CAMILA TORRES MESQUITA [1]
(coautora)
FABRÍCIO DE FARIAS CARVALHO [2]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo geral analisar a importância das medidas executivas atípicas com enfoque nas obrigações pecuniárias, descritas no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015, a fim de observar os limites que devem ser respeitados para a devida aplicação das mencionadas medidas, principalmente nas obrigações de pagar quantia, que constituem inovação no atual diploma processualista civil e é palco de diversas discussões doutrinárias e jurisprudências. O debate desse tema é essencial para compreender a importância da efetividade processual, que é princípio fundamental protegido constitucionalmente, em razão de que a aplicação das medidas executivas tipificadas no ordenamento jurídico em diversos casos não se fazerem suficientes para o devido cumprimento do processo, sendo assim, com a finalidade de assegurar o princípio da efetividade é que se adotam técnicas de execução atípicas para garantir a própria prática dos atos executivos que foram determinados ao devedor. O método de abordagem utilizado é o dedutivo, caracterizado por uma abordagem mais abrangente do estudo que segue para uma mais particular, utilizando-se da racionalização.
Palavras-chave: Medidas executivas atípicas, Efetividade processual, Limites de aplicabilidade.
ABSTRACT: The general objective of this article is to analyze the importance of atypical executive measures with a focus on pecuniary obligations, described in article 139, item IV, of the 2015 Code of Civil Procedure, in order to observe the limits that must be respected for the proper application of the mentioned measures, mainly in the obligations to pay a sum, which constitute an innovation in the current civil procedural law and are the stage for several doctrinal discussions and jurisprudence. The discussion of this topic is essential to understand the importance of procedural effectiveness, which is a fundamental principle that is constitutionally protected, since the application of the executive measures typified in the legal system in several cases is not sufficient for the due compliance of the process, thus, in order to ensure the principle of effectiveness is that atypical execution techniques are adopted to guarantee the actual practice of executive acts that were determined to the debtor. The approach method used is the deductive one, characterized by a more comprehensive approach of the study that follows to a more particular one, using rationalization.
Keywords: Atypical executive measures, Procedural effectiveness, Limits of applicability.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A efetividade da tutela jurisdicional como garantia fundamental. 2.1 Características gerais. 2.2 Dos direitos e garantias fundamentais do processo civil. 2.3 Dos princípios da tutela jurisdicional em compatibilidade com o artigo 139, IV do CPC/2015. 3 As medidas executivas atípicas do CPC/2015. 3.1 A busca da efetividade na execução por meios atípicos no atual diploma processualista civil brasileiro. 3.2 A inovação feita pelo artigo 139, IV, do CPC/2015. 3.3 As medidas executivas atípicas mais usuais de acordo com a jurisprudência e sua aplicação de ofício. 4. Limites para a aplicação das medidas executivas atípicas. 4.1 Subsidiariedade em relação aos meios executórios típicos e a fundamentação adequada. 4.2 A possibilidade de cumprimento da prestação pelo destinatário. 4.3 A necessidade do contraditório e da proporcionalidade na aplicação das medidas. 5 Conclusão. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
É notório o peso do estrito cumprimento legal no decorrer de um processo, embora em muitas situações apenas a lei expressa não seja suficiente para a conclusão efetiva de um caso, cabendo, assim, aos magistrados utilizarem-se do chamado positivismo jurídico, isto é, o apego irrestrito a lei.
Todo cidadão possui o direito a um processo efetivo, que ocorra dentro dos parâmetros definidos legalmente. Desta forma, o uso das medidas executivas atípicas só deve ser imposto quando forem feitas todas as medidas previstas em lei que, no entanto, não foram satisfatórias. Nesse sentido, de acordo com o entendimento de PISKE (2012), o juiz, ao exercer suas funções, deve atentar-se aos aspectos que compõem cada caso concreto, juntamente com a evolução política, social e econômica.
O respectivo tema está disposto no Art. 139, inciso IV, do atual Código de Processo Civil que afirma incumbir ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
O referido dispositivo de lei se refere às decisões judiciais que impõe o cumprimento dos deveres de fazer, não fazer, entregar coisa e pagar quantia, esse último consiste em inovação trazida pelo novo Código de Processo Civil, em que a compreensão de incidência dessa regra gera incertezas doutrinárias e jurisprudenciais.
As medidas executivas atípicas buscam prestigiar a cooperação, a boa-fé processual, a celeridade e especialmente a efetividade das decisões judiciais, conferindo a elas maior coercibilidade, inclusive nas relativas à prestação pecuniária, sendo assim de suma importância para o processo de execução ou cumprimento de sentença, que são fases do processo em que se tem, em comparação com as outras, um menor índice de efetividade.
Vale destacar que, os juízes ao utilizarem a regra no Art. 139, inciso IV, do CPC/2015, aplicam comumente a apreensão ou suspensão de passaporte, de carteira nacional de habilitação e de cartões de crédito, então, devido a estas decisões, se tem debatido se estas providências são asseguradas pela atual Constituição Federal, pois violariam direitos fundamentais do executado, como o de ir e vir.
Ocorre que, para a aplicação da referida norma, de acordo com entendimento de relevante parcela da doutrina e jurisprudência, é necessária uma análise do caso concreto, além da imposição de determinados limites.
Dito isso, o conteúdo do tema abordado tem por finalidade principal debater sobre a relevância do magistrado em conferir a efetividade para as suas decisões, podendo este, assim, se valer de todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias com objetivo de que o devedor cumpra com a obrigação que lhe foi determinada, ficando, assim, notória a ampliação do papel juiz no processo em comparação com o diploma processual civil de 1973.
