ERYANNE MARIA DA CONCEIÇÃO DIAS [1]
(coautora)
JULIANO DE OLIVEIRA LEONEL [2]
(orientador)
RESUMO: A problemática apresentada na obra objetiva trazer ao leitor uma desconstrução sobre a criminalidade e uma evolução das ideologias quando o assunto for aprisionamento, sendo ela em caráter massivo, seletivo, autoritário e preconceituoso. Por essa razão, a questão norteadora versa sobre o seguinte ponto: com base no sistema penitenciário anacrônico brasileiro, o abolicionismo penal é a solução para o seu aniquilamento? Nesse sentido, a obra tem como objetivo central a análise das deficiências do atual sistema penitenciário brasileiro (histórico, político e socialmente), para demonstrar que o abolicionismo penal poderá ser a melhor solução para o desprazer do direito penal. Outrossim, traz a importância de discutir o assunto que merece esclarecimento e um enorme debate no âmbito jurídico, para que, futuramente, a proposta seja eficiente ao combate das mazelas do passado. Ademais, a obra tem como método de pesquisa a abordagem de cunho misto (ou quali-quantitativo), onde se apresenta os dados e ideias, havendo demonstração de que se houver a utilização das alternativas abolicionistas, pode-se chegar um resultado melhor do que o do atual sistema.
Palavras-chave: abolicionismo, penal, desencarceramento, prisões, superlotação.
ABSTRACT: The issue presented in the work aims to bring to the reader a deconstruction of criminality and an evolution of ideologies when it is about imprisonment, which has been massive, selective, authoritarian and prejudiced. For this reason, the guiding question deals with the following point: based on the anachronistic Brazilian Penitentiary System, is penal abolitionism the solution to its annihilation? In this meaning, the work has as its main objective the analysis of the deficiencies of the current Brazilian Penitentiary System (historical, political and socially), to demonstrate that penal abolitionism could be the best solution to the displeasure of penal law. Furthermore, it brings the importance of discussing the subject that deserves clarification and na enormous debate in the legal field, so that, in the future, the proposal could be efficient combating the ills of the past. Furthermore, the work has as a research method the mixed approach (or quali-quantitative), where data and ideas are presented, demonstrating that if there is the use of abolitionist alternatives, a better result can be achieved than that of the current system.
Keywords: abolitionism, penal, extrication, prisons, overcrowding.
Sumário: 1 Introdução – 2 Conceito sobre o abolicionismo penal – 3 Pena de prisão como alternativa menos dolorosa – 4 “Utopia” abolicionista – 5 Fator não ressocializante da justiça penal - 6 Brasil e seus números: 6.1 O sistema prisional brasileiro; 6.2 Presos provisórios; 6.3 Superlotação prisional; 6.4 Reincidência prisional; 6.5 Lei 11.343/06: traficante ou usuário? - 7 Seletividade penal – 8 Passos para evolução – 9 Conclusão – Referências
1 INTRODUÇÃO
Diante da análise do atual sistema carcerário brasileiro cumpre-se demonstrar a fatídica situação a qual se encontra o Brasil, como possui a cultura do encarceramento em massa, preocupa-se apenas em aprisionar, fazendo-o de forma errônea. Assim, o Estado falha em aumentar cada vez mais o número de presos, partindo da ideia de que a prisão é o meio mais eficiente para resolução dos conflitos. Todavia, cumpre-se discordar, afirmando que tal medida é a causa do problema, dado o aumento excessivo dos presidiários, o aprisionamento seletivo, a ineficácia da proposta ressocializadora, as condições deploráveis nas quais os presos estão submetidos, em síntese, o descaso do Governo diante da problemática. Nesse contexto, é cabível propor como medida eficiente para resolução desses conflitos, bem como solucionar o caos enraizado do sistema penitenciário brasileiro, o abolicionismo penal.
Dessa maneira, busca-se coibir as deficiências do sistema carcerário, como também propor meios eficientes para amenizar o caos ao qual se encontra, tendo em vista as melhorias no bojo social, econômico, cultural e político, dado que a teoria abolicionista se propõe a extinguir radicalmente o sistema carcerário, assim, notadamente a modificação no seio social em geral.
Tem-se por base a maneira como se conduz a situação caótica por parte do Estado, já que ao aprisionar em grande escala apenas contribui para ineficácia do sistema, pois não há ressocialização e reabilitação, o que pode ser devidamente comprovado pelas taxas de reincidência, assim, essa crise no sistema carcerário está intrinsecamente ligada a base política e judiciária do Brasil, pois, de um lado se reforça a ideia do mal aprisionamento e do outro a maneira demasiada de punir, tendo a prisão como saída eficaz para a resolução dos conflitos.
Nessa via, a pesquisa em questão propõe como parte mais relevante, a explicação dos métodos que devem ser usados na aplicabilidade do abolicionismo penal para se reconstruir a vida daqueles que provocaram os crimes e os que sofreram com os seus atos, demonstrar que a sociedade não depende de penitenciarias para promoção de segurança e gerenciamento da ordem social, que o sistema penitenciário não funciona como o esperado, em circunstância da necessidade equivocada de punir, bem como pela problematização da posição da vítima, no entorno da persecução penal. Sendo ainda, um enorme desperdício de dinheiro e de vidas, além do mais, se torna uma solução injusta ao combate de problemas sociais como as drogas, violência doméstica, crimes contra o patrimônio etc.
