SUELANE DE LIMA ARAÚJO
(coautora)
RAIMUNDO OLIVEIRA FILHO
(orientador)
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo debater a redução da menoridade penal como tema central de verdadeira polêmica, que divide a opinião da população brasileira e dos estudiosos do direito. A mídia, a cada delito de repercussão envolvendo menores de 18 anos, defende que as leis penais brasileiras acerca da responsabilidade dos adolescentes são muito brandas e de que devem ser revistas, mas esquece de abordar as causas sociais do aumento da criminalidade, sobretudo, entre os infantes. A inimputabilidade penal dos menores de 18 anos é o principal alvo das críticas, que entendem que os jovens atualmente possuem um desenvolvimento mais precoce e que, muito antes dessa idade, já possuem capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se conforme este entendimento. A Constituição Federal também prevê essa idade como limite entre a aplicação do Código Penal e a legislação específica, qual seja o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90). O presente estudo se fundamenta em pesquisa aplicada, de caráter cientifico dedutivo, e com o método auxiliar comparativo, bem como o explicativo e, por se tratar de um tema polêmico e que permanece atual, trouxe em seu contexto fundamentos jurídicos para demostrar ao leitor de forma clara e coesa o entendimento majoritário de especialistas relacionados a temática objeto de estudo. O trabalho faz uma análise da legislação brasileira sobre o assunto, comparando-a à legislação portuguesa e espanhola e, ainda, com relação aos documentos das Nações Unidas sobre o tema. Em seguida, são abordadas as posições doutrinárias a respeito da diminuição da menoridade penal e há a tomada de posição a respeito dessa discussão.
Palavras-chaves: Menoridade penal. Imprensa. ECA-Estatuto da Criança e do Adolescente. Código Penal. Constituição Federal.
A discussão acerca da correta idade para a atribuição da imputabilidade penal vem à tona toda vez que ocorre a prática de um crime de grande repercussão e comoção social e que tem entre seus supostos autores envolvendo menores de 18 anos, a exemplo do caso do menino João Hélio (ocorrido no Rio de Janeiro, em fevereiro de 2007) e do casal Felipe Caffé e Liana Friedenbach (violentados e brutalmente assassinados em novembro de 2003, em São Paulo) (TORRES, 2019. p. 55).
O Código Penal brasileiro prevê, em seu artigo 27, que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, sendo que tal redação foi recepcionada pelo artigo 228 da Constituição Federal de 1988. A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, em seu artigo 1º, considera como criança toda pessoa humana com menos de 18 anos de idade, ressalvando, contudo, a possibilidade de os estados disporem de forma diferente, o que é feito por diversos países.
A Constituição Federal de 1988 prevê a aplicação da legislação especial, aos menores de 18 anos no cometimento de violação aos direitos de outrem, a Lei 8.069/1990, com a consequente aplicação ao menor-infrator entre 12 anos completos e 18 incompletos de “medidas sócio-educativas”, na forma do artigo 112. Por outro lado, aos menores de 12 anos, há apenas a aplicação das “medidas de proteção”, previstas nos arts. 98 e ss. do Estatuto.
A redução da maioridade penal tem sido discutida no Congresso Nacional (a exemplo das PECs 171/93, 018/99, 020/99, 003/01 e, mais recentemente, a 033/12) e a grande maioria da população brasileira (92,7%, segundo pesquisa CNT/MDA divulgada no dia 11/06/13) se manifestou a favor da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Segundo a pesquisa a mudança legislativa trona-se suficiente para reduzir o número de crimes praticados por menores de 18 anos, já que somente no Estado de São Paulo, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, corresponderam a 1% dos homicídios dolosos, 1,5% dos roubos e 2,6% dos latrocínios naquele Estado de janeiro a outubro de 2016 até dezembro de 2017 – ou servirá apenas de “legislação-àlibi” (NEVES, 2016, p. 321-330), demonstrando uma falsa sensação de ter-se solucionado um problema tão complexo.
A doutrina dominante diverge a respeito do tema e a mídia aproveita-se de crimes que possuam menores como supostos autores ou partícipes para exercer o papel de manipular a opinião pública, podendo provocar mais uma mudança legislativa (mais uma das 150 promovidas em 74 anos de vigência do Código Penal de 1940) que, além de não diminuir a criminalidade, poderá ter consequências muito graves, como inserir os menores de 18 anos no falido sistema prisional brasileiro (GOMES, 2017, p. 8).
Nesse cenário, surge a problemática: como muitas vezes a mídia divulga crimes envolvendo os menores de idade, será que ela trás a ideia positiva a população? Precisa de leis mais severas para diminuir a criminalidade entre os menores de idade?
O tema é socialmente importante porque faz uma abordagem baseada em leis, doutrinas, e jurisprudências no âmbito do Direito Penal, e do Estatuto da Criança e do Adolescente sobre a menoridade penal no Brasil.
Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo abrir um debate acerca do tema: Redução da Menoridade Penal no Brasil: Como paradigma de necessidade ou persistência do “populismo penal midiático”.
O presente estudo se fundamenta em pesquisa aplicada, de caráter cientifico dedutivo, e com o método auxiliar comparativo, bem como o explicativo e, por se tratar de um tema polêmico e que permanece atual, trouxe em seu contexto fundamentos jurídicos para demostrar ao leitor de forma clara e coesa o entendimento majoritário de especialistas relacionados a temática objeto de estudo.
Os resultados do estudo serão apresentados sobre a forma qualitativa, pois darão liberdade ao pesquisador de compreender a presença e as alterações dos aspectos que abrangem o tema.
Por se tratar também da técnica de revisão de literatura, os dados foram coletados através de levantamento bibliográfico, leis, súmulas, doutrinas, jurisprudências e artigos científicos já disponíveis na internet.
Este trabalho encontra-se assim dividido em três capítulos sendo: o Capítulo 1, aborda-se os aspectos das questões sociológicas a respeito do aumento da violência e sua relação com a menoridade penal até as condições precárias do sistema prisional brasileiro. O Capítulo 2, traz as questões dogmáticas até a legislação acerca do menor no Brasil: Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), e por fim, o Capítulo 3, traz à baila a posição dos doutrinadores que entendem não ser possível a redução, bem como a postura doutrinária majoritária respeitante ao objeto do presente estudo.
O aumento da violência decorre de diversos fatores, dentre os quais podemos citar as deficiências nas legislações penais e processuais, o aumento do desemprego, a desestruturação da família, a ineficiência do aparelho preventivo e do punitivo ressocializador do Estado, o sentimento de impunidade. (NEUHOLD, 1997). A imprensa divulga tal elevação e, na maioria das vezes, diante do temor social que tal fenômeno promove, a população acredita que só através de mudanças legislativas poderemos diminuí-la.
