RESUMO: A pesquisa objetiva analisar a legalidade e a possibilidade do reconhecimento da união poliafetiva. Metodologicamente, os meios de coleta utilizados serão realizados de forma qualitativa, analisando posicionamento e as justificativas adotas nos tribunais e tecer apontamentos sobre estes entendimentos. A relevância da pesquisa se assenta as mudanças dos costumes das pessoas na constituição de sua família, a sua forma de viver e de se relacionar com quem bem entender, surgindo-se, portanto, o Direito para regulamentar estas práticas, concedendo proteção legal aos seus atos. Dividiu-se a pesquisa em 06 itens, quais sejam, conceito de família, a família a partir da união estável, a união poliafetiva, argumentos contrários a união poliafetivo, argumentos a favor da união poliafetiva e a possibilidade do seu reconhecimento.
Palavras-chave: Poliafetivo; Família; União Estável
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. CONCEITO DE FAMÍLIA - 3. A FORMAÇÃO DA FAMÍLIA POR MEIO DA UNIÃO ESTÁVEL - 4. UNIÃO ESTÁVEL POLIAFETIVA - 5. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS A UNIÃO ESTÁVEL POLIAFETIVA - 6. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS A UNIÃO ESTÁVEL POLIAFETIVA - 7. A POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL POLIAFETIVA - 8. CONCLUSÃO - 9 REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
Hoje, é possível constituir uma família com base no art. 226 da Constituição Federal não somente de maneira formal, mas também na modalidade chamada de “União Estável”, a qual também está prevista no art. 1723, do Código Civil de 2002, que necessariamente será protegida pelo Estado e consequentemente, o casal terá sua União convertida em casamento.
De forma a acompanhar a evolução do direito de constituir família, surge a possibilidade de instituir uma nova entidade familiar composta por 3 ou mais indivíduos, também denominado de União Poliafetiva,
Entretanto, além de encontrar obstáculos enfrentados com a ausência de normas específicas no Ordenamento Jurídico Brasileiro, procura-se validar esta união por meio de uma Nova interpretação dos artigos constitucionais válidos para o casamento, Princípios Constitucionais ou Princípios Gerais de Direito, tendo em vista que esta modalidade atende a todos requisitos de uma família convencional. Consoante aos empecilhos presentes nesta modalidade de entidade familiar, questiona-se: Há legalidade e possibilidade em se constituir uma Entidade Familiar por meio da União Poliafetiva, mesmo com todas as dificuldades existentes no Ordenamento Jurídico Brasileiro? Como se deu a interpretação de família prevista na constituição de 1988 e como é interpretada nos dias de hoje? Quais as concepções válidas para constituir uma família no nosso Ordenamento Jurídico? Quais obstáculos são enfrentados por parceiros que desejam regularizar uma União Poliafetiva e quais as consequências jurídicas desta União? Por qual motivo não há ainda amparo legal para todas as famílias existentes na sociedade?
A existência desta modalidade de família existe há muito tempo, entretanto, sem regulamentação pela Constituição, Códigos ou Leis esparsas. Quando se trata de quantidade, a única possibilidade de se formar uma família nos ditames das normas jurídicas vigentes são por meio de no máximo duas pessoas, podendo estas pessoas serem do mesmo gênero ou não.
Sendo assim, o parâmetro adequado para possibilitar a União Poliafetiva seria por meio da Constituição Federal de 1988, mais precisamente em seus princípios basilares, quais sejam: O princípio da dignidade da pessoa humana, princípio à liberdade, valores sociais, direito à vida, direito à igualdade, entre outros. Para SILVA, 2012, afirma que “a expressão poliafeto é um engodo, um estelionato jurídico, na medida em que, por meio de sua utilização, procura-se validar relacionamentos com formação poligâmica”.