A amplitude das medidas executivas atípicas e os limites que devem seguir para respeitarem os direitos e garantias instituídos constitucionalmente, por constituírem objeto de controvérsia, devem ser analisados com a devida cautela. Nesse sentido, entende a 3ª Turma do STJ, ao julgar o REsp 1.788.950-MT, fixou, por unanimidade de votos, a orientação de que a “adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meios de decisão que contenha fundamentação adequada às especificações da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade”.
Diante do exposto, evidencia-se a importância da análise dos entendimentos jurisprudenciais do Poder Judiciário brasileiro, para verificar os limites que devem ser utilizados pelos tribunais na aplicação das medidas executivas atípicas, no que tange, principalmente, às obrigações pecuniárias, que correspondem a uma inovação do atual diploma processualista civil.
2 A EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL COMO GARANTIA FUNDAMENTAL
2.1- Características gerais
A preservação do direito ao acesso efetivo à justiça é assunto frequentemente debatido, pela doutrina e jurisprudência, sendo, um dos motivos, o fato dos custos processuais serem elevados no Brasil e, mesmo com a aplicação de assistência jurídica gratuita pelos defensores públicos que buscam tornar-se a justiça mais acessível, há ainda muitos casos em que os conflitos de interesses não são sanados efetivamente.
O direito à tutela jurisdicional é decorrente do princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Magna, desse modo o Estado-Juiz está incumbido de assegurar o acesso efetivo à jurisdição. Assim, de acordo com THEODORO JÚNIOR (2016), a justiça não detém apenas a incumbência de reconhecer direitos, devendo também enquadrar o fato à norma, fazendo-lhe a devida subsunção, sendo imprescindível, portanto, que se faça valer tais direitos, de forma concreta e plena.
O direito ao acesso à justiça através da tutela jurisdicional passou por relevante evolução histórica para ser efetivamente assegurada pelo Estado, isso porque o Direito era tido como "natural" e acreditava-se não haver a necessidade de uma tutela para sua proteção.
Ocorre que, mesmo com o Estado detendo a citada tutela jurisdicional, havia intenso reflexo da desigualdade social no decorrer do processo, pois a parte que detinha um poder econômico maior possuía, também, a primazia sobre a parte com menor poder aquisitivo. Aquela, conseguia acompanhar todas as etapas do processo justamente por ter a capacidade financeira de arcar com os ritos processuais.
Diante do apresentado, é válido a transcrição do entendimento de ANNONNI (2005, p. 113) "só tinha acesso à Justiça, quem podia enfrentar seus custos e suas delongas, haja vista que o papel do Estado era tão somente permitir que o cidadão tivesse acesso à Corte de Justiça, a fim de propor a ação ou de se defender dela. Ao Estado não cabia nada mais, senão administrar a aplicação da vingança privada. O Direito ao acesso à Justiça era o direito de acesso formal, mas não efetivo. Correspondia à igualdade formal, mas não à efetiva”.
Assim, de acordo com o entendimento doutrinário exposto, é possível concluir-se que o Estado não possuía uma preocupação direta em garantir o direito da parte de maneira efetiva e plena, preocupando-se apenas em fazer com que o indivíduo tivesse o acesso à justiça.
Com o passar do tempo e o crescimento da sociedade do Laissez-faire (liberalismo econômico), o conceito de direitos humanos começou a se modificar profundamente. As pessoas passaram a exigir uma atuação do Estado para garantir os direitos de forma mais efetiva. Esta modificação ocorreu justamente por conta do reconhecimento dos direitos sociais, que contribuiu para a evolução do entendimento dos cidadãos em requerer tal efetividade.
Por esse motivo, os cidadãos exigiram por seus direitos com o objetivo de romper com a inércia Estatal em proveito da concretização dos preceitos para atender às necessidades da sociedade. Todo esse movimento proporcionou a retirada da igualdade proclamada no plano formal e permitiu a consubstanciação da esfera material.
É de suma importância o reconhecimento da existência de um direito juridicamente exigível, visto que na procura de efetivar o acesso à Justiça deslumbra-se a necessidade de conhecer quais meios serão utilizados para assegurar o direito violado.
É imprescindível, dessa maneira, que haja uma modificação no comportamento psíquico social, pois parcela considerável sequer cogita em buscar o Judiciário para solucionar seus conflitos. Apesar da falta de conhecimento jurídico na sociedade, outro ponto relevante se perfaz no tocante aos conceitos constituídos pela própria comunidade, onde os procedimentos são considerados complicados, havendo um alto nível de formalismo, fazendo com que o ambiente dos tribunais seja considerado intimidador.
Vale acrescentar que, em um Estado Democrático de Direito é vedada a autotutela, por isso, em conformidade com o inciso XXXV do art. 5º da Carta Magna de 1988, toda ameaça ou lesão de qualquer direito deve ser apreciada pelo Poder Judiciário, com isso o Estado avoca para si a responsabilidade de solucionar os conflitos sociais.
Denota-se a importância de se elaborar normas de procedimento em conformidade com a realidade social, pois estando a legislação em consonância com as necessidades coletivas haveria a facilitação de um acesso à Justiça de forma mais efetiva, em decorrência da adequação normativa à atual situação.
Dito isso, a noção de efetividade do processo tem como premissa básica a concepção de que o Poder Judiciário tem como missão possibilitar aos demandantes uma adequada, tempestiva e eficiente solução de controvérsias, incluindo-se a devida realização do direito material tutelado em favor do seu titular.
Assim, está ligado ao princípio da eficiência, podendo se afirmar que cabe ao magistrado organizar-se da forma mais adequada para garantir que a tutela jurisdicional possa ser conferida ao titular do direito material de maneira oportuna, econômica e tempestiva. De modo a se garantir que a resolução de conflitos não se limite apenas à prolação de uma sentença judicial, mas sim que possa efetivamente realizar o direito devido ao seu titular e formalmente reconhecido em decisão proferida no processo.
