LÍVIA HELENA TONELLA:
Orientadora
RESUMO: No que tange a prática de crimes contra animais, considerando-se todos os tipos de semoventes, é de elevada importância a existência de mecanismos que levem à conscientização de que tal prática acarreta sérios problemas ecológicos, além de ferir valores éticos de respeito e amor pelos animais. O que acontece nos dias atuais é um grande descaso da população em relação ao tema. O presente trabalho tem como objetivo geral analisar a Lei nº 9.605/98, que conceitua a aplicação de sanções, tanto penais, como administrativas, dos crimes ambientais, bem como, diz respeito a maus-tratos a animais. O artigo 32 da citada lei será o foco principal deste artigo. Os objetivos específicos deste estudo são demonstrar como a Lei 9.605/98 não tem uma eficácia expressiva em nosso ordenamento jurídico, e a fazer a comparação com a entrada da Lei 1095/2019, que conceitua o aumento de pena ao crime de maus-tratos aos animais, quando se tratar de animais domésticos, no caso, cãos ou gatos. Em adição, o artigo tem como escopo apresentar os principais procedimentos para realizar as denúncias, bem como, irá abordar a respeito do ordenamento jurídico internacional e o ordenamento jurídico brasileiro, e sua importância na vida dos animais que sofrem maus-tratos. A metodologia usada é a de análise de artigos científicos e da legislação específica. O artigo proposto pretende contribuir para uma maior conscientização da sociedade no que diz respeito ao bem-estar animal, bem como esclarecer a respeito das punições previstas.
Palavras-chave: animais; crime ambiental; conscientização
ABSTRACT: With regard to the practice of crimes against animals, considering all types of semoventes, it is of high importance the existence of mechanisms that lead to the awareness that such practice causes serious ecological problems besides hurting ethical values of respect and love for animals. What happens today is a great dismay of the population in relation to the theme. The present work has as general objective to analyze Law nº 9.605/98, which conceptualizes the application of sanctions, both criminal and administrative, of environmental crimes, as well as, concerning mistreatment of animals. Article 32 of this law will be the main focus of this article. The specific objectives of this study are to demonstrate how law 9.605/98 does not have an expressive efficacy in our legal system, and to make the comparison with the entry of Law 1095/2019, which conceptualizes the increase in the penalty to the crime of mistreatment of animals, when it comes to domestic animals, in this case, dogs or cats. In addition, the article aims to present the main procedures for making complaints, as well as will address the international legal system and the Brazilian legal system, and its importance in the lives of animals suffering ill-treatment.
The methodology used is the analysis of scientific articles and specific legislation. The proposed article aims to contribute to a greater awareness of society with regard to animal welfare, as well as to clarify about the punishments provided for in.
Keywords: animals; environmental crime; awareness
INTRODUÇÃO
Os atos de maus-tratos contra animais constituem preocupação que ultrapassa fronteiras de éticas, valores civilizatórios e de compaixão. No entanto, essa preocupação para com os animais apenas foi positivada em 1978 com a Declaração da Organização das Nações Unidas-UNESCO, de proteção aos animais. O Brasil, que é signatário dessa Declaração, prescreve em seu art. 225, §1º, VII, da CF/88, a proteção de crueldade contra animais, tratando o ser vivente em uma perspectiva mais moral. A partir de então, surge o dever jurídico de proteção aos animais, figurando os animais não apenas como bens patrimoniais, mas também como vítimas de maus-tratos. Tanto é que, no ano de 1988 foi editada a Lei n. 9605, na qual regula os crimes contra animais, sendo defeso atos que submetam animais ao sofrimento, por serem considerados serem sencientes, com capacidade de sentir.
O presente artigo trará o que existe no ordenamento jurídico brasileiro e no ordenamento jurídico internacional referente ao crime de maus-tratos, bem como, no Código Penal Brasileiro. Será apresentado os legitimados para a apuração de maus-tratos e como proceder nas denúncias. O objetivo geral é analisar a Lei de Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/08 e os objetivos específicos a serem debatidos e a demonstração da ineficácia da Lei 9.605/08 e a comparação com a entrada da Lei 1095/2019. Quanto a metodologia utilizada, trata-se de pesquisa bibliográfica em artigos e livros, bem como análise da legislação e de documentos.
1. ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNACIONAL
É notório que a Constituição Federal Brasileira incorporou normas internacionais. Como uma forma de garantir a segurança constitucional ao meio ambiente, o ordenamento jurídico internacional e o ordenamento jurídico brasileiro se unem para propor uma eficácia expressiva no que tange a proteção ao Direito Ambiental, é o que pensa Frederico Amado, vejamos:
Há uma crescente tendência mundial na positivação constitucional das normas protetivas do meio ambiente, notadamente após a realização da CNUMA – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Estocolmo, 1972) pela ONU. Esse recente fenômeno político decorre do caráter cada vez mais analítico da maioria das constituições sociais, assim como da importância da elevação das regras e princípios do meio ambiente ao ápice dos ordenamentos, a fim de conferir maior segurança jurídico-ambiental. (AMADO, 2017, p. 25)
A Constituição Federal Brasileira foi inspirada nas Constituições “verdes” que são as Constituições Federais Internacionais que tinham como objetivo a proteção ao Meio Ambiente. No Brasil ainda não existia uma Constituição que trouxesse um respaldo a proteção ao meio ambiente, e essas Constituições Verdes tiveram como objetivo a criação da Constituição Federal Brasileira.
Logo, começaram a nascer as constituições “verdes” (Estado Democrático Social de Direito Ambiental) a exemplo da portuguesa (1976) e da espanhola (1978) que tiveram influência direta na elaboração da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, notadamente na redação do artigo 225, principal fonte legal do patrimônio ambiental natural do nosso país (AMADO, 2017, p. 25)
Ademais, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais (1978) tem como eficácia mundial no que se trata a ética, respeito e amor pelos animais, como uma forma de assegurar a proteção aos animais. Essa Declaração garante que todo animal merece igualdade e proteção, ao passo que os animais são reconhecidos como sujeitos de direito. Diante da grande incidência de maus-tratos no âmbito internacional e o no âmbito nacional, foi necessária a criação dessa declaração, pois além de conscientizar, a mesma também criminaliza os maus-tratos. É o que nos retrata a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, vejamos:
ARTIGO 1:
Todos os animais nascem iguais diante da vida, e têm o mesmo direito à existência.
ARTIGO 2:
a) Cada animal tem direito ao respeito.
b) O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais, ou explorá-los, violando esse direito. Ele tem o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais.
c) Cada animal tem direito à consideração, à cura e à proteção do homem.
ARTIGO 3:
a) Nenhum animal será submetido a maus-tratos e a atos cruéis.
b) Se a morte de um animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor ou angústia.
Resta claro que, nesse período, o especismo crença segundo a qual o ser humano é superior às demais espécies, como é o caso do Art. 2, inciso b, ainda se faz muito presente nos discursos. Assim como outros tipos de preconceitos, o especismo é o preconceito é o sentimento de uma espécie se achar dominante em desfavor de outra espécie. Como no sexismo, onde muitos homens se acham superiores que as mulheres, no especismo os seres humanos tem o sentimento de espécie dominante sobre todos os outros animais, gerando uma falsa liberdade que tudo pode fazer contra as outras espécies, por ser a espécie no topo de tudo. Infelizmente é uma discriminação que está presente na vida da maioria dos seres humanos, o que gera agressões, maus-tratos e eventos que prejudicam a vida animal, como rodeios clandestinos e vaquejadas.
A Carta da Terra (1997) é uma outra Declaração que tem como o intuito de garantir a proteção aos animais. Essa Declaração é recheada de princípios acerca do meio ambiente, com a proteção da fauna e da flora e também da sustentabilidade ambiental, principalmente em seu artigo 15. Vejamos:
Art. 15 Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração.
a. Impedir crueldades aos animais mantidos em sociedades humanas e protegê-los de sofrimento.
b. Proteger animais selvagens de métodos de caça, armadilhas e pesca que causem sofrimento extremo, prolongado ou evitável.
c. Evitar ou eliminar ao máximo possível a captura ou destruição de espécies não visadas. (Carta da Terra)
A Carta da Terra, por sua vez, é um documento que valoriza diretamente o tema da proteção animal, pois reconhece que os animais merecem tratamento igualitário e humanitário. Nela, é abordada a questão de se tratar todos os seres vivos com respeito, na qual fica subentendido animais domésticos, silvestres e a fauna.