A realidade com relação à família hoje em dia é diferente de quando a Constituição Federal de 1988 ou o Código civil de 2002 foram promulgados, quando era aceito somente a Família matrimonial de homem e mulher. Porém, sabendo que o direito acompanha os fatos sociais, hoje, admite-se também a Família matrimonial entre pessoas do mesmo sexo desde maio de 2011. Entretanto as entidades familiares não se resumem somente nestes aspectos citados acima, mas também em outras características como a quantidade de membros no relacionamento como é o caso da União Poliafetiva.
Como supracitado, a sociedade vem se modificando e o direito, mesmo demoradamente, acompanha estas mudanças. Com isso, hoje o direito de família passou a ser visto de forma “plural”, tendo em vista as diversas modalidades de famílias aceitas, vejamos: Família Matrimonial, Família Informal, Família Monoparental, Família Anaparental, Família Unipessoal, Família Mosaico, Família Simultânea e Família Eudemonista.
A principal dificuldade das pessoas que estão em uma União Poliafetiva e desejam regularizar o seu matrimônio, é a vedação, dado a ausência de regulamentação para esta modalidade. Há um cuidado muito grande com relação a este tema, tendo em vista que este não reflete apenas na seara do direito de família, como também na esfera sucessória e previdenciária.
Além de não serem aceitas, a maioria da sociedade não tem conhecimento das novas concepções de família existentes ou como são formadas. É nítido a morosidade que o direito possui em reconhecer estas novas concepções, basta ver que somente em 2013 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou uma resolução permitindo aos cartórios registrarem casamentos homoafetivo, entretanto, sabe-se que estas Uniões existem há muitos anos atrás. Com este “esquecimento”, é deixado de lado uma das partes mais importantes da Constituição Federal de 1988, que são os Direitos e Garantias Individuais como o direito à Liberdade, e consequentemente, a liberdade em se constituir uma família.
Muitas “famílias”, mesmo que não seja permitido assim serem chamadas legalmente, mas pessoas, mais precisamente, mais de duas pessoas, estão se unindo em um relacionamento a fim de constituírem uma família, esta união é chamada de União Poliafetiva.
Sabendo que a sociedade muda seus costumes, a sua forma de viver e de se relacionar com quem bem entender, surge o Direito para regulamentar estas práticas, concedendo proteção legal aos seus atos, como ocorreu com os casais homoafetivos, quando se tinha conhecimento da união destes casais entre pessoas do mesmo gênero muito anos antes da sua regulamentação em maio de 2011.
Em razão disso, pessoas desejam constituir uma família na concepção do Poliamor, que é a possibilidade de se amar várias pessoas, e consequentemente, a constituição de uma família poliafetiva. Porém, o maior impedimento destas pessoas é a ausência de regulamentação para se formalizar esta união.
O objetivo da pesquisa é descobrir quanto a legalidade e possibilidade em se constituir uma Entidade Familiar por meio da União Poliafetiva, mesmo com todas as dificuldades existentes no Ordenamento Jurídico Brasileiro.
2. CONCEITO DE FAMÍLIA
Doutrinadores procuram alcançar a mais ideal descrição do real significado de família, cada um com sua forma de elucidar. Mas a família nada mais é que a união de dois indivíduos que se unem por meio de uma afinidade para formarem uma estrutura social, da qual surge direitos e deveres para todos os entes nela envolvidos. Entretanto, o conceito de família se modica de forma ágil, onde hoje o conceito de família é este supracitado, mas até a conclusão deste estudo pode se modificar, da mesma forma que ocorreu em toda história com relação a este tema. (ARAUJO JUNIOR, 2020, p. 1-2).
Sabe-se que a origem do direito de família é indeterminável, e, ainda que vagarosamente, progride para acompanhar os fatos sociais. E é possível explicar sobre esta origem de forma simples, “Sempre existiu o acasalamento entre os seres vivos, seja em decorrência do instinto de perpetuação da espécie seja pela verdadeira aversão que todos têm a solidão.” Neste trecho de Maria Berenice podemos extrair um pouco da essência jurídica da formação da família na sociedade com um toque de poesia sobre a união formada por estes indivíduos. Porém, de forma a conduzir estes vínculos da maneira mais coerente possível, os legisladores trataram de regulamentar este fato. (BERENICE, 2016, p. 33).
