SANDY DE ARAÚJO DE JESUS [1]
(coautora)
ROCHELE JULIANE LIMA FIRMEZA [2]
(orientadora)
RESUMO: A função jurisdicional da Justiça Eleitoral, prevista tanto no Código Eleitoral, quanto na Constituição Federal de 1988, possui como função principal a de possibilitar a expressão da vontade dos eleitores e operacionalizar todos os procedimentos eleitorais. Além disso, também pode processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, conforme o art. 35 do Código Eleitoral. Assim, com o método de análise dedutivo realizou-se uma pesquisa qualitativa sob investigação bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial. Para isso, descreveu-se as regras relativas à conexão e continência no processo penal eleitoral; apontou-se os principais crimes previstos na legislação brasileira e se realizou o debate acerca do conteúdo de uma importante decisão do Supremo Tribunal Federal no inquérito nº 4.435 à luz do princípio da efetividade. No presente estudo, intenta-se debater sobre como a Justiça Eleitoral influencia na efetividade de julgamento de crimes que não lhe são afeitos, quais sejam, os crimes comuns conexos aos eleitorais.
Palavras-chave: Justiça Eleitoral, Competência, Conexão, Efetividade
Abstract: The jurisdictional function of the Electoral Justice, foreseen both in the Electoral Code and in the Federal Constitution of 1988, has as its main function the possibility of expressing the will of the voters and making all the electoral procedures operational. In addition, it can also prosecute and judge electoral and common crimes related to it, according to art. 35 of the Electoral Code. Thus, with the deductive analysis method, a qualitative research was carried out under bibliographic, doctrinal and jurisprudential investigation. For this, the rules related to connection and continence in the electoral criminal process were described; the main crimes foreseen in the Brazilian legislation were pointed out and a debate was held about the content of an important decision of the Supreme Federal Court in inquiry No. 4,435 in the light of the principle of effectiveness. In this study, we intend to debate how the competence of the Electoral Justice influences the effectiveness of judging crimes that are not related to it, that is, the common crimes connected to the electoral ones.
Keyword: Electoral Justice, Competence, Connection, Effectiveness
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2. Competência da Justiça Eleitoral. 2.1 Noções gerais. 2.2 Regras relativas à conexão e continência. 3. Crimes eleitorais. 3.1 Crimes eleitorais específicos. 3.2 Crimes eleitorais acidentais. 4. Efetividade processual. 4.1 Efetividade do processo penal eleitoral. 4.2 A atuação do Supremo Tribunal Federal no inquérito 4.435. Conclusão. Referências
1 INTRODUÇÃO
A competência da Justiça Eleitoral, disciplinada pelo Código Eleitoral (lei nº 4.737/1965), em regra, é voltada para demandas eleitorais, mas muito se discute sobre sua competência criminal para processar e julgar crimes considerados complexos, como corrupção e lavagem de capitais. Ainda que haja a possibilidade de conflitos em razão dos institutos da conexão ou da continência, tal competência está expressamente prevista no art. 35, inciso II do Código Eleitoral e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal.
Tendo-se como objeto de estudo a influência da Justiça Eleitoral na efetividade de julgamento de crimes comuns conexos aos crimes eleitorais, levanta-se a problemática: Como a Justiça Eleitoral influencia na efetividade dos processos de crimes comuns conexos aos crimes eleitorais? Através do método de análise dedutivo e uma pesquisa qualitativa sob investigação bibliográfica documental, tem-se como objetivo debater sobre como a competência criminal da Justiça Eleitoral influencia na efetividade de julgamento de crimes comuns.
A relevância da presente pesquisa, de maneira geral, consiste no fato de que todo e qualquer processo deve transcorrer de forma regular e adequada para satisfazer direitos e promover processos judiciais mais efetivos e com duração razoável. Além disso, a efetividade também deve se fazer presente no julgamento de crimes por parte da Justiça Eleitoral, sobretudo, pela sua importância social de ter que resguardar a democracia e a soberania popular. Sobreleva-se, ainda, que a efetividade dos processos, é fator positivo não só para as partes da lide, mas também para os operadores do Direito.
Para tanto, no primeiro capítulo, serão tecidas noções gerais acerca da competência da Justiça Eleitoral, prevista no Código Eleitoral e na Constituição Federal de 1988. Também sobre as regras relativas à conexão e continência, institutos que permitem a modificação das regras escolhidas pelo juiz. São fatores que indicam que os processos devem ser reunidos para que não sejam proferidas decisões contraditórias.
No segundo capítulo se discorrerá sobre os crimes eleitorais a partir da classificação como específicos e acidentais. Os específicos são disciplinados pelo Código Eleitoral e pela legislação esparsa, por exemplo, o crime de impedir ou embaraçar o sufrágio; boca de urna e fraude de votos. Já os acidentais, regulamentados também pela legislação penal, são crimes comuns que, por “acidente”, tornam-se eleitorais a partir do momento em que violam bens jurídicos eleitorais.
No terceiro capítulo discutir-se-á sobre a efetividade do Processo Penal Eleitoral, pois o princípio da efetividade deve ser um dos mais importantes a serem resguardados no ordenamento jurídico brasileiro, seja na Justiça Comum, seja na Justiça Especial. Para essa análise, intenta-se trazer a contribuição jurisprudencial ao estudo, ao analisar as controvérsias e argumentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito nº 4.435, quando confirmou a competência criminal da Justiça Eleitoral. Ao final, a conclusão.
2 COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL
O exercício da função jurisdicional da Justiça Eleitoral, prevista tanto no Código Eleitoral, quanto na Carta Magna de 1988, é elemento essencial desta pesquisa, pois refere-se ao alcance da atuação de cada órgão judicial que a compõe. Por isso, pretende-se explorar os aspectos gerais e algumas regras constitucionais e legais de sua competência.
