ANDREA LUIZA ESCARABELO SOTERO
(orientadora)
RESUMO: Este estudo tem a finalidade de abordar o instituto da alienação fiduciária em garantia de imóveis pautado Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, que originou o Sistema Financeiro Imobiliário, dissertando acerca da breve evolução histórica e sobre o conceito da alienação fiduciária, tal como as etapas de constituição, aplicação e revogação do contrato de alienação fiduciária, que dispõe como garantia bens imóveis. Discorre acerca da revogação da dívida após o segundo leilão público entabulado no artigo 27, §5º da referida lei, além dos procedimentos adotados em caso do não cumprimento da obrigação por parte do devedor, no momento posterior a venda ou transmissão da posse e propriedade do bem, até esse tempo perdurar saldo residual da dívida a favor do credor. Para o presente artigo foi utilizada a pesquisa da prática valorativa, onde se pretende elucidar a importância da introdução do Instituto da Alienação Fiduciária em Garantia de Bens Imóveis, bem como explanar sobre as vantagens e riscos provenientes das normas introduzidas no referido instituto.
Palavras-chave: alienação fiduciária, garantia, público leilão.
BSTRACT: The purpose of this study is to approach the fiduciary alienation in guarantee of real estate based on Law No. 9514 of November 20, 1997, which originated the Real Estate Finance System, discussing the brief historical evolution and the concept of fiduciary alienation, as well as the stages of constitution, application and revocation of the fiduciary alienation contract, which has real estate as guarantee. It discussed the revocation of the debt after the second public auction established in article 27, paragraph 5 of said law, in addition to the procedures adopted in the event of nonfulfillment of the obligation on the part of the debtor, at the time subsequent to the sale or transfer of possession and ownership of the asset, until such time as the residual balance of the debt in favor of the creditor persists. For the present article we have used the research of the valuation practice, where we intend to elucidate the importance of the introduction of the Institute of Fiduciary Alienation in Guarantee of Real Estate, as well as to explain about the advantages and risks coming from the norms introduced in the referred institute
Keywords: chattel mortgage, guarantee, public auction.
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Da Alienação Fiduciária: 2.1 Bens Suscetíveis de Alienação Fiduciária; 2.2 Constituição e Extinção do Contrato; 2.3 Intimação e Procedimentos para Purgação da Mora; 2.4 Efeitos da não purgação da mora no prazo legal; 2.5 Da Consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário; 2.6 Da Consolidação da Propriedade Plena na Pessoa do Devedor Fiduciante; 2.7 Do Leilão e o saldo devedor. 3. Conclusão. 4. Referências.
O presente artigo tratará brevemente acerca da evolução do instituto da Alienação Fiduciária de Bens Imóveis, bem como simultaneamente a introdução do Sistema Financeiro Imobiliário, a seguir discutirá sobre o conceito deste, bem como exibirá as mais relevantes características de alienação fiduciária elencadas na Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997.
Essa lei é notadamente relevante, pois torna mais fácil o acesso ao crédito imobiliário à sociedade, restringindo riscos a quem fornece o crédito.
Serão procedidas análises acerca dos bens suscetíveis de alienação fiduciária em garantia, assim como demonstrará a importância da inovação do instituto, que trouxe inúmeros benefícios para o credor fiduciante, bem como quanto a sua aplicabilidade no Direito Brasileiro.
Da mesma forma, o estudo pretende demonstrar vantagens, como também evidenciar os riscos e consequências provenientes das normas introduzidas do instituto no que diz respeito da modalidade de financiamentos imobiliários.
Na presente pesquisa acadêmica serão discutidos sobre os procedimentos adotados em caso de inadimplemento do devedor, sobre as informações objetivas do procedimento da alienação fiduciária de bens imóveis, bem como sobre o saldo remanescente do crédito e a consequente extinção do contrato.