Discorrendo acerca do assunto e buscando desfazer certas “verdades enganosas”, Luiz Otávio de O. Amaral afirma que,
............não procede a alegação de que o adolescente de hoje recebe maior carga de informações do que o adolescente do início do século passado e, portanto, tem mais discernimento do que aquele. Se há, de fato, mais informações hoje, elas são mais quantitativas que qualitativas, ou seja, o jovem é mais bombardeado por informações mais deletérias que educativas e isso se verifica até no interior das escolas. A televisão e o computador têm sido veículos mais de malefícios que benefícios às nossas crianças e adolescentes, e são as principais companhias desses seres em formação. A família de hoje, por outro lado, tem sido mais pródiga em alienação e abandono (sentimental, intelectual, material) às crianças e adolescentes. Ao contrário do que muita gente diz, o adolescente brasileiro, como de resto a maioria da nossa população, tem sido alvo de um sistema econômico que está vitimando a todos e mais aos pobres e desvalidos. (AMARAL, 2016, p. 22)
O resultado do enfrentamento do tema quase exclusivamente levando-se em conta o aspecto repressivo do Estado é que, apesar das inúmeras reformas legislativas e do aumento do número de detentos, os índices de criminalidade não diminuíram, muito pelo contrário.
No Brasil, a educação não tem os investimentos de que necessita. Os menores que estão fora da escola (UNICEF, 2015, p. 3), tendem a ser mais propícios a envolver-se no mundo das drogas e da criminalidade. Há um ditado popular que diz “é melhor prevenir do que remediar” e o problema do menor infrator também segue essa regra.
Leciona Luiz Flávio Gomes que:
O Brasil tem taxa zero de prevenção (nenhuma política preventiva sistemática) e altíssimo grau de ineficiência da repressão. Do que precisamos? Não se trata de alterar o lado da repressão (que sabidamente não funciona bem), sim, colocar em pé de igualdade a prevenção e a repressão eficiente (pena justa, a mais suave possível, rápida, certa e infalível, como dizia Beccaria, em 1764). Essa solução jamais foi adotada pelas nações fracassadas e atrasadas (como o Brasil), cujas elites políticas e econômicas estúpidas seguem cegamente o capitalismo selvagem, extrativista e retrógrado. A solução para o progresso sustentável da juventude vem sendo dada pelos países do capitalismo evoluído e distributivo, ancorado na educação de qualidade para todos, na ética e no império da lei e do devido processo legal e proporcional, tal como o praticado, por exemplo, pela Coreia do Sul, que há três décadas colocou todas as crianças e adolescentes nas escolas (do jardim da infância à universidade), retirando-os totalmente das ruas, da criminalidade e do tráfico de drogas, para dar-lhes ensino de altíssima qualidade e refinada compreensão ética (da vida e do mundo). (GOMES, 2017, p. 3).
Contudo, muitos jovens estão fora da sala de aula por conta de que necessitam trabalhar para complementar a renda familiar, sobretudo nas áreas rurais e nas camadas mais pobres da população países (G1, 2017, p. 3). As dificuldades de transporte, a remuneração defasada dos docentes, a baixa qualidade da merenda escolar, enfim, a falta de estrutura da educação nacional, aliada ao conhecido desvio de dinheiro na área são responsáveis pelos resultados pífios do país, quando, por exemplo, há uma comparação do grau de aprendizado dos estudantes brasileiros com os de outros países.
Culturalmente, sempre se buscou exportar produtos com baixa tecnologia agregada e produzidos com mão de obra pouco especializada. Outros países que investiram em educação e tecnologia obtiveram resultados que mostram que estamos no caminho errado (GOMES, 2017, p. 4).
Atualmente, nos estudos mostram que, apesar do desemprego, os setores da economia que exigem trabalhadores qualificados possuem inúmeros postos de trabalho vagos, resultado direto da falta de investimentos em qualificação profissional.
Um dos papéis sociais da mídia (KEMPFER; TAMIOZZO, 2018, p. 168) é o de formar opinião. Contudo, o problema da criminalidade entre os menores de 18 anos está sendo abordado por esta, quase exclusivamente, através do apelo a mudanças legislativas como solução do problema, a exemplo do que já ocorreu diversas vezes.
Arraigou-se na opinião pública um pensamento de que os menores de 18 anos não são responsabilizados pelos delitos por eles cometidos. Porém, ressalta Marília Montenegro P. de Melo que:
a inimputabilidade penal dos menores de 18 anos não significa a impunidade desses adolescentes, apenas retira estes do campo do direito penal, dando a eles um direito próprio, que fornece às crianças e aos adolescentes uma proteção integral. Esta proteção não significa que o Estado-Juiz passará ‘a mão sobre a cabeça do menor’ e o isentará de qualquer responsabilidade, mas com o Estatuto da Criança e do Adolescente, estes deixarão de ser vistos de forma indeterminada, num falso paternalismo imposto pela legislação anterior (Código de Menores, Lei n º 6.679/79), passando a ser sujeito de direitos impostos por uma doutrina de proteção integral. Desta forma, os adolescentes infratores estão fora do procedimento criminal e do seu sancionamento pela Lei Penal, mas não estão fora do direito. (MELO, 2017, p. 8).
Há propostas de redução da maioridade tramitando no Congresso nacional e, a cada novo incidente criminal envolvendo menores como autores ou partícipes, a imprensa apresenta sua tese: “maioridade penal deve ser reduzida”, que, como vimos, é acatada pela maioria da população brasileira.
A legislação brasileira sobre o tema da criança e do adolescente (Lei 8.069/90 - ECA) é avançada, seguindo as normas internacionais sobre o assunto, a exemplo da “doutrina de proteção integral”, prevista na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989), na Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) e no artigo 227 da CF/88. (GOMES, 2017, p. 7).
Proporcionar ao menor saúde, educação, lazer, proteção familiar, etc., visando, assim, prevenir a sua inserção no mundo do crime.
Zaffaroni, discorrendo a respeito da chamada “criminologia midiática”, leciona que esta:
[...] cria a realidade de um mundo de pessoas decentes frente a uma massa de criminosos, identificada através de estereótipos que configuram um eles separado do resto da sociedade, por ser um conjunto de diferentes e maus. O eles da criminologia midiática incomodam, impedem de dormir com as portas e janelas abertas, perturbam as férias, ameaçam as crianças, sujam por todos os lados e por isso devem ser separados da sociedade, para deixamos viver tranquilos, sem medos, para resolver todos os nossos problemas. Para tanto, é necessário que a polícia nos proteja de suas ciladas perversas, sem qualquer obstáculo nem limite, porque nós somos limpos, puros e imaculados. (Zaffaroni, 2012, p. 307).