Tendo em vista as várias modificações que a família recebeu durante os anos, a Constituição Federal e principalmente o Código Civil foram forçados a se moldar para as novas realidades. O Código Civil de 1916 tratava das primeiras concepções de família, na qual existia discriminação entre seus entes, assim como inexistia a figura do divórcio. Mas as principais mudanças somente ocorreram com a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, quando o legislador selou a igualdade entre todos os membros da família, igualdades entre os filhos oriundos ou não do matrimônio, e deu proteção a família composta pelo casamento e por meio da União estável, tendo em vista que a sociedade se moldou, e muitos não se encaixavam nos parâmetros padrões impostos.
3. A FORMAÇÃO DA FAMÍLIA POR MEIO DA UNIÃO ESTÁVEL
Antes da união estável ser acolhida como entidade familiar pelo ordenamento jurídico brasileiro, registra-se que esta passou, por algumas etapas até a sua plena aceitação, isto por que antes da Constituição de 1998, como visto, o casamento imperava como único meio legítimo para se formar uma família socialmente aceita.
Gagliano e Pamplona Filho (2015) agrupam momentos distintos, que precederam o reconhecimento constitucional da união estável como entidade familiar. Inicialmente, as uniões sem casamento eram amplamente rejeitadas, com absoluta ausência de tutela jurídica, atravessando o silencioso constrangimento da simples tolerância, passando pela aceitação natural como fato social, até o reconhecimento e valorização constitucional como forma idônea de família.
Na fase de rejeição, as uniões livres, ou seja, aquelas sem vínculo matrimonial eram totalmente rechaçadas pela sociedade, não gozando da tutela Estatal.
De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 412):
Até o início do século XX, qualquer tentativa de constituição de família fora dos cânones do matrimônio era destinatária de mais profunda repulsa social. A união livre simplesmente não era considerada como família e sua concepção era de uma relação ilícita, comumente associada ao adultério e que deveria ser rejeitada e proibida.
A partir da Constituição Federal de 1988, a união estável é reconhecida como entidade familiar, assim, os indivíduos que até então eram suprimidos da proteção especial do Estado por não terem constituído uma união através do casamento, deixaram de ser discriminados socialmente, pois, converteu-se o que se caracterizava sociedade de fato para a categoria de entidade familiar.
De acordo com Gonçalves (2016, p. 601): “A união prolongada entre o homem e a mulher sem casamento, foi chamada, durante longo período histórico, de concubinato”
Todavia a partir do momento em que o legislador reconheceu a união estável no texto maior, a posteriori inserida no Código Civil de 2002 (CC), conferindo-lhe status de entidade familiar, os dois institutos não se confundem. Assim, como elencado no artigo 226, § 3º da CF/88: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
No que se refere aos elementos que configuram a união estável, estes encontram-se no artigo 1.723, do diploma civil e no artigo 1º da lei nº 9.278/96 (lei que regula a união estável), quais sejam, a convivência pública, contínua e duradoura, além disso essa união deve ser estabelecida com o objetivo de constituir família.
Cumpre ressaltar que na união estável, os companheiros possuem deveres mútuos de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos e que a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil
Conforme visto, o reconhecimento da união estável como entidade familiar foi de suma importância, pois retirou da “ilegalidade”, os indivíduos que não optaram pelo tradicional casamento, conferindo-lhe direitos e a consequente dignidade.
No que tange ao concubinato, este configura as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, de acordo com o artigo 1.727 do Código Civil (CC).
Desse modo, a união estável, considerada entidade familiar, goza de proteção especial do Estado, no entanto, o concubinato, por não ser reconhecido como entidade familiar não usufrui da mesma proteção, considerado sociedade de fato. Como visto todas as uniões livres, ou seja, não ligadas pelo matrimônio eram denominadas de concubinato, porém, o legislador diferenciou os dois institutos
A posteriori, no século XXI devido aos anseios sociais, a diversidade de gêneros, a união estável homoafetiva foi reconhecida em 2011 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.277 e Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, com base nos princípios constitucionais da dignidade humana, liberdade, igualdade e afetividade. Assim uma nova interpretação foi dada aos dispositivos supracitados.