Portanto, o estudo analisou as deficiências do atual sistema penitenciário brasileiro num viés histórico, político e social, como também houve estrita preocupação em demonstrar que o abolicionismo penal poderia ser a melhor solução para as mazelas do direito penal bem como, o sistema carcerário.
2 CONCEITO SOBRE O ABOLICIONISMO PENAL
Em síntese admite-se que a teoria abolicionista está relacionada basicamente ao negacionismo da legitimidade da pena, de certa forma condiz na ideia de descriminalização e retirada de algumas condutas das leis penais, isentando-as de culpa, como também na despenalização, a qual é entendida como a extinção da pena para certas condutas. O Abolicionismo Penal é entendido como um conjunto de teorias que defendem o fim do sistema prisional, tendo em vista o fato de ser considerado um sistema bruto, nocivo, cruel e desnecessário dado à falsa tática de que o castigo físico colocará o ser humano em posição de ascensão, de maneira a arrepender-se do ato infracional cometido.
É em face do encarceramento irracional proveniente da irreal convicção de que a penalidade importará como fator ressocializante que se perfaz a teoria abolicionista, assim, esta traduz a noção de extinguir radicalmente o aparato carcerário, logo bem posiciona Lucas Villa (2018) quando afirma que os abolicionistas além de promoverem a mais extrema crítica da legitimidade do sistema penal ainda propõem a transformação radical, ou seja, a abolição do aparelho carcerário e sua substituição por estratégias reflexivas e integradoras capazes de lidar com a situação problema a que se denominam os crimes, quando pensados fora da lógica de castigo. A proposta abolicionista não se resume apenas na abolição em si, mas sim na substituição do atual sistema carcerário por medidas de conciliação e reparação dos danos causados pela situação conflitante, não mais denominada como crime aqui nessa ceara abolicionista.
No entanto, tem-se o abolicionismo penal como uma nova visão do ilícito penal e consequentemente alterações na maneira de pensar e agir perante o conflito, de tal forma que na lógica abolicionista haverá mudanças na nomenclatura de crime, ou seja, uma rejeição em relação ao vocabulário atual, já que este pertence ao sistema punitivo e reforça a ideia estigmatizadora e discriminatória atrelada ao ineficaz aparato judiciário. Segundo Edson Passeti (2006) o abolicionismo penal é uma prática libertária interessada em acabar com a cultura punitiva de vingança do ressentimento, do julgamento e da prisão. Essa teoria está atrelada a um estilo de vida, pois propõe mudanças não só condizentes a extinção do sistema carcerário, como também em relação ao individual e coletivo que participa ou assiste a situação problema aqui denominada, além disso, ver-se essa alteração na linguagem como meio propício para extinguir as separações advindas do atual aparato punitivo, já que este divide as pessoas entre boas e más quando emprega uma pena.
Na mesma linha de raciocínio, determinam Estefan e Gonçalves (2020) que existem vários matizes abolicionistas, mas um ponto comum está na superação da atuação punitiva, na qual tem como elemento principal a eliminação do “criminoso” do convívio social por meio da pena de prisão. Acredita-se que esse meio de punição deverá ser substituído por outros instrumentos alternativos como a descriminalização e a despenalização, assim como por modelos conciliatórios, terapêuticos, indenizatórios e pedagógicos a fim de solucionar conflitos sem que se tenha a interferência do atual sistema de punição.
3 PENA DE PRISÃO COMO ALTERNATIVA MENOS DOLOROSA
Em uma falsa percepção atinente ao histórico da pena de prisão e suas evoluções, ver-se que o seu surgimento está atrelado a existência de uma alternativa, de certa forma, revolucionária, com um aspecto humanizador, tendo em vista o fato de que aprisionar seria bem mais convincente do que se ater as práticas cruéis das penas corpóreas, sejam elas de decapitação, pena de morte, tortura etc. Ocorre que, uma alternativa que propõe a interferência na liberdade de um indivíduo, lhe submetendo a um ambiente degradante não é, de fato, a mais adequada saída.
Em relação à necessidade de punir, fala-se em aspectos individuais e minuciosos, quando diante de uma situação conflituosa, aspectos esses que unem um todo e tencionam a conduzir o indivíduo a um único pensamento, seja ele o de punir para reparar o dano a que fora lhe causado. Sobrevém a necessidade de punir, como meio eficaz, para fortalecer o aspecto de vingança proveniente do mal ocasionado, curiosamente retribuir um mal com outro mal satisfaz o indivíduo. Nessa esteira, a pena prisão se sobressai, na tentativa de conter o conflito, mesmo que por evidentes e notórias circunstâncias o aparato punitivo constitua apenas, por si só, uma problemática. Assim, a necessidade de satisfação do mal, utilizando-se da pena de prisão torna-se bem mais relevante do que analisar se essa solução primária é, ao certo, efetiva.
