EDY CÉSAR DOS PASSOS JÚNIOR[1]
(orientador)
RESUMO: O julgamento de contas de prefeitos municipais ordenadores de despesas fora recentemente tema de repercussão geral no supremo tribunal federal (STF), quando da análise do RE 848.826 que pacificou o entendimento de que a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas câmaras municipais, com o auxílio dos tribunais de contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores. Todavia, os tribunais de contas seguem avocando para si esta competência quando no julgamento de contas de convênio, tendo por ordenador, prefeito. Esta pesquisa de natureza qualitativa, de cunho jurisdicional e embasado bibliograficamente em juristas e teóricos do direito em sua demanda de responder, constitucionalmente, a quem caiba este julgamento de contas visa-se, assim, determinar quem deve julgar estas contas do executivo municipal, pela constitucionalidade que deve deter parâmetros capazes de coibir abusos e nulidades dos processos de julgamento de contas para efeitos do Art. 1º, inciso i, alínea “g”, da lei complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela lei complementar 135, de 4 de junho de 2010.
Palavras-chave: Competência; Tribunal de Contas da União; Inelegibilidade; Câmara de Vereadores.
ABSTRACT: The judgment of the accounts of municipal mayors who ordered expenses was recently a matter of general repercussion in the Supreme Federal court (STF), when analyzing RE 848,826, which pacified the understanding that the assessment of the mayor's accounts, both those of the government and of the management, will be exercised by the municipal councils, with the assistance of the competent audit courts, whose prior opinion will only cease to prevail by decision of 2/3 of the councilors. However, the audit courts continue to claim this competence for themselves when judging the accounts of an agreement, having the mayor as the authorizing officer. This qualitative research, of a jurisdictional nature and bibliographically based on jurists and legal theorists in their demand to respond, constitutionally, to whoever is responsible for this judgment of accounts, aims, thus, to determine who should judge these accounts of the municipal executive, by constitutionality that must contain parameters capable of curbing abuses and nullity of the processes of judgment of accounts for the purposes of Article 1, item i, subitem "g", of complementary law 64, of May 18, 1990, amended by complementary law 135, of June 4, 2010.
Keywords: Competence; Court Union accounts; Ineligibility; City Council.
Sumário: 1. Introdução. 2. Distinção entre condições de elegibilidades e as causas de inelegibilidade; 2.1. Condições de elegibilidade; 2.2. Causas de Inelegibilidade; 2.2.1. Inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso i, alínea “g” da lei complementar 64/1990; 3. O poder legislativo como juiz natural do poder executivo sob a égide da constituição federal; 4. Competência para lançar decisão irrecorrível no julgamento de contas de convênio prestadas pelo ordenador prefeito; 5. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Recentemente, quando do julgamento do Recurso Extraordinário 848.826, o plenário do STF decidiu, por maioria de votos, que, para fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, serão exercidas pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores.
Todavia, paira sobre as Cortes Eleitorais, dúvidas quanto a aplicação da inelegibilidade constante no art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, aos casos de contas de convênio tendo como ordenador de despesas o prefeito, julgadas atualmente pelo Tribunal de Contas.
Neste trabalho, busca-se elucidar tais questões, com base na interpretação dada pela suprema corte brasileira à aplicação da Lei da ficha limpa em face de prefeitos, bem como, fazer uma interpretação teleológica da Constituição quanto a competência dos Tribunais de Contas.
Ademais, o presente estudo tem o escopo de desenvolver uma análise quanto ao entendimento adotado pelas cortes eleitorais, em detrimento a intepretação da Carta Magna feita pelo Supremo Tribunal Federal.
Nesse trabalho, partiu-se dos aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais – fontes formais do direito – a fim de demonstrar a necessidade de aplicar aos casos de contas de convênio, quando o ordenador for o prefeito, a tese firmada no RE 848.826.
Ademais, serviu de base para sua elaboração: Artigos Científicos, Monografias e estudos aplicados.
Desta feita, tal investigação necessitou de uma observação qualitativa, do entendimento fixado pelas cortes de justiça em relação às demais fontes do direito. No entanto, objetivou-se a compreender os fundamentos que levaram a Suprema Corte a pacificar o entendimento de que os Tribunais de Contas não detêm competência para julgar contas de prefeito.