A Declaração do Rio de 1992 traz uma questão interessante que é a possibilidade de a sociedade participar dos debates que se relacionam com as questões ambientais, conforme frisado em seu princípio 10. No caso, as pessoas podem explanar suas opiniões, bem como, trazer sugestões e soluções para que seja impedido qualquer dano ambiental a ser realizado, especialmente no que diz a respeito do crime de maus-tratos de animais, podendo ser sugerida pela sociedade a realização de denúncias, além da população ganhar voz. É o que pensa Frederico Amado:
Pontifica que as pessoas têm o direito de participar ativamente das decisões políticas ambientais, em decorrência do sistema democrático, uma vez que os danos ambientais são transindividuais estando implicitamente consagrado no artigo 225, da Constituição Federal de 1988 (AMADO, 2017, p. 70)
A declaração do Rio de 1992 seguiu essa tendência ao cristalizá-lo no Princípio 10: A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública colocando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparação de danos. (AMADO, 2017, p. 70 e 71)
2. ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
2.1 Crime de Maus-Tratos a luz da Constituição Federal
Diante da nossa Constituição Federal Brasileira, temos assegurado todos os direitos aos seres viventes, principalmente o direito à vida. No que tange ao Direito Ambiental, também não é diferente. A Constituição Federal Brasileira assegura a proteção ao meio ambiente, a fauna e a flora, principalmente em seu artigo 225.
Na Constituição Federal Brasileira, no capítulo VI que trata a respeito do Meio Ambiente, em seu artigo 225, inciso VII, detalha sobre os maus-tratos aos animais e a proteção da fauna e da flora, esse inciso repudia toda crueldade que venha ser empregada a qualquer animal. Vejamos: “VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (Artigo 225, inciso VII, da Constituição Federal).
O meio ambiente é composto de regras e princípios tendo como objetivo a eficácia da ética, proteção e principalmente que essas normas reproduzam o que há de mais favorável ao meio ambiente, ou seja, essas normas devem corresponder a coletividade, atingindo toda a sociedade, como presa a Constituição Federal em todo o seu texto, e mais especificamente no Artigo 5º, onde trata dos direitos e garantias fundamentais. Essa proteção da coletividade em virtude do favorecimento do meio ambiente é definida como in dubio pro ambiente, é o que pensa Frederico Amado, vejamos:
A interpretação das regras e princípios ambientais é tão peculiar que justifica o desenvolvimento de uma hermenêutica especial, a exemplo da adoção da máxima in dubio pro ambiente, sendo defensável que o intérprete, sempre que possível, privilegie o significado do enunciado normativo que seja mais favorável ao meio ambiente. (AMADO, 2017, p. 26)
A responsabilidade civil pelos danos ambientais está ancorada pela Constituição Federal do Brasil, transmitindo essa responsabilidade pelas condutas ilícitas ambientais não somente para as pessoas físicas, como também para as pessoas jurídicas, é o que entende Frederico Amado:
De efeito, tem berço constitucional a previsão de reparação civil ambiental, pois “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas independentemente da obrigação de reparar os danos causados” na forma do artigo 225, parágrafo 3º da Constituição Federal. (AMADO, 2017, p. 281)
Já a pessoa jurídica será responsabilizada pelo dano ambiental mediante duas condições, se o dano surgir de seu representante legal, bem como, se o ato de dano ambiental for com o propósito de beneficiar o órgão à que pertence esse representante, ou seja, o representante de um determinado órgão que fizer maltratar alguma animal, será de responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, do órgão a que esse representante pertence.
2.2 Da Lei nº 9.605/98
Para aumentar ainda mais a proteção ao meio ambiente, em todos os seus aspectos, em 1998 foi sancionada a Lei dos Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98, que tem como objetivo tipificar as sanções penais e administrativas em casos de crimes cometidos contra o meio ambiente.
Pela primeira vez tivemos no ordenamento jurídico brasileiro uma legislação que tratasse em sua essência da tipificação de crimes contra o meio ambiente e tudo o que nele há. Tipificar crimes contra o meio ambiente é mostrar a preocupação não só com o que envolve a sociedade atual, mas o que há de vir nas sociedades futuras, sendo que esta lei ter sido sancionada demonstrou uma importante evolução no direito brasileiro.