Há uma série de indagações a respeito da finalidade punitiva no que tange a vontade do indivíduo lesionado perante o indivíduo lesionador, além do entorno de ineficácia da aplicação da pena de prisão perante o conflito causado, pode-se perguntar para que punir? Para que aprisionar? Ao tentar responder essas perguntas estará diante das finalidades da pena a que preleciona o Estado, bem como a ousar afirmar que as prisões não obedecem a função de ressocializar, assim como, não funcionam como mecanismo de controle social, estando estas, apenas ligadas ao ciclo paradoxal do Estado fabricando os delinquentes e impondo a necessidade de punir, perante a sociedade, no intuito de reforçar a máquina administrativa e judiciária, e utilizando-se da pena para mascarar a errônea sensação de segurança do crime perante a sociedade.
Para tanto, Lucas Villa (2020) afirma que a prisão fabrica os delinquentes, mas que os delinquentes são úteis em termos políticos e administrativos. A situação de delinquência entra em consenso com a ideia de punir, é como se a existência do aparato punitivo estivesse relacionada com as camadas sociais mais vulneráveis, desde logo, estando a prisão longe de prosperar para manter o controle social, fortalecer a noção de segurança pública ou até mesmo retribuir e prevenir o mal causado, restando apenas a função de guarnecer a noção de delinquente diante do funcionamento do judiciário.
Tão logo, Michel Foucault (2013) informa que nos anos de 1835/1840 tornou-se nítido que não havia preocupação em reeducar os delinquentes, ou até mesmo em transformá-los em virtuosos, mas sim armazená-los em um ambiente definido, rotulado, que pudesse ser uma arma para fins econômicos e políticos, ainda reitera que a óbice não está em ensinar-lhes alguma coisa, pelo contrário, não lhes ensinar nada para garantir a segurança que nada poderão fazer ao sair da prisão. Desse modo, além da finalidade de punição para prevenção de novos delitos ou para reeducar o indivíduo delinquente, a qual é mascarada pelo Estado, notadamente há a utilização, bem como aproveitamento da prisão para alienar os indivíduos e garantir a não ressocialização.
4 “UTOPIA” ABOLICIONISTA
Estrategicamente mantém-se o olhar direcionado a situação da vítima, nesse tópico, a fim de reforçar o discurso abolicionista, pois no âmbito da solução carcerária vigente há um esforço para estabelecer a máxima proteção à pessoa prejudicada no conflito, assim cabe mencionar que a intenção de resguardar a vítima pode estar prejudicada ou até mesmo passível de questionamentos. Além do mais, a ideia de utopia abolicionista parte do princípio de acreditar que um dos atributos principais do cárcere é de que pode ser a melhor estratégia para vítima, todavia, se a devida atribuição resta afetada, é válido afirmar que a “sociedade ideal” gira em torno da abolição em si.
Uma maneira de questionar o funcionamento do sistema penal é quando este está ligado a remediar a situação problema para ambos os lados, vítima e indiciado, o que, por óbvio é um dos principais atributos atrelados ao aparato punitivo, a grande celeuma aqui é em relação a possibilidade de aplicação da pena de prisão, pois sendo está empregada a pessoa causadora do conflito, nota-se que o conflito em si não é dirimido em sua totalidade, pois há uma problematização no que tange ao amparo oferecido a vítima.
Desse modo, não há, certa resolução do problema porque o Estado toma para si a situação conflitante, de maneira a conduzir e decidir, a seu modo, de acordo com os dizeres legais, a problemática, não havendo a possibilidade de satisfação da tutela demandada pela vítima, tanto porque é criado um cenário discutível, na qual as partes perdem o direito de fala, uma vez que quem assume a resolução do conflito são os órgãos responsáveis por oportunizar o judiciário, quanto pelo fato de que a aplicação de pena ao acusado em nada contribui para a evolução e superação da vítima após a experiência advinda da relação conflituosa.
Do mesmo modo Lucas Villa retrata:
“Todo o sistema baseia-se apenas na alocação de culpa e imposição de pena ao infrator, não se preocupando, de modo algum, com a reparação dos danos causados à vítima ou com a restauração de laços sociais rompidos”
Assim, refuta-se a seguinte indagação: Como um sistema penal poderá ser eficaz se a parte lesionada é afastada da persecução, sendo, de certa forma, deixada de lado na controvérsia? Arrisca-se afirmar que o Estado intervém no conflito e impõe a aplicação de pena apenas para reforçar a ideia de soberania, bem como a manter o ciclo paradoxal, já mencionado, a respeito da criação de delinquentes, uma vez que o suporte à pessoa prejudicada é falho e controvertido. Além da necessidade de punir pertinente do Estado e de grande parte da população, a lógica de apenas posicionar o olhar ao indivíduo lesionador só fortalece a ideia contradição do sistema penal, tendo em vista a lógica de que a resolução dos conflitos interessa as duas partes envolvidas.