Com o julgamento do recurso alhures citado, o Supremo Tribunal Federal muda o entendimento e profere decisão entendendo por competente para julgar as contas de gestão, quando o prestador de contas for o Prefeito, a Câmara Municipal. Ocorre que tal decisão inaugura um novo entendimento e deixa uma lacuna sobre o órgão competente para julgar as contas de Convênio entre a União e o Município, se é do TCU ou Câmara Municipal, é sobre análises dessas questões que se propõe o presente trabalho.
Portanto, trata-se o presente artigo, de um estudo qualitativo feito quanto a competência do Tribunal de Contas da União em lançar decisões irrecorríveis face ao chefe do Poder Executivo Municipal em julgamento de prestação/tomada de contas de convênio, e a aplicabilidade do art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar 64/90a esses casos.
Preliminarmente, impera destacar que a capacidade eleitoral se materializa no direito de votar (capacidade eleitoral ativa) e ser votado (capacidade eleitoral passiva), correspondendo também à cidadania ativa e cidadania passiva, respectivamente.
Sobre o que conceito de cidadão, pode-se afirmar que:
Cidadão é o brasileiro, nato ou naturalizado, que está no gozo dos direitos políticos, ou seja, dos direitos de votar e ser votado. A rigor, basta a qualidade de eleitor, uma vez que o artigo 1º, § 3º, da Lei n o 4.717/65 exige que a prova da cidadania, para ingresso em juízo, seja feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda. (ZANELLA, p. 1070, 2018)
Manoel Gonçalves(2012) complementa que “por sua vez, a cidadania (em sentido estrito) é o status de nacional acrescido dos direitos políticos (stricto sensu), isto é, poder participar do processo governamental, sobretudo pelo voto”.
Nesta senda, observa-se que a cidadania é o instrumento de materialização da Democracia em seu conceito mais básico, como sendo regime político de soberania popular.
Por outro lado, faz-se necessário a distinção entre condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade, uma vez que ambas decorrem da Constituição Federal e atinjam o mesmo fim, não podem ser tratadas como sinônimos. Enquanto uma estabelece regramento geral à todos os cidadãos, a inelegibilidade atinge fidedigna e tão somente, àqueles que se enquadram nas vedações ou incorreram em condutas que extirparam àquele direito políticos antes, natural, ainda que por tempo determinado.
Alexandre de Moraes (2003) leciona que os Direitos Políticos “são direitos públicos subjetivos que investem o indivíduo no status activae civitatis, permitindo-lhe o exercício concreto da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da cidadania”.
Ademais, ensina ainda que:
Assim, para que alguém possa concorrer a um mandato eletivo, torna-se necessário que preencha certos requisitos gerais, denominados condições de elegibilidade, e não incida numa das inelegibilidades, que consistem em impedimentos à capacidade eleitoral passiva. (MORAES, p. 182).
Ato contínuo, Gilmar Mendes (2009) preconiza que “a exigência da plenitude de direitos políticos impõe que o nacional não esteja submetido às restrições decorrentes da suspensão ou da perda de direitos políticos (CF, art. 15)”.
Desta feita, a priori, conclui-se que as condições de elegibilidade, bem como, as causas de inelegibilidade compõem o gênero Direitos Políticos, todavia, possuem suas especialidades, que serão delineadas a seguir.
Conforme declara Gilmar Ferreira Mendes (2009) “a Constituição fixa as condições básicas de elegibilidade (art. 14, § 3º)”. Desta sorte, vislumbra-se que as condições de elegibilidade decorrem, exclusivamente, da Carta Magna. Portanto, os requisitos básicos são positivos, explícitos e não dão margens à interpretação, tampouco, cabe complemento por Lei.
A Constituição de 1988 passou a estabelecer as condições de elegibilidade, determinando quem possui capacidade para ser votado (capacidade passiva). Por outro lado, o regime adotado pela Lei maior impera a universalidade. Cumpre salientar, que o sufrágio está conectado umbilicalmente ao Estado democrático. Sendo assim, não deve ser adotado limitações de cunho político, econômico, social ou cultural. Posto isso, depreende-se da magna-carta que a capacidade eleitoral ativa é menos restrita que a capacidade eleitoral passiva em razão do sistema adotado. As condições de elegibilidade limitam-se apenas à capacidade eleitoral passiva.