Além das regras gerais de fixação de competência, também é fundamental o estudo das regras de sua modificação previstas no Código de Processo Penal, especialmente quanto à conexão ou continência, institutos que indicam a reunião processual para que decisões contraditórias nãos sejam proferidas. É o que se objetiva abordar neste tópico.
2.1 Noções gerais
Sem embargos, tendo em vista que o processo deve transcorrer de forma regular e adequada, para que se tenha efetividade na decisão final, o deslinde demorado do feito acaba violando os princípios da celeridade e da duração razoável do processo, seja na Justiça Comum, seja da Justiça especializada. Por isso, é imprescindível o debate sobre a influência da Justiça Eleitoral na efetividade de julgamento de crimes não afeitos à sua área, quais sejam, os crimes comuns conexos aos crimes eleitorais.
Conforme Chimenti (2019), a Justiça Eleitoral foi instituída no Brasil por meio do Código Eleitoral de 1932, editado após a Revolução de 1930 e constitucionalizada em 1934. Foi extinta durante o período do Estado Novo e ressurgiu por meio do Decreto nº 7.586/45. Após, foi constitucionalizada novamente, em 1946.
Outrossim, para Velloso e Agra (2020), ao ensinarem sobre a organização judiciária eleitoral, mencionam que a Justiça Eleitoral tem como função possibilitar a expressão da vontade dos eleitores e operacionalizar todos os procedimentos eleitorais, para que estes se desenvolvam com harmonia e transparência e para que não existam óbices a fim de desviar a soberania popular.
Sobre a sua composição, o art. 118 da Constituição Federal deixa a cargo de Lei complementar dispor sobre a organização e competência dos tribunais, juízes de direito e juntas eleitorais. Conforme o caput do art. 121, da CF, “lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais”.
Nesse contexto, a lei complementar foi escolhida para dispor sobre o tema para a garantia de maior estabilidade normativa à suas disposições, e desse modo, dificultar a sua modificação, já que para isso, é preciso o voto da maioria absoluta. No entanto, como essa lei complementar ainda não existe, a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral) é responsável por essa regulamentação, haja vista ter sido recepcionada como lei material complementar no quesito organização e competência da Justiça Eleitoral.
Com isso, o Código Eleitoral traz a competência para causas exclusivamente eleitorais, mas muito se discute sobre a sua competência criminal prevista no seu art. 35, inciso II, que diz: “Art. 35. Compete aos juízes: II - processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais”.
Cabe destacar, ainda, que a competência criminal da Justiça Eleitoral, é ressalvada pela CF/88, ao disciplinar a competência dos juízes federais. Conforme o seu art. 109, inciso IV, aos juízes federais compete processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, “excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”.
Quanto às regras constitucionais absolutas de definição e fixação de competência, Lopes (2020) preleciona os critérios em razão da matéria e em razão da função, nesta última inclui-se a prerrogativa de foro. No tocante ao foro por prerrogativa de função, ocorre quando for praticada uma conduta indevida e relevante para a função pública do agente, caso em que, a definição da competência é realizada de acordo com a sua qualidade funcional.
A competência em razão da matéria relaciona-se à própria divisão dos órgãos jurisdicionais. Ela define qual a Justiça está afeta à questão. Nessa circunstância, considerando-se que a competência comum é residual em relação Justiça Especializada, nesta se enquadra a competência criminal da Justiça Eleitoral. Cabe à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais próprios estabelecidos no Código Eleitoral e na legislação extravagante, além dos crimes comuns que lhes forem conexos.
No mesmo sentido, Freitas (2017, p. 3) conclui:
Dessa forma, dispõe a Justiça Eleitoral de competência, prevista na Constituição Federal, em razão da matéria (ratione materiae) para julgar os crimes definidos como eleitorais, compreendendo também os comuns que lhes forem conexos, conforme o Código Eleitoral (Lei n.º 4.737/65).
A competência relativa em razão do lugar (ratione loci), por sua vez, é essencial para o foro geral de julgamento. Através dela determina-se qual comarca (no âmbito da justiça estadual) ou subseção judiciária (no âmbito da justiça federal) que processará e julgará o agente da conduta indevida.
Com amparo no Decreto-Lei n.º 3.689 (Código de Processo Penal), o caput do art. 70 afirma: “A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.” Trata-se das comarcas formadas pelos juízes de primeiro grau. Se crimes dolosos contra a vida, o local será onde ocorreu o delito.
Pelo exposto, conclui-se que, de acordo com a previsão constitucional e legal, os órgãos da Justiça especializada em estudo exercem a jurisdição nos limites de sua competência, a fim de resolver as demandas que lhes são apresentadas, ainda que possa existir conflitos em razão de conexão e continência. Por isso, também se faz necessário entender sobre esses institutos. É o que ser verá a seguir.
2.2 Regras relativas à conexão e continência
Especificadas as principais regras de fixação de competência, é imperioso ressaltar as relativas à sua modificação. A conexão e a continência são dois institutos processuais que permitem a modificação das regras escolhidas pelo juiz natural. Trata-se de fatores que indicam que os processos devem ser reunidos para que decisões contraditórias não sejam proferidas e para respeitar o Princípio da Celeridade e Economia Processual.
O CPP, que se aplica subsidiariamente ao Código Eleitoral, traz em seu art. 69, inciso V, que a conexão ou a continência determinará a competência jurisdicional. Assim, é possível que se modifique ou prorrogue a competência para favorecer o trâmite processual, a partir da ampla análise probatória de dois ou mais crimes que possuem uma íntima relação entre si.