Ainda é possível notar um empecilho quanto à posição da vítima ante a maneira de dirimir o conflito, estabelecida pelo judiciário, pois se tem a vitimização da pessoa prejudicada de maneira a relembrá-la repentinamente da situação que lhe causou aflição. Assim, ver-se em situações que a vítima revive, por diversas vezes, o que lhe causou tormento, como quando sofre o ato, quando expõe ao judiciário, se prestando a procedimentos investigativos, bem como, quando participa do julgamento, ao passo que essa situação vivenciada por ela apenas oportuniza ao Estado a aplicação de pena, pouco favorecendo a posição da pessoa lesionada, pelo contrário, estabelece apenas a busca ao passado e o favorecimento da reação social, já que a situação conflitante já fora exposta.
5 FATOR NÃO RESSOCIALIZANTE DA JUSTIÇA PENAL
No sistema carcerário brasileiro a pena é caracterizada pela função preventiva e retributiva, a primeira característica condiz na possibilidade de inibir a prática de novos atos ilícitos, já a segunda aduz que a finalidade da pena é promover o restabelecimento da ordem violada através da sanção penal. Ante a esses aspectos atribuídos a pena, nota-se a utilidade da pena para promover o bom convívio social, dada essa característica da pena.
No tocante a ressocialização a que se pretende a justiça penal brasileira, com base humanitária, esta pretende dar o suporte que deve ser oferecido ao preso visando a sua reintegração a sociedade, é um amparo propiciador da reinserção do indivíduo ao corpo social, o que de fato, na situação brasileira é uma grande farsa.
Para obtenção da finalidade de ressocializar, reintegrar, bem como promoção da reinserção social a Lei de Execução Penal prevê mecanismos de assistência seja ela material, religiosa, jurídica, social, à saúde, educação, como também determina a possibilidade de trabalho. Apesar de venerável, esta Lei não satisfaz o propósito aqui lhe atribuído, observa-se tal fato pela constatação dos dados que demonstram o crescimento da criminalidade e das taxas de reincidência.
Não é plausível esperar um retorno digno a sociedade de um apenado, uma vez que o Estado não cumpre as suas funções sociais atribuídas, pois de fato nada adiantará ter-lhe destinado função no ambiente prisional, por intermédio da Lei de Execução Penal, se ao ser reintegrado a sociedade, o ex-detento não receberá oportunidades, por óbvio, se não haver colocação, assim, restará, por força dessa discrepância social, o regresso ao ambiente que originou o cometimento do delito, favorecendo a reincidência criminal.
Além disso, procura-se entender como a função ressocializadora será exercida satisfatoriamente se o indivíduo ao ser denominado como sujeito cometedor de delitos, é, por consequência, depositado como um ser irracional em um ambiente deprimente, degradante e humilhante, determinado para cumprimento de pena, como também para satisfazer as funções retributivas e preventivas buscadas pela justiça penal. Notadamente a impossibilidade de considerar a tutela ressocializadora um meio eficaz para o detento. Dessa maneira, aduz Klaus Günther (2006) que de todas justificativas da pena, a ressocialização foi a que teve naturalmente o destino mais lamentável nas últimas décadas, tal argumento apenas reitera a ideia de inexistência da tutela ressocializadora atrelada à pena de prisão.
Outro fator a ser analisado é a segregação atualmente promovida pelo ambiente carcerário, pois de fato há uma seleção individualizada da população que ocupará uma cela, pessoas geralmente vindas de classes sociais mais carentes e pessoas de grupos étnicos historicamente discriminados. Logo, esses grupos citados, estando tendentes a cometer alguma espécie de delito tipificada pelo Código Penal e existindo a possibilidade de aplicação de pena de prisão, restarão esses indivíduos ainda mais inaptos a reintegrarem o ambiente social, já que existe o estereótipo perante esses grupos, advindos dessa segregação carcerária, ficando impossível retornar ao convívio social de maneira oportuna dada a abominação anteriormente admitida.
6 BRASIL E SEUS NÚMEROS
Conforme os dados mais verídicos e precisos, buscou-se efetuar uma subdivisão em pequenos tópicos sobre alguns dados do nacionais e estrangeiros, para que se tenha maior embasamento sobre a crítica ao sistema.
6.1 O sistema prisional brasileiro
O Brasil tinha 773.151 presos computados, conforme os dados do INFOPEN, sistema de informações estatísticas do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), sendo o levantamento organizado pelo Ministério da Justiça, fazendo referência até junho de 2019 e representa um aumento percentual de 8,6% em relação ao mesmo período de 2018. Porém, conforme os últimos dados (período de janeiro a junho de 2020), o Brasil já contava com 759.518 presos, conforme o SISDEPEN, nova plataforma de estatísticas do sistema penitenciário brasileiro que sintetiza as informações sobre os estabelecimentos penais e a população carcerária.
Se considerar o número absoluto de presos, o Brasil se mantém na 3ª posição, com 759.518, ficando atrás somente da China e dos Estados Unidos da América e à frente da Índia. Conforme, o World Prison Brief, faz o levantamento mundial sobre dados prisionais, os quais são realizados pela ICPR (Institute for Crime & Justice Research) e pela Birkbeck University of London e pelo Monitor da Violência com uma parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicados pela Rede Globo no portal G1.
