RAFAELA GONÇALVES[1]
(coautora)
Resumo: Previstas no art. 139, IV, do Código de Processo Civil, as medidas executórias atípicas, objeto do presente estudo, formam um conjunto de possibilidades coercitivas e mandamentais, que têm o intuito de constranger o devedor de uma obrigação ao seu devido pagamento, desde que todas as medidas típicas já tenham sido aplicadas sem êxito. O objetivo central desta pesquisa é demonstrar que tais medidas, entretanto, podem se tornar abusivas ou desproporcionais ao serem aplicadas, ultrapassando o magistrado a sua discricionariedade. Para tanto, se propõe um paralelo entre as medidas aplicadas, no que concerne à sua eficiência ou não, a partir da análise da jurisprudência à luz dos Códigos de Processo Civil de 1973 e de 2015. Ao final, poderá se concluir pela existência, ou não, de um equilíbrio nas decisões atuais, na definição de limites para a aplicação de medidas atípicas, a fim de que seja evitada arbitrariedade, sobretudo diante do risco aos direitos fundamentais.
Palavras-chave: medidas executórias atípicas; Código de Processo Civil; discricionariedade; arbitrariedade.
Abstract: Provided for in art. 139, IV, of the Code of Civil Procedure, the atypical enforcement measures, object of this study, form a set of coercive and mandatory possibilities, which are intended to constrain the debtor of an obligation to its due payment, provided that all measures have already been applied unsuccessfully. The main objective of this research is to demonstrate that such measures, however, can become abusive or disproportionate when applied, surpassing the magistrate's discretion. Therefore, a parallel is proposed between the measures applied, with regard to their efficiency or not, based on the analysis of case law in the light of the 1973 and 2015 Codes of Civil Procedure. no, a balance in current decisions, in the definition of limits for the application of atypical measures, in order to avoid arbitrariness, especially in view of the risk to fundamental rights.
Keywords: atypical enforcement measures; Code of Civil Procedure; discretion; arbitrariness.
1 Introdução
A Constituição Federal de 1988 – CRFB/1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, assegurou diversas garantias fundamentais, assegurando a participação do Poder Judiciário sempre que ocorrerem lesões ou ameaças de lesões aos direitos. O enfoque foi na garantia da dignidade humana, princípio que trata das necessidades vitais de cada indivíduo.
Desta forma, o Poder Judiciário, sendo provocado, tem a missão de promover a justiça na resolução dos conflitos, por meio de um julgamento justo, em que as partes envolvidas possam se manifestar, munidas do direito ao contraditório e da ampla defesa. Assim, no contexto do devido processo legal, previsto no art. 5º, LV, da CRFB/1988, existe um sistema de garantias legais que asseguram os limites de atuação dos próprios magistrados, no sentido de que discricionariedade não se confunde com arbitrariedade.
Nesse diapasão, relativamente às novas medidas assecuratórias do cumprimento das obrigações, o Código de Processo Civil de 2015 – CPC/2015 determina que somente poderão ser adotadas na hipótese em que um devedor não cumprir uma obrigação de fazer, não fazer ou de pagar quantia certa. Como exemplos, o devedor de alimentos, ao deixar de cumprir com a sua obrigação, poderá ser preso, nos termos da legislação processual civil. Em se tratando de um processo de execução, para que se faça valer o direito do credor, o executado é intimado a pagar a quantia em três dias, com possibilidade de ter seus bens penhorados, caso não pague.
São, pois, meios executórios que compelem os devedores aos pagamentos e que estão expressos no Código de Processo Civil, como um leque de medidas que se encaixam nos casos concretos para que se alcance êxito na obrigação. Assim, no art. 139, IV, do referido Diploma Legal, é atribuído ao magistrado poderes para assegurar a efetividade de suas decisões, podendo se valer de todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, que se façam necessárias para garantir ao credor a total satisfação das obrigações, na hipótese em que as medidas típicas, ou seja, aquelas que a própria legislação explicita, se tornem ineficazes. É como se os juízes pudessem escolher, subjetivamente, a forma como penalizar os devedores.
O sistema processual civil, portanto, passou a adotar, de forma mais eficaz, o princípio da atipicidade dos meios executivos, ultrapassando a ideia de que apenas os meios executivos tipificados, aqueles inseridos em nosso Código de Processo Civil deveriam ser aplicados e se dessem resultado ficaria por isso mesmo. Com isso, o CPC/2015 “estruturou um sistema mesclado entre medidas executivas típicas e atípicas, que variam conforme a natureza da prestação executiva” (DIDIER; CUNHA; BRAGA; OLIVEIRA, 2017, p. 100).