José Afonso da Silva (2014) explica que “consiste, pois, a elegibilidade no direito de postular a designação pelos eleitores a um mandato político no Legislativo ou no Executivo”. Complementa ainda quanto a necessidade de “que o eleitor preencha certos requisitos gerais, denominados condições de elegibilidade”.
Sumariamente, pode-se afirmar que são condições de elegibilidade são basicamente: Nacionalidade brasileira; Pleno exercício dos direitos políticos; Alistamento eleitoral; Domicílio eleitoral na circunscrição; Filiação partidária
Impera destacar que na capacidade eleitoral passiva, observar-se também o fato de que não pode incorrer nas hipóteses de inelegibilidade, o qual trataremos no item a seguir. Insta realçar ainda, como bem pontua Caroline Müller Bitencourt e Janriê Rodrigues Reck (2017) que “somente ilegibilidades relativas poderão ser acrescidas por Lei complementar”.
São denominados pela doutrina como inelegibilidade absoluta: não alistável e os analfabetos. Nesta senda, observa-se que estes que são tidos como absolutamente inelegíveis são aqueles que a Constituição expressamente veda, enquanto os demais devem se enquadrar nas hipóteses intra e infraconstitucionais.
Manoel Gonçalves (2012) ensina que “diz-se então inelegível o cidadão que, embora esteja no pleno gozo dos direitos políticos, está impedido, por uma razão relevante, de postular temporariamente um determinado cargo eletivo”. Conclui ainda que a “inelegibilidade é uma medida destinada a defender a democracia contra possíveis e prováveis abusos”.
Charles dos Santos Cabral Rocha e Rafael Tocantins Maltez (2014) definem com maestria o que é a inelegibilidade:
Inelegibilidade nada mais é do que uma causa de impedimento temporária ao pleno exercício dos direitos políticos negativos, ou seja, ao direito de ser votado, ficando o cidadão, impossibilitado, por determinado período, de ser escolhido para ser ocupante de um cargo político eletivo. (p.18, 2014)
Esta definição aplica-se as inelegibilidades relativas, uma vez que dependem de condutas específicas para a subsunção do disposto em Lei. Destarte, impera sob o crivo eleitoral a presunção de inocência, sendo necessário garantir o contraditório e ampla defesa para sua efetiva aplicação.
Nesta senda, a Lei Complementa nº 64/1990 contempla um rol de condutas reprováveis e/ou ímprobas que refletem diretamente na elegibilidade do cidadão e seus direitos políticos.
Conforme mencionado superficialmente em linhas pretéritas, as ilegibilidades classificam-se em absolutas e relativas. Sobre a inelegibilidade absoluta Alexandre de Moraes pontifica:
A inelegibilidade absoluta consiste em impedimento eleitoral para qualquer cargo eletivo. O indivíduo que se encontrar em uma das situações descritas pela Constituição Federal como de inelegibilidade absoluta não poderá concorrer a eleição alguma, ou seja, não poderá pleitear nenhum mandato eletivo. Refere-se, pois, à determinada característica da pessoa que pretende candidatar-se, e não ao pleito ou mesmo ao cargo pretendido.” (p. 194, 2003)
Quanto as inelegibilidades relativas, José Afonso da Silva ilumina:
As inelegibilidades relativas constituem restrições à elegibilidade para determinados mandatos em razão de situações especiais em que, no momento da eleição, se encontre o cidadão. O relativamente inelegível é titular de elegibilidade, que, apenas, não pode ser exercida em relação a algum cargo ou função eletiva, mas o poderia relativamente a outros, exatamente por estar sujeito a um vínculo funcional, ou de parentesco ou de domicílio que inviabiliza sua candidatura na situação vinculada. (p. 393, 2014).
Portanto, pode-se afirmar que a distinção está na abrangência da inelegibilidade definindo em uma margem de escolha (relativa), e a outra, generalidade (absoluta). Sendo assim, ambas espécies limitam de certa forma a universalidade do sufrágio em consonância à Supremacia do Interesse Público.