6.2 Presos Provisórios
Pelos dados de 2019 (INFOPEN, 2019), o Brasil tinha um dos maiores números de presos provisórios (sem condenação), era um total de 268.438 presos provisórios, o que significava 34,7% da população prisional no geral, só sendo superado pela Índia. Já pelo SISDEPEN de 2020, o país tem 228.976 presos provisórios, com uma taxa de 30,15% dos presos absolutos.
Nessa perspectiva, tais dados só demonstram que o Brasil possui um judiciário lento e uma cultura de encarceramento, para aumentar a catástrofe, na maioria das vezes o preso provisório ao aguardar seu julgamento cumpre a pena de prisão antes mesmo de ser condenado, tendo uma série de direitos invadidos, mas especificamente há desacordo com o Princípio do Devido Processo Legal, disposto no art. 5º, LIV, da nossa Carta Magna, que diz:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;” (grifo nosso)
Dessa forma, o artigo supracitado garante a todos um julgamento amparado por todas as garantias constitucionais em todas as fases do processo. Para decretar a falência do judiciário, o preso provisório que não teve seu processo transitado em julgado, teve seus direitos desrespeitados, ainda, podendo ser inocente, terá que permanecer junto com presos devidamente condenados, sofrendo angústia, perigo, abandono por parte do Estado e sendo antecipadamente penalizado por uma pena dá qual não deveria.
6.3 Superlotação Prisional
Uma das causas mais recorrentes capazes de demonstrar a falha no sistema carcerário é sem dúvidas a problemática da superlotação prisional. Nesse contexto, de acordo com os dados publicados em 2019 (INFOPEN, 2019), os quais já demostravam que existia um excedente em 38,4% ao total de vagas disponíveis no sistema penitenciário, ou seja, são 461.026 vagas para 758.676 detentos, tendo ainda 14.475 pessoas que estão detidas em delegacias de polícia. Em contrapartida, em analise aos dados mais atualizados (SISDEPEN, 2020), o Brasil conta com uma População Privada de Liberdade na faixa de 658.506 presos, com 446.738 vagas, portanto existe um déficit (superlotação de presos) de 231.768.
Assim, há quem esteja do lado do aumento no número de penitenciárias, por outro lado, há quem defenda que as pessoas submetidas a pena de prisão fazem jus a um tratamento cruel, seja ele decorrente da condição deplorável que essa superlotação prisional proporciona, todavia, frisa-se que tais argumentos apenas reforçam o aspecto excludente do sistema prisional, em contrapartida aduz como tentativa de solução, as alternativas que são articuladas no âmbito do capítulo nove.
6.4 Reincidência Prisional
Conforme Damásio de Jesus, o conceito de reincidência:
“Reincidência deriva de recidere, que significa recair, repetir o ato. Reincidência é, em termos comuns, repetir a prática do crime. (...) A reincidência pressupõe uma sentença condenatória transitada em julgado por prática de crime. Há reincidência somente quando o novo crime é cometido após a sentença condenatória de que não cabe mais recurso.” (JESUS, Damásio de. Direito Penal – Parte Geral. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 1. p. 611)
Diante disso, reincidência de forma básica seria a repetição da prática do crime. O sistema penitenciário brasileiro se intitula como restaurador, o qual deveria ser uma das ideias das prisões, mas, cumprem papeis bem diferentes, portanto, como explica os dados a seguir?
O Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça e o programa Justiça Presente publicaram um relatório intitulado por: “Reentradas e reiterações Infracionais - Um olhar Sobre os Sistemas Socioeducativo e Prisional Brasileiros”, o resultado dos dados (CNJ, 2019) divulgados é que 42,5% dos presos maiores de idade que passaram pelo sistema e tiveram seus processos registrados em 2015 voltaram ao sistema prisional até dezembro de 2019. Essa taxa foi realizada com o número de 82.063 julgamentos, ocorre que, quase metade dos indivíduos encarcerados voltou a cometer crimes. O Estado não aplica a teoria que tanto propõem nas leis e informativos, hoje o sistema penitenciário encontra-se abarrotado de presos, sem nenhum cuidado e abandonado pelo governo. Assim, tal fato ocasiona o que é comumente intitulado como “escola do crime”, onde o preso dá entrada em penitenciárias pelo cometimento de crimes leves, sofre com o sistema, não recebe nenhum amparo digno e recorre pelos caminhos que já conhece, seja ele o da criminalidade.
O estado campeão com o maior índice de reincidência foi o Espírito Santo, com 75% de encarcerados reincidentes. Já no tocante ao estado de Minas Gerais, este obteve o registro de último lugar da tabela, com 9,5% de reincidentes. Porém, nessa pesquisa não foram computados os números do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pará e Sergipe, devido a ausência de divulgação dos dados pelos Tribunais de Justiça.
Por outro lado, em relação aos adolescentes, entre 12 e 17 anos, pelo relatório, com a avaliação de 5.544 jovens, foram identificados o número de 1.327 reincidentes no sistema, isso entre 2015 e 30 de junho de 2019. Desta feita, assumindo uma taxa de 23,9% de reincidência, ainda, considerando somente quando o processo é transitado em julgado (processo chega à sua decisão final), a taxa de reincidência cai para 13,9%.
