LENA MARINA MOREIRA PUGA BARBOSA
(Orientadora)[1]
RESUMO: A contratação do servidor público temporário é a exceção a regra do concurso, por estar nessa situação os critérios de contratação desses servidores são bem restritivos e devem obedecer um rol taxativo previsto em lei, porém por diversas vezes essas hipóteses não são respeitadas. O objetivo da pesquisa é analisar os efeitos do desvirtuamento do contrato temporário de acordo com a tese de repercussão geral assentada pelo STF de n. 551
Palavras-chave: Servidor Público Temporário. Concurso Público. Direitos Sociais. Desvirtuamento do contrato temporário.
ABSTRACT: The hiring of the temporary public servant is the exception to the rule of the competition, because in this situation the hiring criteria of these servants are very restrictive and must obey a strict list provided by law, however, several times these hypotheses are not respected. The objective of the research is to analyze the effects of the distortion of the temporary contract according to the general repercussion thesis established by the STF of n. 551
Keywords: Temporary Public Servant. Public tender. Social rights. Deviation from the temporary contract.
Sumário: 1. Introdução – 2. O Servidor Público Temporário: 2.1 Classificação Atual Dos Servidores Públicos; 2.2 Requisitos Para Contratação Do Servidor Público Temporário. 3. O Concurso Público: 3.1 Princípios atinentes ao concurso público. 4. A Tese De Repercussão Geral Do Caso: 4.2 O Julgamento no STF; 4.3 Dos Direitos Sociais concedidos. 5. Considerações Finais. 6. Referências.
A atual legislação brasileira, em seu texto Constitucional de 1988 no art. 37, inciso IX, relaciona a situação que enseja a contratação temporária; dispõe, ainda, a carta magna a necessidade de cada ente produza sua própria legislação para fins de regular as hipóteses de contratação, sendo que na esfera federal a regulação se dá pela Lei N.° 8.745 de 1993, o qual foi recentemente fora atualizada com mais hipótese. Não obstante, a quantidade de normas o tema ainda enseja muitas ações judiciais, tendo o Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 1.066.677 MG proferindo a tese de estudo deste trabalho, em que havendo o desvirtuamento do contrato é possível extensão de alguns direitos sociais previsto no contrato celetista.
O trabalho é importante, pois apesar de tal instrumento não ser novo, sendo utilizado pela Administração Pública desde o tempo do Brasil império, ainda gera muitas controvérsias.
Dessarte, fez-se um paralelo utilizando o método bibliográfico e de análise de documentos, esclarecendo a evolução histórica do instrumento de contratação temporária pela Administração Publica, a legislação contemporânea, e o estudo de caso que assentou a tese e ainda parte processual desse julgamento para entender os efeitos que tal decisão irá reverberar em todos os entes públicos.
Sendo assim, a problemática do artigo é: quais os direitos sociais do art. 7° da Constituição são extensíveis aos Servidores Públicos Temporários?
O objetivo geral do trabalho foi analisar as hipóteses em que esses Direitos Sociais são extensíveis aos Servidores Públicos Temporários, uma vez que, o STF passou a entender que são extensíveis quando o ente esbarrar em irregularidade deste contrato.
O tema deste artigo foi escolhido após a leitura de várias notícias sobre o fato de que várias prefeituras e governos estaduais possuem um rol extenso de contratos temporários irregulares, aliado a decisão, recente, do STF que vem expor e acima de tudo reconhecer problema estrutural.
O presente trabalho apresenta grande relevância social, visto que a utilização do contrato temporário, quando realizado de modo irregular, fere vários direitos fundamentais que vão dos mais direitos com o do Concurso Público e até mesmo o da Dignidade da Pessoa Humana.
Primeiramente cabe ressaltar que o instituto é bem antigo, historicamente a ideia do servidor público temporário não advém da Constituição Federal (CF) de 1988, vem bem antes disso, na tese de Bastos (2014, p.12) há uma descrição de uma série de figuras que ocuparam as instituições públicas desde a época do Brasil Imperial e que apesar de nomes diferentes e pequenas alterações de regime muito se assemelham aos servidores públicos temporários atuais.