1.2.1 Inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso i, alínea “g” da lei complementar 64/1990
Art. 1º São inelegíveis: I - para qualquer cargo:g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
O dispositivo acima transcrito foi extraído da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, o qual faz expressa à inelegibilidade do agente público que incorrer na conduta descrita. Trazendo o dispositivo em comento à miúdos, percebe-se que são especificadas as características da conduta para aplicação da norma. Destarte, a fim de compreender melhor o disposto, passamos aos requisitos necessários para a subsunção fática.
Para clarear este estudo, com a palavra o Juiz de Direito do Estado do Rio de Janeiro Mauro Pereira Martins:
O referido dispositivo estabelece a necessidade de quatro requisitos, a serem atendidos simultaneamente, para a caracterização da inelegibilidade de um candidato, quais sejam: (i) a decisão que rejeita as contas deveser proferida pelo órgão competente, (ii) esta decisão deve ser irrecorrível, (iii) a rejeição das contas deve ser em decorrência de ato de improbidade administrativa e (iv) esse ato deve ser doloso. (p. 239, 2012).
A priori, a discussão deste trabalho contorna exatamente sobre os dois primeiros requisitos, quais sejam: ser a decisão proferida por órgão competente e esta decisão ser irrecorrível. Oportunamente será elucidado as razões que levam o Tribunal de Contas não ser o órgão que exara decisão irrecorrível, apesar de possuir competência de decidir.
Quanto a rejeição de contas ser em decorrência de ato de improbidade administrativa gera um tremendo reboliço, tendo em vista que para a efetiva caracterização da conduta faz-se necessário a devida instrução do processo, respeitado as garantias constitucionais.
Ademais, em completude ao parágrafo anterior está a necessidade de demonstrar o dolo do agente, o que não é tarefa fácil tendo em vista sua subjetividade. Nesta senda, o dispositivo legal monta diversas armadilhas aos operadores do direito quando elaboradas sem precisão e objetividade.
A Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, dispõe sobre as condutas e sanções aplicáveis aos agentes públicos que incorrerem em improbidade administrativa. Destarte, causa imensa dúvida: seria necessário condenação judicial por improbidade para aplicação do disposto na chamada Lei da Ficha Limpa? E mais, não configuraria bis in idem a aplicação concomitante das duas Leis?
A resposta para tais perguntas fica para outros estudos que busquem preencher a lacuna científica interposta. Neste artigo, restringe-se exclusivamente buscar solução jurídica para a definição de órgão competente para externar decisão recorrível em face do agente público quanto a rejeição das contas apresentadas por este em se tratando de ordenador de despesas, prefeito ainda que na gestão de convênios.
Em sua obra “espírito das Leis”, balizada pelos pensamentos expostos nas obras de Aristóteles, Montesquieu, inaugura a figura da separação dos poderes (legislativo, executivo e judiciário), idealizando ainda, o pensamento de funções típicas e atípicas de cada poder.
A forma encontrada para evitar a manutenção/surgimento de governos absolutistas, bem como, elaboração de normas tirânicas seria garantir a independência e harmonia dos poderes tendo como funções naturais: Legislativo – criar, modificar e complementar Leis, fiscalizar os demais poderes; Judiciário – julgar e aplicar as Leis; Executivo – administração do Estado.
Senda assim, nenhum dos poderes sobressai o outro, sendo: independentes e harmônicos, efetivando com isto, a separação dos poderes. Destarte, todos os poderes exercem a função moderadora simultaneamente ao outro, garantindo a paz e estabilidade em um Estado, inviabilizando a aplicação de pensamentos absolutistas, servindo basicamente de: freios e contrapesos.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (vigente), preza pela autonomia e harmonia dos poderes. Desta feita, cada poder possui funções típicas, bem como, atípicas. Ao Poder Legislativo foi conferido o poder/dever de legislar, tendo como função atípica de fiscalização, apreciação e julgamento de contas do chefe do Executivo com auxílio do Tribunal de Contas.
Ocorre que, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, também conhecida por Constituição Cidadã, buscou aprimoramentos nos mecanismos de fiscalização dos administradores públicos, com isso, ao Tribunal de Contas foram atribuídas novas funções e ampliando seu poder de atuação. Todavia, a ausência de especificação do que lhe caberia julgar originariamente, por muito, houve uma espécie de supervalorização das funções dos Tribunais de Contas.