Com base no alargamento do conceito de família pautado nos vínculos de afeto é que se discute de a possibilidade de abarcar a união estável poliafetiva como “entidade familiar”.
4. UNIÃO ESTÁVEL POLIAFETIVA
Durante a pesquisa foi constatado que ainda há uma tentativa de conceituar a união estável poliafetiva diante da novidade do tema. Em uma primeira definição no sentido literal, “poli” significa “vários” logo a palavra “poliafetiva” significaria “vários afetos”. O termo “poliafetiva” evidencia que essa união possui cunho afetivo e não sexual.
A União Poliafetiva, é o contrário do que boa parte das pessoas pensam, não se trata de um relacionamento aberto onde ambos podem se relacionar com quem quiser, sem se importar se está sendo traído. Trata-se da união onde todos os integrantes tem o interesse de constituir uma família, juntos na mesma residência, com todas as características que possui o casamento, com apenas um único detalhe: a quantidade de membros. Todavia, sob a ótica da jurisprudência com relação a esta concepção de família, é cedo para validar esta modalidade de união, principalmente devido a ausência de legislação quanto aos efeitos jurídicos que a mesma pode refletir.
O projeto de lei nº 4.302, de 2016, em tramitação na Câmara dos Deputados, define a união estável poliafetiva como aquela formada por mais de um convivente. Segundo Chater (2015, p. 40), a união estável poliafetiva, também é chamada de poliamorosa:
Alguns também a chamam de união poliamorosa, em razão do já conhecido termo poliamorismo utilizado ao se falar em uniões concomitantes. A união poliamorosa ou poliafetiva seria uma espécie de poliamorismo/poliafetividade. O poliamor em si é algo bem genérico, pois a multiplicidade de afetos pode ocorrer tanto em uma só união, que é o caso da união poliafetiva, quanto em diversas uniões, que é o caso das uniões concomitantes. [...].
Constatou-se, todavia, que o conceito mais adequado para a união estável poliafetiva seria o de uma união contínua e duradoura entre mais de duas pessoas, ligadas por laços de afeto com o objetivo de constituírem uma família.
É importante destacar que esse tipo de união afetiva, reúne os mesmos elementos caracterizadores da união estável encontrados no art. 1º da Lei nº 9.278/96 e art. 1.723, caput do Código Civil de 2002, tratando se de uma relação pública, continua, duradoura, com o objetivo de constituição familiar, diferindo desta somente quanto ao número de seus membros (mais de dois indivíduos), não importando a orientação sexual dos companheiros. Insta esclarecer que essa união é caracterizada pela consensualidade.
Ressalta-se que a união estável poliafetiva não é uma relação eventual com várias pessoas, tão pouco trata-se de troca de casais, mas sim uma união de mais de duas pessoas, que se uniram com o objetivo de compartilhar um projeto de vida, de felicidade
Os companheiros da união poliafetiva, assim como os casais que se uniram pelo casamento, ou pela união estável hetero ou homoafetiva, na constância da união adquirem bens, dividem responsabilidades, possuem obrigações, o que demostra a estabilidade dessa relação. Assim, trata-se de uma comunhão plena de vida entre mais de duas pessoas fundadas em laços afetivos.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se manifestou por meio de um Acórdão quanto a um caso concreto que aconteceu na cidade de Tupã, localizada a aproximadamente 430km da capital de São Paulo, quando um cartório lavrou uma escritura pública reconhecendo a União Poliafetiva dos interessados.