A seguir serão retratados, respectivamente, acerca da necessidade da introdução da Alienação Fiduciária no nosso ordenamento jurídico, sobre o conceito do referido instituto, também a respeito da constituição e extinção do contrato proveniente da obrigação contraída pelas partes (devedor e credor), bem como acerca dos procedimentos adotados em consequência da não purgação da mora por parte do devedor fiduciante.
A Alienação Fiduciária de Bens Imóveis foi introduzida com o surgimento da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, predispondo-se acerca do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), permitindo-se a alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia, tornando o instituto mais relevante. Posteriormente alterada pelas Leis nºs 10.931/04, 11.481/07 e 13.465/17, trazendo significativas modificações no instituto.
O objetivo era oferecer uma segurança eficaz para o credor, para que o mesmo estivesse respaldado ao conceder créditos aos consumidores, nas situações em que estes descumprissem com as obrigações em relação a pagamentos referentes a dívidas contraídas com as instituições financeiras, estimulando assim a economia.
Acerca deste tema, CHALHUB (2017, p. 209) sustenta que:
[...] considerando que a morosidade da execução das garantias inibe a aplicação de recursos no setor imobiliário e a concessão de empréstimos e financiamentos com garantia imobiliária, a Lei 9.514/1997 tem em vista criar as condições necessárias para revitalização e expansão do crédito imobiliário e, partindo do pressuposto de que o bom funcionamento do mercado, com permanente oferta de crédito, depende de mecanismos capazes de imprimir eficácia e rapidez nos processos de recomposição das situações de mora, regulamentou a alienação fiduciária como garantia nos negócios imobiliários.
A referida Lei nº 9.514/97 trouxe a luz do nosso ordenamento jurídico da Alienação Fiduciária de Coisa Imóvel.
A Lei nº 9.514/97, em seu artigo 22, preceitua o seguinte:
Art. 22. a alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.”
Sobre Alienação fiduciária para Loureiro Filho e Loureiro (2012, p. 394) entendem que:
A alienação fiduciária regulada é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI e ter como objeto bens enfitêuticos, sendo também exigível o pagamento do laudêmio se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário.
Na alienação fiduciária, o fiduciante (que adquire o bem), possuirá a posse direta e o direito uso e gozo, enquanto o credor fiduciário, conserva a propriedade resolúvel da coisa, a qual se extinguirá de integralmente no instante em que o devedor cumprir por completo sua obrigação com o credor e, assim, consolidar-se-á a posse em favor devedor fiduciante. Desta forma, o devedor-fiduciante não usufrui da propriedade plena, restando o direito da posse direta sobre a coisa e o direito de reavê-la, caso a obrigação do pagamento da dívida seja integramente cumprida.
No mesmo sentido BURTET (2012) sustenta que, a alienação fiduciária de bem imóvel é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. Também é um contrato acessório, que garante o cumprimento de outro. Por esse instituto jurídico, alguém que já titula a propriedade imóvel ou a está adquirindo, transfere a propriedade fiduciária de um bem imóvel ao credor, com o escopo de garantia, sob condição resolutiva, correspondente ao pagamento de uma dívida.
Por outro lado, na situação em que o devedor não cumprir com sua obrigação, qual seja, o pagamento integral da dívida, a lei prevê dispositivos em favor do credor, que permitem que o mesmo possa ter o crédito satisfeito.
Esta definida no Código civil de 2002, entabulada em seu artigo 1.361, é a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível, que o devedor transfere ao credor.
Fica evidente que, a alienação fiduciária é um negócio jurídico, que concede ao credor o direito de adquirir a propriedade de um bem, mesmo que de maneira resolúvel, em garantia da dívida contraída pelo devedor, comprometendo-se a restituí-la quando cumprida a obrigação acordada entre as partes.
Conforme preceitua o art. 1.359 do Código Civil:
Art. 1.359 - sendo resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, desaparecem os direitos reais concedidos em sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa de quem a possua ou detenha.
