RESUMO: A pesquisa objetiva destrinchar especificamente sobre o bem de família e sua impenhorabilidade. Metodologicamente, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, a qual foi possível reunir monografias, artigos e livros com seus respectivos autores a fim de que seja debatido o tema em questão. A pesquisa é relevante tanto para os operadores do Direito quanto para a sociedade, pois visa debater sobre o instituto da impenhorabilidade do bem de família que consiste na proteção da família, considerada o principal pilar da sociedade, com os interesses da prole e do lar acima dos valores creditícios. Está calcado no respeito à dignidade da pessoa humana, o qual se encontra assegurado pela Constituição Federal. Dividiu-se a pesquisa em 04 itens, quais sejam, a contextualização histórica do bem de família; o bem de família convencional e legal; os direitos fundamentais e a lei que disciplina sobre a impenhorabilidade da família.
Palavras-chave: Impenhorabilidade; Bem; Família; Dreito.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO DO BEM DE FAMÍLIA - 2.1 O BEM DE FAMÍLIA NO BRASIL - 3 BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO E BEM DE FAMÍLIA LEGAL - 3.1 NATUREZA JURÍDICA - 3.2 CONCEITO DE BEM DE FAMÍLIA CONVENCIONAL - 3.3 INSTITUIÇÃO - 3.4 CONCEITO E ESTRUTURAÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA LEGAL - 4. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A LEI 8.009/90 - 4.1 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ENQUANTO PRINCÍPIO JURIDICO - 4.2 FINALIDADE E EFICÁCIA DA LEI 8009/90 - 5. CONCLUSÃO - 6. REFERÊNCIAS
O instituto da impenhorabilidade do bem de família consiste na proteção da família, considerada o principal pilar da sociedade, com os interesses da prole e do lar acima dos valores creditícios. Está calcado no respeito à dignidade da pessoa humana, o qual se encontra assegurado pela Constituição Federal.
Visa, portanto, resguardar determinados bens, como o imóvel que serve de residência à família e, caso este seja locado, os bens móveis que o guarnecem, bem como, a pequena propriedade rural, entre outros, tornando-os imunes à penhora, ou seja, não responderão tais bens pelas dívidas contraídas pelos cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, ressalvadas algumas exceções
A pesquisa é relevante tanto para os operadores do Direito quanto para a sociedade, pois visa debater sobre o instituto da impenhorabilidade do bem de família que consiste na proteção da família, considerada o principal pilar da sociedade, com os interesses da prole e do lar acima dos valores creditícios. Está calcado no respeito à dignidade da pessoa humana, o qual se encontra assegurado pela Constituição Federal.
Desse modo, a pesquisa objetiva denotar a impenhorabilidade do bem de família, aludindo-se a sua eficácia legal nos ditames da Lei. Especificamente serão apresentados a contextualização histórica do bem de família, os seus conceitos e de que forma este instituto se apresenta na Legislação, e como os doutrinadores observam a sua aplicabilidade.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO BEM DE FAMÍLIA
O instituto tem origem norte americana, onde surgiu no começo do século XIX, quando o Estado do Texas, promulgou uma lei no ano de 1839, devido a crise econômica pela qual passava o país naquela época, a qual consiste na cessão a todo chefe de família maior de 21 anos de idade, de uma propriedade rural que tivesse entre 80 a 160 hectares, com a finalidade de torna-lo produtivo, dando, em consequência, proteção a sua família, proporcionando assim um abrigo seguro.
Nela deveria o cessionário viver durante cinco anos, mediante a realização de certas benfeitorias, quando passaria a ter direito no recebimento do título dominial daquela área.
O homestead estadual, após seu nascimento, em 1839, no Texas, espalhou-se pelo território americano, implantando-se no ano de 1849, em Vermont e Wisconsin; no ano de 1850, em New York e Michigan; no ano de 1851, em Indiana, New Jersey e Delaware e, no de 1864, em Nevada. Nestes Estados do Norte, mais necessitados do instituto, veio ele com remédio imediato, que em seguida, foi sendo adotado no Sul, dado os nefastos efeitos da Guerra da Secessão causados àquele rico território, primeiramente, no ano de 1865, na Flórida e Virgínia, depois, no ano de 1868, em Arkansas e Alabama; no de 1870, no Mississippi e na Geórgia.