Porém, o legislativo brasileiro tende a seguir a opinião da maioria e segundo Alessandro Baratta, quando a política assume a forma de “espetáculo” (expressão de Zaffaroni),
[...] as decisões orientam-se não tanto no sentido de modificar a realidade, senão no de modificar a imagem da realidade nos espectadores: não tanto a satisfazer as reais necessidades e a vontade política dos cidadãos, senão a seguir a corrente da chamada opinião pública. [...] O déficit da tutela real de bens jurídicos é compensado pela criação, no público, de uma ilusão de segurança e de um sentimento de confiança no ordenamento e nas instituições, que tem uma base real cada vez mais escassa: com efeito, as normas continuam sendo violadas e a cifra negra das infrações permanece altíssima, enquanto as agências de controle penal seguem [iludindo] com tarefas instrumentais de impossível realização. (ZAFFARONI, 2012, p. 307).
Ainda a respeito do tema, leciona Édson Luís Baldan:
Infelizmente, um dos mecanismos que a sociedade individualista tem para lograr a minimização do risco é a ampliação do sentimento de perigo, nisso contando com o decisivo papel de uma mídia por vezes mais preocupada com o impacto das manchetes do que com a verdade abaixo delas. O alarde sobre único caso de morte pode ocultar à opinião pública. (BALDAN, 2018, p.12).
Por fim, quanto ao papel relegado ao Direito Penal nesse cenário, Zaffaroni afirma que:
No campo do Direito Penal, tivemos um movimento fundamentalista, um grande fanatismo religioso do segundo milênio, que foi o sistema repressivo penal. Acreditar no sistema penal, ter fé no sistema penal, é fanatismo religioso, não é religião. É uma patologia da religião. O Grande ídolo do segundo milênio é o sistema penal. [...] ninguém conhece as leis penais vigentes em nossos países, mas nossos políticos acham que somos bobos. Que vamos acreditar que, porque eles descrevem, num tipo penal, um problema social, esse problema social vai ficar resolvido. Como tenho no boletim oficial fato descrito como indesejável, o fato indesejável some da vida social. Mentira! Não some nada e complica-se tudo. (ZAFFARONI, 2013, p. 28).
Caso a maioridade penal fosse reduzida para 16 anos, qual seria o destino desse contingente de delinquentes juvenis? O sistema penal brasileiro seria capaz de absorvê-los?
A resposta a esta pergunta parece ser negativa (CNJ, 2017). O deficit carcerário brasileiro se dá, dentre outros motivos, pelo excessivo número de presos provisórios e pela morosidade da justiça.
Alterações legislativas, a exemplo da Lei 12.403/11, que alterou o artigo 310 do Código de Processo Penal, exigindo a manifestação fundamentada do juiz para a manutenção da prisão em flagrante (com sua conversão em prisão cautelar), buscam diminuir o contingente de presos provisórios. A criação das penas restritivas de direitos, da suspensão condicional da pena e da suspensão condicional do processo são outros exemplos de semelhante tentativa de diminuição, porém deve haver também a mudança da “seletividade penal (BATISTA, 2018, p. 3)” do sistema prisional brasileiro, que acaba por inserir nele, na imensa maioria das vezes, apenas as pessoas “excluídas.”
Investimentos em construções, e manutenção adequada de presídios se mostram importantes, mas mudanças sociais, como o acesso à saúde, educação, emprego, moradia, segurança, adotando-se, enfim, a tese da prevenção eficaz parece apresentar resultados mais satisfativos.
Tendo-se o menor de 18 anos como “pessoa em desenvolvimento”, colocá-la em tais ambientes seria reduzir, ainda mais, suas poucas chances de ressocialização.
Sabe-se que os centros de internação, em certos aspectos, não diferem de maneira significativa do sistema carcerário comum, contudo aqui, concordamos com NUCCI ao afirmar que: “dos males o menor.” (NUCCI, 2016. p. 99).
A teoria do delito, segundo a melhor doutrina, divide o crime em três elementos ou substratos: a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade (BRANDÃO, 2018, p. 220). Temos que esta última, segundo a teoria normativo-pura (divisão consagrada também pela teoria limitada, adotada pelo Código Penal) divide-se, por sua vez em imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Resta-nos discorrer acerca da imputabilidade, elemento da culpabilidade no qual a discussão acerca da maioridade penal deve ser inserida.
Dentre os critérios adotados para a definição da inimputabilidade, destaca-se o critério biológico, através do qual é desconsiderada a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Seria tal sistema utilizado para o caso de definir uma idade (MELO, 2017, p. 8) a partir da qual poderia ser imputada uma sanção de natureza penal. Tal adoção, como já foi analisada anteriormente, tratou-se de uma medida de política criminal.
Quanto ao conceito de Imputabilidade, leciona Cláudio Brandão que:
Para que se faça um juízo de reprovação pessoal sobre o sujeito, é necessário que ele seja capaz. A capacidade de culpabilidade é chamada de imputabilidade. Portanto, a imputabilidade é o conjunto de qualidades pessoais que possibilitam a censura pessoal. O sujeito imputável é aquele capaz de alcançar a exata representação de sua conduta e agir com plena liberdade de entendimento e vontade. (BRANDÃO, 2018, p. 220).
Discorrendo acerca do tema, Zaffaroni afirma que a imputabilidade possui dois níveis:
Um que deve ser considerado como a capacidade de entender a ilicitude, e outro que consiste na capacidade para adequar a conduta a esta compreensão. Quando faltar a primeira, não haverá culpabilidade por ausência da possibilidade exigível de compreensão da antijuridicidade; quando faltar a segunda, estaremos diante de uma hipótese de estreitamento do âmbito de autodeterminação do sujeito, neste caso, por urna circunstância que provém de sua própria incapacidade psíquica. ( ZAFFARONI, 2012, p. 540).
O nosso Código Penal não deu um conceito de imputabilidade, preferindo definir os casos em que há inimputabilidade, como se observa da leitura do seu artigo 26, abaixo:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Assevera Greco (2015), que a “prova da menoridade penal deve ser feita por certidão de nascimento expedida pelo registro civil ou documento que lhe substitua, a exemplo da carteira de identidade”.
O artigo 60, §4º da CF/88 impede que haja proposta de Emenda Constitucional que seja tendente a abolir certos conteúdos dispostos ao longo do texto da Carta Magna. Dentre tais matérias, chamadas pela doutrina de “Cláusulas Pétreas” há os direitos e garantias individuais. (OLIVEIRA, 2017, p. 34).
Estes se encontram concentrados no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, porém, conforme já se posicionou o Supremo Tribunal Federal (ADI 939/DF), corroborando respeitosa doutrina nacional, tal dispositivo não traz um rol exaustivo, estando eles também dispersos em outros dispositivos constitucionais. Interessa ao objeto desse estudo a discussão acerca de ser a idade de 18 anos, prevista no artigo 228 da Constituição há autores que defendem que a idade de 18 anos poderia ser diminuída por Emenda Constitucional. (DANTAS, 2019, p. 233).