Segundo TARTUCE (2017, p. 104):
Partindo para as regras específicas do Código Civil, estabelece o art. 1.359 que, resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência. Em complemento, o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha. Como há relação com a condição e o termo, a propriedade resolúvel envolve questões de eficácia e não de validade dos negócios jurídicos correspondente.
Desta forma, a propriedade resolúvel deixará de ser limitada e passará a ser plena no momento do cumprimento da obrigação.
Acerca dos bens passíveis de alienação fiduciária podemos afirmar que:
Em regra, podem ser objeto de fideicomisso quaisquer bens, sejam móveis ou imóveis, bem como direitos sobre bens ou sobre direitos, desde que suscetíveis de alienação. São, enfim, passíveis de fideicomisso quaisquer direitos patrimoniais disponíveis, não se admitindo a constituição de fideicomisso sobre direitos estritamente pessoais. (CHALHUB, 2017, p. 102).
“Os imóveis podem ser de qualquer natureza, sejam comerciais, residenciais, mistos, glebas, imóveis enfitêuticos etc” (SCAVONE JUNIOR, 2015, p. 524).
A instituição da propriedade fiduciária em garantia dar-se-á através do contrato de alienação fiduciária, constituído através de instrumento público ou particular, estabelecido através do regular registro do contrato no Cartório de Registro de Imóveis, conforme preceitua o art. 23 da Lei nº 9.514/97:
Art. 23. constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.
Parágrafo único. com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.
O registro é um meio fundamental para garantir a segurança jurídica, e para que produza seus efeitos, sendo que na sua falta, o ônus não terá eficácia contra terceiros. Assim, devidamente regularizado o registro no órgão competente, o bem não é atingido em caso de insolvência do devedor.
A Lei 6.015/73, em seu § 1º, regula os Registros Públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
A finalidade de todos esses registros consiste em revestir de fé formalidades especiais dos bens ou direitos do cidadão, por meio da interferência do Estado, visando garantia, controle ou ambos (LOUREIRO FILHO; LOUREIRO, 2012).
O item 226 das Normas de Serviços da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, sobre a constituição da propriedade, preceitua o seguinte: “com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse da coisa imóvel, tornando-se o fiduciante, possuidor direto, e o fiduciário, possuidor indireto”.
Na constância do contrato a propriedade encontrar-se-á afetado, em virtude do desdobramento da posse, devendo observar a resolução contratual, que poderá ocorrer de duas formas distintas, conforme preconizam os artigos 25 e 26 da Lei nº 9.514/97:
Art. 25 - com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se, nos termos deste artigo, a propriedade fiduciária do imóvel.
[...]
Art. 26 - vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
Em virtude das situações constantes dos artigos supramencionados, ocorrerá a extinção do contrato, o que em consequência também resultará na extinção da propriedade fiduciária, podendo ser em virtude do adimplemento ou pelo descumprimento total ou parcial da obrigação principal pactuada.
A forma de extinção contratual decorrida em virtude do cumprimento da obrigação pelo devedor, com o total pagamento da dívida, proceder-se-á com a averbação para cancelamento do registro gravado com a Alienação Fiduciária pelo oficial do Registro de Imóveis, apresentando na Serventia Registral, a autorização para cancelamento disponibilizado pelo credor fiduciário. Em virtude do inadimplemento, consolidar-se-á a propriedade em nome do credor fiduciário que deverá proceder a leilões públicos, de acordo com os procedimentos a seguir evidenciados.
Caso o devedor possua débitos em atraso, após o prazo de carência, o Oficial de Registro de Imóveis procederá a intimação do mesmo, para que efetue a purgação da mora, seguindo criteriosamente os procedimentos entabulados nos §§1º e 2º do artigo 26 da Lei nº 9.514/97:
Art. 26 [...]
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.
§ 2º O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a intimação.
A Lei que trata a Alienação Fiduciária, ainda, em seu artigo 26, nos parágrafos 5º e 6º, determina que:
Art. 26 [...]