A Declaração Universal de Direitos Humanos em seu art. 8º garante uma proteção Judicial efetiva de todos aqueles atos que violem os direitos fundamentais. Evidencia-se, portanto, a magnitude da proteção ao acesso à justiça, visto compor o rol dos direitos fundamentais e por serem a garantia básica inerente a todos os cidadãos para se obter a tutela jurisdicional, além de sua aplicação dever ser imediata.
2.2- Dos direitos e garantias fundamentais do processo civil
O direito fundamental consiste em um direito indispensável para o indivíduo, bem como para o ordenado jurídico, visto que é derivado da condição humana, sendo este primordial na fundamentação do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, é essencial que o homem tenha seus direitos protegidos e a sua dignidade seja assegurada, assim como está proclamado na Constituição Federal de 1988.
Proporcionar apenas o acesso à justiça é insuficiente, não pode o Estado acreditar que ao proporcionar o citado acesso já está se desincumbindo da obrigação que assumiu quando proibiu a autotutela, por isso o direito fundamental é considerado para o ordenado jurídico essencial.
Na prática, o homem é o principal sujeito, ou seja, as normas e os princípios para a aplicação da lei perpassam através dos direitos e deveres deste. Do contrário não haveria necessidade de um ordenado jurídico, visto que não haveria o sujeito para a aplicação das normas. Então, sem o sujeito não há aplicabilidade, somente vagas possibilidades e teorias sem a concretização.
O Direito fundamental desconstrói a ideia de que o Estado é o detentor da sua existência. Destaca-se, portanto, que de nada vale toda essa organização jurisdicional se não houver garantia de acesso de todos os cidadãos, sendo a proteção dos direitos indispensáveis ao homem.
O Estado somente se desincumbirá de sua obrigação quando, além de proporcionar o acesso à justiça, prestar uma tutela jurisdicional eficiente, isto porque, segundo WAMBIER (2016) o direito à prestação jurisdicional, atualmente, corresponde a uma tutela efetiva e eficaz. A Justiça deve, portanto, incumbir-se de reconhecer tais direitos e fazer valer a Lei de forma concreta e plena.
Acrescenta-se que, os direitos e garantias fundamentais são direitos previstos na Constituição Federal no Título II, sendo inerentes à pessoa humana. Assim, segundo FACHINI (2020), os direitos fundamentais são a garantia do mínimo existencial para que o cidadão, que está inserido em um sistema controlado pelo Estado, tenha acesso a uma existência digna.
Dito isso, a jurisdição, que consiste em uma garantia constitucional de acesso à justiça, décadas atrás não era exercido pelo Estado, mas pelas partes envolvidas no processo, através da autotutela, pois naquela época não existia o conceito do Poder Estatal (HASSE, 2014). Assim, aqueles que se vissem envolvidos em qualquer tipo de conflito de interesses, deveriam resolvê-lo entre si, e na maioria das vezes, a força física prevalecia.
Algum tempo depois, um terceiro foi escolhido pelos contendores para solucionar o litígio. Assim, principalmente após a teoria da repartição dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) consagrada na obra “Espírito das Leis” de Montesquieu no século XVII, o Estado passou a ser o detentor do poder de aplicar e proferir o direito aos indivíduos que precisavam.
É importante ressaltar que o acesso à justiça se trata da garantia do indivíduo de requerer seus direitos lesionados e o ordenamento jurídico deve possibilitar a proteção desse direito. Assim sendo, é impossível o processo ser verdadeiramente efetivo se o sistema jurídico excluir alguns direitos fundamentais de sua tutela ou eventuais titulares dos direitos de sua respectiva utilização ou, no mais, se a prestação jurisdicional não fora útil no mundo do direito material, bem como se o tempo inibir a satisfação eficaz do direito pleiteado.
Nesse sentido, o processo justo será aquele que fornece uma forma de garantia mínima a todo cidadão, tendo em vista que a intensa busca por resultados adequados pressupõe o oferecimento de um meio proporcional.
Ademais, a igualdade de oportunidades permitirá valorizar o processo para que gere resultados. O autor RAMOS (2018) afirma que o os direitos fundamentais poderiam ser divididos em dois grupos: “os direitos de defesa e os direitos a prestações”. Onde os direitos de defesa, ou direitos de liberdade, teriam como objetivo proteção do indivíduo em face do Estado, necessitando de uma abstenção para seu pleno gozo. Já os direitos a prestações, ou direitos sociais, seriam aqueles caracterizados uso da atividade prestacional do Estado.
2.3- Dos princípios da tutela jurisdicional em compatibilidade com o artigo 139, IV, do CPC/2015
A tutela jurisdicional não possui um significado concreto, mas para caracterizá-la é possível dizer que consiste no exercício de atividade do Estado, pois somente este pode dirimir determinados conflitos, tendo, então, o dever de solucionar tais adversidades de forma adequada e satisfatória.
Ficando esclarecido este breve conceito de tutela jurisdicional, é importante salientar que esta tem por fundamento determinados princípios que são classificados pela doutrina brasileira como fundamentais, princípios esses que são regidos principalmente pela Constituição Federal de 1988.
Desse modo, configura-se como garantia constitucional a tutela jurisdicional e sua efetividade, porque quando tutela é aferida ao Estado, cabe a ele torná-la mais rápida e organizada, usando instrumentos processuais cabíveis que encontre o resultado dos conflitos, garantindo assim uma justiça adequada e mais célere.
As garantias processuais, como tutela jurisdicional efetiva, constituem-se direitos positivos, que dependem de prestações adequadas do Estado, ressaltando-se que seu lado defensivo não pode ser deixado de fora. De acordo com o autor MARINONI (2015) esse garantismo são as novas técnicas no sistema processual que trazem mais qualidades as decisões proferidas. Dessa forma, RAMOS (2018) afirma que o direito à tutela jurisdicional efetiva engloba o direito a técnica processual satisfatória, instituição de procedimento capaz de proporcionar a participação e a própria resposta jurisdicional.