A conexão ocorre quando se recomenda a reunião dos processos para julgamento em um único juízo por existir um nexo entre dois ou mais crimes. O CPP, no art. 76, estabelece quando a competência será determinada pela conexão, seja de natureza subjetiva, objetiva ou probatória:
Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
Para Fischer (2019) competência criminal da Justiça Eleitoral se enquadraria nos incisos II e III, que tratam, respectivamente, das hipóteses de conexão objetiva e probatória. No entanto, afirma que as regras de conexão e continência no processo penal existem para a modificação da competência territorial, ou seja, da competência considerada relativa, e não da competência absoluta, em razão da matéria.
No âmbito do Direito Eleitoral, Freitas (2017, p. 4) exemplifica:
A fim de ilustração, seria o caso, por exemplo, o qual o prefeito de determinada municipalidade compra votos, em concurso com um de seus cabos eleitorais, de eleitores de uma determinada região, ambos praticando o crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/650): não faz sentido algum julgamento distinto, por mais que tenham se organizado para praticar ações diferentes.
Nesta seara, a reunião de processos para julgamento pela Justiça Eleitoral, pelo instituto da conexão, fundamenta-se, ainda, pela redação do art. 96-B da Lei nº 9.504/97 (lei que estabelece normas para as eleições). Seu caput estipula que “serão reunidas para julgamento comum as ações eleitorais propostas por partes diversas sobre o mesmo fato, sendo competente para apreciá-las o juiz ou relator que tiver recebido a primeira”.
Dentro desse contexto, de acordo com o que aduz Pereira (2015), o que está na essência desse dispositivo introduzido pela última reforma eleitoral é a regra expressa de que a conexão enseja a determinação e prorrogação de competência, pela reunião de processos, com o intuito de se evitar a incompatibilidade entre julgados. Ele afirma que a obrigatoriedade trazida pelo novo dispositivo, apesar de poder ser reconhecida de ofício pelo juiz, deve ser ponderada, especialmente no Direito Eleitoral, a fim de resguardar a efetividade e a celeridade processual.
A fim de contribuir ao tema, também se faz relevante tratar sobre o instituto da continência. Esta ocorre quando uma causa está contida na outra e não é possível separá-las, ou seja, a continência está presente quando um fato criminoso contém outros, o que torna necessário o julgamento em conjunto, conforme o disposto no art. 77 do Código de Processo Penal.
Consoante Marcão (2016), continência implica simultaneus processos. Em prol da economia e celeridade processual, utiliza-se um só processo para análise conjunta e julgamento único dos fatos, pois uma situação não pode ser separada da outra, devido à relação de interdependência. Nesse caso, uma coisa está indissociavelmente contida em outra.
Como o CPP regulamenta, a continência pode ocorrer quando duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração, ou seja, há a pluralidade de agentes em concurso. Nessa hipótese, não há necessidade de que um dos envolvidos tenha foro privilegiado por prerrogativa de função para que haja a unidade de processo. Também ocorre quando houver o concurso formal de delitos (uma só conduta ilícita com pluralidade de resultados), seja simples ou puro; decorrente de erro na execução; e com resultado diverso do pretendido.
Nos casos de conexão ou continência, haverá um só juízo competente para o processo e julgamento dos fatos ou autores. Para saber qual o foro deve prevalecer sobre o outro, observa-se as regras contidas no art. 78 do CPP, abaixo:
Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras:
I - no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri;
Il - no concurso de jurisdições da mesma categoria:
a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave;
b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade;
c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos;
III - no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação;
IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.
Do inciso IV desse artigo, depreende-se o princípio da especialidade. Ele estabelece que a lei de natureza geral, por abranger um todo, é aplicada somente quando uma norma de caráter mais específico sobre determinada matéria não se verificar no ordenamento jurídico. À vista disso, para que não haja conflitos entre normas aparentes é preciso se socorrer à especialidade na defesa da Justiça Eleitoral, principalmente no tocante ao tema ora estudado (LOPES, 2020).
Após as noções gerais sobre as regras de fixação de competência e de sua modificação, enfatiza-se o que ocorre a cada pleito eleitoral e que faz com que o Estado aumente o seu poder para punir as ações contrárias às regras eleitorais estabelecidas, é quando o processo eleitoral é violado por ilícitos penais eleitorais. Na sequência, apontar-se-á os principais desses ilícitos.
3 CRIMES ELEITORAIS
A Administração Pública Eleitoral, entre outras funções, é responsável por resguardar a soberania popular, realizar o alistamento eleitoral, o registro de candidatos e fiscalização da propaganda política. Dentre essas funções, calha mencionar a mais relevante para a presente pesquisa, qual seja, a de processar e julgar as ações e os recursos eleitorais, assim como apurar, processar e julgar além dos crimes eleitorais, também os comuns conexos.
Desta feita, pela classificação doutrinária, os crimes eleitorais podem ser puros ou específicos, aqueles cometidos exclusivamente na esfera eleitoral e acidentais, aqueles regulados não só pelo Código Eleitoral, mas também por outro diploma legal (PONTE, 2016). Isto posto, buscar-se-á, a seguir, realizar breves considerações sobre os principais deles.
3.1 Crimes eleitorais específicos
Preliminarmente, com base na definição doutrinária de ilícito penal, como uma ação ofensiva ao direito a qual se comina uma sanção ou, sob o ponto vista ético, como conduta antissocial reprovável, é possível conceituar crimes eleitorais. Eles podem ser descritos como condutas antijurídicas que ofendem diretamente o interesse público e que impedem o regular processamento eleitoral. Por consequência, podem provocar a aplicação de multa; inelegibilidade e cassação do registro ou do diploma do candidato.