Além disso, antes da existência da Lei dos Crimes Ambientais, as leis que tratavam de crimes, contravenções penais e sanções administrativas nos crimes cometidos contra o meio ambiente estavam em legislações esparsas, e que algumas vezes se contradiziam, e a Lei 9.605/98 veio para centralizar todas estas tipificações em um lugar só, tornando a legislação ambiental mais organizada.
Os tipos de crimes ambientais descritos na Lei 9.605/98 são classificados da seguinte maneira: Crimes contra a fauna; Crimes contra a flora; Poluição e outros crimes ambientais; Crimes contra a Administração Ambiental; Crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural; e Infrações Administrativas.
Interessante ressaltar que essa lei trouxe a possibilidade da penalização das pessoas jurídicas. A pessoa jurídica será responsabilizada pelo dano ambiental mediante duas condições, se o dano surgir de seu representante legal, bem como, se o ato de dano ambiental for com o propósito de beneficiar o órgão à que pertence esse representante, ou seja, o representante de um determinado órgão que fizer maltratar alguma animal, será de responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, do órgão a que esse representante pertence.
Importante ressaltar que a defesa do meio ambiente é um dever de todos os cidadãos, e a Lei de Crimes Ambientais veio como um alento para que os infratores de crimes ambientais fossem devidamente punidos. Além do caráter punitivo da Lei, temos que mencionar o caráter preventivo desta legislação, pois o cidadão pensará duas vezes antes de cometer um crime ambiental, sabendo da sanção que poderá sofrer. Assim, essa lei se tornou um importante marco de evolução jurídica brasileira.
2.3 Inclusão do Projeto de Lei nº 1095/2019 na Lei de Crimes Ambientais
Com o advento da Lei n.º 9.605/98, que trata sobre os Crimes Ambientais, trouxe à baila a penalização para o maus-tratos aos animais. Vejamos como está disposto no artigo 32 da referida Lei: “Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa” (Artigo 32, caput, da Lei nº 9.605/98).
Conforme o dispositivo acima citado, vemos que existe a pena cominada é de 03 (três) meses a 01 (um) ano e multa, a ser cumprida a todo aquele que praticar qualquer ato cruel contra algum animal. Infelizmente essa Lei não apresentou uma eficácia expressiva em nosso ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que esse crime era visto como de menor potencial ofensivo e também diante da pena que é muito branda para quem comete um crime tão grave como este.
Tendo em vista a ineficácia da referida Lei, foi apresentado o Projeto de Lei nº 1095/19, em 29/09/2020, de autoria do Deputado Fred Costa, que ficou conhecida em território nacional como Lei Sansão, tal nome que foi dado em homenagem ao cachorro pitbull que foi brutalmente lesionado até a morte, que propôs uma mudança expressiva quanto a pena para quem comente crime de maus-tratos à animais. Esse projeto de lei veio como uma esperança, uma voz levantada em defesa dos animais. A proposição original do projeto era alterar o preceito secundário do Artigo 32 para uma pena cominada de reclusão de um ano a quatro anos, mais multa. Propôs uma mudança expressiva quanto a pena para quem comente crime de maus-tratos à animais.
Após todos os trâmites nas Casas Legislativas, o projeto de Lei foi sancionado, transformando na Lei nº 14.064/2020. Esta alteração acrescentou na Lei nº 9.605/98 um novo parágrafo (§1º-A), que trouxe uma qualificadora do tipo penal, punindo o infrator de forma mais grave e tirando o processo do âmbito do juizado especial quando o crime for cometido apenas contra cachorros e gatos. A nova pena cominada para casos de crime de maus-tratos contra os citados animais agora é de reclusão de 02 (dois) a 05 (cinco) anos, multa e ainda a proibição de guarda.
Posteriormente com a sanção da Lei nº 14.064/2020, foi observada uma grande mudança em nosso ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista que houve uma atenção muito grande aos casos de maus-tratos contra animais domésticos, especificamente cães e gatos. A alteração na lei poderia ter sido ainda mais expressiva, se não abrangesse apenas duas categorias de animais, mas abrangesse a categoria animais como um todo. Esse projeto de Lei veio para reforçar o quanto os animais necessitam de uma proteção jurídica e o quanto é grave esse crime.