Como exemplo na obra de Melo (1945) apud Bastos (2014, p.10) a figura do – extranumerário - presente no Decreto n.° 2.537, de 2 Março de 1860, em que o autor descreve da seguinte maneira:
[...] Rápida consulta às obsoletas leis imperiais demonstrará que não surgiu ele por mero acaso, eventualmente, acidentalmente. Não foi, como não é, elemento de origem duvidosa, ou ignorada, paraquedista, estranho à administração do país. Não foi planta exótica e tampouco produto de enxertos ocasionais. Não emergiu por obra e graça de injunções políticas, ou subalternas. Não medrou à margem da lei, nem viveu contra suas normas.
Muito pelo contrário, apareceu regularmente, fora do quadro de empregados públicos, e, desde logo, com indicações precisas do modo de ser admitido, do prazo de sua permanência nos serviços, da natureza dos trabalhos que lhe cumpria executar e da forma da respectiva retribuição
Percebe-se, no texto, o embrião do que temos hoje, com evidente semelhança. Mais tardiamente a Constituição de 1946 foi a primeira a fazer menção a figura do temporário, no seu capítulo dos Atos das Disposições Transitórias tinha a seguinte redação:
Art. 23 [...] os atuais extranumerários que exerçam função de caráter permanente há mais de cinco anos ou em virtude de concurso ou prova de habilitação serão equiparados aos funcionários, para efeito de estabilidade, aposentadoria, licença, disponibilidade e férias.
Portanto, essa Constituição foi a primeira a reconhecer a existência figura do “extranumerário” e ainda realizou a sua equiparação, desde que exercesse função de caráter permanente por mais de 5 anos, abrindo um nocivo precedente para colocar na administração pública pessoas que não fizeram concurso público. Como bem pontua o jurista Dallari (1990) apud Bastos (2014, p.20):
[...] não obstante suficientemente demonstradas a eventualidade e precariedade inerentes à admissão de tais servidores, na prática isso não ocorria, especialmente no que se referia aos extranumerários, que eram, posteriormente, estabilizados, o que passou a ser uma forma de, pura e simplesmente, burlar a exigência de concurso público.
Mais tarde, a Constituição de 1967 teve um papel moralizador ao dispor que só através de concurso público era possível a nomeação e posteriormente a estabilidade, outro fato importante foi a aplicação da - legislação trabalhista aos servidores ingressados temporariamente - para obras, ou contratos de funções técnicas e especializadas.
Ainda na Constituição de 1967, a Emenda Constitucional de n.° 01/69 foi instituído a criação de uma lei especial para o regime jurídico dos temporários no entendimento do doutrinador Bandeira (1987) apud Bastos (2014, p.22):
A Lei Magna procurou se eximir de duas situações: afastar a aplicação obrigatório a das normas celetistas, noutra banda, obstar a atribuição dos mesmos direitos funcionais ou equiparações que viessem a nivelar aos servidores públicos.
Por fim, a Constituição de 1988, atual, que trouxe no seu art. 37, inciso IX, a seguinte redação: “A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para a atender a necessidade de excepcional interesse público”. Complementado pela Lei Federal n.° 8.745/93 que veio dispor sobre as hipóteses, as condições e prazos; tendo mais recentemente sido atualizada pela Lei n° 13.886 de 2019.
Portanto, fazendo essa breve análise histórica pode se constatar a figura do temporário é bastante antiga, que já havia uma preocupação com relação ao ingresso desses servidores na administração pública e ainda com relação a natureza dessa contratação.
Antes de adentrar nas razões que levam a Administração contratar esses servidores temporários, é importante fazer a distinção dos diversos servidores públicos que fazem parte do Estado com intuito de melhor compreender o objeto de estudo deste trabalho.