Assim outros estados americanos passaram então a adotar esta mesma norma, e em alguns deles houve até mesmo a inclusão desta norma na própria constituição local, ficando assim definitivamente criado o instituto do HOMESTEAD (home = casa, lar; stead = lugar, local), que na linguagem jurídica quer dizer (uma residência de família ou local do lar) 1 .
O Instituto do bem de família teve origem no Brasil, exatamente em 01/12/1912, quando em comissão especial do senado presidida pelo então senador Feliciano Penna, aceitou a emenda apresentada pelo senador Fernando Mendes de Almeida, mandando incluir quatro artigos regulando o HOMESTEAD.
Desta forma incluiu-se em nosso sistema legislativo o bem de família, tendo sido a emenda que o apresentou publicada no órgão oficial em 05/12/1912.
Com isto foram implantados os artigos 70 a 73, que se podem observar na parte geral do Código Civil de 1916, ali tida como de forma inadequada no entendimento de expressiva parte de nossa doutrina, que preferia vê-lo tratado no campo de direito de família, uma vez que na área onde se encontrava abordava apenas os elementos da relação jurídica, sujeitos, objetos e fatos que determinam a origem conservação e extinção de direitos.
É de salientar que o bem de família é relação jurídica de caráter específico e não genérico, desta forma se justifica tal defesa doutrinária, que ainda se assenta ser a finalidade do instituto a proteção da família, proporcionando-lhe abrigo seguro.
Nessa direção, amparando a pretensão doutrinária, a lei 10.406/02 - Código Civil, insere o instituto no referido direito de família, mais precisamente nos artigos 1.711 à 1.722, e não mais na parte geral.
Na realidade, não há outro lugar, no sistema legislativo, do que o Direito de Família para agasalhar o instituto, que deve fazer parte do conjunto de normas reguladoras das atividades familiares, com cuidados especiais, para que o Estado intervenha, sempre e de forma categórica, por sua vontade soberana, no tratamento dessa que é a figura jurídica preservadora da própria existência dos indivíduos, em seu grupo mais íntimo, que mais merece a cura do Direito. Dessa forma não pode o Estado negar à família uma proteção sólida, por meio de um eficaz ordenamento jurídico, pois que mais caiba responsabilidade nesse sentido do que ao indivíduo.
No tocante à natureza jurídica do instituto do bem de família, nossos doutrinadores assumem posições diversas. Há os que defendem a existência de uma transmissão imobiliária, onde a família seria a adquirente, como personalidade coletiva, e o instituidor o transmitente
E aqueles que como o Prof. Caio Mário, entendem o instituto do bem de família como de forma de afetação de bens a um destino especial, que é a residência familiar, impenhorável por dívidas anteriores à sua constituição, salvo se proveniente de impostos devidos pelo próprio prédio (PEREIRA, 2012).
Esta controvérsia a qual se forma em torno da natureza jurídica, na verdade não oferece maior utilidade prática, sendo que, a essência evidenciada pela própria natureza jurídica do instituto é sem dúvida a proteção da família, o ente mais significativo ao Estado, com acentuação do valor da moradia familiar. Esta é a ideia fundamental, calcada no amparo da entidade familiar, com os interesses da prole e do lar acima dos valores creditícios. Ao preservar certos bens da penhora, quer o legislador integrá-los no conceito de dignidade familiar, protegendo desta forma, à família, por ser bem jurídico superior.
Antes mesmo do início da vigência do Código Civil de 1916, Carvalho de Mendonça conceituava o bem de família como: “uma porção de bens definidos que a lei ampara e resguarda em benefício da família e da permanência do lar, estabelecendo a seu respeito a impenhorabilidade limitada e uma inalienabilidade relativa” (SANTOS, 2013)
Assim definiu João Marques dos Reis: “O prédio solenemente destinado pelo chefe de família solvente, a domicílio desta, gozando de relativa impenhorabilidade e não podendo ter outro destino, nem ser alienado, sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais” (REIS, 2003).
Mais recentemente, Álvaro Villaça Azevedo apresentou seu conceito da seguinte forma: “O bem de família é um meio de garantir um asilo a família, tornando o imóvel onde a mesma se instala, domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade” (AZEVEDO, 2012).