Um fato relevante da pesquisa é que a “porta de entrada” para ambos na criminalidade são os delitos de porte de arma, roubo, furto e tráfico de drogas muitas vezes enquadrado como traficante, por causa da Lei de Drogas de 2006, mas o preso, corriqueiramente, é somente um usuário, infelizmente um dependente do produto.
Segundo o CNJ, os níveis de reincidência são mais baixos com os jovens, devido ao sistema socioeducativo ser possivelmente mais eficiente na ressocialização. "Tamanha disparidade, aliás, parece ser um forte indicador de que a expansão do sistema prisional para a parcela do público atualmente alcançado pelo sistema socioeducativo pode agravar os níveis de criminalidade no país", acrescenta. (CNJ, 2019)
6.5 Lei 11.343/06: traficante ou usuário?
Após a publicação da Lei 11.343 de 2006, conhecida como Lei de Drogas, que foi publicada com o intuito de substituir as confusas leis 6.368/76 e 10.409/2002, o número de presos por tráfico aumentou radicalmente desde 2006. Em 10 anos de vigência as prisões aumentaram em 160%, isso decorre devido vários motivos, mas, principalmente por dois, o primeiro pela fraca distinção entre usuário e traficante. Já o segundo, pela seletividade penal que será tratada capítulo seguinte.
A nova lei veio para tentar superar a antiga com a definição e diferenciação de traficante e usuário, mas, fracassou. A Lei de 2006 faz uma conceituação muito genérica e deixa a escolha ficar a cargo da polícia, o qual deverá tomar a decisão se é ou não traficante. Conforme os caputs dos artigos 28 e 33 da Lei 11.343/06, que dizem, respectivamente:
“Art.28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:”; (grifo nosso)
“Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar” (grifo nosso)
Percebe-se que os dois artigos que, em tese, fazem a diferença entre o usuário de drogas (art. 28) e o traficante (art. 33), mas, tem as mesmas palavras ou ideias, portanto, cria-se a dificuldade de distinguir quem é quem, ainda, não deveria constar no artigo, que conceitua o tráfico, o fornecimento de drogas gratuitamente, pois, isso não caracteriza o crime de tráfico, devido, a falta de envolvimento do lucro, que é a peça principal do crime. Com a falta de clareza na distinção do dispositivo, uma das consequências, que aliás, é oposta ao objetivo inicial da Lei ao criar a distinção entre os sujeitos, ocasionou o crescimento populacional dos presos, devido ao crime de tráfico.
No artigo “Nova lei de drogas: retrocesso travestido de avanço”, o Dr. Cristiano Maronna conclui brevemente escrevendo uma dura crítica a Lei 13.343/06:
“O proibicionismo triunfou novamente e talvez seja uma das raras unanimidades planetárias, da direita à esquerda, do centro à periferia, da ditadura à democracia. Nesse contexto, a nova lei de drogas representa mais do mesmo: a opção pelo modelo proibicionista e sua política criminal bélica, com derramamento de sangue.” (grifo nosso) (MARONNA, Cristiano Ávila. Nova lei de drogas: retrocesso travestido de avanço. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.14, n.167, p. 4, out. 2006.)
Ele demonstra que após a publicação a Lei das Drogas em 2006, não mudou nada em relação a Lei antiga, continuou com a característica proibicionista (criminalização por conta do Estado), não criou a separação decisiva entre usuário e traficante e não fez o mais essencial, políticas para restauração de ex-usuários, seria esse um dos motivos para as altas taxas na população carcerária e não desenvolvimento da justiça, logo, uma atitude contrária para com a ideia abolicionista.
7 SELETIVIDADE PENAL
Na lógica da cronologia da prática de crime e da posterior aplicação de pena imagina-se, por óbvio, que essa aplicação caberá a quem cometeu o delito, todavia a figura do autor é de suma importância para explicitar o processo de criminalização. Nessa via, a busca pela autoria ou a motivação da autoria de um delito externaliza os caminhos da criminalização, sendo essa criminalização primária quando o legislador define os bens a serem tutelados por meio do direito penal, ao passo que a criminalização secundária caberá aos órgãos responsáveis por oportunizar a tutela judiciária estabelecerem os indivíduos que serão submetidos a aplicação de medidas punitivas.
Diante disso, como a criminalização primária abarca boa parte da população em geral, não havendo especificidades em relação ao tipo penal e as pessoas eventualmente praticantes de delitos, a responsabilização pela escolha estereotipada de indivíduos cometedores de delitos fica a cargo dos órgãos da criminalização secundária, assim não há uma seleção pertinente no processo de criminalização, do contrário há uma seletividade baseada demasiadamente em critérios duvidosos, pois além de não haver identificação precisa de qual seja o crime e quem seja o criminoso, a tutela punitiva recai em grande maioria sobre as camadas sociais mais vulneráveis.