A confusão interpretativa se dá em virtude do Art. 71, inciso II da Constituição Federal, o qual prevê a função de julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.
Ademais, o inciso VI do dispositivo supramencionado, utiliza do imperativo: fiscalizar. Desta forma, não faz qualquer menção a julgar contas de convênio, sendo, portanto, uma interpretação teleológica contra legem, tendo a Constituição Federal atribuído ao Poder Legislativo o controle externo do Executivo, apenas a este cabe proferir decisão irrecorrível, contudo, respeitando as garantias constitucionais da ampla defesa e o contraditório.
Sendo assim, trata-se o Legislativo de Juiz Natural do julgamento de contas do chefe do executivo independente da origem do dinheiro, bens e valores públicos, importando neste caso, puramente, a natureza do cargo: chefe do poder executivo.
Cabe salientar que a aplicação do dispositivo constitucional supramencionado possui eficácia contida, uma vez que o art. 75 da Constituição Federal preconiza “as normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios”, grifo nosso.
Sendo assim, aplica-se aos municípios o art. 31 da Carta Magna, não sendo cabendo aplicação do art. 71, inciso II, por força do acórdão do STF no RE 848.826:
Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. PARECER PRÉVIO DO TRIBUNAL DE CONTAS. EFICÁCIA SUJEITA AO CRIVO PARLAMENTAR. COMPETÊNCIA DA CÂMARA MUNICIPAL PARA O JULGAMENTO DAS CONTAS DE GOVERNO E DE GESTÃO. LEI COMPLEMENTAR 64/1990, ALTERADA PELA LEI COMPLEMENTAR 135/2010. INELEGIBILIDADE. DECISÃO IRRECORRÍVEL. ATRIBUIÇÃO DO LEGISLATIVO LOCAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. I - Compete à Câmara Municipal o julgamento das contas do chefe do Poder Executivo municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas, que emitirão parecer prévio, cuja eficácia impositiva subsiste e somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da casa legislativa (CF, art. 31, § 2º). II - O Constituinte de 1988 optou por atribuir, indistintamente, o julgamento de todas as contas de responsabilidade dos prefeitos municipais aos vereadores, em respeito à relação de equilíbrio que deve existir entre os Poderes da República (“checksand balances”). III - A Constituição Federal revela que o órgão competente para lavrar a decisão irrecorrível a que faz referência o art. 1°, I, g, da LC 64/1990, dada pela LC 135/ 2010, é a Câmara Municipal, e não o Tribunal de Contas. IV - Tese adotada pelo Plenário da Corte: “Para fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores”. V - Recurso extraordinário conhecido e provido.(RE 848826, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Relator(a) p/ Acórdão: RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-187 DIVULG 23-08-2017 PUBLIC 24-08-2017)
Ademais, a decisão é balizada pela Justiça Eleitoral. Vejamos:
[...] Julgamento da prestação de contas. Prefeito. Competência da câmara municipal [...] 1. À exceção das contas relativas à aplicação de recursos oriundos de convênios, a competência para o julgamento das contas prestadas pelo prefeito, inclusive no que tange às de gestão relativas a atos de ordenação de despesas, é da respectiva Câmara Municipal, cabendo aos tribunais de contas tão somente a função de emitir parecer prévio, conforme o disposto no artigo 31 da Carta Magna [...]. (Ac. de 20.11.2012 no AgR-REspe nº 14540, rel. Min. Laurita Vaz.)
Contas - chefe do Poder Executivo. As contas do Chefe do Poder Executivo municipal são apreciadas pela Câmara de Vereadores.” NE: Conforme jurisprudência firmada, a Câmara Municipal é competente para o julgamento das contas prestadas pelo prefeito na qualidade de gestor ou ordenador de despesas. (Ac. de 23.4.2013 no AgR-REspe nº 15478, rel. Min. Marco Aurélio; no mesmo sentido o Ac. de 5.3.2013 no AgR-REspe nº 3386, rel. Min. Marco Aurélio.)