Dos conceitos formulados até aqui, com relação ao bem de família, todos a luz do Código Civil de 1916, percebe-se a conjugação dos elementos característicos do instituto, de forma que se torna possível a definição de um imóvel urbano ou rural, destinado a proteção da residência da família, mediante a garantia de que não sofrerá penhora por dívidas, salvo as exceções legalmente previstas
Atualmente essa definição permanece correta, porém não totalmente completa. Com o advento da Lei 10.406/2002 (Código Civil), houve um redimensionamento do instituto, o qual passou a ter uma feição que pode ser definida como de fundo patrimonial, caracterizado por subtrair determinados valores previamente estipulados e atrelados ao imóvel destinado à instituição do bem de família, tornando-os impenhoráveis e inalienáveis, visando assegurar um meio de renda destinada à conservação do próprio imóvel e ao sustento da família.
Podemos, desta forma, conceituar o instituto do bem de família voluntário como um prédio ou parcela do patrimônio que os cônjuges, ou entidade familiar, destinam para abrigo e domicílio desta, com cláusula de ficar isento da execução por dívidas futuras. Esse instituto visa assegurar um lar à família, pondo-a ao abrigo de penhoras por débitos posteriores à instituição, salvo os que provierem de impostos relativos ao próprio imóvel. Trata-se de bem impenhorável e inalienável. A sua instituição competirá ao marido e a mulher, tendo em vista que em certas hipóteses um deles poderá estar na chefia, se for viúvo ou se assumiu a direção da família sozinho, diante do fato do outro estar preso, ter sido declarado ausente ou ter sofrido interdição.
3.3 INSTITUIÇÃO
Para ser efetivada a instituição do bem de família devem ser atendidos alguns requisitos que vem expressamente previstos nos artigos 1.711 a 1.722 do C.C, no Decreto-lei nº 3.200/41 e na Lei 6.015/73.
Inicialmente, cabe salientar que, a instituição do bem de família deverá recair sobre bem imóvel, podendo este ser urbano ou rural e que seja destinado ao domicílio da família, incluindo seus pertences e acessórios ou abrangendo valores mobiliários (valor representado por bens imóveis), cuja renda deverá ser aplicada na conservação do prédio e no sustento da família.
A instituição do bem de família poderá ser feita por testamento ou por escritura pública, com a individualização do prédio e a declaração de sua destinação, devidamente registrada. Lavrada a escritura pública, os instituidores encaminharão ao oficial do Registro Imobiliário, para que providencie os editais para sua publicação na imprensa local, cientificando os interessados de que deverão apresentar impugnação dentro de trinta dias, contados da data da publicação. Decorrido sem protesto, registra-se o instrumento, o qual atribui ao imóvel a qualidade de ficar isento de execuções por dívidas, salvo as que provierem de impostos relativos ao próprio prédio.
Com relação ao quantum dos valores mobiliários destinados a instituição do bem de família, estes não podem exceder ao valor do prédio, que constitui o domicilio familiar, à época daquela instituição.
O instituidor do bem de família poderá determinar não só que a administração dos valores mobiliários seja confiada a uma instituição financeira, como também disciplinar o modo de pagamento da renda aos beneficiários, hipótese em que os administradores terão sua atuação e responsabilidade regida pelas normas do contrato de depósito. Com relação a destinação da renda destes valores mobiliários, a mesma deverá ser aplicada para conservar o imóvel, que abriga os instituidores e sua prole, e para sustentar a família.
A constituição Federal de 1988 determina ao Estado à obrigação de proteger à família e garantir à dignidade humana. Em resposta aos mandamentos constitucionais contidos nos artigos 1º, inciso III, e 226, surgiram, inicialmente, a Medida Provisória nº 143, e posteriormente, a Lei 8009/90, que instituiu o benefício da impenhorabilidade do bem de família “ex lege” dispensando a escritura pública, sendo, também, irrelevante a circunstância de o beneficiário ser ou não devedor.
Esta Lei 8.009/90, veio a modernizar o instituto do bem de família, dando-lhe maior abrangência e mais amplo sentido humano e social, uma vez que retirou do campo de incidência da penhora, independentemente da vontade do cidadão, a casa que constitui seu lar e os móveis que a guarnecem.
Compreende o bem o espaço sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, principalmente, os de uso profissional, os móveis da casa, desde que quitados.
