame, e, a única empresa a satisfazer a condição em tempo hábil conquista a licitação. Ou mesmo quando o detalhamento do objeto a ser contratado acaba por excluir todos os competidores deixando apenas um em reais condições de contratar. Um exemplo de como tal fraude pode ocorrer: A prefeitura de um determinado município precisa comprar massa de tomate e ervilhas para a merenda das creches municipais (MEIRELLES, 2016).
Por seu turno, o superfaturamento consiste na prática de se realizar o contrato por um valor muito acima do valor de mercado, onerando, assim, excessivamente a Administração e ferindo toda a função da licitação. José Cretella Júnior (2016, p. 76) define superfaturamento da seguinte maneira:
Superfaturamento é o pagamento de preços exorbitantes pelo Estado, em decorrência de obras, serviços ou fornecimento, cujo preço de mercado é muito inferior ao realmente entregue ao fornecedor ou ao prestador de serviços públicos, o que ocorre nos casos capitulados neste artigo e em todos os casos de dispensa. Comprovado o superfaturamento, respondem, solidariamente, pelos danos causados ao erário: a) o fornecedor; ou b) o prestador de serviço; e c) o agente público responsável, sem prejuízos de outras sanções legais cabíveis.
O superfaturamento configura-se pela simples elevação dos preços médios daquele serviço. Dessa forma, ele sempre costuma ocorrer atrelado a outras condutas fraudulentas, normalmente um direcionamento, uma simulação de concorrentes ou até mesmo por uma contratação direta que simule uma impossibilidade de licitar. O administrador fraudador em conluio com a empresa beneficiada por algum tipo de direcionamento, quando já têm garantido que esta sairá vencedora do certame, realizam o contrato por valor acima do mercado, sendo todo o este “lucro” convertido entre os agentes fraudadores.
Há ainda o cartel, o qual se trata de acordo explícito ou implícito entre concorrentes para, principalmente, combinar fixação de preços das ofertas, condições e critérios de qualidade e quantidade referentes à proposta, entrada, saída e impedimento de participação de concorrentes ou, por meio da ação coordenada entre os participantes, eliminar a concorrência e aumentar os preços dos produtos, obtendo maiores lucros, em prejuízo do erário público.
A prática de cartel configura crime contra a ordem econômica, estando previsto no art. 4º da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Da mesma forma, o cartel é, também, crime concorrencial e, portanto, infração econômico-penal. Nos termos do art. 21 da Lei n.º 8.884, de 11 de junho de 1.994. Muitas vezes a prática de cartéis acaba por tornar a Administração Pública refém das empresas que controlam determinada atividade econômica. Contudo, a Lei 8.666/93 disponibiliza à Administração instrumentos jurídicos que permitem um combate efetivo contra tais práticas fraudulentas.
Por sua vez, a simulação subjetiva, como se pode presumir, é a simulação da
existência de concorrentes interessados no certame. Esta pode se dar de duas maneiras, com a participação de empresas que não tem interesse algum na disputa ou com a utilização de empresas que não existem, “empresas fantasmas” (NIEBUHR, 2015).
Além da simulação quanto aos sujeitos integrantes do certame, anteriormente analisada, também existe a fraude quanto ao objeto a ser licitado, seja obra ou serviço. A tal prática dá-se o nome de simulação objetiva. Esta espécie de fraude normalmente ocorre conjuntamente com alguma prática de direcionamento da licitação.
Assim, fraudar o objeto da licitação é simular a contratação de determinado bem ou serviço quando na prática este não é prestado ou o é de forma parcial. Tal prática, infelizmente corriqueira, ocorre, geralmente, da seguinte forma: os agentes públicos fraudadores, com intuito de se beneficiar do erário público, simulam uma licitação em conluio com a empresa predeterminada a vencer o certame para a compra de determinado bem por um valor X. Terminado o certame é realizado o contrato, a empresa vencedora recebe o valor pela contratação, porém jamais cumpre com sua parte do contrato, ou a cumpre utilizando-se de matérias de menor qualidade e preço. Por fim, o “lucro” auferido com tal prática é dividido entre os fraudadores, ferindo de toda forma a finalidade para a qual aquele certame fora realizado.