Na concepção clássica proposta por Meirelles (2015, pg. 518), temos em sentido amplo o Servidores públicos que se vinculam à Administração Pública tendo sua divisão ligada ao regime jurídico, portanto haverá uma divisão em três espécies: estatutário regular, celetista e administrativo especial.
Estatutário regular, são os titulares de cargo público efetivo e em comissão, possuem o regime jurídico de estatutário, integram a Administração direta, as Autarquias e as Fundação Públicas. Quando ingressantes por concurso podem adquirir a estabilidade, e possuem um regime distinto de previdência social.
Celetistas ou empregados públicos, são os titulares de emprego público e podem ocupar tanto a Administração direta e a indireta, estão submetidos ao regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho, não ocupam cargo público em razão disso não possuem estabilidade e pertencem ao regime geral de previdência.
Vale lembrar que apesar do foco deste trabalho ser os contratos dos servidores temporários há outras hipóteses de exceção ao concurso público trazidas no próprio texto constitucional e elencadas didaticamente abaixo por Cavalcante (2019):
Assim, a CF/88 prevê situações em que o indivíduo poderá ser admitido no serviço público mesmo sem concurso. Podemos citar como exemplos:
a) cargos em comissão (art. 37, II);
b) servidores temporários (art. 37, IX);
c) cargos eletivos;
d) nomeação de alguns juízes de Tribunais, Desembargadores, Ministros de Tribunais;
e) ex-combatentes (art. 53, I, do ADCT);
f) agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias (art. 198, § 4º).
O objeto desse estudo se atém a alínea “b” das dos casos elencados acima, os servidores públicos temporários submetidos ao regime jurídico administrativo especial, previsto no o art. 37, IX, da CF/88.
Com relação ao regime destes servidores, são considerados alocados numa ideia de terceiro regime, o qual nem é estatutário e nem celetista. Possuem atributos dos dois, tendo a natureza jurídica de um contrato administrativo de caráter funcional, conhecido com Regime de Jurídico Administrativo ou Regime Jurídico Especial.
De acordo com Silva (2019, p.15) cada ente, por meio de lei própria, irá estabelecer esse liame entre o regime ser mais parecido com o estatutário[2] ou com o celetista[3], ao analisar a legislação federal percebemos que ela é mais próxima do regime estatutário, tendo os direito cedidos aos seus temporários:
O direito à ajuda de custo, diárias, gratificação natalina, adicional por tempo de serviço, adicionais de insalubridade, periculosidade e atividades penosas, adicional por serviço extraordinário, adicional noturno, adicional de férias, férias, licença para ausentar-se do serviço para doar sangue, para alistar-se como eleitor e para casar, licença em virtude de falecimento de cônjuge, companheiro, pais, madrasta ou padrasto, filhos, enteados e menor sob guarda ou tutela e irmãos, além do direito de petição
Com relação a previdência eles são vinculados ao Regime Geral de Previdência Social, assim como os trabalhadores celetistas, por fim salientar que os servidores temporários não ocupam cargo público, somente função pública sem cargo.
De acordo com o texto constitucional “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”, segundo o Ministro Alexandre de Morais (2017, pág. 264) a contração temporária necessita de três requisitos obrigatórios: (I) excepcional interesse público, (II) temporariedade da contratação e (III) hipóteses previstas em lei.
Em espécie, o requisito excepcional interesse público segundo a Ministra Carmén Lúcia (2014) no REx. 658.026 MG:
Se caracteriza de forma impar, singular, estranha, fora do ordinário, ou em razão de sua forma de prestação, que, por ter de ser contínua e implicar prestação imprescritível, tem cunhada uma situação de excepcional interesse na contratação.
Exemplificando o entendimento da Ministra, tragamos duas situações para melhor compreensão: a situação da pandemia do COVID-19, em que houve uma prestação inédita, imprevista, e com urgência, caracterizada por uma – prestação excepcional; de outro lado, um - interesse regular –, mas com a iminência de uma circunstância que necessita de uma contratação temporária como por exemplo a contratação de professores substitutos para cobrir férias e licenças dos professores efetivos.