No que tange a pequena propriedade rural, trabalhada pela família, a impenhorabilidade atinge a sede da moradia, bem como os móveis nela existentes.
Para a Lei 8009/90, o termo família passou a ter maior amplitude, abrangendo não só aquele grupo de pessoas vinculadas por consanguinidade ou por afinidade, mas podendo originar-se tanto do casamento como da união estável, ou entidade familiar.
A Lei 8009/90 vem estruturada em oito artigos, os quais determinam a impenhorabilidade do bem de família explicitando seu conteúdo e abrangência, assim como enumerando as exceções, as quais serão estudadas no capitulo quarto deste trabalho.
Quanto à extensão, a impenhorabilidade instituída pela referida lei atinge um único imóvel urbano ou rural. Para efeito deste diploma legal, considera-se residência uma única propriedade destinada para moradia permanente, requisito indispensável, excluindo-se assim, do benefício da impenhorabilidade, as casas de veraneio ou lazer e similares.
Nos termos do parágrafo único do artigo 5º do referido texto legal, quando o casal, ou entidade familiar, possuir vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido destinado para este fim, bem de família convencional, na forma do artigo 1.711 e seguintes do Código Civil.
Diante do caráter impositivo da lei, que torna impenhorável o bem destinado à moradia da família, de forma automática, independente de qualquer atitude do devedor, surge um questionamento: Poderá o devedor alienar ou efetuar a dação em pagamento do bem tido como de família para saldar seus compromissos, renunciando ao benefício legal, sem o consentimento dos demais membros da família?
Na opinião de CARLOS GONÇALVES, ante aos termos impositivos da lei (é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida, salvo nas hipóteses previstas nesta lei), afirma não ser possível a renúncia ao direito 1
Entretanto, concordamos com a ideia de RITA DE CASSIA C DE VASCONCELOS, a qual expõem da seguinte forma: “A despeito de não se admitir a renúncia ao benefício da impenhorabilidade do bem de família por anterior disposição contratual ou pela inércia do devedor, admite-se que o executado renuncie ao benefício quando, ao ser citado, nomeia à penhora o bem de família. Do mesmo modo, caracteriza-se a renúncia quando a nomeação é feita pelo exequente e o devedor manifesta expressamente a sua concordância. Renúncia também ao benefício aquele que dá o bem em garantia. (VASCONCELOS, 2015)”
Podemos salientar que a jurisprudência entende tratar-se de direito disponível, embora a nova legislação tenha dispensado a vontade do instituidor, não despojando da livre disposição do bem, por não impor a impenhorabilidade da coisa. Sob o argumento de que “ao indicar o bem a penhora, o embargante renunciaram ao direito assegurado pela Lei 8.009/90, não se admitindo, em sede de embargos, reclamar da penhora levada a efeito nos moldes em que requereu, ou seja, recaída sobre bens nomeados. O embargante não pode locupletar-se da própria torpeza”. (JTJ – Lex 178/20, no mesmo sentido RT 724/379, RT 726/289).
Porém, situação diferente ocorre quando o devedor não indica bens a penhora, e esta recai sobre imóvel residencial familiar, e não alega a impenhorabilidade do bem, qualquer integrante de sua família e que com ele lá resida poderá fazê-lo.
A legitimidade ativa, neste caso, não decorre da titularidade (ou cotitularidade) dos direitos sobre o bem, mas sim da condição de possuidor (ou copossuidor) que o familiar detenha, e do interesse jurídico e moral de salvaguardar a habitação da família, diante da omissão ou da ausência do titular do bem.
Destaca-se, ainda, quando cônjuge ou companheira utilizam-se de embargos de terceiros para arguir a impenhorabilidade do bem de família, só pretendem ou só alcançam a meação do imóvel. Meação é patrimônio próprio que difere do bem de família. A incidência do benefício se norteia pela destinação, não pela titularidade. A impenhorabilidade do bem de família incide sempre sobre a moradia inteira.
4. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A LEI 8.009/90
No tocante à terminologia e a abrangência do termo direitos fundamentais, ausente um consenso doutrinário e até mesmo no âmbito do direito positivo constitucional, que utiliza termos diversos para se referir ao mesmo tema, seguiremos a orientação dada pelo professor INGO WOLFGANG SARLET, que assim define: “Constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente e conhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos delimitados espacial e temporariamente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito.” (SARLET, 2018)
Os direitos fundamentais que pautam a organização do Estado e da sociedade brasileira, positivados no início da Constituição, no título primeiro, estão deduzidos como fundamentos da República: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político.
Além desses princípios fundamentais, segue-se após, um rol de direitos fundamentais nos Capítulos I e II da Constituição Federal, contemplando diversas dimensões de direitos fundamentais e, de uma amplitude sem precedentes na história de nossas Constituições.
Aspecto que merece considerável destaque é a constatação de que os direitos fundamentais são, acima de tudo, fruto de reivindicações concretas geradas por situações de injustiça e/ou de agressão a bens fundamentais e elementares do ser humano.
Por outro lado, inúmeros acórdãos justificam suas decisões relativas à aplicação da Lei 8.009/90, no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que se constitui simultaneamente em limite e tarefa dos poderes estatais. Na condição de limite e tarefa dos poderes públicos, é algo que pertence a cada um e que não pode ser perdido ou alienado, porquanto, deixado de existir, não haveria mais limite a ser respeitado.
Como tarefa imposta ao Estado, reclama que este guie as suas ações, tanto no sentido de preservar a dignidade existente ou até mesmo, de criar condições que possibilitem o pleno exercício da dignidade. Sendo, portanto, dependente da ordem comunitária, já que se questiona até que ponto é possível ao indivíduo realizar, ele próprio, parcial ou totalmente suas necessidades existenciais básicas ou se necessita do concurso do Estado ou da comunidade para tanto.
Cabe salientar ainda que, o artigo 3º da Constituição Federal, declara que essa República tem como objetivos: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação
E como bem define TUPINAMBÁ MIGUEL CASTRO DO NASCIMENTO “Ao se falar em objetivos, se está pensando em meta a alcançar, em pretensão buscada pela política governamental, ou em desejo de realização concreta. “Para responder a tal assertiva o jurista buscou delinear o que se entende por objetivo, como sendo aquilo que se pretende ver refletido e tornado realidade como consequência das ações governamentais. Esclarece, ainda, que fundamental, na norma constitucional, tem significado de essencial. E assim complementa: “A interpretação que se faz do artigo é de que os objetivos indicados são prioridades a serem imprimidas nas ações do governo (NASCIMENTO, 2017)”
Por outro lado, coloca-se a questão relativa ao princípio fundamental da isonomia, que diz respeito ao direito de igualdade. Essa igualdade se dá perante à lei, sendo o principal destinatário o próprio legislador, que não poderá criar normas distintivas de pessoas, coisas ou fatos, caso contrário o mandamento constitucional se tornaria inteiramente inútil. Mas ao aplicador da lei também cabe a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento do mandamento constitucional.
Temos ainda o princípio da proteção da família, como obrigação do Estado, que é um desdobramento do direito fundamental da dignidade humana, decorrente de expressa norma constitucional contida no artigo 226.
4.1 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ENQUANTO PRINCÍPIO JURIDICO
A Constituição Federal de 1934 introduziu em nosso ordenamento jurídico a função social da propriedade, herdada da Constituição de Weimar de 1919.
A partir deste momento, o exercício do direito de propriedade, até então. Tratado como dogma absoluto, passou a ser restringido pelo interesse social da coletividade, sujeitando-se às limitações, como adequar-se às relações de vizinhança impostas pelo direito civil e circunscrições urbanísticas à propriedade particular.
E, sucessivamente, as Constituições referiam-se ao tema sem dar efetividade à norma, que continuava condicionada a uma regulamentação do exercício da propriedade constante do Código Civil de 1916, diga-se de passagem, originando em concepções individualistas, acentuando o caráter de inviolabilidade da propriedade.
Nas décadas de 60 e 70, a maior parte da população brasileira já se encontrava nas zonas urbanas. Sob a égide do governo militar, o aumento das tensões sociais urbanas, foi usado como justificativa para a formulação de uma política oficial explicita de desenvolvimento urbano em nível nacional.
Fato de especial relevo foi a criação do Banco Nacional da Habitação, o Conselho Nacional do Desenvolvimento e a construção de cidades planejadas, na tentativa de conter e organizar o processo de urbanização das grandes regiões metropolitanas.