Contudo, o CNJ vedou tal união afirmando, entre outras palavras, que a sociedade não está madura para entender o Poliamor, a qual é a característica principal da União Poliafetiva. Ainda assim, os indivíduos que querem oficializar a sua união nesta modalidade não praticam qualquer inconstitucionalidade, sendo a sociedade que deve perceber que o mundo não parou na década passada ou no século passado, podendo as pessoas se unirem da forma que desejarem, diferente dos padrões fixados pela sociedade. Neste sentindo, a determinação exalada no Acórdão supracitado fere alguns direitos fundamentais, aqueles previstos no título II da Constituição Federal de 1988, que tem como um dos objetivos justamente evitar que o Poder público interfira na individualidade de cada pessoa.
A Constituição Federal possui diversos princípios para auxiliar e nortear as decisões tomadas pelos legisladores, sejam estes princípios explícitos ou implícitos. Dentre os princípios expressamente previsto na Constituição federal, um deles se destaca mais que é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que possui um conceito bem cristalino, “é o princípio maior, o mais universal de todos os princípios, é um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais”. Portanto, por meio deste princípio central, surge os demais como o princípio da liberdade, do princípio da afetividade entre outros, onde todos reafirmam o direito a dignidade e o respeito a todas entidades familiar.
Em face do exposto, é incabível qualquer afirmativa que diga que é cedo para ser respeitado, seja pela sociedade, seja pelo Estado. A ideia de que é cedo para as pessoas entenderem que as outras podem amar e ser amadas de diversas formas, mesmo que estas formas sejam incompreensíveis para humanidade é extremamente equivocada. Sabendo que o Ordenamento protege e respeita a liberdade individual de cada cidadão, por meio dos dispositivos legais e seus princípios, não se pode haver tratamento diverso para as modalidades de constituição de família, como é o exemplo da União Poliafetiva.
5. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS A UNIÃO ESTÁVEL POLIAFETIVA
Inicialmente, destaca-se alguns argumentos contrários ao reconhecimento da união estável poliafetiva.
Regina Beatriz Tavares da Silva, Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), manifestou-se contrária ao reconhecimento da união estável poliafetiva ao publicar, em 2012, o artigo: “União poliafetiva é um estelionato jurídico”:
[...] a expressão poliafeto é um engodo, um estelionato jurídico, na medida em que, por meio de sua utilização, procura-se validar relacionamentos com formação poligâmica [...] A escritura do trio não tem eficácia jurídica, viola os mais básicos princípios familiares, as regras constitucionais sobre família, a dignidade da pessoa humana e as leis civis, assim como contraria a moral e os costumes da nação brasileira (SILVA, 2012).
Para ela, não há a possibilidade de reconhecimento da união estável poliafetiva, sendo esta considerada inconstitucional, pois contraria o ordenamento jurídico brasileiro, além disso, o reconhecimento notarial, servia como elemento de destruição da família
Simão (2013, p. 836), publicou um artigo intitulado “Poligamia, casamento homoafetivo, escritura pública e dano social: uma reflexão necessária”, apontando alguns “danos” da lavratura da escritura pública que registrou a união estável poliafetiva na cidade de Tupã-SP:
Note-se: há um claro dano aos filhos da poligamia que sequer terão direito à origem genética sem se submeterem ao exame de DNA. Há uma claro dano aos supostos “conviventes” que acreditam que têm direitos e não os terão, em razão da nulidade absoluta da escritura pública. Há por fim, um dano aos Tabeliães do Brasil cuja seriedade é posta em xeque de maneira evidente, quando a imprensa passa a noticiar que é possível casamento poligâmico no Brasil.
No ano de 2016, a Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) com base em notícias divulgadas no Jornal Folha de São Paulo em 24 de janeiro de 2016 apresentou uma representação a Corregedoria Nacional de Justiça, requerendo cautelarmente, a proibição da lavratura de escrituras públicas de uniões poliafetivas pelas serventias extrajudiciais do Brasil, e, no mérito regulamentação da questão:
[...] Aduz a requerente que foi noticiado, no Jornal Folha de São Paulo em 24/01/2016, ‘a lavratura de escrituras públicas de ‘uniões poliafetivas’, em que foram outorgados e reciprocamente outorgantes um homem e duas mulheres, como também o foram três homens e duas mulheres, como ainda celebraram três mulheres’.