Além das fraudes tratadas acima, importante apontar algumas condutas fraudulentas que possam existir, como por exemplo: a cobrança para não revogar a licitação, ocorre quando os agentes licitantes cobram propina da empresa vencedora para não revogar o certame, mesmo que este represente a melhor proposta; a cobrança para sair da disputa, um dos licitantes cobra de outro para desistir da disputa, propiciando assim a vitória deste; a simulação de causas de dispensa ou de inexigibilidade (já tratadas alhures); dentre outras.
A Lei nº. 8.429/92 em seu art. 10 e respectivos incisos, descreve as condutas que caracterizam o ato de improbidade administrativa de lesão ao erário, ou seja, qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º.
Para o legislador não importa a conduta ser omissiva ou comissiva, pois pode-se, intencionalmente ou não, causar lesão ao erário. Importante lembrar que a omissão administrativa pública significa mais do que um não fazer, representa um comportamento desconforme com a exigência legal de agir inerente ao dever da boa administração.
É nesse universo que vicejam as mais lesivas práticas ímprobas e se nega, frequentemente, os princípios constitucionais da Administração Pública. Sendo frustrada ou fraudando a licitação, o agente público também pratica crimes licitatórios, sujeitando-se ao respectivo processo penal, independentemente de responder pelo ato de improbidade, em ação civil. Todos os procedimentos licitatórios são promovidos e fiscalizados por comissão constituída para esse fim, naturalmente os delitos em tela ou são atribuíveis aos membros daquele colegiado ou a um competidor. Contudo, não se pode olvidar que outros agentes públicos, de hierarquia superior, têm a possibilidade de influenciar no procedimento e, como coautor direto ou autor mediato, cometa alguns desses crimes (SILVA, 2017).
Kerolaynn Greycy alerta que as penas previstas são de detenção e multa, tanto para o agente como também para aqueles que se envolveram no ilícito, causando prejuízo no certame, violando regras e princípios, causando prejuízo ao ente público, aos participantes do certame e por fim, ao interesse público e à coletividade. A lei observou o Código Penal Brasileiro como também a Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro (GREYCY, 2015).
Dayane Sanara de Matos Lustosa (2018) destaca que cabe ao Ministério Público promover uma Ação Penal Pública incondicionada, que pode ser iniciativa do Ministério Público, mas também pode ser iniciada por qualquer cidadão que possa comprovar o crime, porém não haverá forma culposa, somente o dolo por parte do autor da infração, podendo causar a perda do cargo, emprego ou mandato eletivo para o agente público que, comprovadamente, estiver envolvido no ilícito, considerando como servidor público aquele descrito no artigo 84 da Lei:
Artigo 84. Considera-se servidor público, para os fins desta Lei, aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público.
§ 1o Equipara-se a servidor público, para os fins desta Lei, quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, assim consideradas, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Público.
§ 2o A pena imposta será acrescida da terça parte, quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissão ou de função de confiança em órgão da Administração direta, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, fundação pública, ou outra entidade controlada direta ou indiretamente pelo Poder Público (BRASIL, 1993).
Celso Antônio Bandeira de Mello (2016) ensina que, apesar de haver diferenças com o artigo 327 do Código Penal Brasileiro, a Lei das Licitações traz no artigo 84 a denominação de servidor público, mas possui o mesmo significado de funcionário público do Código Penal, apesar de que amplia esse conceito, porque relaciona todas as entidades controladas, direta ou indiretamente, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Enquanto a Lei 8666 de 1993 regula toda responsabilidade penal contra ilícitos praticados em Licitações, Hely Lopes Meirelles lembra que o Decreto-Lei nº 201 de 1967 regula essas penalidades especificamente para crimes licitatórios praticados na Esfera Municipal (MEIRELLES, 2016).
Isto acaba criando certo conflito aparente de normas. O decreto-lei é um diploma específico dos crimes praticados na esfera municipal pois disciplina apenas sobre a responsabilidade de prefeitos e vereadores, mas a questão ainda não é pacífica nos tribunais superiores devido alguns elementos típicos da Lei 8666/ 1993 que prevalecem sobre os elementos gerais do referido Decreto-Lei, que melhor identificam o crime licitatório.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em sede de conclusão, entende-se que a Lei n° 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do COVID-19, é primordial para a salvaguarda da vida humana. No entanto, há o perigo latente da norma legal ser empregada com o fulcro de serem efetivadas tenebrosas transações.