Em trabalho elaborado a respeito da Função Social da Posse e da Propriedade Contemporânea, citamos o ilustre professor LUIZ EDSON FACHIN: “ A doutrina da função social da propriedade corresponde a uma alteração do regime tradicional; não é, todavia, questão de essência, mas sim pertinente a uma parcela da propriedade que é a sua utilização.” E mais adiante, esclarece: “ A função social de propriedade corresponde a limitações fixadas no interesse público e tem por finalidade instituir um conceito dinâmico de propriedade em substituição ao conceito estático, representando uma projeção da reação anti-individualista. O fundamento da função social da propriedade é eliminar da propriedade privada o que há de eliminável.” (FACHIN, 2008)
A função social é elemento da estrutura e do regime jurídico da propriedade; é, pois, princípio ordenador da propriedade privada; incide no conteúdo do direito de propriedade, impondo-lhe novo conceito, ao passo que, o artigo 170 da Constituição Federal ao inscrever a propriedade privada e a sua função social como princípios de ordem econômica que visam assegurar a todos, existência digna, conforme os ditames da justiça.
4.2 FINALIDADE E EFICÁCIA DA LEI 8009/90
Diante do conteúdo até agora examinado a respeito do tema da impenhorabilidade do bem de família, assim definido pela Lei 8.009/90, no que tange a sua abrangência, questionamos se são legítimos os argumentos que lhe dão suporte frente as inúmeras “contradições” que dela decorrem, haja vista que não foi declarada sua inconstitucionalidade, apesar de vários argumentos nesse sentido.
Tal lei foi editada em meio a um caos econômico criado pelas atuações do Governo de José Sarney, na vã tentativa de estabilização econômica do país. Sucederam-se mudanças do padrão monetário e das diversas formas de indexação que exigiam a adoção de normas capazes de impedir o desmoronamento da economia privada.
Com o advento da Medida Provisória 143, de 08 de março de 1990, suspenderam-se os processos em curso nos quais a penhora recaia sobre o bem de família, impossibilitando a efetivação da constrição.
A posterior conversão da Medida Provisória na Lei 8.009/90 tem sua origem e inspiração na política econômica, que editou normas de direito econômico, não apenas para tornar efetiva a aplicação dos diversos planos tentados, mas, sobretudo, para minimizar o impacto nos campos econômico-sociais e, depois, para contornar as consequências desastrosas do fracasso dos mesmos no âmbito da sociedade e na esfera individual. Demonstra ser nítida, no Brasil, uma certa falta de seriedade legislativa, corroborada por uma pressa em editar leis mal elaboradas, provocando resultados danosos à população.
Muitos juristas defenderam a constitucionalidade da lei, aplicação imediata, justificando-se pela sua finalidade, como ROGÉRIO LAURIA TUCCI, cujo entendimento acerca da referida lei é de que: “...pressupõe a satisfação das necessidades sociais, veio à luz em face da situação aflitiva por que passa o país no setor habitacional, mostrando-se o Estado impotente para solucionar tão grave problema, gerado este, aliás, pelo nefasto ‘capitalismo selvagem imperante’. Atendendo à função social preconizada pelo artigo 5º, inciso XXIII, da Magna Carta, objetivou preservar a propriedade destinada à residência dessa entidade, mantendoa a salvo dos transtornos econômicos e financeiros de seus proprietários, como exigido pelo bem comum.” (LEAL, 2008)
Ao instituir a impenhorabilidade do bem de família, do imóvel residencial destinado à moradia do devedor com sua família, extensivo aos móveis quitados, a Lei 8.009/90 teve por finalidade assegurar a sobrevivência decente e este beneficiário, ou, em última instancia, preservar a dignidade humana mesmo em face do inadimplemento econômico. Mas a transcendência de um objetivo de tal ordem acabou sendo, precisamente, a causa de um rol interminável de efeitos negativos, que podem na essência, serem resumidos como a proteção inviável ao calote e a má-fé. Afronta o senso mais comum de justiça que alguém não possa ser compelido a pagar suas dividas e esta é a conclusão que da leitura da lei, levada a extremos, permite antever. Além disso, não obstante a questão jurídica, criou-se, um problema de ordem ética a ser resolvido: em que medida a aplicação da letra fria da lei corrompe os princípios de honestidade e moralidade do cidadão e da própria sociedade.