§ 5º Purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de alienação fiduciária.
§ 6º O oficial do Registro de Imóveis, nos três dias seguintes à purgação da mora, entregará ao fiduciário as importâncias recebidas, deduzidas as despesas de cobrança e de intimação.
A lei determina que o pagamento seja feito no Cartório de o Registro de Imóveis.
Na ocasião em que o devedor purgar a mora no prazo estipulado em lei, o contrato o qual o bem imóvel foi dado em garantia se mantém.
De acordo com o §6º da Lei supracitada, a quantia paga pelo devedor, deduzidas as despesas de cobrança e intimação, serão entregues ao fiduciário no prazo de 3 dias, após a purgação da mora.
Sobre o tema, CHALHUB (2017, p. 233) observa que:
A purgação da mora far-se-á perante o oficial do Registro de Imóveis competente, mediante pagamento dos valores que lhe tiverem sido informados pelo credor, em demonstrativo no qual deverão estar discriminados os valores do principal, dos juros e demais encargos contratuais; tendo em vista o tempo que decorrerá entre o requerimento de intimação e o final do prazo para purgação de mora, é de toda conveniência que o credor apresente demonstrativo em que estejam compreendidas as parcelas que se vencerem nesse interregno, incluindo as penalidades, pois, do contrário, haverá o risco de efetivar-se pagamento em valor inferior ao devido, considerada a futura data em que vier a se realizar a purgação da mora; nos 3 dias seguintes à purgação, o Oficial do Registro de Imóveis deverá entregar ao credor-fiduciário as importâncias recebidas, deduzidas as despesas de cobrança e de intimação (art. 26 e §§).
Pode ocorrer também do pagamento ser efetuado pelo devedor fiduciante, antes que o Oficial de Registro de Imóveis proceda com a intimação para que este purgue a mora, e após ser intimado, apresentar os comprovantes de pagamento na Serventia Registral competente.
Pode-se dizer que não há impedimento legal para que o fiduciante purgue a mora diretamente ao fiduciário, não obstante tratar-se de forma atípica de purgação da mora, com quebra do procedimento traçado na lei. Todavia, nesse caso, fica evidente que caberá ao fiduciário a responsabilidade de informar ao oficial do registro de imóveis o pagamento integral do valor cobrado, encaminhando a quitação e o pedido de cancelamento da intimação do fiduciante, sem prejuízo do imediato pagamento de eventual diferença das despesas de intimação e cobrança que forem devidas (informação verbal)[1].
Na situação em que o devedor não realizar o pagamento em atraso prazo prescrito em lei, a propriedade será consolidada em nome do credor fiduciário, como preceitua o art. 26 Lei nº 9.514/97:
Art. 26 - vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
A consequência preponderante da não purgação da mora por parte do devedor fiduciante implica na extinção de seu direito de reivindicação do bem, ora subordinado a uma condição resolutória, o qual gera vínculo com o fiduciário. Desta maneira, o credor fiduciário deverá apresentar um requerimento, juntamente com o ITBI - Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis, devidamente recolhido, com a finalidade de que a averbação da consolidação da propriedade seja procedida em seu nome.
Tal incidência de Imposto de transmissão inter vivos, encontra-se prevista no §7º do artigo 26 da Lei nº 9.514/97:
Art. 26. [...]
§ 7º - decorrido o prazo de que trata o § 1º sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio.
Neste sentido, da mesma forma se mostra pacífica a jurisprudência de nossos tribunais, conforme acórdão ora transcrito:
APELAÇÃO. CONTRATO. FINANCIAMENTOS HABITACIONAL.