Temporariedade na contratação, quando a contratação seja por tempo limitado, com duração certa, indicando que a necessidade seja passageira refletindo no caráter precário desses profissionais, outro aspecto importante aponta Bastos (2014) “a atividade não pode durar tanto tempo a ponto de não permitir a realização de um concurso público ”.
Por último, hipóteses previstas em lei, o Ministro Carlos Velloso em seu voto na ADI n.° 3210/PR profere que - a lei irá estabelecer os casos de contratação e não o chefe do Poder interessado -, leis que estabeleçam hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária serão impugnadas, sendo necessário a especificação da contingência fática que amoldaria a situação de emergência.
Além dos requisitos obrigatórios há a necessidade de acordo com a Lei Federal n.° 8.745/93 de um processo simplificado, isto é, um procedimento mais sintético que o concurso público, todavia, por meio do qual seja possível selecionar os melhores candidatos à função e de maneira impessoal.
Logo, percebe-se o intuito restritivo da norma em não generalizar esse tipo de contratação que fere diametralmente o postulado concurso público e por consequência uma serie de princípios como da moralidade, isonomia, impessoalidade.
Uma vez conceituado a contratação temporária forma extraordinária de ingresso; é importante demonstrar o concurso público sendo a forma de ordinária de ingresso ao serviço público, tendo como seu efeito limitador daquela. Inspirado no merit system[4] (sistema de mérito) da legislação Americana de 1872 a Constituição Brasileira de 1967 institui a obrigatoriedade do concurso público de provas ou de provas e títulos para a nomeação em cargos públicos, traduzindo na forma mais democrática e legítima em selecionar as melhores e mais bem qualificadas pessoas.
A Ministra do STF Carmen Lúcia define o concurso como “ processo administrativo pelo qual se avalia o merecimento de candidatos a investidura em cargo ou emprego publico, [...] por ele se concretiza a igualdade de oportunidade e a impessoalidade ”; Carvalho Filho (2019, p.880) acrescenta “ cuida-se, na verdade, do mais idôneo meio de recrutamento de servidores públicos”
Ainda na seara dos princípios, Magalhaes (2012) preceitua O concurso público visa além da efetivação dos valores de igualdade entre todos os interessados e à universalização do acesso aos quadros da Administração, busca a boa e eficiente gestão da coisa pública”.
Ademais, vale ressaltar o princípio da impessoalidade que significa segundo Carvalho Filho (2012) a objetividade no tratamento dos administrados em idêntica posição jurídica e complementa para que haja a verdadeiro impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o interesse público.
Ainda na impessoalidade, ressalte-se que a forma do governo é a República, e pela sua etimologia do Latim significa a “coisa pública”, então, nada mais justo que administração seja impessoal na escolha dos seus servidores para gerir essa – coisa pública.
Com relação ao - Princípio da Igualdade - de acordo com o Ministro Celso de Mello em seu voto na Relatoria do RTJ 152/762 a seguinte razão:
O concurso público representa garantia concretizadora do princípio da igualdade, [...] conferindo que todos são iguais perante a lei, vedando-se a prática inaceitável de o Poder Público conceder privilégios a alguns ou de dispensar tratamento discriminatório e arbitrário a outros.
O Princípio da Moralidade que obsta o favorecimento e as perseguições pessoais, e ainda as situações de nepotismo, tendo como principal objetivo de selecionar os melhores.
Observa-se a posição irredutível da obrigatoriedade do concurso público para o ingresso do serviço público. Endossando tal entendimento temos a Sumula Vinculante n.° 43 do STF:
É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.