Como exemplo, tem-se que, para Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2017), “timbra o texto, no art. 228, em consagrar a inimputabilidade penal do menor de dezoito anos. É incoerente esta previsão se recordar que o direito de votar – maioridade política – pode ser alcançado aos dezesseis anos [...]”
Pedro Lenza, por sua vez, leciona que,
embora parte da doutrina assim entenda, a nossa posição é no sentido de ser perfeitamente possível a redução de 18 para 16 anos, uma vez que apenas não se admite a proposta de emenda (PEC) tendente a abolir direito e garantia individual. Isso não significa como já interpretou o STF, que a matéria não possa ser modificada. Reduzindo a maioridade penal de 18 para 16 anos, o direito à inimputabilidade, visto como garantia fundamental, não deixará de existir. (LENZA, 2017, p. 141).
Por outro lado, para Alexandre de Moraes, assim prelecionada:
entende-se impossível essa hipótese, por se tratar a inimputabilidade penal, prevista no art. 228 da Constituição Federal, de verdadeira garantia individual da criança e do adolescente em não serem submetidos à persecução penal em juízo, tampouco poderem ser responsabilizados criminalmente, com consequente aplicação de sanção penal. (MORAES, 2016, p. 258).
Alexandre de Morais da Rosa (2016), também entende pela impossibilidade de modificação da idade de imputabilidade penal, pois, desta forma, estaria violada a “proibição de retrocesso social”.
Posição interessante é a de Marcelo Novelino que:
apesar de considerarmos a inimputabilidade do menor de 18 anos como uma cláusula pétrea, a nosso ver isso não significa a impossibilidade de uma futura redução do limite etário por meio de emenda (sic), desde que seja para uma idade razoável na qual o indivíduo reúna plena capacidade de responder por seus atos. Isso porque, desse modo, restaria preservado o ‘núcleo essencial’ desta garantia individual. (NOVELINO, 2012, p. 73).
Percebe-se a divergência doutrinária sobre o tema. Adotamos, contudo, a segunda opinião, tendo em vista a posição do STF sobre a existência de direitos individuais em outros dispositivos além do artigo 5º da CRFB/88 e, dessa forma, qualquer redução no alcance de tal norma, por se tratar de cláusula pétrea, não seria possível, salvo no caso de se tratar de obra do Poder Constituinte originário, ou seja, com uma nova Constituição.
Quanto a este tópico, será pertinente dividi-lo em dois subtópicos para, inicialmente, discorrer acerca dos documentos internacionais que buscam dar homogeneidade à proteção das crianças e adolescentes e impelir os Estados-partes a implementar suas diretrizes.
Em seguida, será analisada a legislação penal e aquela relativa ao tema criança e adolescentes de dois países europeus, Portugal e Espanha.
Tais países foram escolhidos, primeiro pela proximidade da língua; segundo, pelas reformas penais relativamente recentes (ambos possuem um Código Penal atual criado em 1995) e, por fim, pela diferença com que tais países abordam a idade em que tais normas penais começam a ser aplicadas, ou seja, a menoridade penal.
3.3.1 Normas internacionais acerca da proteção às crianças e adolescentes
Na evolução histórica sobre o tema, notou-se uma mudança de perspectiva, pois a criança deixou de ser considerada como objeto de proteção, passando a ser vista como sujeito de direitos. (Convenção dos Direito Humanos, 1989).
Nessa guinada, cumpre observar a existência, baseado nas lições de Gustavo Ferraz de Campos Mônaco (2017), de dois sistemas de proteção: o homogêneo e o heterogêneo.
No sistema homogêneo, buscou-se a tutela dos direitos de todos os seres humanos e, nesse contexto universal, faz-se também menção à proteção dos direitos humanos das crianças.
Desta ordem, podem ser citados, segundo Jacob Dolinger:
a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 (arts. 25 e 26), o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, sociais e culturais, de 1966 (arts.10 (3), 12 (2) (a) e 13 (1), além das Convenções Européia, Americana e Africana de Direitos Humanos. (DOLINGER, 2013, p. 85).
Por outro lado, no sistema heterogêneo de proteção, destaca-se certa parcela da sociedade, merecedora de especial atenção, por conta de um motivo razoável e suficiente que justifique o tratamento diferenciado (BOBBIO, 1992, p. 62), a exemplo da legislação protetiva dos idosos, das mulheres e dos menores de idade. Contudo, adverte ROSSATO:
para tanto, não é bastante que o grupo de seres humanos seja tachado de minoritário, sem prejuízo a que este também seja tutelado pelo sistema heterogêneo. O que justifica a heterogeneidade é uma situação de hipossuficiência, percebida num grupo carecedor de cuidados especiais e, por isso, credor de proteção especial, tal como ocorre com as crianças. (grifos no original) (ROSSATO, 2017, p. 53).
Nessa modalidade de conjunto de normas protetivas, destacam-se as Convenções da OIT, que pregaram, dentre outras, proibição de trabalho noturno aos menores de 18 anos e a definição da idade mínima de 14 anos para o trabalho na indústria; a Declaração de Genebra– Carta da Liga sobre a criança de 1924 -, o “primeiro documento de caráter amplo e genérico em relação à criança e as regras mínimas das Nações Unidas para a administração da Justiça da Infância e da juventude – Regras de Beijing-, (RIBEIRO, 2017, p. 1) por meio das quais foi feito um esboço do que seriam as diretrizes para a criação do chamado Sistema de Justiça da Infância e da Juventude, sendo ela,
concedida como parte integrante do processo de desenvolvimento nacional de cada país e deverá ser administrada no marco geral de justiça social para todos os jovens, de maneira que contribua ao mesmo tempo para a sua proteção e para a manutenção da paz e da ordem na sociedade. (DHNET, 2017, p. 3).
Temos, ainda, a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, destacando-se como o “tratado internacional de proteção de direitos humanos com o mais elevado número de ratificações.” (ROSSATO, 2017, p. 61).
Leciona Rossato que, por meio de tal Convenção, “adota-se o critério do Best interests of the child – interesse maior da criança.” Continua tal doutrinador afirmando que,
foi estabelecida pela Convenção a existência do Comitê sobre os Direitos da Criança, criado no ano de 1991, com a finalidade de acompanhar a implementação da convenção (sic), sendo por ele destacados quatro artigos da Convenção que podem ser erigidos a pilares do diploma: I) princípio da não discriminação – art. 2º, II) princípio da observância dos melhores interesses da criança – art. 3º,III) princípio do direito à vida e à sobrevivência – art. 6º e IV) princípio do direito a expressar sua opinião – art. 12. (ROSSATO, 2017, p. 62).