De acordo com a definição de Fernandes (2008), crime eleitoral é toda ação ou omissão reprovável prevista e descrita nas Leis Eleitorais, já que não há crime, nem pena, sem lei anterior que o defina, princípio constitucional da legalidade penal (art. 5º, inciso XXXIX). Ou seja, caso não haja previsão de um determinado ato como crime na legislação eleitoral, nenhum cidadão será acusado de crime.
Nessa linha de raciocínio, o mesmo autor pontua que, atualmente, a matéria dos crimes eleitorais também está disciplinada por leis esparsas. Exemplifica-se a Lei nº 6.091/1974 (transporte de eleitores); Lei nº 6.996/1982 (processamento eletrônico de dados nos serviços eleitorais); Lei Complementar nº 64/1990 (lei de Inelegibilidades, promoção temerária de ação de impugnação) e, principalmente, a Lei nº 9.504/1997 (lei sobre boca de urna e pesquisa fraudulenta), também chamada de “Lei das eleições”.
Após o introito, urge, agora, apontar alguns dos ilícitos eleitorais que podem ser classificados como puros ou específicos, pois conforme mencionado acima, são praticados exclusivamente no âmbito eleitoral. Cita-se os crimes de negar ou retardar a inscrição requerida, sem fundamento legal; perturbar ou impedir o alistamento; impedir ou embaraçar o sufrágio; boca de urna e fraude de votos.
Caso a autoridade judiciária negue ou retarde a inscrição requerida, sem fundamento legal, ocorre o crime previsto no art. 292 do Código Eleitoral, que prevê: “Negar ou retardar a autoridade judiciária, sem fundamento legal, a inscrição requerida: Pena - Pagamento de 30 a 60 dias-multa.”. Nota-se que este é um crime cometido exclusivamente pelo magistrado, portanto, não alcança os demais servidores públicos no âmbito eleitoral.
O bem tutelado, neste caso, será o direito de alistamento eleitoral. Intencionalmente, ao negar ou retardar a inscrição requerida, sem causa justificadora, o magistrado prejudica aquele que pretende obter seu título de forma tempestiva. Por não ter prazo fixado na lei, o magistrado incorrerá nesse crime quando após o decurso de um prazo relevante, sua conduta impede o exercício de voto ou candidatura.
Visto que, no Brasil, alistar-se como eleitor é procedimento obrigatório para os brasileiros maiores de dezoito anos de idade e facultativo para os maiores de setenta anos; maiores de dezesseis e menores de dezoito anos e analfabetos (art. 14, §1º, CF/88), perturbar ou impedir o alistamento, de qualquer forma, também é ilícito eleitoral (art. 293, Código Eleitoral). Tanto o crime do art. 292, quanto do art. 293 são considerados de menor potencial ofensivo e não provocam a inelegibilidade.
Nesse segmento, é imperioso mencionar o crime de “boca de urna”, que, por sua vez, é cometido no dia da eleição e classifica-se como um crime puro ou específico. Esse crime pode ser praticado por meio da veiculação de propaganda política no dia da eleição como uma forma de “aliciar” eleitores e pode ser praticado por qualquer pessoa mesmo que não tenha vinculação partidária.
Apesar de ser um crime de menor potencial ofensivo, o delito de tentar induzir ou convencer o eleitor a mudar de voto no dia da eleição é bastante comum. Entre as condutas do tipo (art. 39, §5º da Lei nº 9.504/97) inclui-se a de usar alto-falantes ou promover comício ou carreata; arregimentar eleitor ou a propaganda de boca de urna; divulgar qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou dos seus candidatos e publicar novos conteúdos ou impulsioná-los nas aplicações de internet.
Acresce-se, ainda, o crime de fraude eleitoral. Em linhas gerais, o processo eleitoral pode ser estruturado em cinco etapas, quais sejam, o cadastro e alistamento dos eleitores; o registro; a votação; a apuração dos votos; que pode ocorrer em uma ou mais fases do processo eleitoral. O crime de fraude eleitoral pode ocorrer em uma ou mais fases desse processo e prevê pena de reclusão até cinco anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.
Tendo em vista que no Brasil, o sistema de votação é eletrônico, as possíveis fraudes seriam, inscrever como eleitor alguém que não poderia fazê-lo, como incluir nomes de eleitores inexistentes no Cadastro Nacional de Eleitores ou realizar a inscrição em local diferente do que seria de forma correta. Inclui-se, ainda, a possibilidade de dupla inscrição, de modo fraudulento, pois não se pode votar em mais de um local.
A fraude eleitoral está prevista no Código Eleitoral em diversos artigos: inscrever-se fraudulentamente eleitor (art. 289); induzir alguém a se inscrever eleitor com infração ao Código Eleitoral (art. 290); e efetuar o juiz, fraudulentamente, a inscrição de alistando (art. 291).
Além disso, é possível afirmar que a fraude eleitoral é um crime de maior potencial ofensivo e pode gerar a inelegibilidade pelo prazo de oito anos. Para Gonçalves (2015, p. 32): “Nos termos da Lei da Ficha Limpa, Lei Complementar nº 135/2010, que alterou a Lei das Inelegibilidades, nº 64/90, a condenação por esse crime, ainda que não transitada em julgado, mas proferida por órgão colegiado, gera inelegibilidade pelo prazo de oito anos”.
Por fim, põe-se em relevo que muitos dos crimes eleitorais foram revogados, como o art. 294 (revogado pela Lei 8.864/1994), no qual a pessoa nomeada pelo juiz eleitoral para o procedimento de alistamento eleitoral cometia crime caso exercesse suas atribuições fora da sede da localidade para a qual foi designado. O art. 295, que também fora revogado (pela Lei 9.504/1997), previa a retenção do título eleitoral contra a vontade do eleitor. Para fins de contextualização e melhor entendimento, passa-se ao estudo de crimes comuns que por possuírem “fins eleitorais”, passam a ser tratados como tal.