ALIENAÇÃO FIDuciária. consolidação da propriedade. lei 9.514/97. purga da mora. HONORÁRIOS. 1. Na espécie, não é mais possível a purga da mora até a data da assinatura do auto de arrematação, considerando que a consolidação da propriedade do imóvel em favor da CEF ocorreu posteriormente às modificações operadas na Lei 9.514/1997 pela Lei 13.465/2017. Logo, não sendo mais possível a purga da mora, prejudicada a discussão sobre a reabertura do contrato com a volta do pagamento das parcelas. 2. Honorários advocatícios mantidos. 3. Apelação não provida. (TRF-4 - AC: 50446078320184047000 PR 5044607-83.2018.4.04.7000, Relator: Cândido Alfredo Silva Leal Junior, Data de Julgamento: 17/06/2020, QUARTA TURMA).
Procedida a averbação de consolidação em nome do credor fiduciário junto ao órgão competente, esta não possui o direito de dispor do imóvel, pois seu direito limitado, de acordo com o artigo 27 da Lei nº 9.514/97, isto significa que:
Art. 27 - uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.
Assim, o credor fiduciário fica por imposição legal, inabilitado de dispor do imóvel por livre arbítrio. Nem mesmo manter o bem sobre sua posse, visto que a lei estabelece que o bem deverá ser alienado em público leilão.
Demonstram que a consolidação da propriedade visa atender a um fim específico, a satisfação do crédito, indicando, ainda, que se trata de propriedade resolúvel, a qual, nas precisas e notórias palavras de Caio Mário, é aquela “que nasce contaminada com o germe da sua extinção”[2].
Em razão do cumprimento da obrigação, qual seja, o integral pagamento das parcelas e encargos provenientes do contrato, dar-se-á a extinção por adimplemento por parte do fiduciante. Nesta modalidade, o fiduciário recebe a integralidade do valor da dívida oriunda do contrato, fornecendo-lhe em decorrência do adimplemento, um termo de quitação integral da dívida, para que seja apresentado no Cartório de Registro de Imóveis competente, onde será procedida a averbação do cancelamento da propriedade fiduciária constante do registro, conforme preconiza o artigo 25 da Lei nº 9.514/97:
Art. 25 - com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se, nos termos deste artigo, a propriedade fiduciária do imóvel.
Assim, com o cumprimento da obrigação por parte do devedor, a propriedade fiduciária resta resolvida.
O leilão decorre a partir do inadimplemento do devedor, que, ao não purgar a mora, está sujeito a perder o bem dado em garantia. Este leilão deve seguir rigorosamente o artigo 26 da Lei 9.514/1997.
Dispõe o caput art. 26:
Art. 26 - vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
De acordo com item 253 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo: Uma vez consolidada a propriedade em nome do fiduciário, este deverá promover a realização de leilão público para venda do imóvel, nos 30 (trinta) dias subsequentes, contados da data da averbação da consolidação da propriedade, não cabendo ao Oficial do Registro de Imóveis o controle desse prazo.
Poderão ser realizados até dois leilões; caso não haja arrematação no primeiro, realizar-se-á o segundo. Encontram-se previstos em lei, valores mínimos determinados para a arrematação do bem.
Realizar-se-á o segundo leilão, 15 dias após o primeiro, caso este reste infrutífero em razão do lance não ter alcançado o valor da dívida. (art. 27 §1º da Lei
9.514/1997).
A lei também estipula, que não será aceito valor inferior ao valor da dívida no 2º leilão, conforme demonstra o §2º do art. 27:
Art. 27. [...]
§ 2º - no segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais.
A referida lei em seu artigo §4º do art. 27 prevê que:
Art. 27. [...]
§ 4º - nos cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§ 2º e 3º, fato esse que importará em recíproca quitação.
Assim, depois de abatidos os valores da dívida e das despesas e encargos entabulados no 4º, o credor entregará ao devedor a importância remanescente.
Em virtude da Lei nº 13.465/2017, incluiu-se a redação do parágrafo §2º-B no artigo 27 da supracitada lei, apresentando a seguinte redação:
Art. 27. [...]
§ 2º-B - após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado os encargos e despesas de que trata o §2º, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmico, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária do patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbido, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos.