[...]. Eleições 2012. Registro de candidatura. Prefeito. Inelegibilidade. [...]. Contas de prefeito. Ordenador de despesas. Julgamento. Competência. Câmara Municipal. [...]. 1. A ressalva da parte final do art. 1º, I, g, da LC 64/90, com a redação dada pela LC 135/2010, não afasta a competência da Câmara Municipal para apreciar as contas de prefeito, mesmo que este seja ordenador de despesas, tendo em vista a expressa disposição do art. 31 da Constituição Federal. Precedentes. [...] (Ac. de 25.10.2012 no AgR-REspe nº 7165, rel. Min. Nancy Andrighi; no mesmo sentido o Ac. de 23.10.2012 no AgR-REspe nº 60476, rel. Min. Nancy Andrighi e o Ac. de 23.10.2012 no AgR-REspe nº 6026, rel. Min. Nancy Andrighi.)
[...]. 1. Consoante precedentes desta Corte a competência para o julgamento das contas de prefeito é da Câmara Municipal, cabendo aos tribunais de contas a emissão de parecer prévio, inclusive quando examinados atos de ordenação de despesas. [...].
(Ac. de 23.11.2010 no AgR-RO nº 433457, rel. Min. Hamilton Carvalhido.)
[...]. Rejeição de contas. Inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, g, da Lei Complementar nº 64/90. Não caracterização. Ex-prefeito municipal. Prestação de contas que não foi julgada pela Câmara Municipal. Ausência de decisão do órgão competente. [...]. (Ac. de 11.11.2010 no AgR-RO nº 434234, rel. Min. Cármen Lúcia.)
Ademais, o próprio STF possui um entendimento que vigorava até então. In verbis:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - ACÓRDÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - FUNDAMENTO LEGAL E CONSTITUCIONAL. O fato de o provimento atacado mediante o extraordinário estar alicercado em fundamentos estritamente legais e constitucionais não prejudica a apreciação do extraordinário. No campo interpretativo cumpre adotar posição que preserve a atividade precipua do Supremo Tribunal Federal - de guardiao da Carta Politica da Republica. INELEGIBILIDADE - PREFEITO - REJEIÇÃO DE CONTAS - COMPETÊNCIA. Ao Poder Legislativo compete o julgamento das contas do Chefe do Executivo, considerados os tresniveis - federal, estadual e municipal. O Tribunal de Contas exsurge como simples órgão auxiliar, atuando na esfera opinativa - inteligencia dos artigos 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitorias, 25, 31, 49, inciso IX, 71 e 75, todos do corpo permanente da Carta de 1988. Autos conclusos para confecção do acórdão em 9 de novembro de 1995.(RE 132747, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 17/06/1992, DJ 07-12-1995 PP-42610 EMENT VOL-01812-02 PP-00272)
Nesta senda, reproduzindo trecho do Voto do Ministro Ricardo Lewandowski (2016) no julgamento do RE 848.826 pelo STF, “percebe-se que o juiz natural das contas do prefeito sempre será a Câmara Municipal, prestigiando-se, portanto, a democracia, a soberania popular, a independência e a autonomia do órgão legislativo local”.
A obrigação de prestar contas decorre dos princípios republicanos: dever de probidade e dever de transparência. Desta feita, torna-se imperioso a atuação de mecanismos de controle, visando evitar a malversação dos recursos públicos. Outrossim, é sabido que a Administração Pública é regida pelos “supraprincípios” da Supremacia do Interesse Público e a Indisponibilidade do Interesse Público. Sendo assim, não basta entender que o Interesse Público é supremo, faz-se necessário elucidar que o administrador público não pode dispor de tal.
A importância da prestação de contas é tão grande que a sua ausência por quem deveria prestá-las configura ato de improbidade administrativa, por inteligência do Art. 11, VI, da Lei 8.429/92. O Art. 70, parágrafo único, do Constituição Federal dispõe que “prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária” (art. 70, parágrafo único, inserida pela EC n. 19/98).
Ademais, constata-se que o dever de prestar contas decorre dos princípios da publicidade, transparência e eficiência, uma vez que o gestor/administrador deve satisfação aos administrados sobre os dispêndios financeiros e atos da administração, o qual todo cidadão com poderes políticos em pleno gozo pode exercer o controle, exemplo disso é a Ação Popular prevista pela Lei 4.717/65.