3.2 Crimes eleitorais acidentais
Além dos crimes puramente eleitorais, é possível que um crime comum se torne eleitoral “por acidente”. Como citado alhures, crimes eleitorais podem ser classificados como acidentais, assim ocorre quando os bens jurídicos envolvidos são protegidos tanto pela legislação penal, como pela legislação eleitoral. Assim, o delito torna-se eleitoral apenas quando ofender bens jurídicos eleitorais.
Para Ponte (2016) é preciso uma redefinição dos crimes eleitorais acidentais para que a legislação eleitoral discipline apenas aqueles considerados imprescindíveis e a legislação penal, o restante das infrações comuns. Dentre tais crimes, destacam-se os crimes contra a honra, quais sejam, calúnia, injúria e difamação; financiamento de campanha por meio de caixa dois e corrupção eleitoral.
De início, é importante esclarecer sobre os crimes contra a honra no âmbito do Direito Penal. Como se sabe, a calúnia (art. 138, do CP), ocorre quando alguém imputa a outrem, falsamente, um fato definido como crime, desde que movimente a o judiciário para que se possa investigar um fato que não ocorreu. No caso da difamação (art. 139, CP), a ofensa é direcionada à reputação de alguém. Trata-se de desonrar a imagem de alguém perante terceiros. Já a injúria (art. 140, CP), que atinge a dignidade ou decoro de alguém, ofende a sua honra subjetiva, ou seja, a sua autoestima e sentimentos pessoais.
Na seara do Direito Eleitoral, a calúnia (art. 324), apesar de possuir a mesma pena estabelecida pelo Código Penal, há imposição e meios de finalidade distintos do tipo penal, pois trata-se de uma conduta realizada na propaganda eleitoral ou visando fins de propaganda, no qual se imputa falsamente um fato definido como crime. Caso não haja a individualização de uma conduta criminosa, não se está diante de uma calúnia e sim do crime de difamação. Além disso, incorre na mesma pena de detenção de seis meses a dois anos e pagamento de 10 a 40 dias-multa, aquele que sabe ser falsa a imputação e a propala ou divulga, cabendo, ainda, a “exceção da verdade”.
Na difamação eleitoral (art. 325, CE), a tutela eleitoral ocorre da mesma forma que na calúnia, porém com meios e objetivos específicos. A ofensa à reputação de alguém perante terceiros também pode ocorrer na propaganda eleitoral ou com fins de propaganda. No caso de ofensa à reputação, a exceção da verdade somente é admitida no caso do ofendido ser funcionário público e a ofensa ser relativa ao exercício de suas funções. Destaca-se, ainda, a majorante de um terço da pena se houver a presença de várias pessoas.
Na injúria eleitoral (art. 326, CE), a ofensa também é direcionada à dignidade e o decoro. Nesse caso, realiza-se ofensa à honra subjetiva de alguém, mas do mesmo modo que os demais crimes eleitorais contra a honra, é realizada através da propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda e caberá somente ao ofendido verificar a extensão da ofensa.
Sendo assim, o Código Eleitoral expressa: “Art. 243. Não será tolerada propaganda: IX. que caluniar difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública”. Assim, percebe-se que, além do disposto no Código Penal, a Justiça Eleitoral também possui meios legais para que não sejam praticados crimes contra a honra no âmbito do Direito Eleitoral.
Para o estudo do crime de financiamento de campanha por meio de caixa dois, é necessário abordar, ainda que de forma breve, sobre o financiamento de campanha eleitoral. Trata-se de uma contribuição dada a partidos políticos e candidatos com o fim de alavancar suas candidaturas. Antes, esse custeio era realizado por meio de um sistema misto, ou seja, era admitida a concessão de recursos tanto públicos, como privados, porém, esse sistema fora alterado e, atualmente, vigoram novas regras para que se financie uma campanha eleitoral.
Após a decisão do STF, em 2015, na ADI nº 4.650, de iniciativa da OAB, o financiamento passou a ser por meio do fundo eleitoral chamado de FEFC (Fundo Especial de Financiamento de Campanha); doação de partidos políticos ou doação por pessoas físicas, com limite de 10% do que foi arrecadado no ano anterior ao pleito, conforme preceitua a Resolução nº 23.607/209 do TSE[3]. As doações por empresas privadas passaram a ser proibidas, já que a ADI foi proposta com o fundamento de que as doações privadas corroboravam para a corrupção, pois facilitavam as trocas de favores.
De acordo com o que preleciona Corrêa (2020, p. 4):
(...) adquirir financiamento exclusivamente público nas campanhas eleitorais de candidatos e partidos políticos gera um sentimento de “favor”, portanto, algumas empresas ou pessoas ajudam a custear essas campanhas já com o objetivo de interferir em algo, ou até mesmo conseguir algum cargo no governo. É como se fosse uma troca de favores, por este motivo, muitos doutrinadores veem o financiamento privado como um mal em eleições políticas no Brasil.
Nesse contexto, mesmo com essa proibição, é possível perceber ilegalidade nas doações feitas a campanhas eleitorais. Entre tais ilegalidades referem-se ao crime de “caixa dois eleitoral”, tipo penal considerado uma espécie de falsidade ideológica para fins eleitorais. No tocante ao tema em estudo, evidencia-se o entendimento de Fischer (2019, p. 108): “é preciso reconhecer que o crime que mais pode ocorrer e ensejar possível conexão com os demais delitos de competência da justiça comum (federal ou estadual) é aquele previsto no art. 350 do Código Eleitoral”.