De acordo com a ADFAS, as lavraturas são inconstitucionais, pela ausência de eficácia jurídica, e violaria os princípios familiares básicos, a dignidade da pessoa humana, as leis civis e a moral e os costumes brasileiros.
Em resposta a representação a corregedora nacional de Justiça, a ministra Nancy Andrighi, instaurou um Pedido de Providências (nº 0001459-08.2016.2.00.0000). Embora tenha negado a liminar, a ministra sugeriu que os cartórios aguardem a conclusão de estudo sobre a possibilidade de regulamentação do registro civil das uniões poliafetivas pela complexidade do assunto3 . (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016).
6. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS A UNIÃO ESTÁVEL POLIAFETIVA
Embora, para alguns o ato deva ser declarado inconstitucional, nulo, imoral, inexistente, contrário a cultura e aos valores morais da sociedade brasileira. Há doutrinadores renomados no Direito de Família, como Dias (2013), que se posicionou a favor do reconhecimento e validade de uniões estáveis poliafetivas. Ao se referir a primeira escritura pública lavrada na cidade de Tupã, SP, defende que deve haver o reconhecimento da mesma como transparente e honesta, pois a mesma traz a livre manifestação de todos, quanto aos efeitos da relação mantida a três. Destaca a doutrinadora que: “lealdade não lhes faltou ao formalizar o desejo de ver partilhado, de forma igualitária, direitos e deveres mútuos as moldes da união estável” (DIAS, 2013, p. 54).
Além disso, verifica-se no contexto fático demostrado a boa-fé dos companheiros em procurar resguardar seus direitos futuramente, ou seja, as relações jurídicas decorrentes dessa união
Favorável ao reconhecimento da união estável poliafetiva, Dias (2013, p. 54), reitera:
Claro que justificativas não faltam a quem quer negar os efeitos jurídicos à escritura levada a efeito. A alegação primeira é afronta ao princípio da monogamia, desrespeito ao dever de fidelidade – com certeza, rejeição que decorre muito mais do medo das próprias fantasias. O fato é que descabe realizar um juízo prévio e geral de reprovabilidade frente a formações conjugais plurais e muito menos subtrair qualquer sequela à manifestação de vontade firmada livremente pelos seus integrantes.
Em consonância com a doutrinadora supracitada, este parece ser o posicionamento mais adequado.
7. A POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL POLIAFETIVA
Foi em virtude da condecoração do princípio da afetividade que se passou a reconhecer os novos arranjos familiares. É nesse contexto que se busca o reconhecimento da união estável poliafetiva como entidade familiar, tendo como primado o princípio da afetividade.
Nesse sentido, o princípio da afetividade viabiliza o reconhecimento da união estável poliafetiva como entidade familiar, sendo o seu reconhecimento imprescindível para garantia da igualdade, afastando qualquer forma discriminação, pois o valor maior a ser preservado é a dignidade da pessoa humana, que constitui o núcleo fundamental da Constituição Federal de 1988, razão pela qual torna-se irrelevante o discurso da afronta a moral e aos valores da sociedade brasileira.
O Supremo Tribunal Federal afirmou, em sede de Recurso Extraordinário (RE 898060/SC), que o princípio da dignidade da pessoa humana, na sua dimensão de tutela da felicidade e realização pessoal dos indivíduos a partir de suas próprias configurações existenciais, impõe o reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, de modelos familiares diversos da concepção tradicional.
Assim, a partir da consideração de que as uniões estáveis poliafetivas caracterizam-se pela união contínua e duradoura entre mais de duas pessoas ligadas por laços de afeto com o objetivo de constituírem uma família, mister faz seu reconhecimento.
A negativa de reconhecimento da união estável poliafetiva geraria inúmeros prejuízos aos companheiros, pois, ante o seu não reconhecimento como entidade familiar, a competência para a apreciação de uma futura demanda judicial envolvendo a união em tela, seria da Vara Cível, não da Vara de Família.