No que se refere ao princípio da isonomia, novamente citamos RAINER CZAJKOWSKI: “é no mínimo duvidoso que uma pessoa solteira e morando sozinha, por exemplo, não seja beneficiada pela lei. Numa interpretação textual, parece que indivíduos sozinhos (solteiros, divorciados ou separados judicialmente) não são merecedores do argumento da dignidade humana, para garantia de seu direito de habitação. É fácil perceber que podem estar em condições sociais e econômicas similares àqueles que tem ao seu lado uma esposa, uma companheira, um ascendente etc. A distinção legal entre sujeitos em situações iguais é absolutamente injustificável”(CJAJKOWSKI, 2008).
Acrescenta-se que, as exceções estabelecidas no artigo 3º da Lei 8.009/90, não obstante os argumentos sob os quais foi editado o novo estatuto a impenhorabilidade do bem de família, este não pode criar ou permitir situações privilegiadas, de sorte que o credor quirografário, aquele que não exigiu qualquer garantia a não ser o título representativo da dívida, emitido pelo devedor, se outros bens ele não tiver, a não ser a casa onde mora ou apenas os bens que guarnecem a residência alugada, não terá como, na ação competente, ver o Estado-juiz promover os atos de execução a partir da penhora para o recebimento de seu crédito. Entretanto, o credor que se garantiu através da hipoteca de imóvel residencial do devedor poderá executar o contrato e ver penhorado o bem de família, enquanto todos os demais não poderão com ele concorrer.
5. CONCLUSÃO
O instituto do bem de família denominado voluntário, na forma prescrita pelo Código Civil Brasileiro, é o sistema usualmente utilizado nos demais ordenamentos jurídicos estrangeiros, entretanto, está completamente superado.
Por outro lado, a Lei 8.009/90 que rege a impenhorabilidade legal do bem de família, foi editada em momento crítico, no qual o país era assolado por uma crise socioeconômica, em virtude das tentativas do governo de estabilização monetária que geravam a necessidade da adoção de medidas capazes de impedir o desmoronamento da economia privada.
Apesar da vasta discussão levada a efeito sobre o tema, não foi decretada a inconstitucionalidade da lei. Porém, em vários aspectos sua validade é discutível, em razão das contradições geradas e já examinadas ao longo do trabalho.
Por derradeiro, assevera-se a necessidade do exame do caso concreto, buscando elementos indicativos que informem critérios de razoabilidade para bem aplicar a Lei 8.009/90, na tentativa de minimizar os prejuízos à sociedade que a sua aplicação literal causaria.
AZEVEDO, Álvaro Villaça apud MARMITT, Arnaldo. Bem de Família. Rio de Janeiro: AIDE, 2005. p. 151.
AZEVEDO, Álvaro Villaça de. Bem de Família: com comentários à Lei 8.009/90. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.25
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de Família: Com comentários à Lei 8.009/90. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
CZAJKOWSKI, Rainer. A Impenhorabilidade do Bem de Família: Comentários a Lei 8.009/90. 3.ed. Curitiba: Juruá, 2008.
FACHIN, Luiz Edson. A Função Social da Posse e da Propriedade Contemporânea. Uma perspectiva do usucapião imobiliário rural. Porto Alegre: Fabris, 2008.p. 18-19.
LEAL, Rogério Gesta. A Função Social de Propriedade e da Cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.p. 956.
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Comentários a Constituição Federal: princípios fundamentais – artigos 1º a 4º. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017.p. 189-190.
PEREIRA, Caio Mario. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2012. v. 1.
REIS, João Marques, apud SANTOS, Marcione Pereira dos. Bem de Família: voluntário e legal. São Paulo: Saraiva, 2003. p.73
SANTOS, Marcione Pereira dos. Bem de Família: voluntário e legal. São Paulo: Saraiva, 2003.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018.p. 32.
VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. Impenhorabilidade do Bem de Família: e as novas entidades familiares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.p. 40.
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus- CEULM/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMPOS, JUCILÉIA JAKIMINUTT. A impenhorabilidade do bem de família Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 maio 2021, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56517/a-impenhorabilidade-do-bem-de-famlia. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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