Uma vez dispostos os princípios que coadunam a regra, e ainda, topograficamente na Constituição antecedem ela, temos no art. 37, inciso II, que dispõe:
A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Logo, percebe-se o intuito restritivo da - norma, em sentido amplo, - pois conforme correlaciona Duarte (2017) em seu artigo sobre a teoria de Dworkin, princípios e regras são normas de tipos diferentes, enquanto os princípios possuem uma dimensão de peso, as regras são aplicadas na lógica do tudo ou nada. Neste caso o instituto do Concurso Público possui a sustentação dos dois liames (princípio e regra) que sustentam o próprio conceito de norma.
Portanto, o próprio arcabouço geral de contratação da administração publica é através do concurso público, a via ordinária; a contratação temporária é a exceção da regra, tendo assim um regime jurídico bem menos protetivo, precário, não obstante os tribunais vem reconhecendo alguns direitos a estes servidores quando há hipóteses de desvirtuamento do contrato, conforme a análise do Recurso Extraordinário 1066677/MG a seguir.
Antes de entrar no mérito da questão, faz-se necessário, em breve síntese, conceituar o instituto processual que gera essa tese de repercussão geral, o chamado recurso extraordinário, segundo Câmara (2020, p. 180) neste recurso apenas questões de Direito poderão ser suscitadas, sendo só admissíveis após esgotados todos os recursos em instâncias ordinárias e ainda se o recurso dispuser de repercussão geral.
Da repercussão geral, o art. 1.035, §1°, do CPC[5] traz a o conceito da lei, sendo sintetizado por Câmara (2020, p. 185) da seguinte forma “ a discursão deve ter transcendência do ponto de vista subjetivo, interessando a sua solução não só as partes, [...] sendo capaz de alcançar a sociedade como um todo ”.
Reconhecida a repercussão geral, o ministro Relator determinará a suspensão de todos os processos que versem sobre a mesma questão constitucional até o julgamento pelo STF.
Ao ser julgado no mérito do caso, o Acórdão será utilizado com um precedente vinculante, tendo efeitos prospectivos, ou seja, haverá produção de efeitos diante de processos que ainda chegarão ao STF; é o seu efeito mais importante, pois busca uma padronização decisória em respeito aos princípios da isonomia e da segurança jurídica.
O incidente que gerou o Recurso Extraordinário 1066677/MG teve início na Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, este exarou decisão no sentido de assegurar aos servidores contratados para atender necessidade temporária de excepcional interesse público o direito a décimo terceiro salário e férias remuneradas acrescidas do terço constitucional.
A Procuradoria do Estado de Minas Gerais interpôs recurso extraordinário com base na alínea “a” do inciso III do art. 102 da CF de 1988[6]. Apontando incompatibilidade com o art. 39, § 3º, da CF de 1988[7], alegando que os direitos pleiteados são exclusivos de servidor ocupante de cargo público.
No mérito, a repercussão foi conhecida em 1ª de junho de 2012, tendo a Procuradoria-Geral da República opinado pelo desprovimento, o, então, Ministro Relator Marco Aurélio votou pelo provimento do Recurso interposto pela Procuradoria de Minas Gerais, tendo o Ministro Alexandre de Morais, em divergência, assentando a tese para Tema 551 da repercussão geral:
Servidores temporários não fazem jus a décimo terceiro salário e férias remuneradas acrescidas do terço constitucional, salvo (I) expressa previsão legal e/ou contratual em sentido contrário, ou (II) comprovado desvirtuamento da contratação temporária pela Administração Pública, em razão de sucessivas e reiteradas renovações e/ou prorrogações.
Como se percebe na tese fixada, a regra é não fazer jus aos direitos sociais do décimo terceiro salário e férias remuneradas acrescidas do terço constitucional, porém o Relator faz duas ressalvas.
Na primeira, se houver expressa previsão legal e/ou contratual dos direitos, lembrando que há autonomia dos entes em legislar sobre a lei pertinente da contratação temporária, não só autonomia, mas um dever, pois cada ente em tese terá suas peculiaridades de contração que fogem ao ordinário, nesta senda poderia, de acordo com a tese, o ente estender esse Direitos Sociais aos servidores públicos temporários.