Alinhando a esse processo de criminalização estigmatizador também pode ser visto a criação do perfil do criminoso em redes televisivas, como em jornais, filmes, bem como nas mídias sociais, dotados de sensacionalismo, os quais criam e protagonizam o delinquente, definindo roupa, estilo musical, cor, condição financeira e maneira de se posicionar como um perfil típico de pessoa perigosa para a sociedade. Nessa base, a figura do delinquente já é construída de uma maneira tão inquestionável que limita e vincula esses sujeitos como sendo os únicos marginais na sociedade, excluindo o fato de que essa seletividade apenas contribui para a exclusão punitiva dos estratos sociais mais baixos.
A fim de reforçar o discurso da seletividade penal a pesquisa desenvolvida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública a pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Paraíba, Tocantins, Santa Catarina e São Paulo, intitulada “Audiência de Custódia, Prisão Provisória e Medidas Cautelares: Obstáculos Institucionais e Ideológicos à Efetivação da Liberdade como Regra” denota que as pessoas de pele negra sofrem mais nos julgamentos do que as de pele branca, pois da totalidade de casos analisados, 65% das pessoas que compunha o trâmite processual eram negras, os brancos encaminhados à audiência de custódia atingem a marca de 49,4%, permanecendo presas e 41% receberam liberdade provisória com medida cautelar, já entre as pessoas negras, atingem a marca de 55,5% tendo a prisão mantida e 35,2% receberam liberdade provisória com medida cautelar. (BRASIL, 2017).
No mesmo sentido, em termos de porte de entorpecentes, os negros possuem um índice mais alto de condenações do que os brancos, ainda que detenham quantidade inferior de entorpecentes. No caso da maconha, 71% dos negros foram condenados, com apreensão mediana de 145 gramas, enquanto que entre os brancos, 64% foram condenados com apreensão mediana de 1,14 kg, sendo quase oito vezes a mais que a quantidade de pessoas negras. Ainda existe diferença quando ocorrem os casos em que a acusação é desclassificada pela Justiça sendo considerada como “porte de drogas para consumo pessoal”: 9,3% dos negros foram considerados usuários, e a mediana das apreensões nesses casos foram de 39,4 gramas. Já entre os brancos, 15,2% foram considerados usuários, com apreensão mediana de 42,8 gramas de maconha, conforme estudo. (BRASIL, 2017).
Assim, é possível admitir que o direito penal esteja voltado para a investigação e julgamento do polo mais fraco quando da análise da sociedade em geral, pois há expressiva diferenciação no tratamento designado aos grupos vulneráveis, podendo-se dizer que tal finalidade só se expressa porque na base do processo criminalizatório a “escolha” por esses grupos é bem mais corriqueira e investigar esse lado é bem menos trabalhoso, uma vez que há um direcionamento para a averiguação de crimes mais grosseiros, o qual não demandam criatividade e empenho em sua realização, e são geralmente praticados por quem não detém educação e capacidade socioeconômica, pois do contrário não se nota uma massificação quando em investigação dos crimes tipificados pelas Lei de Lavagem de Capitais, Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária e a Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, leis estas que normalmente são conhecidas por integrarem o rol de crimes de colarinho branco.
Nessa linha de pensamento é importante analisar como a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) se faz seletiva quando faz uma diferenciação em entre traficante e usuário de drogas, pois quando o artigo 28, § 2º da respectiva lei aduz que para determinar se a droga tinha destinação a consumo pessoal, o juiz se atentará à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais do indivíduo, bem como à conduta e aos antecedentes do agente, está definindo a seletividade, tendo em vista o fato de houve uma designação ao juiz, em tese a polícia e ao delegado de polícia identificar quem é o delinquente, todavia a problematização e o tratamento desigual já é iniciado quando da abordagem, já que o local e as circunstâncias pessoais interessam a qualificação do delito para determinar a condição de traficante ou usuário, e normalmente pessoas de baixa renda residem em comunidades, assim haverá maiores chances desses sujeitos menos favorecidos serem denominados como traficantes, uma vez que, supostamente um indivíduo economicamente favorecido não necessita traficar.
Em síntese, o sistema punitivo não incide e estigmatiza todas as pessoas cometedoras de delitos, até porque tal fato seria improvável de ser protagonizado, já que todos cometem crimes considerados simples, todavia banalizados pela sociedade, como por exemplo, a fotocópia de livros, assim como há crimes em que não há a criação da figura do indivíduo perigoso para a sociedade, como nos casos dos crimes contra a ordem pública, os quais são comumente denominados de crimes de colarinho branco, mas sim, estrategicamente recai sobre indivíduos selecionados que são enquadrados em tipos penais porque se enquadram na seletividade resultante do estereótipo bem definido que exclui as camadas sociais mais vulneráveis, não havendo assim a lógica de quem comete o crime, lhe imputado pena, do contrário depende de quem comete o crime.
O abolicionismo penal não é um simples e isolado movimento, ele se integra ao grupo de ideias abolicionistas, que seguem os mesmos ideais. Diferentemente do que muitos pensam o abolicionismo (sua forma geral) já foi posto em prática, existem vários casos do passado onde foram aplicados e ainda os que vão se concretizar. Hoje pode parecer confuso e ser intitulado como um discurso sem fundamentos, utópico e impossível, mas, existiram os movimentos de abolição da pena de morte, prisão perpetua, penas indeterminadas, manicômios, ainda, pode-se lembrar da mais conhecida, abolição da escravidão.