Ressalta-se que um conhecimento técnico-científico sobre o sistema licitatório e sobre as condutas fraudulentas, com certeza, é a maneira mais efetiva para o combate destas, pois, desta forma é possível melhor identificá-las, distingui-las, preveni-las e, através dos mecanismos legais ao alcance de qualquer administrado, reprimi-las. Como exposto, a fraude se caracteriza pela conduta dissimulada que faz com que terceiros, que dela não participem, não consigam perceber a irregularidade e vejam aquele contrato de forma lícita.
A criatividade e ganância humana são imensuráveis, razão pela qual se torna impossível elencar todos os meios utilizados para se fraudar uma licitação. O que se pode fazer é, através de um estudo aprofundado sobre o tema, desenvolver meios de prevenção e detecção destes atos criminosos para, através dos dispositivos legais já postos, aplicar-se a devida repressão.
Feito tais considerações, passa-se agora a uma análise um pouco mais detalhada sobre algumas das formas mais corriqueiras de se burlar o procedimento licitatório. No ordenamento jurídico pátrio, há disposição de ferramentas muito eficazes para o exercício de um controle tanto interno, por parte da administração, quanto externo, por parte dos particulares interessados.
Contudo, para se evitar uma fraude a simples existência de tais ferramentas não basta, é necessário que estas sejam bem conhecidas e aplicadas tanto pelos órgãos públicos responsáveis por tais fiscalizações, Ministério Público e Tribunal de Contas, quanto por particulares. Dessa forma passa-se a um breve rol de condutas que, se realizadas de forma diligente e proba, podem ajudar a prevenir e identificar condutas fraudulentas por parte de agentes públicos e de particulares. O estatuto das licitações prevê a criação de uma comissão de licitação especial integrada por pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da matéria em exame, servidores públicos ou não.
Tal comissão deverá ser formada por, no mínimo, três membros, sendo pelo menos dois deles servidores qualificados pertencentes aos quadros permanentes dos órgãos da Administração responsáveis pela licitação, conforme está disposto no art. 51 da Lei. 8.666/93.
Uma vez seguida esta previsão legal, a comissão poderá zelar pela probidade do certame, desde seu início até a contratação final. Contudo, como já demonstrado anteriormente, muitas vezes os próprios agentes públicos são os responsáveis por condutas fraudulentas. Razão pela qual o §4° do art. 51 estabelece a investidura dos membros das comissões há um ano, vedando sua recondução para a mesma comissão no período subsequente.
Por fim, cabe aos Tribunais de Contas, além de realizar toda a fiscalização das contratações públicas, realizar a publicação de listas dos licitantes declarados inidôneos, de forma a possibilitar uma escolha mais vantajosa para a Administração.
Fica claro que possuímos instrumentos capazes de evitar as práticas anteriormente estudadas, contudo para que estas não se proliferam e passam impunes, a principal conduta preventiva é a fiscalização. Fiscalização esta que deve ser realizada pelos tribunais de contas, pelo Ministério Público, pelos membros das Comissões de Licitação e por todos os particulares interessados na licitação.
REFERÊNCIAS
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27 ed., São Paulo: Atlas, 2019.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade administrativa e crimes de prefeitos: comentários, artigo por artigo, da Lei nº. 8.429/92 e do DL 201/67. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
GREYCY, Kerolaynn. Dispensa e inexigibilidade de licitação, e seu aspecto criminal. 2015. Disponível em <http://kerocecilio.jusbrasil.c om.br/artig os/23 4305322/dispensa-e-inexigibilidade-de-licitacao-e-seu-aspecto-criminal>. Acesso em 3 mar. 2021.
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LUSTOSA, Dayane Sanara de Matos. Licitação: inexigibilidade x dispensa. Âmbito Jurídico, v. XIII, n. 76. Porto Alegre, mai., 2018. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7788>. Acesso em 27 fev. 2021.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2016.
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NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
PEREIRA JUNIOR, Jesse Torres. Comentários à Lei das licitações e contratações da administração pública. 8 ed. São Paulo: Renovar, 2015.
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Bacharelanda do Curso de Direito, Servidora Pública da Secretaria de Cidadania e Justiça do Estado do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Tania Lopes. Dispensa de licitação em períodos de pandemia: análise sob à ótica do artigo 4° da lei n° 13.979/2020 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 abr 2021, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56370/dispensa-de-licitao-em-perodos-de-pandemia-anlise-sob-tica-do-artigo-4-da-lei-n-13-979-2020. Acesso em: 22 nov 2024.
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