O art. 350 do Código Eleitoral diz que o crime ocorrerá quando alguém “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”. Logo, configura-se quando há o recebimento de valores, mas sem a devida contabilização ou declaração na prestação de contas à Justiça Eleitoral.
Diante disso, salienta-se o previsto no art. 30-A da Lei nº 9.504/97 que trata da captação ou gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais. Sobre o tipo penal, Gonçalves (2015, p. 124) ensina:
É importante lembrar que a prestação de contas pode municiar a representação prevista no art. 30-A da Lei Eleitoral, cuja consequência pode ser a cassação do registro ou do diploma do candidato. A falsidade, assim, tem potencialidade lesiva eleitoral. Sem falar na orientação do Tribunal Superior Eleitoral, oscilante, no sentido de que a rejeição de contas impede o registro da candidatura, nos termos do art. 11 da Lei 9.504/97.
Destarte, qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, relatando fatos, indicando provas e pedindo a abertura de investigação judicial para que se apure as condutas que estejam relacionadas à arrecadação e gastos de recursos em desconformidade com a lei. Caso seja comprovada a captação ou gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido homologado.
O crime de caixa dois normalmente acompanha outros crimes como de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e corrupção eleitoral. Sobre o crime de corrupção eleitoral, é considerado um crime de enorme gravidade e que pode comprometer a lisura e a legitimidade das eleições e faz com que candidatos inescrupulosos ocupem cargos públicos.
As condutas que lhes são relativas estão no art. 299 do Código Eleitoral, quais sejam as de “dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber” dádiva, dinheiro ou outra vantagem, seja para si ou para outrem, com o intuito de obter voto e para prometer ou conseguir abstenção, mesmo que a oferta não seja aceita. Trata-se da captação ilícita de sufrágio.
Como bem jurídico tutelado, o Tribunal Superior aponta a liberdade de voto, porém, para Gonçalves (2015) o crime de corrupção eleitoral, além de atingir a lisura e a legitimidade do pleito, trata-se de um desvio de finalidade, uma burla ofensiva às regras eleitorais, ou seja, ofende a moralidade eleitoral, sendo esta, uma espécie da moralidade assegurada pela Constituição, no processo da escolha dos representantes. Neste caso, conclui-se que há a procura por vantagens pessoais e não por uma administração proba da coisa pública.
4 EFETIVIDADE PROCESSUAL
Devido aos conflitos de competência, a reunião de processos eleitorais e comuns para fins de julgamento conjunto pela Justiça Eleitoral fora objeto de diversas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, motivo pelo qual o STF, no Inquérito nº 4.435, em 2019, reafirmou a competência da especializada para julgamento dos crimes comuns conexos aos eleitorais.
Com o fito de analisar a influência da Justiça Eleitoral no julgamento de crimes detentores de maior gravidade (como corrupção e lavagem de dinheiro), optou-se por debater sobre a sua estrutura e capacidade para julgá-los, bem como sobre as ponderações da citada decisão à luz do princípio da efetividade processual.
4.1 Efetividade do Processo Penal Eleitoral
É consabido que a efetividade processual, como um dos princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, existe quando o Estado garante, no bojo dos processos judiciais e administrativos, a tutela jurisdicional do direito material de forma oportuna, célere e em prazo razoável. Por isso, é necessário que, a Justiça especializada, por possuir normas especiais, deve cumprir suas demandas ainda com mais expertise do que a Justiça comum.
A justiça eleitoral, em sua competência criminal de processar e julgar as ações e os recursos eleitorais constitui o chamado processo penal eleitoral, no qual o Código Eleitoral prevê um procedimento especial. Por isso, é incontestável a sua capacidade e estrutura adequada para julgar os crimes puramente eleitorais. No entanto, o que se discute é sobre sua habilidade para julgamento de crimes mais complexos.
Devido às particularidades dos crimes eleitorais, assim como o Código de Processo Penal é aplicado ao ambiente eleitoral de forma subsidiária, a Lei nº 9.099/1995, Lei dos Juizados Especiais, também é aplicada para o julgamento de infrações de pequeno potencial ofensivo. Segundo Ponte (2016), em caso de conexão entre crime eleitoral de menor potencial ofensivo e crime comum, não há sentido se a Justiça Eleitoral transferir sua competência para o processo e o julgamento de ambas as infrações.
Nessa situação, ele defende que a melhor solução é a separação dos processos, encaminhando-se o delito comum à Justiça Comum e o delito de menor potencial ofensivo à Justiça Eleitoral, o que requer, neste último caso, o respeito aos princípios da oralidade, informalidade, celeridade e economia processual. Entende, ainda, que o juiz eleitoral seria o menos indicado como competente para processar e julgar a matéria de maior gravidade.
No entanto, os processos devem ser reunidos para que haja um julgamento unificado, tendo em vista que a Justiça Eleitoral é uma justiça especializada e, ainda, tendo em vista o que dispõe o art. 78, inciso IV, do Código de Processo Penal, já estudado. Tal dispositivo é enfático ao dizer que a jurisdição especial deve prevalecer a fim de alcançar os delitos de competência da Justiça comum. Além disso, é uníssono o entendimento da jurisprudência sobre a competência da Justiça Eleitoral, conforme o debate que se segue.
4.2 A atuação do Supremo Tribunal Federal no inquérito 4.435
O caso refere-se ao julgamento do quarto agravo regimental interposto contra a decisão do relator ministro Marco Aurélio, no Inquérito nº 4.435. Por ter entendido que os delitos investigados não teriam relação com o mandato de deputado federal, declinou de sua competência para a Justiça do Rio de Janeiro. Ato contínuo, a decisão monocrática foi remetida ao Plenário do STF.