Os animais são seres sencientes por isso necessitam de uma interferência jurídica para que os agressores sejam punidos da maneira mais severa possível, e nada mais justo do que essa pena ser aumentada, bem como, o autor do crime não ser tutor de animais.
Mesmo não sendo tão abrangente, essa alteração legislativa também traz um ponto interessante, pois, quem maltratar animais, estará registrado na ficha de antecedente criminal do sujeito, bem como, se houver algum flagrante, o autor do delito será preso imediatamente.
Diante dessa mudança, pois agora é tratado com uma pena de relevância expressiva, sendo que antes da sanção da Lei nº 14.064/2020 essa conduta criminosa era sem significância e tratada como de menor potencial ofensivo. Esta lei dá um passo grande e próximo de tornar o agressor de qualquer tipo de animal um condenado a pena mais grave.
3. LEGITIMADOS PARA A APURAÇÃO DE MAUS-TRATOS
3.1 A legitimidade do Ministério Público para a proteção dos animais
A legitimidade para a proposição da ação principal e da ação cautelar no que se refere ao crime de maus-tratos será de competência do Ministério Público, é o que nos apresenta a Lei nº 7.347/85, em seu artigo 5º, inciso I. Além disso, o Decreto 24.645/34, em seu art. 2º, parágrafo 3º, subscreve que a competência para a representação dos crimes praticados contra animais será do Ministério Público, no que tange a proteção contra os maus-tratos.
Ademais, o artigo 26 da Lei 9065/98 determina que ação penal pública é incondicionada, ou seja, será de responsabilidade do membro do Ministério Público tomar as iniciativas de ação para realizar a denúncia. Os animais não possuem capacidade para se defender, logo, precisam de alguém que os defenda, sendo assim, é dever do Ministério Público defender por meios legais os animais que sofrem de maus-tratos.
Presume-se que será de competência do Ministério Público a apuração dos fatos, bem como o oferecimento da denúncia e a propositura da ação penal. Essas ações não podem partir de terceiros, sendo de responsabilidade exclusiva do Poder Público.
3.2 Delegacias Especializadas para realizar denúncias contra o crime de maus-tratos
Dados recentes apontam o aumento de denúncias a agressão a animais. No estado de São Paulo entre janeiro e novembro de 2020, o índice cresceu em 26,5%. A apuração da denúncia é encaminhada as polícias distritais, ou seja, todas as delegacias, por mais que não sejam especializadas em crimes ambientais, são uma forma de recorrer para o combate do crime de maus-tratos aos animais (R7, 2020).
Por conta da COVID-19, houve uma grande quantidade de animais sendo abandonados, muito por conta das mazelas financeiras de seus protetores, a falta de emprego e escassez de saúde e morte, que a pandemia trouxe a muitas famílias, ocorrendo assim um exorbitante aumento no abandono de animais domésticos. Vale ressaltar também que, em alguns casos, os abandonos ocorreram em virtude de pessoas receberem notícias que os animais eram transmissores da Covid-19 e ficarem receosas de manter os animais em suas residências. Segundo a ONG Cão sem Dono, houve um aumento de 40% a procura de pessoas que queriam colocar seus animais para doação.
Durante o ano de 2020, a Delegacia Eletrônica de Proteção Animal do estado de São Paulo recebeu 15.478 denúncias de maus-tratos contra animais, o que representa a média 42 registros por dia. Já em relação a 2019, foram registradas 12.075 denúncias, havendo um aumento exponencial de 28%, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública-São Paulo.
“Infelizmente, no começo da pandemia, surgiram algumas notícias sensacionalistas de que cães e gatos poderiam transmitir a Covid-19 aos seres humanos. A gente viu casos de abandono, de pessoas maltratarem e colocarem o bicho para fora. Em outros países, houve casos bem mais graves, de pessoas que jogaram animais de sacadas e de janelas”, afirma Rosangela Gebara, médica-veterinária e membro da Comissão Técnica de Bem-Estar Animal, do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP, 2020).
“Crimes contra os animais podem ser denunciados no site da Delegacia Interativa (www.delegaciainterativa.am.gov.br), ou, ainda, de forma anônima por meio do 181, o disque-denúncia da SSP-AM.