A Constituição Federal prevê, no artigo 5°, inciso XXXV, no rol de direitos e garantias fundamentais, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, tal princípio afirma que a jurisdição não pode ser afastada, em outros termos, pode-se afirmar que a função jurisdicional é inerente exclusivamente ao judiciário, devendo este proporcionar a tutela efetiva àqueles que a demandarem.
O livre acesso à justiça é um direito positivo, visto isso, o Estado deve-se estruturar para garantir o acesso à justiça a todos. O caráter positivo desse direito está implícito na previsão negativa, ou seja, se o Estado não pode excluir é porque na verdade ele deve garantir o direito de ação e o acesso à justiça a todos.
Isto posto, o direito ao acesso à justiça pode ser chamado de direito fundamental da tutela jurisdicional, mas não basta apenas garantir o acesso à justiça, é necessário que o acesso e a tutela jurisdicional sejam ainda efetivo, ou seja, é fundamental que ela seja adequada às necessidades do direito material.
Essa necessidade da tutela jurisdicional efetiva está ligada, especialmente, ao plano do direito material e a compreensão de que não deve acontecer violação dos direitos, assim como não deve haver prejuízo a tais garantias, visto isso, é de suma importância evitar o dano e não apenas compensar o dano com pecúnia ou dinheiro.
Já o princípio da instrumentalidade tem por objetivo alcançar o maior aproveitamento dos provimentos judiciais, deixando assim de se apegar apenas a forma. Tal princípio visa observar as normas ou instrumentos processuais cabíveis para cada espécie de procedimento, de acordo com suas particularidades.
Os mencionados princípios estão diretamente ligados a inovação trazida pelo artigo 139, inciso IV do atual Código de Processo Civil, uma vez que o mesmo fala sobre a previsão de uma norma ampla, que possibilita a imposição de medidas coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
Desta forma, as medidas coercitivas que poderão ser impostas para o cumprimento de decisões judiciais não são apenas aquelas previstas em lei, mas também outras que o julgador entenda adequadas para a realização do direito fundamental da tutela jurisdicional efetiva e tempestiva.
A maneira eficiente de se aferir a efetividade de um dado sistema processual é relacioná-lo com o direito material que instrumentaliza e, principalmente com a ordem constitucional na qual está imerso. Por isso, o processo deve estar apto a pôr em prática as normas e princípios constitucionais, a partir do devido processo legal e da necessidade de tempo razoável para a prestação jurisdicional.
Diante do Estado Social e Democrático de Direito que se vivencia hodiernamente, emerge a imprescindibilidade de o processo estar conectado com a realidade, os valores e os anseios verificados na sociedade em que se insere. Em isso se verificando, contribuirá para a prevalência da justiça e, em última análise, do bem-estar coletivo.
3 AS MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS NO CPC/2015
As medidas executivas atípicas visam primordialmente garantir o devido cumprimento das decisões judiciais para assegurar a efetividade do processo de modo que a vontade do devedor de descumprir a decisão judicial que lhe foi imposta não se sobressaia ao poder conferido ao estado-juiz de solucionar conflitos. Tais medidas atípicas estão determinadas no novo código de processo civil em seu Art. 139, inciso IV:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(...)
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
Nesse sentido, é de suma importância a análise das mencionadas medidas atípicas, com a finalidade primordial de entender a relevância dessas medidas para ordenamento jurídico brasileiro, além de esclarecer eventuais questionamentos, objetos de conflitos doutrinários e jurisprudenciais, acerca da sua aplicabilidade de maneira lícita, ou seja, respeitando os direitos e garantias constitucionais atribuídas às partes de uma lide processual.
3.1- A busca da efetividade na execução por meios atípicos no atual diploma processual civil brasileiro
O processo de execução consiste, em síntese, na transformação do direito que foi determinado na sentença ou no título extrajudicial em fato, isto é, consiste no momento em que a parte vencedora da lide deverá ter o seu direito efetivado.
Diante do mencionado conceito, fica notório a relevância da efetividade processual, principalmente no âmbito da fase executória, pois para que o processo civil alcance sua finalidade principal, que é a de solucionar lides, é necessário que a decisão judicial imposta a uma das partes processuais seja cumprida com êxito.
Isto posto, pode se declarar que a tutela executiva possui como direito fundamental o princípio da efetividade, desse modo, tal afirmação torna-se fundamental para o esclarecimento de alguns questionamentos e adversidades relacionados ao processo de execução (DIDIER, 2017).
Preliminarmente vale mencionar que, o juiz poderá se utilizar de determinados meios executórios tipificados pela legislação que iram lhe auxiliar na satisfatória concretização de suas decisões, ou seja, o próprio código já determina os meios pelos quais o magistrado pode se valer no momento da execução judicial.
No entanto, essas medidas tipificadas não são garantias de efetividade na execução, sendo necessário, em determinadas circunstâncias, que o juiz busque essa finalidade por outros meios.
Nesse contexto é que se fazem imprescindíveis as medidas executivas atípicas, definidas pelo artigo 139, inciso IV, do atual código de processo civil, referidas medidas visam garantir a efetividade processual, por meio de determinações, que variam de acordo com o caso concreto, não tipificadas pelo legislador, mas que devem, sem exceção, observar os direitos e garantias fundamentais do indivíduo.
Diante desse cenário, surge o seguinte questionamento “Deve ser priorizado a segurança jurídica com a aplicação apenas de medidas tipificadas ou a efetividade através, também, dos meios executivos atípicos? ”.