O caso envolveu Eduardo Paes, ex-prefeito do Rio de Janeiro e Pedro Paulo, deputado federal também do Rio de Janeiro, investigados por fatos supostamente ocorridos nos anos de 2010, 2012 e 2014. Discutiu-se sobre a cisão de processos entre a Justiça Eleitoral e Justiça Federal, pois o caso envolvia crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de capitais, evasão de divisas e falsidade ideológica eleitoral.
Ao final, a conclusão da corrente majoritária foi a reafirmação da competência da Justiça Eleitoral para crimes comuns conexos aos crimes eleitorais. Já a segunda corrente, minoritária, votou pela separação dos processos entre a Justiça Federal e a Justiça Eleitoral. Assim sendo, para fins de análise do tema, traz-se ao debate os termos do acórdão e suas ponderações, abaixo:
EMENTA: DIREITO PROCESSUAL PENAL. QUARTO AGRAVO REGIMENTAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA ELEITORAL. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. EVASÃO DE DIVISAS E LAVAGEM DE DINHEIRO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA DETERMINADOS FATOS. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA QUANTO A OUTROS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL, POR CONEXÃO, QUANTO A CRIMES DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL OU IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA ELEITORAL, CONSIDERADA A COMPETÊNCIA FEDERAL QUE OSTENTA NATUREZA CONSTITUCIONAL E ABSOLUTA. AFETAÇÃO AO PLENO.
1. Na linha do que vem sendo decidido pelo Supremo Tribunal Federal, desde a solução da Questão de Ordem na AP 937, devem permanecer sob jurisdição do Tribunal os fatos supostamente praticados em 2014 pelo detentor de foro, uma vez que no exercício do cargo e em razão dele.
2. Quanto aos demais fatos, praticados em 2010 e 2012, não subsiste competência do Supremo Tribunal Federal para investigá-los, na medida em que praticados fora do exercício do cargo.
3. Quanto ao declínio de competência em relação aos fatos supostamente praticados em 2012 – crimes comuns de competência da Justiça Federal conexos a crimes eleitorais –, argui-se a necessidade de cisão da competência na origem para que se remetam à Justiça Eleitoral somente os crimes eleitorais, nada obstante a previsão legal (art. 35, II, do Código Eleitoral) de competência da Justiça Eleitoral para os crimes conexos, considerada a competência constitucional absoluta da Justiça Federal. Entender de modo diverso seria autorizar que a lei modificasse a competência constitucionalmente estabelecida no art. 109 da CF.
4. Nesse ponto, sustenta-se também um argumento pragmático, para além do fundamento técnico: a extrema complexidade que ostenta boa parte dos crimes de competência da Justiça Federal dificulta, quando não verdadeiramente impede, a efetiva persecução penal ser realizada pela Justiça Eleitoral que não é aparelhada para esse fim, não contando com estrutura adequada, ou com profissionais especializados nesse tipo de persecução penal.
5. Considerado que a Segunda Turma, após o julgamento da Pet 6820, tem, sempre por maioria, reiteradamente decidido no sentido de que cabe à Justiça Eleitoral processar e julgar os crimes comuns federais conexos a crimes eleitorais, considero importante que Plenário estabeleça, após ampla discussão, uma orientação segura para a matéria.
6. Tema afetado ao Plenário para definir o alcance da competência criminal eleitoral.
(STF, Primeira Turma, Inq. 4435 AgR-quarto-QO, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 20/11/2018, Data de Publicação: DJe 01/08/2019)
No julgamento do recurso, ao proferir o seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso alegou que reconhecer a falta de vocação da Justiça Eleitoral para julgar crimes não é desmerecê-la e sim identificar a sua especialização. Ou seja, é respeitar a competência para a qual foi criada e deixar que a exerça cumprindo bem a sua missão. Além disso, concluiu que as estatísticas de condenação criminal pela Justiça Eleitoral são “pífias”, ou seja, desprezíveis e insignificantes.
Por outro lado, o ministro Ricardo Lewandowski considerou a Justiça Eleitoral como uma Justiça “extremamente ágil e aperfeiçoada no cumprimento de seu mister” e que possui uma competência que se alarga cada vez mais, sobretudo no que diz respeito à matéria criminal e dos crimes conexos com a matéria de natureza eleitoral. Ou seja, diferente do argumento utilizado por Barroso, sobre a estrutura e preparo da especializada, a corrente majoritária da Suprema Corte reconheceu a plena capacidade jurisdicional eleitoral, inclusive para crimes considerados mais complexos.
No acórdão, também se ponderou acerca da composição e organização da Justiça Eleitoral, com a alegação de que no âmbito do primeiro grau, há uma divisão em zonas eleitorais e estas, em sua maioria seria lotada somente com um técnico judiciário e um analista judiciário. A crítica foi que não se deveria transferir a competência de enfrentamento da criminalidade no Brasil a uma estrutura considerada quase inexistente.
Quanto à estrutura, Velloso e Agra (2020) explicam que a Justiça Eleitoral possui três instâncias (Juntas e Juízes Eleitorais, Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunal Superior Eleitoral) e uma composição híbrida, pois seus quadros são integrados por juízes de outras searas da Justiça, até mesmo por pessoas sem formação jurídica, como membros das Juntas Eleitorais. Por esse motivo, sua composição é objeto de diversas críticas.
Para Freitas (2020), não se trata de juízes menos capazes, mas de juízes de diversas varas, seja cível, criminal ou da Fazenda Pública, designados para, transitoriamente trabalhar na Justiça Eleitoral sem se afastar da vara de origem. Com isso, ressalta as dificuldades que possuem os juízes eleitorais para adaptar-se ao processo de julgamento de diferentes crimes e “intrincados processos”, no caso de conexão de crimes eleitorais que envolvam, por exemplo, caixa dois, corrupção e lavagem de capital.