Ressalta-se que a Constituição Federal consagra o princípio da afetividade, cuja concretização ocorre através da garantia ao respeito e à dignidade da pessoa humana no que diz respeito aos interesses dos companheiros em união estável poliafetiva. Desse modo, seria indigno não reconhecer a constituição familiar que é a união estável poliafetiva.
8. CONCLUSÃO
A pesquisa teve como objetivo a análise da possibilidade do reconhecimento da união poliafetiva com entidade familiar, visto que a doutrina e jurisprudência superior tem conferido proteção às famílias formadas por laços afetivos, sob o manto do princípio da dignidade da pessoa humana, princípio constitucional rege todo o ordenamento jurídico brasileiro.
Apesar dessa evolução social e legislativa, as uniões estáveis poliafetivas não gozam de proteção especial do Estado, pelo fato de ainda não serem reconhecidas como entidade familiar, embora reúna os elementos essenciais para a configuração de uma, entre esses elementos podemos citar a afetividade, pois como visto, o vínculo afetivo foi cristalizado desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Deste modo os companheiros da união estável poliafetiva estão juridicamente desprotegidos ante a ausência de regulamentação da matéria. Nos últimos anos a tentativa de ter seus direitos resguardados por meio do registro no tabelionato de notas mobilizou a discussão acerca do tema, até então, ignorado pela sociedade.
O que deve prevalecer é a garantia da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, especialmente no que tange à igualdade e à proibição de qualquer tipo de discriminação, conforme preceitua a Constituição Federal de 1988. Percebe-se que somente o reconhecimento da união estável poliafetiva como entidade familiar será capaz de resguardar os direitos dos envolvidos, garantindo-lhes a dignidade.
Insta esclarecer, que ao reconhecer a união estável poliafetiva, o legislador pátrio deverá rever a legislação vigente, adaptá-la a nova entidade familiar emergente, principalmente no que tange ao direito sucessório e previdenciário. Exemplos de situações que precisaram ser regulamentadas: pensão alimentícia, divisão dos bens, pensão do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) em caso de morte, e até o limite de companheiros da união estável poliafetiva.
9 REFERÊNCIAS
ARAUJO JÚNIOR, G. C. Prática no Direito de Família. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2020, 512 p.
BERENICE, M.D. Manual de Direito de Família. 11. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, 732 p.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei de N.º 4.302 de 2016 <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=207675>. Acesso em: 26 de abril de 2021
CHATER, Luciana. União poliafetiva: a possibilidade ou não de reconhecimento jurídico como entidade familiar dentro do contexto atual em que se insere a família brasileira. Instituto Brasiliense de Direito Público: Brasília, 2015.
CNJ. Corregedoria analisa regulamentação do registro de uniões poliafetivas. Notícia retirada do CNJ. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82221- corregedoria-analisa-regulamentacao-do-registro-de-unioes-poliafetivas>. Acesso em: 20 de abril 2021.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Direito de família: as famílias em perspectiva constitucional. v. 6. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Direito de família. v. 6. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
MADALENO, ROLF. Manual de Direito de Família. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, 595 p.
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. “União poliafetiva” é um estelionato jurídico. Disponível em: <http://www.arpensp.org.br/principal/index.cfm?tipo_layout=SISTEMA&url=noticia_mostrar.cfm&id=17011>. Acesso em: 27 de abril de 2021
SIMÃO, José Fernando. Poligamia, casamento homoafetivo, escritura pública e dano Social: Uma reflexão necessária. Revista do Instituto do Direito Brasileiro. Ano 2, n. 1, 2013.
Graduando em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VALENTE, ANDREWS BARBOSA. A legalidade e a possibilidade da união poliafetiva face as suas dificuldades para ser reconhecida como entidade familiar no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 maio 2021, 06:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56564/a-legalidade-e-a-possibilidade-da-unio-poliafetiva-face-as-suas-dificuldades-para-ser-reconhecida-como-entidade-familiar-no-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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