Neste ponto cabe informar o que o Ministro Joaquim Barbosa no ensina, que o dispositivo constitucional, art. 37, IX, há duas limitações a formal e a material. Na formal há a exigência de uma lei que regulamente o tema, e na material exigência de que essa lei descreva as hipóteses em que será permitida a contratação, o tempo máximo determinado e qual é a necessidade temporária de excepcional interesse público que a justifica, portanto no conteúdo material poderia haver essa disposição do direito de décimo terceiro salário e férias remuneradas acrescidas do terço constitucional.
Na segunda, há a ressalva que merece mais atenção, pois é o objeto de toda discursão, o desvirtuamento da contratação temporária, no caso da tese o vínculo do servidor temporário, que em tese era – temporário -, durou seis anos, tendo sucessivas prorrogações de seis meses.
Apesar de só agora, em 2020, tenha saído essa decisão de caráter vinculante, a hipótese aventada já era discorrida no magistério de Carvalho Filho (2020, p. 879), denominando como vínculo temporário de - longa permanência. Em que em razão da permanência do servidor, nessas condições, comprovaria a não existência de qualquer temporariedade e vínculo, logo o desvirtuamento.
Vale ressaltar que a Lei no 8.745, 1993, o qual dispões sobre a contratação desses servidores, no âmbito da União, faz menção expressa a proibição da recontratação do servidor temporário antes de dois anos, de forma indireta o legislador deixou bem claro que é vedado perdurar esse contrato.
Cabe ressaltar que antes destes incidente, era vigente a tese do RE 765.320 no tocante aos direitos sociais perceptíveis, o STF tinha concluído no julgamento de mérito[8] que a contratação temporária para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público não geraria quaisquer efeitos jurídicos válidos em servidores temporários, com exceção do direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e o saque dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
De acordo com a tese, serão concedidos os Direitos Sociais do Décimo terceiro salário e férias remuneradas acrescidas do terço constitucional quando ocorrer o desvirtuamento do contrato ou a previsão legal.
Nesta senda é importante a definição de Direitos Sociais segundo Alexandre de Moraes (2017, p.164):
Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.
No caso em especifico, temos o rol do Art. 7ª da Constituição que dispõe do Direito ao Trabalho, que segundo Ferreira (2012) “o direito ao trabalho como pilastra mestra como condição da dignidade da pessoa humana. Devendo, portanto, que seja assegurado ao empregado, além de outros direitos, um trabalho decente”.
Não pode o empregador, pior ainda sendo a Administração Pública, vilipendiar direitos fundamentais básicos, esbarra na noção de dignidade da pessoa humana, exarada por Kant “ tudo tem um preço ou uma dignidade: aquilo que tem um preço é substituível e tem equivalente; já aquilo que não admite equivalente, possui uma dignidade”, portanto não pode a administração, sob pretexto de temporariamente, tratar esses servidores como substituíveis, atenta contra o que é digno ao ser humano.
No julgado se reconheceu direitos básicos do servidor, 13°salário e férias remuneradas acrescidas do terço constitucional, lembrar ainda que antes de lançada a tese já há precedentes reconhecendo a extensão desses direitos, no caso direito à licença maternidade, como no caso Processo nº: 0006785-79.2015.4.01.3300/BA, a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a sentença, da 10ª Vara Federal da Bahia em que assegurou o direito a uma professora contratada pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) em regime temporário, segundo o Relator do Tribunal:
Salientou o relator não haver razão para que uma trabalhadora gestante seja excluída do amparo do benefício, “independentemente de discussão sobre a natureza do seu vínculo, se temporário/exonerável ad nutum* ou não, pois a proteção à trabalhadora gestante emana de preceito constitucional que não deve ser excepcionado. O ato administrativo não pode contrastar com a determinação constitucional de proteção à maternidade”.