No entanto, há quem reconheça o contrário. Freitas (2017, p.11) considera que “a Justiça Eleitoral é uma justiça ‘emprestada’” e que não possui seus próprios juízes, mas que, “na verdade, são magistrados da Justiça Comum exercendo, ao mesmo tempo, as funções de juiz eleitoral”. Além do mais, Velloso e Agra (2020) enfatizam a autonomia da Justiça Eleitoral para realizar todos os procedimentos necessários à lisura das eleições. Diante dessa percepção, é possível reconhecer a capacidade da Justiça Eleitoral em proporcionar um julgamento eficaz de crimes, sejam eles comuns ou propriamente eleitorais.
Ademais, põe-se em destaque a criação Resolução nº 23.618, em 07 de maio de 2020, pelo Tribunal Superior Eleitoral. Sua criação foi para implantar a decisão do STF no Inquérito 4.435, que, conforme citado, reafirmou a competência da Justiça Eleitoral. Dentre os termos da Resolução (art. 2º, parágrafo único), está a possibilidade de Tribunais Regionais Eleitorais verificarem a necessidade de criação de uma vara exclusiva para tal feito. Trata-se da designação de zonas eleitorais específicas para o processo e o julgamento de infrações penais.
Pensando na quantidade de processos que seriam destinados à Justiça Eleitoral, também foi determinado, no art. 3º, §3º, da predita Resolução, que as decisões e medidas adotadas nos processos que já foram julgados ou tiveram a instrução encerrada, permanecerão válidas. Ante a complexidade e o grande número de causas (com exceção apenas dos processos que tramitem nas zonas eleitorais que não possuem o sistema judicial eletrônico – PJE) determinou-se a tramitação pelo sistema eletrônico, mecanismo que muito contribui para a celeridade e efetividade processual.
Com efeito, após ser confirmada a competência por meio da decisão da Suprema Corte, no Inquérito nº 4.435, notou-se a nítida a preocupação por parte do Tribunal Superior Eleitoral para que a respectiva justiça pudesse se adequar à nova realidade, sem prejuízo das operações e investigações já em andamento, pois foram determinadas as medidas e orientações adequadas a fim de evitar o abarrotamento e sobrecarga das zonas eleitorais.
Assim, tendo em vista a estrutura, organização e composição da Justiça Eleitoral, pelo que regulamenta a própria Lei eleitoral e a legislação esparsa e, principalmente, pela confirmação pelo judiciário sobre sua competência criminal em caso de conexão, não há, pois, que se falar em falta de aparelhamento da Justiça Eleitoral para examinar os casos criminais, ainda que mais complexos, mais volumosos, com número maior de réus.
À face do exposto, percebe-se que não se faz necessário um Poder Judiciário perfeitamente estruturado para a promoção da efetividade processual, desde que, solucione controvérsias de forma tempestiva e adequada, e dessa forma, garanta a tutela dos direitos das partes. No caso em estudo, além da Justiça Eleitoral cumprir bem com seu intento de resolver, de forma efetiva, os processos de crimes puramente eleitorais, compreende-se que há uma influência positiva, também em caso de crimes que não lhe são habituais.
De acordo com o previsto na Constituição Federal e com o amparo da legislação esparsa, percebe-se que a Justiça Eleitoral, ao resolver suas respectivas demandas, exerce a jurisdição nos limites de sua competência, apesar de existir conflitos em razão de conexão, quando é recomendada a reunião de processos para julgamento único, por existir um nexo entre dois ou mais crimes, ou continência, na qual a reunião se justifica quando um fato criminoso, por ser mais amplo, contém outros.
Assim, com o objetivo de responder sobre como a Justiça Eleitoral influencia no julgamento de crimes comuns conexos aos eleitorais, procurou-se alcançar os objetivos de tecer noções gerais sobre o tema e discorrer sobre as regras de fixação de competência. Para melhor entendimento, também foi importante se discutir sobre a violação do processo eleitoral através de ilícitos penais, por isso apontou-se os crimes eleitorais previstos na legislação brasileira, classificados em específicos e acidentais.
Devido ao surgimento de conflitos de competência entre a Justiça Eleitoral e a Justiça Comum, também surgiram discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Por isso, o STF, no inquérito nº 4.435, reafirmou a competência da especializada para julgamento dos crimes comuns conexos aos eleitorais, com o argumento de que a Justiça Eleitora é ágil e aperfeiçoada no cumprimento de suas funções e que sua competência se alarga cada vez mais, sobretudo quanto à matéria criminal.
Então, não é necessária a estrutura perfeita do Poder Judiciário para que se resolva controvérsias de forma efetiva, tempestiva e adequada. Em vista disso, foi possível constatar que a Justiça Eleitoral, além de cumprir com seu intento de resolver os processos de crimes puramente eleitorais, também possui capacidade para promover a efetividade no julgamento de processos de crimes que não lhe são habituais.
Portanto, após o estudo da legislação eleitoral, penal e processual penal, que disciplinam a estrutura, organização, e composição da Justiça Eleitoral; crimes eleitorais; regras de competência; e após a análise das ponderações da citada decisão à luz do princípio da efetividade processual, acredita-se na influência positiva da Justiça Eleitoral no impulso e julgamento eficaz de tais processos e sua plena capacidade para julgá-los. Pela pesquisa, não há, pois, que se falar em falta de aparelhamento da Justiça Eleitoral para examinar os casos criminais, ainda que mais complexos e mais volumosos.
REFERÊNCIAS
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[3]Resolução nº 23.607/2019 do TST; disponível em: https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2019/resolucao-no-23-607-de-17-de-dezembro-de-2019. Acesso em: 30 mar. 2021.
Graduanda do Curso de Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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