Portanto, para tentar repetir o processo de abolicionismo, que já fora implantado anteriormente por várias vezes, indica-se o uso no primeiro momento das medidas para acabar com o encarceramento em massa e consequentemente para diminuir a população prisional, até chegar ao momento de usar alternativas fora da lei penal, para que se possa lidar com conflitos nas relações cotidianas.
As alternativas terão o objetivo de desenvolver o desencarceramento, com foco na abolição penal. Devem ser ideias com o objetivo de superar o intuito do castigo nas penas, logo, que acompanhadas da função de não exigir mais punições, assim como a justiça penal, tampouco prisões como solução dos problemas da sociedade e demonstrar que a cultura do encarceramento em massa só acarreta prejuízos. Com isso, a Agenda Nacional pelo Desencarceramento em 2017 disponibilizou um documento que traz essas alternativas, no qual foi formulado por dezenas de organizações e movimentos sociais, nele são propostas 10 práticas que visam diminuir e acabar com o plano de encarceramento em massa, sendo elas:
a) Suspensão de qualquer verba voltada para a construção de novas unidades prisionais ou de internação;
b) Exigência de redução massiva da população prisional e das violências produzidas pela prisão;
c) Alterações Legislativas para a máxima limitação da aplicação de prisões preventivas;
d) Contra a criminalização do uso e do comércio de drogas;
e) Redução máxima do sistema penal e retomada da autonomia comunitária para a resolução não-violenta de conflitos;
f) Ampliação das Garantias da Lei Execução Penal;
g) Ainda no âmbito da Lei Execução Penal: abertura do cárcere e criação de mecanismos de controle popular;
h) Proibição da privatização do sistema prisional;
i) Prevenção e Combate à Tortura;
j) Desmilitarização das polícias e da sociedade;
Seguido somente algumas das alternativas supracitadas, já estaríamos no caminho certo para o desenvolvimento da sociedade e da ideia abolicionista, pois, conseguiríamos uma melhora no sistema prisional, que acarretaria um maior desenvolvimento na reintegração do preso, com grandes chances de não existir reincidência, causando um abalo no sistema que abastece as penitenciárias brasileiras.
Ainda, devem-se listar alguns micropassos que devem ser utilizados em conjunto das alterativas apresentadas anteriormente, são passos necessários para qualquer evolução social:
a) Forte investimento na educação, do ensino fundamental até o superior. Levando a educação para toda área brasileira.
b) Campanhas de conscientização social sobre justiça, desigualdade e preconceito.
c) Por em uso a justiça restaurativa, como alternativa ao sistema penal onde existe uma maior preocupação com a restauração do convívio social.
d) Por em uso a justiça terapêutica, como alternativa para tratamento de usuários e dependentes químicos.
e) Uso do direito administrativo sancionador, onde existe a aplicação das penas em caráter administrativo.
f) Alteração, do princípio da necessidade pelo princípio da oportunidade, no processo penal, para se criar a possibilidade de se evitar conflitos na justiça penal.
Como já foi apresentado nos capítulos anteriores e agora pelos pontos listados pode-se declarar claro que o processo de criminalização e o amontoamento dos presos nas prisões podem ser desfeitos, criando o início da possibilidade de existência do abolicionismo penal, pois, esse tipo de abolicionismo nunca foi posto em prática, somente cogitado.
9 CONCLUSÃO
Pode-se confirmar que seguindo a maneira de lidar com a situação conflitante, tendo por base a pena de prisão, no Brasil não será possível uma redução ou uma melhora da situação carcerária nacional. Pois, um país, o qual corrobora uma política de aprisionamento em massa, seletividade penal, leis mal elaboradas e um ambiente prisional dotado de estereótipos, notadamente, nunca poderá ter uma evolução social para que ocorra o fechamento de prisões, alto nível de reabilitação, taxas mínimas de crimes e o correto combate à criminalidade.
Por conseguinte, é possível demonstrar que seguindo as alternativas de desencarceramento apresentadas, juntamente com os micropassos estabelecidos, poderá haver uma melhora significativa na situação dos presos em sua forma absoluta (presos provisórios e encarcerados). Desenvolvendo o processo de extinção do cárcere de maneira eficaz, em longo prazo, uma vez que os ideais abolicionistas são, a princípio, inimagináveis, poderá ocorrer a hipótese de implantação do abolicionismo penal no Brasil, sendo assim, há de se chegar a um nível de evolução que fará a mudança da forma penal.
Todos esses movimentos abolicionistas eram considerados impossíveis e inimagináveis, mas todos conseguiram ser aplicados e foram aceitos por grande parte da sociedade. Como era declarada impossível a abolição da escravidão no passado, o abolicionismo penal pode parecer impossível atualmente, mas no futuro poderá ser realidade. Da mesma forma que todas as pessoas que são contrárias a crueldade lutaram, sonharam e impulsionaram os movimentos do passado, com o abolicionismo penal objetiva-se a mesma batalha. Logo, só existem dois lados, ou você é abolicionista, ou é a favor da crueldade.
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