A reposta para o citado questionamento é palco para diversas discussões jurisprudenciais e doutrinarias, em que há duas principais linhas de pensamento, a primeira é daqueles que afirmam que as medidas executivas atípicas causam insegurança processual por não ser algo previsível às partes do processo, já a segunda linha entende que tais medidas são necessárias para o cumprimento efetivo da fase executória em determinados casos.
Desse modo, o entendimento predominante é o que determina que a atipicidade das medidas executivas é essencial para se atingir a denominada efetividade processual, não implicando necessariamente em uma insegurança no processo, devendo ser empregadas dentro dos limites estipulados doutrinariamente e que devem ser seguidos pelo magistrado antes da aplicação dessas medidas.
Assim, as medidas atípicas na execução têm o condão de suplementar o procedimento judicial quando a medidas típicas não forem suficientes, para que seja garantido o cumprimento do direito que possui a parte integrante da lide, sendo o processo, dessa forma, efetivo.
3.2- A inovação feita pelo artigo 139, IV, do CPC/2015
As medidas executivas atípicas não constituem, de um todo, novidade para o novo código de processo civil, pelo fato de terem sido estipuladas ainda no código de processo civil de 1973, com a Lei nº 8.952/94, que introduziu o artigo 461 ao mencionado código, no qual se estabeleceu a utilização de medidas executivas atípicas, sendo estas restritas apenas para a efetivação das obrigações de fazer e as de não fazer.
Em seguida, foi introduzido o artigo 461-A no código processualista civil de 1973, através da Lei nº 10.444/2002, acrescentando-se, ao rol supracitado, as obrigações de entrega de coisa que não seja dinheiro.
Dito isso, o CPC/2015 continua por manter a aplicação das medidas atípicas nas obrigações de fazer, de não fazer e de entregar coisa, que foram determinadas em 1994 e 2002, respectivamente. Acontece que, o mencionado diploma inovou ao adicionar nesse sistema a possibilidade de se utilizar de medidas atípicas nas execuções por quantia.
Esta novidade consiste em uma das mais consideráveis mudanças feitas pelo atual código de processo civil e, em decorrência disso, é o âmbito de utilização das medidas executivas atípicas que mais gera questionamentos quanto a sua real necessidade para o ordenamento jurídico e sua aplicabilidade.
De acordo com TALAMINI (2018) a aplicação das medidas executivas atípicas nas obrigações de pagar quantia é a mais complexa dentre as citadas no Art. 139, inciso IV, causando maiores divergências doutrinárias, pelo fato de que o novo diploma processualista civil tipifica as execuções pecuniárias, de maneira abrangente e aprofundada, com numerosas medidas coercitivas e sub-rogatórias.
Diante da mencionada doutrina, evidencia-se que o Art. 139, IV do CPC/2015 deve ser aplicado com necessária razoabilidade e proporcionalidade, pois este não pode simplesmente ignorar, sem nenhuma justificativa plausível, todo o arcabouço legislativo tipificado no ordenamento jurídico referente à execução para que o juiz opte por determinar providências atípicas de maneira totalmente arbitrária.
Vale evidenciar que o código processualista civil vigente tem em torno de duzentos artigos destinados à execução por quantia certa, ficando, assim, inequívoca a intenção do legislador de garantir a efetividade na execução de quantia certa de maneira típica, ao mesmo tempo que este permite que a referida execução possa ocorrer de maneira atípica.
Surge, desse modo, um impasse, entre doutrinadores e juristas, para justificar o motivo de ter o legislador brasileiro adicionado as obrigações pecuniárias no rol das medidas executivas atípicas do CPC/2015, sendo que essas obrigações já estão descritas de maneira abrangente pelo código.
Primeiramente, vale destacar que a execução por quantia certa se dirige, especialmente, ao devedor solvente, que consiste naquele que possui patrimônio suficiente para adimplir com o valor da dívida, ou seja, detêm de patrimônio positivo maior que o negativo, caso contrário o devedor deve declarar sua insolvência para que seja instaurado o processo de execução concursal.
Assim, a execução por quantia certa tem por finalidade, através de título executivo judicial ou extrajudicial, expropriar do patrimônio do executado valor necessário para adimplir com sua dívida.
Ocorre que, na fase inicial do aludido processo, que consiste no momento em que acontece a penhora, na qual se verifica e avalia os bens do executado com o propósito de transformá-los em dinheiro para satisfazer sua obrigação, pode não se encontrar patrimônio do devedor apto a ser penhorado.
A questão está justamente nesse momento em que não se localiza patrimônio do devedor pelo fato de que, em parte dos casos, este evita ter bens, móveis e imóveis, registrados em seu nome com o propósito de não os ter penhorados, impossibilitando, dessa maneira, a efetividade que se pretende no processo de execução.
Diante disso, é que se fazem necessárias as medidas executivas atípicas nas obrigações pecuniárias para se encontrar patrimônio do devedor penhorável e atingir a finalidade de garantir a efetividade processual.
Dessa maneira, respondendo ao questionamento sobre a aplicabilidade das medidas atípicas nas obrigações pecuniárias, se conclui que a necessidade esta devido a ocultação de patrimônio por parte do devedor solvente com o intuito de não cumprir com a decisão judicial que lhe foi determinada.
Assim, com o auxílio das medidas atípicas como meio alternativo, é possível motivar o executado a cooperar e cumprir com seu débito através da utilização de meios indutivos, coercitivos, sub-rogatórios e mandamentais.
3.3- As medidas executivas atípicas mais usuais de acordo com a jurisprudência e sua aplicação de ofício
A atipicidade das medidas executivas, como o próprio nome dá a entender, consiste em meios, utilizados pelo juiz, que não estão descritos pelo código e que tem por objetivo o de alcançar a efetividade da execução. Dito isso, tais medidas devem ser determinadas de acordo com a análise específica de cada caso concreto em que se fizerem necessárias.