No caso, a expressão cidadão é de melhor feição, já que o analisar e apreciar contas de um ente político são tarefas Ligadas ao exercício da cidadania, expressão cujo valor é de maior efetividade e intensidade. Insta esclarecer que o Supremo Tribunal Federal – STF no julgamento do Recurso Extraordinário – RE 848.826, fixou a tese de que a opção do constituinte, foi a de destinar o julgamento de todas as contas à Câmara, em clara demonstração de respeito à relação de equilíbrio que deve necessariamente existir entre os Poderes da República, na sistemática de “checksand balances”. Não caberia, portanto, tal encargo aos técnicos dos Tribunais de Contas, que não são detentores de poder.
A competência do órgão legislativo para o julgamento não é determinada pela natureza das contas, se de gestão, de governo ou de convênio, mas pelo cargo de quem as presta, no caso, o de Prefeito Municipal. Destarte, percebe-se que o juiz natural das contas do prefeito sempre será a Câmara Municipal, prestigiando-se, portanto, a democracia, a soberania popular, a independência e a autonomia do órgão legislativo local.
Destaca-se, entretanto, que o caráter puramente político das Câmaras Municipais é amenizado, justamente, pelo exame do parecer prévio das contas por parte dos Tribunais de Contas. Observa-se que há, no caso, um balanço, muito prudente que foi elaborado pelo constituinte originário.
Pelos fundamentos transcorridos neste artigo, resta demonstrado a incompetência do Tribunal de Contas da União em lançar decisão irrecorrível para fins de aplicação do art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010 quando o ordenador tratar-se do Chefe do Poder Executivo Municipal.
Nesse interim, destaca-se que a inelegibilidade contida no art. 1º, inciso I, alínea “g”, passou a ser instrumento de “afastabilidade” daqueles que, por assim dizer, incorreram em condutas incompatíveis com os princípios republicanos. Todavia, a legislação não deve desvirtuar-se do sentido literal em prol de “benefícios à sociedade”. Há de se perceber que a interpretação apartada da literalidade normativa causa abominações jurídicas como a tão controvertida Prisão em Segunda Instância – traçando apenas um paralelo fora do eixo.
Percebe-se pelo estudo feito que a jurisprudência sempre tendia a reconhecer a incompetência do Tribunal de Contas em julgar o chefe do poder executivo, todavia, como é mais comum o prefeito exercer a função de ordenador e talvez pela repercussão midiática, engolia-se seco quanto a aberração que transformou o Tribunal de Contas em poder moderador.
A independência e harmonia dos Poderes da República devem prevalecer, não sendo possível a criação de um poder moderador que foi extinto com as quedas da monarquia e das ditaduras estabelecidas em nossa nação. Desta feita, a fim de respeitar o “due process of law”, há que se entender que o juiz natural para fiscalizar e julgar é inerente a outro poder em consonância ao sistema de freios e contrapesos que rege a harmonia dos poderes.
Por fim, vale relembrar que o Supremo Tribunal Federal consolidou a competência das Câmaras Municipais para julgar as Contas de Governo e de Gestão do Ordenador prefeito. Além do que, o dispositivo constitucional prevê apenas a fiscalização dos convênios firmados entre a união com estados e municípios, não cabendo julgamento por parte da corte de contas que não é detentora de poder.
REFERÊNCIAS
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[1]Bacharel em Direito pela Faculdade Serra do Carmo - FASEC. Advogado militante nas áreas de Direito Civil Trabalho e Direitos Humanos. Pós-graduado em Gestão Pública pela Faculdade Suldamerica. Mestre em Gestão de Politicas Públicas pela Universidade Federal do Tocantins-UFT. Professor de graduação e pós-graduação na área de Gestão Pública e Direito.
Bacharelando em Direito pela Faculdade Serra do Carmo - FASEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Wellington Campos. Um estudo sobre a competência de lançar decisão irrecorrível em face de prefeito ordenador de despesas nas contas de convênio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jun 2021, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56875/um-estudo-sobre-a-competncia-de-lanar-deciso-irrecorrvel-em-face-de-prefeito-ordenador-de-despesas-nas-contas-de-convnio. Acesso em: 22 nov 2024.
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