É por meio de tal Convenção (artigo 1) que se recomenda que a maioridade penal seja alcançada apenas aos 18 anos de idade, contudo tal diploma não faz a distinção criança/adolescente, considerando criança todo ser humano menor de 18 anos. Respeita, ainda, a legislação de cada Estado-parte, que pode dispor na sua legislação nacional de maneira diversa, apesar de, na maioria deles, prevalecer à idade sugerida pela Convenção.
Em 19 de dezembro de 2011, a Assembleia-Geral da ONU cria um novo Protocolo à presente Convenção, permitindo às crianças recorrer por meio de petições individuais ao Comitê de Direitos das Crianças das Nações Unidas “sempre que não tiverem seus direitos garantidos pelas justiças de seus países, ou seja, sempre que após a provocação das jurisdições domésticas restarem esgotadas as instâncias internas sem qualquer resultado prático positivo” (ROSSATO, 2017, p. 62), sendo um importante avanço na legislação internacional a respeito do tema de forma a impor aos Estados- partes o respeito a suas diretrizes. (RIBEIRO, 2017, p. 1).
Por fim, a análise de tais Convenções e Tratados internacionais se mostra importante, por conta do que dispõe o §3º do artigo 5º da CF/88, que prevê a possibilidade de que, caso sejam aprovados mediante procedimento idêntico ao das emendas constitucionais (BRASIL, 1988), serão a elas equivalentes.
Por outro lado, o Supremo reconheceu, no RE 466.343/SP e no HC 87.585/TO, por maioria de votos, que os tratados sobre direitos humanos aprovados antes da inclusão de tal parágrafo ao artigo 5º teriam status supralegal (PIOVESAN, 2016, p. 3), ou seja, estariam hierarquicamente abaixo da Constituição, mas acima de toda a legislação infraconstitucional.
3.3.2 Análise da legislação espanhola e da portuguesa a respeito do tema da maioridade penal aplicadas aos menores de idade
O Código Penal Espanhol (BOE, 1995), prevê a maioridade penal aos 18 anos, deixando que legislação independente disponha acerca da responsabilidade por atos delituosos praticados por menores dessa idade. (PRADO, 2017. p. 55).
Dessa forma, foi criada a Lei Orgânica 5/2000 (BOE, 1995), que veio a dispor acerca da responsabilidade dos menores de 18 e maiores de 14 anos por infrações aos dispositivos do Código penal espanhol ou de sua legislação penal extravagante. (PIOVESAN, 2016, p. 7).
Quanto aos menores de 14 anos, esta lei prevê que não serão responsabilizadas por ela, sendo aplicáveis a eles as normas de proteção aos menores previstas no Código Civil e demais disposições vigentes.
Entre as medidas impostas pela Lei Orgânica 5/2000 na responsabilização penal dos menores, destacam-se o internamento - nos regimes fechado, semiaberto e aberto – além do internamento terapêutico ou tratamento ambulatorial, para aqueles que possuem anomalias psíquicas, ou, ainda, prestação de serviços à comunidade. (PIOVESAN, 2016, p. 10).
Impulsionado por reclamos populares por conta do aumento da criminalidade neste setor e buscando um recrudescimento do tratamento penal dado aos menores de idade, o governo espanhol modificou a legislação relativa aos menores infratores (BOE, 1995).
Aumentou de cinco para oito anos o tempo máximo de internação no regime fechado, havendo, ainda, a possibilidade de o juiz de menores, ouvido o Ministério Público, o advogado do menor, a equipe técnica e a entidade pública de proteção e reforma de menores, possa, mediante auto motivado, transferir o menor de 18 anos que cumpra pena de internamento em regime fechado a um centro penitenciário do regime prisional de adultos, caso complete tal idade sem finalizar o cumprimento da pena imposta na legislação de menores.
Por outro lado, o Código Penal Português (PGDL 1995) em seu artigo 19, prevê que são inimputáveis os menores de 16 anos, ao passo que, segundo o artigo 9º do mesmo diploma, os maiores de 16 e menores de 21 anos ficam sujeitos às normas previstas em legislação especial. (DOLINGER, 2013, p. 86).
Observa-se, então, que o direito português disciplina o tema de duas maneiras: os menores de 16 anos são inimputáveis, aplicando-se àqueles entre 12 e 16 anos a chamada Lei Tutelar Educativa (PGDL 1995); aos maiores de 16 e menores de 21 anos, aplica-se o chamado Regime dos Jovens Adultos. (DOLINGER, 2013, p. 88).
A Lei Tutelar Educativa qual, semelhante ao nosso Estatuto da Criança e do Adolescente, prevê que a pratica de um fato criminoso pelo menor (entre 12 e 16 anos, repita-se), enseja a aplicação de “medida tutelar educativa”, as quais “visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade” Dentre tais medidas, destacam-se o acompanhamento educativo e o internamento em centro educativo, esta última pode se dar nos regimes aberto, semiaberto e fechado, sendo o tempo máximo de três anos para este último regime. (COUTO, 2018, p. 9).
Quanto aos maiores de 16 e menores de 21 anos, o DL nº 401/82, dispõe que a eles aplica-se, subsidiariamente, o Código Penal Português, prevendo o Regime dos Jovens Adultos causas de atenuação da pena de prisão, a aplicação de “medidas de correção” – dentre as quais o internamento em centros de detenção, pelo prazo de até 6 meses. (COUTO, 2018, p. 9).
Criança de 1989, menos de um ano depois da promulgação da CF/88, surge a Lei 8.069/90, que busca reconhecer direitos e garantias às crianças e adolescentes, com base na doutrina da proteção integral, e destacar sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, merecedora, portanto, de um sistema específico de regulamentação e promoção. Proporcionar esse intento, ou seja, colocar os infantes a salvo de qualquer forma de discriminação, violência, exploração, etc. e promover o alcance dos direitos a eles estabelecido, pela CRFB/88 e da legislação internacional sobre direitos humanos, é dever da família, da sociedade e do Estado (TAVARES, 2015, apud MELO, 2017, p. 18-23).
Relativamente à doutrina da proteção integral, leciona Marília Montenegro P. de Melo que ela,
não se limita à proteção e à vigilância dos menores, mas busca promover e defender todos os direitos de todas as crianças e adolescentes, abrangendo a sobrevivência (vida, saúde, alimentação), o desenvolvimento pessoal e social (educação, cultura, lazer e profissionalização) e a integridade física, psicológica e moral (respeito, dignidade, liberdade e convivência familiar e comunitária) além de colocá-los a salvo de todas as formas de situação de risco pessoal e social (negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão). (MELO, 2017, p. 18).