Nesse sentido, a medida atípica que é considerada lícita em determinada situação, em razão de respeitar os direitos e garantias fundamentais estabelecidos constitucionalmente, poderá ser desproporcional, e consequentemente ilícita, ao ser aplicada em outra circunstância concreta.
Sendo então, requisito essencial na aplicação das mencionadas medidas a análise do caso, para se verificar que espécie de meio atípico seria mais eficaz para que, além de assegurar o cumprimento da decisão judicial imposta à parte executada, sejam preservados os direitos e garantias fundamentais desta.
Diante disso, é imprescindível a observância do princípio da razoabilidade, também denominada de princípio da adequação dos meios aos fins, que consiste em uma diretriz essencial no direito por ter a finalidade de tornar o sistema jurídico mais harmônico, sendo, da mesma forma, o princípio da proporcionalidade, que é composto por três meios, sendo estes a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
É válido a transcrição de um trecho de recente decisão do Supremo Tribunal Federal no RE nº 1291832, de Relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, no qual é posto que “(...). Nesse diapasão, por expressa previsão legal, a ordem judicial de pagamento exarada em Feitos de natureza executiva pode ter o seu cumprimento assegurado por meio da imposição de medidas atípicas, ou seja, diversas daquelas enumeradas nos outros artigos do Código. Quanto à suspensão da CNH, não se verifica ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a menos que, posteriormente, venha a ser demonstrado que os Devedores dependam da Carteira de Habilitação para o exercício de sua atividade laborativa. Nesse caso, a medida de suspensão da CNH poderá ser reavaliada. Desse modo, não se tratando”.
A jurisprudência supratranscrita corrobora exatamente com a linha de pensamento exposta, verificando- se que é de suma importância a análise de cada circunstância antes de se determinar a medida atípica que será mais adequada e eficiente de acordo com as peculiaridades do caso.
Dito isso, com a anuência do vigente código processualista civil, em seu artigo 139, inciso IV, para que o juiz possa se utilizar de medidas executivas não determinadas expressamente pelo mencionado diploma, várias foram, consequentemente, os tipos de medidas atípicas requeridas.
É possível, dessa maneira, observar que existem certas medidas que são requeridas e determinadas judicialmente com uma frequência maior que outras, pelo fato de estarem se mostrando, na prática, mais efetivas para execução processual.
Assim, as medidas atípicas utilizadas no processo de execução com maior periodicidade, como é disposto em relevante parcela da jurisprudência atual, são as de suspensão ou apreensão de passaporte, da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e o bloqueio de cartões de crédito.
No entanto, a maior incidência dessas medidas impostas ao executado, não as torna hierarquicamente superiores a outras medidas que o juiz entender como mais eficientes para as particularidades de determinado caso concreto, ou seja, outros meios são da mesma forma cabíveis, desde que respeitem os limites para sua aplicação.
Assim, para exemplificar a incidência de tais medidas, é válido a transcrição de trecho do Recurso Extraordinário nº 1287895 do Supremo Tribula Federal, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio:
Aponta violados os artigos 5º, incisos XV, LIV e LV, da Constituição Federal. Afirma não violar o direito de ir e vir a determinação de retenção do passaporte. Alega viável o contraditório diferido em relação às medidas atípicas de execução. Sustenta a proporcionalidade das medidas pretendidas. 2. Colho o seguinte trecho do acórdão recorrido: 2 – Da suspensão da CNH, apreensão do passaporte e cancelamento de cartão de crédito (excesso nas medidas indutivas e coercitivas impostas) Na espécie analisada, constata-se que diante da dificuldade demonstrada pelo ente fazendário em receber os créditos executados, e considerando as tentativas infrutíferas de localização do devedor, bem como ausência de bens passíveis de penhora, o juízo singular ordenou a suspensão da CNH, apreensão do passaporte e o cancelamento dos cartões de crédito do executado. Com efeito, embora as medidas restritivas sejam legalmente admitidas, tem-se nos autos que foram aplicadas sem observância do contraditório como determina a legislação processual e não de forma subsidiária como sucedaneado no Enunciado 12 do 2° FPPC.
Diante da jurisprudência supratranscrita, fica notório que a aplicação das referidas medidas atípicas é admitida no processo civil brasileiro, inclusive de forma cumulada, mas é de suma importância que elas sejam analisadas, tanto individualmente como associadamente, com a finalidade de verificar se estão sendo empregadas de maneira adequada de acordo com os princípios constitucionais e processuais que regem o ordenamento jurídico brasileiro.
Ademais, outro ponto que gera divergências e merece ser elucidado é a questão da necessidade ou não de pedido para que o juiz determine a aplicação de medida atípica no processo de execução, nessa perspectiva, o entendimento da maior parte da doutrina é de que essas medidas podem ser determinadas de ofício pelo magistrado, pois, além de se tratar de um dever geral de efetivação, o código de processo civil de 2015, em seu artigo 782, caput, estabelece que cabe ao juiz fixar os meios executórios, caso não disponha a lei de modo contrário.
Essa compreensão, adotada majoritariamente pelos doutrinadores, foi tema tratado no Fórum Permanente de Processualistas Civil (FPPC) em seu enunciado 396 que dispõe “(art. 139, IV; art. 8º) As medidas do inciso IV do art. 139 podem ser determinadas de ofício, observado o art. 8º.”
Conforme o exposto, acrescenta-se que o entendimento de MARINONI; ARENHART; MITIDIERO (2017) é de que o juiz não fica submetido apenas às medidas apresentadas pelas partes no processo, ou seja, pode determinar medidas diversas de ofício com a finalidade de obter a efetividade processual, contanto que observe os limites jurídicos e o caso concreto.