No Estado do Ceará, no primeiro semestre do ano de 2020, houve um aumento de 195% no número de denúncias, segundo dados apresentados pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social-Ceará. Na Região Metropolitana de Fortaleza, o número de procedimentos registrados sofreu um aumento exponencial de 200%, passando de 24 procedimentos registrados durante os seis primeiros meses do ano, para 72 no mesmo período de 2020. O sistema de fiscalização no Estado do Ceará é realizado através da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente. As denúncias no Ceará são recebidas através de Boletim de Ocorrência, disque denúncia, de forma anônima, telefone ou por e-mail, e serão devidamente apuradas (CAMPO, 2020).
Já no estado do Rio Grande do Sul, no período entre 2016 e 2020, foram realizadas muitas denúncias e indiciamentos de maus-tratos contra animais. Segundo dados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a Polícia Civil realizou 507 indiciamentos por maus-tratos a animais e o Ministério Público realizou 225 denúncias. O ano de 2016 foi o pior neste período, onde ocorreu 129 indiciamentos e 62 denúncias realizadas pelo Ministério Público. Mostra-se com esses números uma expressiva quantidade de crimes que foram levados ao conhecimento das autoridades, todavia, ainda há muitos casos que não são levados ao conhecimento da Polícia Civil e do Ministério Público (VIESSERI, 2020).
A cada dia tem aumentado o número de pessoas que notificam as autoridades competentes para tratar do crime de maus-tratos. Além das pessoas terem se tornado mais sensíveis a causa animal, observamos uma facilidade para denunciar, tendo em vista que as pessoas conseguem realizar essa denúncia de forma virtual, sem precisar se deslocar de sua casa a uma delegacia, e também através dos telefones. É notório que o trabalho da polícia tem demonstrado cada vez mais eficácia diante de um cenário tão caótico quanto o de maus-tratos.
4. A atuação do Poder Executivo na garantia dos Direitos dos Animais
No que tange ao poder de polícia, referente os crimes de maus-tratos aos animais podemos trazer, no nível Federal, o Ministério do Meio Ambiente, criado em novembro de 1992, tem como objetivo a fiscalização e o controle do meio ambiente, atentando-se a combater toda e qualquer atitude prejudicial que o meio ambiente venha sofrer, incluindo-se o crime de maus-tratos.
Já no nível estadual, a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos no Estado do Tocantins teve como iniciativa a criação do Pró – Animais – Comitê Estadual de Proteção e Defesa dos Animais, no qual possui regimentos, portarias e reuniões plenárias com o objetivo de debater o crime de maus-tratos, conta ainda com a inclusão de grupos técnicos em estudos de legislação e normas, atendimento das denúncias de maus-tratos. Trata-se de mais uma forma de solucionar o problema do crime de maus-tratos, de forma que o cidadão poderá ser incluso nesse comitê (GOVERNO DE TOCANTINS, 2021).
Embora exista esse comitê como uma fonte de apoio aos direitos dos animais, o Estado do Tocantins, bem como, diversas Prefeituras do Estado têm sido omissas com relação a criação de Secretarias Municipais especializadas para os animais, pois não possui nenhuma no Estado e também não há nenhum planejamento voltado para essa questão, tendo em vista que o Estado do Tocantins deveria ter uma visão mais sensível em relação ao direito dos animais.
É importante ressaltar que na maioria dos municípios brasileiros não existem Secretarias Municipais específicas para tratar sobre meio ambiente ou órgãos municipais de defesa dos animais, muito por conta da maioria dos municípios brasileiros serem pequenos e não ter entrada financeira suficiente para subsidiar um projeto de proteção aos animais, o que piora os casos de maus-tratos a animais nos interiores do nosso país.
“Os órgãos locais terão natureza municipal, não sendo comum à sua criação na maioria dos municípios brasileiros, mormente os mais pobres e menos populosos, ante a precária estrutura administrativa que assola grande parte dos entes locais neste país.” (AMADO, 2017, p. 103).