Ao discorrer acerca do artigo 227 da CRFB/88, ROSSATO afirma que tal Dispositivo:
representa o metaprincípio da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente, tendo como destinatários da norma a família, a sociedade e o Estado. Pretende, pois, que a família se responsabilize pela manutenção da integridade física e psíquica, a sociedade pela convivência coletiva harmônica, e o Estado pelo constante incentivo à criação de políticas públicas. (grifos no original). (ROSSATO, 2017, p. 74).
Contudo, apesar de entender a importância do estudo do Estatuto como um todo, mostra-se mais consentâneo aos objetivos desta obra restringir-se apenas à análise das chamadas medidas sócio-educativas, sem esquecer, contudo, que estas dever ser aplicadas obedecendo aos princípios trazidos pelo parágrafo único do artigo 100 desse diploma legal. (ROSSATO, 2018, p. 375-377).
O Estatuto considera criança a pessoa de até 12 anos incompletos, e adolescentes aqueles que possuem mais de 12 e menos de 18 anos de idade. As primeiras serão apenas aplicadas apenas as chamadas medidas de proteção (ROSSATO, 2014, p, 315). Por outro lado, aos segundos, são aplicadas tanto as medidas protetivas quanto as denominadas medidas sócias educativas (MELLO, 2017, p. 4).
Estas últimas encontram-se disciplinadas a partir do artigo 112 do ECA. Contudo, antes de analisá-las, impende destacar que todas as garantias penais e processuais penais aplicáveis aos adultos, a exemplo do princípio da reserva legal, das excludentes de ilicitude, do princípio da insignificância (STF, 2001), da garantia de ampla defesa e do contraditório, etc. são dirigidas, e com maior intensidade, também aos menores infratores. (CERQUEIRA, 2017, p. 41).
Isso ocorre por conta de que se abandonou a doutrina da Teoria da Situação Irregular, prevista no Código de Menores de 1979, passando estes, após a edição da CRFB/88 e do Estatuto, a serem considerados sujeitos de direitos, amparados pelos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, e não meros objetos de interesse, como eram tratados na legislação de menores anterior à lei 8.069/90.
As medidas socioeducativas à disposição do juiz da Vara da Infância e Juventude estão previstas, ao contrário do que dispunha o Código de Menores de 1979, no artigo 112 do Estatuto, em rol taxativo. Dentre estas medidas (ROSSATO, 2017, p, 315), destacam-se a de inserção em regime de semiliberdade e a de internação em estabelecimento prisional.
Ambas as medidas restringem (ou privam, no caso da internação) a liberdade do adolescente e devem ser submetidas aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição de pessoa em desenvolvimento, apesar de vierem tais princípios expressos apenas em relação à medida de internação (artigo 121 do ECA). (BRASIL, 1990).
A medida de semiliberdade, que pode ser aplicada na sentença da ação socioeducativa ou como forma de transição para o meio aberto, não possui prazo determinado, mas, como a ela são aplicadas as regras da internação, apenas pode perdurar por três anos, cessando automaticamente com a idade de 21 anos.
Há a previsão de atividades externas, tais como a frequência à escola, cursos de profissionalização, utilizando-se dos recursos da comunidade (ROSSATO, 2017, p, 315), e sendo acompanhados pela entidade de atendimento ao menor, responsável por apresentar relatórios dos trabalhos desenvolvidos e do comportamento do adolescente ao juiz responsável pela execução da medida.
Quanto à medida de internação, apenas pode ser imposta nas hipóteses taxativas previstas pelo art. 122 do Estatuto. Segundo a doutrina (ROSSATO, 2017, p, 365–373), tal dispositivo as divide em duas espécies:
a) a primeira delas será aplicada quando restarem comprovados, mediante sentença, a autoria e materialidade do ato infracional, cometido com violência ou grave ameaça a pessoa ou em caso de cometimento reiterado de outras infrações graves e se demonstrar a necessidade e adequação da medida para a ressocialização do menor infrator. Será sujeita a prazo indeterminado, porém limitado a três anos, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, a cada 6 meses, a teor do artigo 121 do ECA;
b) a segunda será imposta no caso de descumprimento reiterado e injustificado de medida anteriormente imposta, a teor do art. 122, III do ECA. (BRASIL, 1990). Terá prazo limitado a três meses, sendo decretada pelo juízo da execução, tendo em vista que o adolescente já estava cumprindo medida(s) socioeducativa(s) anterior(es). (NEVES, 2018, p. 321).
A internação será cumprida em estabelecimento destinado exclusivamente para adolescentes infratores, havendo rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. Os direitos do adolescente privado de liberdade, que muito se assemelham aos previstos nos arts. 40 e ss. da LEP (lei 7.210/84), estão previstos no artigo 124 do Estatuto, em rol exemplificativo. (BRASIL, 1984).
Nessa parte do estudo, será realizada uma análise de duas posições doutrinárias a respeito da redução da menoridade penal.
A primeira delas corresponde à opinião da maioria da população brasileira, como foi exposto nas pesquisas apresentadas no segundo capítulo desta obra. “A segunda baseia-se na ideia de que tal idade consta em cláusula pétrea e, por estar prevista ainda em Tratados internacionais sobre direitos humanos, não poderia ser rebaixada, nem mesmo em uma nova Constituição”. (MELO, 2017, p. 25).
Em seguida, no próximo capítulo, tentaremos construir uma forma de enfrentar o assunto, sem esquecer a complexidade apresentada e que, nesses casos, não se pode, simplesmente, apresentar uma “solução mágica”, que possa obter unanimidade de todos (estudiosos, ou não) a respeito do tema.
Os argumentos a favor da diminuição da maioridade são os mais diversos. Há os que entendem que não se pode comparar o adolescente de hoje, que possui maior acesso à informação e desenvolve sua capacidade de entender o caráter criminoso de sua conduta e de determinar-se de acordo com esse entendimento de maneira mais precoce, com aquele da década de 40, época em que o artigo 27 do Código Penal foi criado. (CERQUEIRA, 2017, p. 41).
Outros entendem que deveria haver uma equiparação entre a “maioridade eleitoral” (aos 16 anos) e a penal. Com 16 anos, o adolescente poderia escolher os rumos políticos de seu município, estado ou país, mas não seria responsável penalmente por seus atos.
Há, ainda, o papel da mídia, que incute na população um sentimento de impunidade em relação ao menor de 18 anos, considerando que, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, no máximo, o menor infrator sofrerá três anos de medidas socioeducativas e estará na rua, pronto e mais experiente para delinquir novamente.
Existem doutrinadores de escola que defendem a redução da maioridade. (CERQUEIRA, 2017, p. 41). Iremos trazer aqui as ideias de alguns doutrinadores e de dois parlamentares federais sobre o do assunto.