Dito isso, se conclui que é possível que o magistrado determine medidas atípicas no processo de execução de ofício, no entanto, é necessário observar os negócios processuais que possam existir em determinado caso concreto, pelo fato de que neste possa haver alguma proibição em relação a determinadas medidas, que foram negociados pelas partes processuais para não serem aplicadas naquele caso.
Assim, se alguma medida atípica é proibida por acordo entre as partes, não poderá o juiz se utilizar de tal medida com a finalidade de atingir a efetividade processual da execução, pois estaria ferindo a legalidade de maneira mais abrangente. Sendo necessário que este, além de seguir determinados limites, doutrinários e jurisprudenciais, deve respeitar negócio jurídico firmado anteriormente, dessa forma, os executórios atípicos não podem ser, por si só, ilegais.
4 LIMITES PARA A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS
A possibilidade de fazer o uso de medidas atípicas, disciplinada pelo art. 139, inciso IV do CPC/2015, não significa que há uma ausência de critérios para a sua aplicação em decorrência de não estarem devidamente descritas no ordenamento.
Assim, os limites a serem impostos para que ocorra um emprego lícito das medidas executivas atípicas podem variar de acordo com determinadas doutrinas, mas, como entende MINAMI (2020), a concepção em relação a tais medidas é, indiscutivelmente, diversificada, no entanto há características que são compartilhadas por esses pensamentos e merecem ser analisadas de maneira mais aprofundada.
Dito isso, é de suma importância destacar que as medidas atípicas, para serem consideradas constitucionais, devem respeitar determinados parâmetros a serem seguidos pelo magistrado antes de fazer sua aplicação.
4.1 Subsidiariedade em relação aos meios executórios típicos e a fundamentação adequada
O legislador dispõe, de maneira extensa e detalhada, sobre os meios típicos que podem ser utilizados na execução com a finalidade de torná-la eficiente, de modo que possa se garantir ao processo previsibilidade para as partes e, por consequência, uma maior segurança jurídica.
Ocorre que, em determinados casos tais meios típicos não se mostram eficientes para o efetivo cumprimento da execução por parte do devedor, se fazendo necessário a utilização de meios atípicos. Esses meios, elucida-se, devem ser utilizados como ultima ratio, isto é, devem ser aplicados quando as medidas descritas pelo legislador se mostrarem inefetivas.
Em decorrência disso, vale evidenciar que a subsidiariedade dos meios atípicos não sugere, obrigatoriamente, um exaurimento dos meios típicos, pois o juiz pode fundamentar sua decisão de utilizar aqueles meios em decorrência da ineficiência dos meios tipificados na legislação para determinada circunstância em questão.
Acrescenta-se, conforme entendimento de MINAMI (2020), que também será factível a aplicação de medida executiva atípica quando esta determinar uma medida menos onerosa ao executado em relação à medida típica determinada pelo ordenamento jurídico.
Podendo ser citado, a título de exemplo, o caso da prisão civil na execução de alimentos, em que outra medida, como a apreensão da carteira nacional de habilitação (CNH) ou passaporte do devedor, pode se mostrar eficiente da mesma maneira e menos prejudicial para o executado.
Assim, a subsidiariedade é de suma importância para a atipicidade das medidas executivas, mas, como explanado, essa regra pode ser flexibilizada quando se tratar de um meio atípico que seja considerado mais brando para o executado.
Além disso, é conhecido que as decisões judiciais devem ser devidamente fundamentadas para que o processo seja adequado de acordo com a legislação pátria. Dito isso, vale acrescentar que não é diferente nos casos em que o juiz pretende empregar medidas executivas atípicas.
Deste modo, para que a decisão do juiz seja legal devem ser indicados os motivos, de acordo com as particularidades do caso concreto em análise, que o levaram a utilizar das mencionadas medidas para obter o resultado pretendido na execução.
4.2 A possibilidade de cumprimento da prestação
A possibilidade de cumprimento da prestação pelo destinatário da ordem emanada do Poder Judiciário, se faz necessária observar pelo fato de que o meio executório atípico não pode ser utilizado como uma forma de punição ao executado que não possui meios aptos a cumprir a prestação.
É valido a transcrição de trecho da ementa do julgamento do Recurso Especial 1.788.950-MT a 3ª Turma no STJ, de relatoria da ministra Nancy Andrighi:
7. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade.
8. Situação concreta em que o Tribunal a quo indeferiu o pedido do recorrente de adoção de medidas executivas atípicas sob o fundamento de que não há sinais de que o devedor esteja ocultando patrimônio, mas sim de que não possui, de fato, bens aptos a serem expropriados.
Assim, ao indeferir a utilização dos meios de execução atípicos, a 3ª Turma do STJ vislumbra garantir que estas medidas não desrespeitem os direitos fundamentais do executado e figurem como forma de punição para este, que demostrou não estar ocultando patrimônio para deixar de cumprir com a obrigação que lhe foi imposta.
Nesse sentido, o magistrado deve analisar, caso a caso, a real possibilidade do devedor de cumprir com o que lhe foi determinado, ou seja, deve observar se este não cumpre a obrigação por não possuir meios aptos para esta finalidade ou se está ocultando patrimônio com o objetivo de descumprir a decisão judicial. Devendo, então, ser aplica a medida atípica apenas nesta última hipótese.
Assim, as medidas atípicas não podem ser aplicadas quando o obrigado não pode cumprir com a ordem judicial, mas sim quando se constata que este não quer cumpri-la, mesmo tendo possibilidade. Por exemplo, quando o executado não paga o débito estabelecido com a justificativa de não dispor de patrimônio suficiente, mas possui um padrão de vida luxuoso e incompatível com a ausência de patrimônio.
Dessa forma, cabe dizer que é necessário exaurir os esforços para a quitação do débito e as técnicas executivas atípicas só serão aplicadas caso seja detectado sinais de ocultação patrimonial.