Portanto, respondendo a problemática da pesquisa no que se refere a quais direitos sociais seriam extensíveis aos servidores temporários, no caso os dois relatados exaustivamente, percebe-se que esses direitos ao primeiro momento não são extensíveis em razão da temporariedade do contrato, porém quando este é desvirtuado acaba gerando efeitos positivos ao servidor, que se materializam na possibilidade de cobrar, muitas vezes na justiça, os direitos de um contrato celetista.
Durante o processo de pesquisa, observou-se que tribunais, autoridades jurídicas, assim como operadores do Direito terão que enfrentar grandes desafios concernentes ao tema pesquisado, pois, o precedente é claro em discorrer a responsabilização do Poder Executivo que vier a desvirtuar o contrato de serviço temporário.
Na doutrina do magistério de Carvalho Filho (2020) já havia respaldo para a tese assentada pelo STF, em razão da dignidade da pessoa humana e da proteção da confiança legítima era cediço que a administração pública deveria ser responsabilizada.
Reforçar que se buscou no trabalho a importância de todos os institutos postos, a contratação temporária, o concurso público; pois, eles da maneira como foram redigidos, pensados, atendiam a todos os preceitos éticos, porém como a administração pública funciona através de pessoas, passíveis de errar, acabando gerando essa celeuma que é constatada em todas as esferas dos entes federativos.
Cabe a sociedade cobrar a realização de concurso público, em regra, para suprir os quadros da administração, e quando não for possível, nas situações que realmente haja a previsão da contratação temporária deve ser realizada, com os contratos seguindo o tempo estritamente necessário.
Assim, constatou-se durante a pesquisa que essa desídia dos órgãos de controle, da sociedade, dos poderes judiciário e legislativo produziram um terreno fértil para o poder executivo lotear a administração pública por meio de contratos temporários.
Em vista da tese assentada pelo STF, é primordial que os atores acima descritos façam dela instrumento com parâmetros mais objetivos com o fim de cobrar mais ética e imoralidade nessas contratações, com o fim de resguardar tanto a sociedade nos preceitos da república, a coisa pública, como também, resguardar o servidor temporário que acaba se dedicando a uma vida a administração e ao final tem os seus direitos locupletados. É importante frisar que não faltam leis para o problema, e sim o fiel cumprimento dessas regras.
De todo o exposto, conclui-se que há a possibilidade de extensão dos direitos sociais ao trabalho quando ocorrer o desvirtuamento ou a expressa disposição no contrato, contudo na maioria das vezes esses direitos só são estabelecidos através da via judicial, fez bem o STF assentar regras objetivas e claras a fim de que tais direitos cheguem a essa parcela de servidores temporários, que muitas das vezes correspondem a pessoas humildes que não tiveram uma educação suficiente para ser aprovada em um concurso público, e nessa condição aceitam as arbitrariedades do poder público para ter uma renda mínima.
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[1] Profª. Msc. e Orientadora do Curso de Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Nilton Lins – email: [email protected]
[2] Lei Nº 8.112, De 11 de Dezembro de 1990, Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.
[3] Decreto-lei Nº 5.452, DE 1º de Maio de 1943, Consolidação das Leis do Trabalho.
[4] ADI 3.649/RJ Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 28.05.2014. Órgão Julgador: Tribunal Pleno,DJe de 29.10.2014.
[5] Art. 1.035, §1°, do CPC “Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.”
[6] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal [...], cabendo-lhe: III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição;
[7] Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes; 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.
[8] RE 765.320 RG, rel. Min. Teori Zavascki, julgamento em 15/09/2016, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, DJe de 23/09/2016, Tema 916
Residente Jurídico PGE-AM, Advogado OAB/AM n.° 16306
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRISPIM, Tiago Esashika. Os direitos sociais extensíveis ao servidor público temporário no desvirtuamento do contrato Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 abr 2021, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56385/os-direitos-sociais-extensveis-ao-servidor-pblico-temporrio-no-desvirtuamento-do-contrato. Acesso em: 22 nov 2024.
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