Para Fernando Capez,
existe um a realidade para a qual estamos “vendando” nossos olhos, ou seja, o Estado vem concedendo “carta branca” para que os indivíduos de 16, 17 anos, com plena capacidade de entendimento e volição, pratiquem atos atrozes, bárbaros, pela falta da devida punição, garantindo-se, assim, o direito de matar, estuprar, traficar, de ser bárbaro, atroz. Por outro lado, ainda que se tome em consideração aspectos da realidade educacional e a omissão do Estado em prover orientação adequada para os jovens, a redução da maioridade penal é medida justa. Ora, se ponderarmos sobre esses fatores, aquele que pratica um crime com 18, 20 ou 21 anos o fez, também, pela falta de oportunidade de emprego, estudo, etc. (CAPEZ, 2016, p. 37).
Já Kiyoshi Harada (2017, p. 38), primeiramente combate à ideia de que a menoridade penal seria imutável e, em seguida, Maria Garcia (2018, p. 55), defende que seja ela realizada, mas sem esquecer das características peculiares dos menores infratores.
Posição mais radical assume Palhares Moreira Reis para quem,
em determinados países da Europa, o limite da consideração do discernimento para a imputação penal é de 10 anos. Como no Brasil, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o limite etário entre essas duas categorias está na idade de 12 anos, em nosso entender este é o limite que se deve estabelecer para a imputabilidade, como ocorre em países mais desenvolvidos. (REIS, 2017, p.14).
Por fim, para Roberto de Lucena, Deputado Federal pelo PV de São Paulo,
o ideal parece ser promover a redução da maioridade penal em relação a crimes específicos, como o tráfico de drogas, homicídio, estupro, latrocínio e outros tipos penais graves, estabelecendo como 14 anos a idade a partir da qual o sujeito é penalmente responsável pelos seus atos. A pena seria a mesma imposta ao maior de 18 anos. Essa redução, todavia, precisa ser feita com a adoção prévia de algumas medidas, como a construção de presídios separados para abrigar adolescentes em conflito com a lei, porque essas pessoas demandam clausura diferenciada. Não se pode entregá-los à custodia dos experientes criminosos que habitam os presídios brasileiros. Reduzir a maioridade penal e colocar um jovem de 15 anos em contato com presos já desvirtuados pelo sistema seria propiciar a ele um ‘doutorado do crime. (LUCENA, 2013, p. 25).
Por outro lado, a maioria da doutrina - seja de constitucionalistas seja de penalistas ou, ainda, de sociedades protetoras dos direitos das crianças e adolescentes – é contraria a redução da menoridade penal.
O argumento de que os adolescentes alcançam a maturidade de forma mais precoce do que quando a previsão do Código Penal de 1940 não prospera, pois diplomas penais mais modernos adotam essa idade, que também foi adotada na Convenção sobre os direitos da Criança e do Adolescente de 1989 e na Constituição Federal de 1988.
Quanto ao fato de que o indivíduo com dezesseis anos pode votar, tem-se que o voto entre os 16 e os 18 anos é facultativo, além do que não dá o direito de ser votado. Tal direito seria apenas “uma prática incentivadora e aceleradora da cidadania ativa, jamais demonstração de maturidade suficiente para a imputabilidade penal.” (AMARAL, 2016, p. 23).
Relativamente ao argumento de que haveria impunidade do menor infrator, já foi comentado acima que não se deve confundir inimputabilidade com impunidade. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a aplicação de medidas socioeducativas aos adolescentes que, muitas vezes, podem ser mais severas do que as aplicadas aos adultos. (MELO, 2017, p. 91–93).
Da mesma forma que em que se trabalhou o tema no item anterior, iremos trazer à discussão argumentos de estudiosos sobre o assunto.
Primeiramente, abordando a impossibilidade constitucional da redução da menoridade penal, afirma que:
de fato, entende-se serem inconstitucionais eventuais propostas de emenda constitucional que tenham por intuito reduzir a maioridade penal, pois atingem direito fundamental de adolescente que, segundo a tese dos direitos análogos, apesar de não se constituir em um direito individual formal (por não constar expressamente no rol do art. 5º da CF), goza da proteção de cláusula pétrea, conforme disposição no art. 60, §4º, IV da CF. Nesse sentido, o atingimento da imputabilidade penal somente aos 18 anos de idade é garantia individual material, pois representa uma liberdade negativa em face do Estado. (ROSSATO, 2018, p. 326).
Rogério Greco, procurando demonstrar o lado complexo do problema e que soluções simplórias como aquela realizada apenas na legislação penal não o resolveriam, afirma que:
ao invés de adotar políticas sociais coerentes, deixamos de lado o Estado Social, e passamos a adotar um Estado Penal, mesmo sabendo da carga simbólica deste último. [...] é mais conveniente ao Estado punir, seletivamente, o miserável (porque será ele que continuará a frequentar nossos cárceres), do que programar políticas públicas dignas de um Estado Democrático de Direito. [...] o discurso da redução da maioridade penal, além de não resolver o problema do aumento da criminalidade, somente abarrotará, ainda mais, nosso sistema prisional. (GRECO, 2015, p. 31).
Abordando também a questão da criminalidade em outros países que adotam a imputabilidade penal em idade inferior à nossa, Luiz Otávio do O. Amaral conclui:
a redução da idade penal não fez diminuir a criminalidade nos poucos países em que foi adotada, assim como a pena de morte. É que o criminoso não age segundo essa lógica intimidatória, não o criminoso que nos assusta a todos, os ‘profissionais’ do crime (criminoso por opção de vida), raramente tem o efeito intimidatório da pena, ainda que a mais cruel, interfere no ato ou momento irracional dos que cometem crime por deslizes eventuais ou passionais, daí a utilidade reduzidíssima da pena tão só intimidatória. Se a mera punição de crianças e jovens fosse verdadeiramente fator de contenção ao crime, os Estados Unidos, que punem (em alguns Estados) menores de 18 anos, não seriam um exemplo de alta taxa de criminalidade entre os adolescentes. [...] No Japão, onde tem tudo, os jovens representam 42,6% dos infratores (no Brasil, em torno de 10%) e ainda assim a idade penal é de 20 anos. Se o Brasil chama atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens vítimas de crimes, e não pela de infratores. (AMARAL, 2016, p. 23).
Por fim, em primoroso trabalho sobre o tema, a professora pernambucana Marília Montenegro P. de Melo (2017, p. 46) leciona que: “o argumento do rebaixamento da menoridade penal pode ser encarado como um retrocesso, uma limitação aos direitos fundamentais.”
O aumento da intervenção punitiva vai de encontro aos princípios do Estado Democrático de Direito, podendo servir como uma burla, para mascarar os verdadeiros problemas existentes nos países periféricos. [...] (LEITE, 2018, p. 30).