Nesse contexto, as medidas executivas atípicas do artigo 139, inciso IV, do novo código processualista civil, são mecanismos para estimular o obrigado a cumprir as ordens judiciais, inclusive, as que imponham prestação pecuniária.
4.3 A necessidade do contraditório e da proporcionalidade na aplicação das medidas executivas atípicas
Cabe ressaltar a importância da observância do juiz ao contraditório, ainda que diferido, na aplicação das medidas atípicas dentro do processo, pois durante o julgamento devem ser oferecidas as mesmas oportunidades de acesso à justiça, e exercício de direito de defesa, havendo assim a igualdade de armas processuais.
Desta forma, o juiz no uso de suas atribuições deve analisar o caso de acordo com a dupla garantia. Inicialmente dando possibilidade de participação, com influência na obtenção do resultado, pois não é suficiente apenas a parte ser ouvida, seus argumentos devem servir para a formação da convicção do juiz.
Deve ser ofertada ainda uma garantia de não surpresa quanto ao resultado, sendo vedado ao magistrado proferir decisão com base em questão de fato não posta pela parte no processo. DIDIER JÚNIOR (2017) destaca que o procedimento correto seria o juiz intimar as partes para que se manifestem sobre a questão, ainda que somente de direito.
Assim, conforme disposto no artigo 139, IV do atual Código de Processo Civil, ao magistrado foi dado o poder da atipicidade em suas decisões, deverá o mesmo julgar em concordância com o princípio do contraditório, uma vez que se trata de um dos princípios mais importantes do processo civil, com previsão constitucional no artigo 5°, inciso LV da Carta Magna.
Isto posto, é indispensável a submissão do contraditório no meio de execução atípico, uma vez que deve ser estimulado o diálogo efetivo entre o juiz e as partes durante processo, permitindo ao juiz uma maior proximidade com as partes, para que assim possa adequar o procedimento ao caso.
Por fim, mas não menos necessário, é a aplicação da proporcionalidade da medida atípica. O novo CPC, trouxe novidades, principalmente no artigo 139, inciso IV que, indiscutivelmente, confere ao magistrado um poder de determinar medidas inominadas.
Nesse sentido, entendem GAJARDONI e AZEVEDO (2018), seria considerado desproporcional, por exemplo, a aplicação de determinada medida atípica em face de um devedor superendividado ou privado de seu patrimônio, pelo fato de que só agravaria a situação, sendo, evidentemente, inútil ao processo.
Desta forma, ao estabelecer essas medidas, o juiz, deve antes analisar algumas premissas, sendo elas: a) observar se a medida utilizada é adequada ao resultado pretendido; b) se a medida é necessária; c) analisar se existem vantagens e desvantagens na aplicação de tal medida.
Segundo ÁVILA (2015), para que a decisão seja proporcional, o magistrado deve seguir os três exames fundamentais: o da adequação, o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito.
Primeiramente, deve ser analisado se a medida é adequada, ficando resguardo ao magistrado o poder/dever de observar cada caso, para que assim possa determinar a medida mais apropriada para o resultado pretendido. Em seguida, deve ser feita a observação da necessidade da medida a ser aplicada, cabendo assim ao magistrado analisar para que não seja exigido muito sacrifício do executado, para que essa medida não vire uma verdadeira punição.
E por fim, devem ser estudadas as vantagens e as desvantagens que as medidas tomadas geraram, assim caberá ao magistrado essa visão no início. Desta forma, o juiz deve ponderar suas decisões, para que estas sejam coerentes e proporcionais às peculiaridades que cada caso concreto irá apresentar.
Diante do exposto, conclui-se que o magistrado deve, ao aplicar as medidas atípicas, analisar as particularidades de cada caso a ser julgado, atentando-se sempre aos princípios e garantias constitucionais e processuais, utilizando de argumentos fundamentados no momento da aplicação de sua decisão e frisando na proporcionalidade da decisão para o resultado que se pretende obter.
Este estudo ressalta com clareza e objetividade as aplicações das medidas executivas atípicas, com enfoque nas obrigações pecuniárias, bem como o papel do Poder Judiciário brasileiro na realização da efetividade processual. Assim como está previsto na Declaração Universal de Direitos Humanos, todos possuem direito à justiça e cabe ao Estado garantir o acesso a tais direitos, sob pena de sanção internacional. No entanto, proporcionar apenas o acesso à justiça não é suficiente, visto ser necessário que a prestação da tutela jurisdicional seja de fato efetiva e eficiente, por ser direito de todo cidadão.
É necessário salientar que, apesar de ainda existirem divergências jurídicas, é evidente a relevância do artigo 139, inciso IV do vigente Código de Processo Civil, em decorrência de ser direito constitucional a garantia do processo efetivo, sendo imprescindível para isso que o juiz solucione as demandas satisfatoriamente, ou seja, deve buscar meios adequados para efetivar o direito material da parte processual.
Desse modo, é importante compreender os limites e possibilidades na aplicação atípica de medidas executivas, com o fim de que estas possam ser empregadas de forma lícita e alcancem a garantia processual de um processo efetivo, isto é, que garanta a concreta realização da decisão judicial.
REFERÊNCIAS
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ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição dos princípios jurídicos, 16. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015.
AZEVEDO, Júlio Camargo; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Um novo capítulo na história das medidas executivas atípicas. 2018. E-book. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4425317/mod_resource/content/1/Um%20novo%20cap%C3%ADtulo%20na%20hist%C3%B3ria%20das%20medidas%20executivas%20at%C3%ADpicas%20-%20JOTA%20Info.pdf. Acesso em: 07 de jan. de 2021.
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[1] Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. E-mail: [email protected].
[2] Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. E-mail: [email protected].
Bacharelanda do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho
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