A partir do procedimento da averbação da consolidação da propriedade fiduciária em nome do fiduciário e até o dia da realização do segundo leilão, é garantido ao fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, acrescentam-se encargos e despesas elencados no § 2o do artigo 27 da Lei 9.514/97 e demais encargos que a lei determinar.
A controversa manifesta-se, no segundo leilão, ocasião em que o maior lance oferecido não alcance o valor estipulado em lei, restando frustrado o segundo leilão, onde poderá a dívida ser considerada extinta, e eximirá o fiduciário da responsabilidade de ressarcir possíveis diferenças e recursos relacionados a melhoramentos realizados pelo devedor. Desta forma, ficará submetido o credor, a conceder o termo de quitação.
Nesse diapasão dispõe o art. 27 §§5º e 6º da Lei 9.514/1997:
Art. 27. [...]
§ 5º - se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.
§ 6º - na hipótese de que trata o parágrafo anterior, o credor, no prazo de cinco dias a contar da data do segundo leilão, dará ao devedor quitação da dívida, mediante termo próprio.
Comenta CHALHUB (2017, p. 242) sobre o tema:
[...] E ainda, se o maior lance oferecido for recusado por não ser igual ou superior ao mínimo correspondente à dívida e às despesas, considerar-se-á extinta a dívida, exonerando-se o devedor da obrigação pelo eventual saldo remanescente (art. 27, § 5º), devendo o credor, no prazo de cinco dias a contar da data do segundo leilão, dar quitação ao devedor-fiduciante em termo próprio.
Em recente julgado o STJ, julgou a inaplicabilidade do artigo 27, § 5º, da lei 9.514/97, tendo em vista que o valor do bem imóvel dado em garantia fiduciária não era suficiente para quitar integralmente o débito, vejamos:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. LEILÃO DE IMÓVEL DADO EM GARANTIA PARCIAL DE DÍVIDA. PREÇO, EM SEGUNDA PRAÇA, INSUFICIENTE PARA QUITAR A DÍVIDA POR INTEIRO.
PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 27, § 5º, DA LEI N. 9.514/1997. FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO IMPUGNADOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 283/STF. AGRAVO IMPROVIDO (STJ - AgREsp nº 818.237 - SP (2015/0298116-0); Decisão monocrática Ministro Marco Aurélio Bellizze. Julgamento: 02 fev. 2016, Publicação: DJ 17 fev. 2016).
Pontua-se que em tal precedente a dívida existente não foi constituída para a aquisição do bem dado em garantia fiduciária, ademais, o bem alienado garantiu apenas parte da dívida, conforme se extrai do trecho abaixo colacionado:
"O Tribunal de origem entendeu que o preço obtido pelo imóvel dado em garantia não serviria para quitar integralmente a dívida (afastando, portanto, o art. 27, § 5º, da Lei n. 9.514/1997) tendo em vista as características do contrato. Assinalou, em primeiro lugar, que a dívida não foi contraída para aquisição do bem excutido. Além disso, o gravame constituído se deu expressamente como garantia parcial da dívida. Finalmente, haveria previsão contratual expressa (cláusula 20) de que a execução das garantias ofertadas não elidiria, restringiria ou eliminaria o direito de crédito do banco. As razões recursais não impugnaram esses fundamentos, o que atrai a incidência da súmula 283/STF."
Com o intuito de alinhar possíveis vertentes distintas a respeito da extinção da dívida, ressalta-se que tramita projeto de lei 28 que objetiva inserir novo parágrafo no artigo 27 da Lei de Alienação Fiduciária de Coisa Móvel, com a seguinte redação:
§ 9º - a extinção da dívida e a exoneração do devedor da respectiva obrigação, previstas nos §§ 4º e 5º deste artigo, aplicam-se tão somente às operações de financiamento imobiliário, não se estendendo, em hipótese alguma, a qualquer outra modalidade de financiamento na qual se utilize contratualmente da alienação fiduciária em garantia”.