A incompetência do Estado e o descaso da sociedade brasileira em fiscalizar, cobrar e atuar em relação à proteção da criança e do adolescente, principalmente aqueles marginalizados, termina por incentivar um discurso superficial e ilusório para buscar a resolução dos problemas sociais. Criar uma diversidade de tipos penais, ou rebaixar a idade penal, aumentando a esfera de pessoas atingidas pela legislação penal é um ‘remendo’, uma solução simplista às falhas de uma política social. (LEITE, 2018, p. 30).
Ao final deste estudo, levantou-se que o aumento da criminalidade é um problema complexo, que a falta de oportunidades de emprego, os baixos índices de escolaridade, o enfraquecimento dos laços familiares e o aumento do consumo de entorpecentes são alguns dos fatores que contribuem para esse quadro.
Nesse cenário, muitas vezes sem compromisso com a análise complexa que o assunto requer, a mídia divulga crimes envolvendo os menores de idade e incute na população a falsa ideia: precisamos de leis mais severas para diminuir a criminalidade entre os menores de idade.
O Direito Penal deve ser a última linha de frente para combater os problemas sociais, sob pena de se criar um “inchaço” do sistema punitivo e, assim, provocar o seu descrédito, a criação de novas leis penais, não é garantia que os infratores sejam punidos.
Vivemos em meio a um sistema penal seletivo e que “abarrota” nossas penitenciárias com as camadas mais pobres da população. Enquanto isso, os mais abastados seguem impunes. A Corrupção desvia milhões e os autores de tais crimes quase nunca (para ser bem otimista) são responsabilizados.
O estudo demonstra que a solução para o problema vai muito além da redução da menoridade, e que esta não se faz possível.
Embasando essa opinião na impossibilidade de mudança do artigo 228 da CF/88, verdadeira cláusula pétrea que protege os menores de 18 anos de serem inseridos no fracassado sistema penitenciário brasileiro. Defendemos que isso não seria possível, nem mesmo com uma nova Constituição, tendo em vista a supraconstitucionalidade de que este direito se reveste.
Contudo, não se pode olvidar que mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente são necessárias. O tempo máximo de internação pode ser aumentado para 6 anos para aqueles crimes cometidos mediante violência intencional contra a pessoa, tais como homicídio, latrocínio e estupro. Deve haver uma análise periódica, por uma equipe multidisciplinar, a respeito de se o menor (ou já maior de idade) se encontra em condições de reingressar ao convívio social.
Sabemos que a natureza das medidas socioeducativas não é retributiva. Porém, não se pode negar, que o período de três anos de internação pode não se mostrar adequado para a ressocialização de alguns menores infratores. Afastá-los da criminalidade, proporcionando a eles o respeito e a educação necessária pode ser a melhor solução, não se desprezando os males que uma medida privativa de liberdade pode causar.
Essa proposta deve ser a última de uma série de melhorias, tanto nas condições sociais dos adolescentes antes de cometer os delitos quanto durante o cumprimento da medida.
Proporcionar educação de qualidade, lazer, moradia, saúde, profissionalização, oportunidades de emprego, etc. para evitar que o jovem entre para o mundo do crime.
Investimentos em infraestrutura (evitando um dos problemas mais graves encontrados, qual seja a superlotação das Casas de internação) e capacitar adequadamente os profissionais que trabalham na ressocialização de menores para que, dessa forma, possam ser corretamente inseridos na sociedade.
Deve ser dada preferência ao trabalho de prevenção ao envolvimento dos menores com o crime. Caso esse trabalho seja falho, reduzir a menoridade e inserir os adolescentes no falido sistema carcerário brasileiro parece não ser a melhor solução.
ADI 939/DF, de relatoria do Min. Sydney Sanches, o STF reconheceu o princípio da anterioridade tributária, prevista no art. 150, III, “b” da CF/88 como “garantia individual do contribuinte”.
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_______. Adolescentes infratores: punir e (res)socializar: Uma análise teórica e prática da inimputabilidade penal dos menores de 18 anos e sua responsabilidade perante o Estatuto da Criança e do Adolescente. Dissertação de Mestrado – FDR/UFPE, Recife, 2017. p. 46. Disponível em: <http://repositorio.ufpe.br:8080/bitstream/handle/123456789/4512/arquivo5901_1.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 03 set. 2020.
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RIBEIRO, Roberto Carlos. Tal Declaração previa, entre outros, que, “desde o nascimento, toda criança terá direito a um nome e a uma nacionalidade” (princípio 3), “a criança figurará, em quaisquer circunstâncias, entre os primeiros a receber proteção e socorro” (princípio 8) e “a criança gozará proteção contra atos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza” (princípio 10). Disponível em: <http://viverdireito.blogspot.com.br/2007/07/>. Acesso em: 12 ago. 2020.
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_______. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado artigo por artigo – 6ª ed.rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 74.
________. Tal dispositivo foi inserido no Estatuto pela lei 12.010/09. Para ter uma noção de seus reflexos no estudo das medidas socioeducativas, ver ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo e CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado artigo por artigo – 6ª ed.rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 375-377.
STF. RE 285.571 DE 13.02.2001, onde o STF anulou o processo por ato infracional por conta de que o advogado do menor aceitou passivamente a imputação mais desfavorável a seu cliente, por entender o Tribunal que tal conduta do defensor não foi condizente com os preceitos do ECA. Ver, ainda quanto ao tema, a Súmula 342 do STJ, que afirma que “no procedimento para aplicação de medida socioeducativa, é nula a desistência de outras provas em face da confissão do adolescente.” Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/778211/recurso-extraordinario-re-285571-pr.>. Acesso em: 14 ago. 2020.
TAVARES, Heloisa Gaspar Martins. Idade penal (maioridade) na legislação brasileira desde a colonização até o código penal de 1969. Boletim IBCCRIM – Ano 12 – nº 144, 2004 e MELO, Marília Montenegro Pessoa de. Adolescentes infratores: punir e (res)socializar: Uma análise teórica e prática da inimputabilidade penal dos menores de 18 anos e sua responsabilidade perante o Estatuto da Criança e do Adolescente. Dissertação de Mestrado – FDR/UFPE, Recife, 2015, p. 18 - 23. Disponível em: < http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/9682/1/TESE-%20Isabel%20Lu%C3%ADs%20do%20Couto.pdf.>. Acesso em: 12 ago. 2020.
TORRES, Ricardo Lobo (org.) Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2019.
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______. Apud LEITE, George Lopes. A simples redução da imputabilidade penal será capaz de, efetivamente, coibir a criminalidade? Revista Jurídica Consulex – ano VII – nº 166, 2013, p. 28.
Bacharel em Direito pela Faculdade São Lucas - Porto Velho.
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