Vale registrar as experiências municipais que incorporaram em suas estruturas de governo secretarias de bem estar animal. Em Jaboatão dos Guararapes, no estado de Pernambuco, existe a Secretaria Executiva de Meio Ambiente e Gestão Urbana. Essa secretaria tem como objetivo trazer o bem estar animal, pois procura amparar os animais em situações de abandono ou maus-tratos. No ano de 2018, especialmente no dia nacional dos animais, essa Secretaria apresentou o I Ciclo de Palestras do Programa Bem Estar Animal, que contou com a participação de profissionais da área da saúde pública e meio ambiente, no qual houve debates acerca dos cuidados com os animais, e com o meio ambiente (PREFEITURA DE JABOATÃO DOS GUARARAPES, 2018)
No município de Recife, no Estado de Pernambuco, no ano de 2013, foi criada a Secretaria Executiva dos Direitos dos Animais, que contêm serviços essenciais para os animais como dicas de veterinários, agendamentos on-line para a realização de castração, denúncias que podem ser realizadas na sede da secretaria contra o crime de maus-tratos e campanhas educativas realizadas nas escolas contra o crime de maus-tratos. Essa Secretaria oferece aos animais o Hospital Veterinário do Recife Robson José Gomes de Melo, para agendar consultas e cuidados especiais aos animais (PREFEITURA DO RECIFE, 2021).
No município de Campo Grande, no Estado de Mato Grosso do Sul, no ano de 2020, foi criada a Secretaria do Bem-estar Animal, que foi assumida pela médica Ana Cristina Camargo de Castro. Essa Secretaria tem como propósito que o animal seja entendido como o ser senciente, uma vez que a criação dessa secretaria foi um pedido dos moradores locais que se empenham na causa animal, e nas ONGs de proteção animal.
Desta feita, é notório a importância das secretarias de bem estar animal, pois elas têm como propósito a proteção dos animais contra o crime de maus-tratos, bem como, serve de apoio aos moradores do município em que está localizada, como uma fonte de recorrer a denúncias contra o crime de maus-tratos. (DIÁRIO DIGITAL, 2020).
4.1 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crime de maus-tratos não poderá mais ser tratado como um crime de menor potencial ofensivo, tendo em vista as mudanças expressivas que ocorreram na Lei de Crimes Ambientais, juntamente com a entrada da Lei 1095/2019. Entende-se que o tratamento cruel e degradante está descartado pelas normas constitucionais e infraconstitucionais ligadas ao tema.
Desta feita, surge a necessidade para a punição desse crime, sendo realizada através da denúncia contra o agressor que pode ser feita de diversas formas, através de delegacias e secretarias especializadas no crime de maus-tratos.
Claramente, há muito o que se falar sobre consciência e aprendizado, nesse sentido, é imprescindível que se tenha respeito pelos animais, pois são seres indefesos e que merecem tratamento humano. É necessário que o ser humano busque uma constante evolução e empatia com relação aos animais, pois o apelo em comento, é pela busca incessante ao respeito. Ademais, entende-se que apesar dos aumentos de denúncias realizadas, principalmente no ano de 2020, data do início da pandemia da COVID-19, as pessoas não estão se calando quando se trata de maus-tratos contra animais.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito Ambiental Esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
MARCÃO, Renato. Crimes Ambientais: Anotações e interpretação jurisprudencial da parte criminal da Lei n. 9.605, de 12-2-1998. São Paulo: Saraiva, 2013.
BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 25 mar. 2021.
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BÉLGICA. Declaração Universal dos Direitos dos Animais – Unesco – ONU, de 27 de janeiro de 1978. Disponível em: <http://www.urca.br/ceua/arquivos/Os%20direitos%20dos%20animais%20UNESCO.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
BRASIL. Decreto nº 19.841 de 22 de outubro de 1945. Promulga a Carta nas Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, por ocasião da Conferência de Organização Internacional das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm>. Acesso em: 10 abr. 2021.
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COSTA, Fred. Projeto de Lei nº 1.095-A de 16 de dezembro de 2019. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=AF41F6F1E2E0E1A68F994F443E0CA843.proposicoesWebExterno2?codteor=1848716&filename=Avulso+-PL+1095/2019>. Acesso em: 20 mar. 2021
Graduanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo. Ex- Estagiária do Tribunal de Contas do Estado do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, Sara Gabriella Alves Bezerra. Tutela jurídica dos animais à luz da Lei nº 14.064/2020 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2021, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56756/tutela-jurdica-dos-animais-luz-da-lei-n-14-064-2020. Acesso em: 22 nov 2024.
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