Tal Projeto Lei aguarda parecer do Relator na Comissão de Finanças e Tributação (CFT).
3 CONCLUSÃO
Por todo o exposto, pode-se concluir que a Alienação Fiduciária de Coisa Imóvel introduzida através da Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, pode ser compreendida como um negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.
Conforme evidenciado no presente trabalho, a introdução do referido instituo foi assertiva, impulsionando a economia e trazendo segurança jurídica aos credores.
Esta nova modalidade de garantia fez com que a recuperação de créditos fornecidos a devedores inadimplentes se tornasse mais célere, trazendo benefícios nesse aspecto, por tratar-se de um procedimento extrajudicial, desobstruindo também as vias judiciais. Assim, o Oficial de Registro de Imóveis, desempenha um importante papel a fim de garantir a segurança dos credores, em relação também a possibilidade concreta de produção dos atos a ele inerentes.
Conclui-se que, existe divergência na doutrina e na Jurisprudência acerca da extinção da dívida entabulada nos parágrafos 4º e 5º do Artigo 27 da Lei 9.514/97. Sucede-se que, a lei não esclarece quando a obrigação do devedor em relação ao pagamento ou não do saldo remanescente da dívida, tendo restado os leilões frustrados. Desta forma, não é possível afirmar com exatidão se o devedor se exime quanto ao pagamento da dívida remanescente. Entende-se que, caso ocorra saldo residual da dívida, a Lei 4.728/65 dispõe que o fiduciante continuará responsável pelo pagamento da diferença da dívida remanescente o valor do bem na ocasião alienado. Por outro lado, a Lei 9.514/1997 prevê que poderá haver extinção da dívida. É evidente a divergência de entendimentos apresentados entre a doutrina e a jurisprudência, e aguarda-se a aprovação do projeto de lei que se encontra tramitando, para que tais decisões de alinhem reconhecendo a extinção da dívida.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os Registros Públicos. Brasília, DF: Congresso Nacional, 1973. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm>. Acesso em: 17 jun. 2020.
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Alienação Fiduciária de Bens Imóveis. Blog do Direito Civil e Imobiliário. Disponível em <http://civileimobiliario.web971.uni5.net/wp- content/uploads/2017/04/Aliena%C3%A7%C3%A3o-Fiduci%C3%A1riaAASP2017.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2020.
Decreto-Lei nº. 911, de 1º de outubro de 1969. Altera a redação do art. 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965- 1988/Del0911.htm>. Acesso em: 19 jun. 2020.
IRIB - Instituto de Registro Imobiliário do Brasil. São Paulo, 2020. Disponível em: <http://www.irib.org.br/app/webroot/publicacoes/pagina335/pdf.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2020.
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Projeto de Lei - PL 6.525/2013. Altera a Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, que “Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências”, para fins de disciplinar o tratamento da alienação fiduciária em garantia. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=59552 6>. Acesso em: 24 jun. 2020.
SCAVONE JUNIOR, L. A. Direito Imobiliário: Teoria e Prática. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 524.
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Tribunal Regional Federal da 4ª Região. TRF-4. RECURSO ESPECIAL: Apelação Cível Nº 5029296-73.2014.4.04.7200. Relator: Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior. Disponível em: <https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/pesquisa.php?tipo=1>.
[1] Notícia fornecida por Valestan Milhomem da Costa, Palestra proferida no XXXV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, em João Pessoa - PB, em de outubro de 2008.
[2] Notícia fornecida por Valestan Milhomem da Costa, Palestra proferida no XXXV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, em João Pessoa - PB, em de outubro de 2008.
Bacharelanda do curso de Direito pelo IESB - Instituto de Ensino Superior de Bauru
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, THAIS CRISTINE SILVA. O direito e o instituto da alienação fiduciária de bens imóveis: saldo devedor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 abr 2021, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56417/o-direito-e-o-instituto-da-alienao-fiduciria-de-bens-imveis-saldo-devedor. Acesso em: 22 nov 2024.
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