Na visão de Humberto Theodoro Júnior (2018, p. 440), com a entrada em vigor do CPC/2015, o juiz também pode se valer daqueles meios que não estão tipificados em Lei na execução por quantia certa, o que na vigência do CPC/73 não era possível, e a exemplo das mencionadas no §1º, do art. 536, para forçar o devedor a cumprir aquilo que era de sua obrigação.
Assim, no âmbito da discricionariedade judicial, o juiz pode determinar a retirada de algum direito do devedor, algo que seja de importância em seu dia a dia, de modo a compeli-lo a satisfazer a obrigação. E claro, aplicando uma sanção desse nível, a resolução do conflito torna-se importante e de extrema urgência não só para o credor, mas para aquele que, até então, se negava a acabar com a situação por ele mesmo criada.
Entretanto, até que ponto tais medidas são benéficas para ambas as partes? Levando-se em conta a dignidade humana e os direitos fundamentais, se, por um lado, elas podem ser benéficas para a justiça e para que o devedor definitivamente cumpra com sua obrigação, por outro, pode ser que existam sanções exageradas e arbitrárias, já que a lei não explicita quanto ao que se pode e o que não se pode fazer. O magistrado tem a liberdade, ainda que no âmbito da indispensabilidade da fundamentação, para decidir qual deverá ser aplicada e quando deverá ser aplicada.
Cabe explicar, neste ponto, que o juiz tem liberdade para agir, mas, na esteira da CRFB/1988, o CPC/2015 consagrou expressamente o princípio da Fundamentação das Decisões Judiciais, que deve servir de base pelos magistrados em todas as decisões que tomarem, sob pena de nulidade. É uma garantia decorrente do devido processo legal, prevista no art. 93, IX, da CRFB/1988, determinado em face da discricionariedade do magistrado, conforme o seu livre convencimento motivado, justamente para evitar práticas de eventuais abusos.
Este trabalho tem, portanto, como finalidade, analisar as medidas coercitivas atípicas e a sua eficácia, baseando-se nos Códigos de Processo Civil de 1973 e de 2015, numa perspectiva comparativa entre o “antes” e o “atual”, bem como acerca do tema na jurisprudência.
A relevância da pesquisa é contribuir para a compreensão da existência, ou não, de um certo equilíbrio de direitos e deveres entre as três partes, juiz, autor e réu, à luz do processo, bem como analisar possíveis arbitrariedades que possam existir por parte dos magistrados quanto à aplicação das medidas coercitivas atípicas.
2 Medidas executórias atípicas: conceito e retrospectiva histórica
A história demonstra que é impossível que as pessoas vivam em sociedade sem normas a serem seguidas, sem disciplina ou diretrizes básicas, pois, onde se encontram grupos de pessoas é quase que certo que haverá conflitos.
Assim, no que concerne à relação entre credor e devedor, ao longo da história, a figura do último não raramente era associada ao pejorativo, muitas vezes associada à fama de “caloteiro”, “aproveitador”, “deve, não nega, mas paga quando puder”. Nos primórdios, antes de existir um estado que se preocupava em solucionar os conflitos e assegurar os direitos dos particulares, existia o que se denomina “autotutela”, ou seja, cada indivíduo lutava pelo que acreditava ter direito, com as armas que tinham, até a sua força física.
Com o passar do tempo, entretanto, o estado veio se reafirmando na criação de leis, identificando o lícito do ilícito, as condutas aprovadas e as reprovadas e quais as consequências previstas nos casos de descumprimento das normas. O estado passou a regular o modo como a sociedade deve se organizar, intervindo na relação dos cidadãos e minimizando os conflitos que os cercavam, por meio do exercício de uma jurisdição, que examina a pretensão de cada parte e resolve por meio de um processo.
Em face de tal cenário, a atividade jurisdicional do Estado/Juiz tornou-se indispensável para dirimir tais conflitos e garantir o cumprimento das obrigações, resultado dessa evolução jurídica, o que vem sendo construído da maneira mais ampla possível no sistema jurídico brasileiro.
Todavia, a questão da inadimplência vem crescendo exponencialmente no Brasil nas últimas décadas. De acordo com o site “BBB News”, em notícia veiculada em 15 de fevereiro de 2015, o Brasil foi considerado o país com mais endividados na América Latina e figura entre os países com maior índice de inadimplência por dívidas com cartão de crédito.
O Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973) preocupava-se em garantir o “estado liberal” e proteger as liberdades individuais, limitando os juízes a um modelo executivo taxativo e determinado por normas típicas. As medidas de execução atípicas eram adotadas somente quanto às obrigações de fazer, não fazer e de entregar coisa, cabendo aos juízes, quanto às obrigações de pagar quantia certa, adotar apenas as medidas que estivessem tipificadas em Lei.
Atualmente, com a possiblidade do magistrado aplicar medidas atípicas também para obrigações de pagar, o CPC/2015 buscou evoluir no sentido de preocupar-se mais com a efetivação das decisões, ampliando a atuação do magistrado também para obrigações pecuniárias. Porém, algumas decisões chegam a ser consideradas arbitrárias, como será demonstrado neste artigo.
Como exemplos dessas medidas, podem ser citadas desde bloqueios de contas e cartões de crédito, proibição do uso da área de lazer em condomínios em caso de inadimplência, proibição do devedor de viajar e até algumas mais extravagantes, como a apreensão de passaporte ou Carteira Nacional de Habilitação.
Todavia, o juiz, ao recorrer à Lei para aplicar uma sanção, não pode ser dotado de subjetividade e, ainda que ele seja dotado de uma certa liberdade para agir, deve fazê-lo com proporcionalidade. Assim, conceder tais poderes aos juízes, sem observar restrições normativas constitucionais não é lhe dar uma “carta branca”, pois, existe um imenso perigo de restrição aos direitos fundamentais com amparo judicial.
O Brasil, como um Estado Democrático de Direito, busca assegurar que nada viole os direitos humanos e fundamentais, consistindo tal em responsabilidade do Estado. A prisão do depositário infiel, por exemplo, foi banida do nosso ordenamento jurídico em decorrência da adesão do Brasil à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o conhecido Pacto de San José da Costa Rica, por se compreender que a pessoa não poderia pagar por uma dívida com a restrição de sua liberdade, mas, tão somente, de seus bens.
A todos os jurisdicionados deve ser garantido igualdade de condições processuais, embasado no princípio da igualdade previsto no art. 5º, caput, da CRFB/1988, não podendo haver distinção de qualquer forma. Tema que permeia toda a CRFB/1988 e é pressuposto fundamental para uma vida digna.
Assim, olhando por essa ótica, um sistema jurídico dever ser garantidor daquilo que foi conquistado, após lutas pela liberdade e igualdade, devendo o Estado garantir às partes, em um devido processo legal, o exercício do contraditório e da ampla defesa, num contexto de isonomia e imparcialidade do juiz.
Em 1994, a Lei 8.952 alterou o art. 461, introduzindo a ideia da “atipicidade” para a aplicação de medidas que visassem o adimplemento das obrigações. Já em 2002, a Lei 10.444 alterou o §5º, daquele mesmo artigo, e estipulou ser possível a adoção de uma série de procedimentos para o efetivo cumprimento de ordens judiciais:
Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994) [...]
§5º - Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002).
Com isso, consagrou-se as medidas atípicas no processo, que foram identificadas como um método mais eficiente para determinar o cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer, contrapondo-se às medidas típicas, e superando o “princípio da tipicidade”, vigente até então.
Porém, a citada liberdade do magistrado era garantida apenas às obrigações de fazer, de não fazer e de entrega de coisa. Quanto à obrigação de pagar quantia certa, ainda era um tema que o legislador não havia contemplado com a ideia da atipicidade, mesmo porque a discricionariedade do magistrado nessa relação poderia se revestir em arbitrariedade.
3 Medidas executórias atípicas do CPC/2015 - Lei 13.105/2015: características e aplicação
As medidas típicas estão positivadas e, como exemplo, podem ser citadas a penhora, a prisão civil no caso do devedor de pensão alimentícia, a multa, a busca e apreensão, entre outras. Esses são meios processuais típicos capazes de assegurar que os bens do devedor satisfaçam as obrigações para com o credor.
Já as atípicas, conforme o art. 139, IV, do CPC/2015, não são especificadas:
O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; [...]
As medidas indutivas que o legislador menciona no inciso IV, do citado artigo, dizem respeito a aquelas medidas que induzem o devedor ao cumprimento voluntário da obrigação, oferecendo um incentivo ou vantagem caso o faça, como a dispensa do pagamento de custas processuais por exemplo.
As medidas coercitivas, por sua vez, são aquelas utilizadas pelo estado para forçar o pagamento da obrigação.
As medidas mandamentais são aquelas dirigidas pelo magistrado e, sendo descumpridas, podem gerar outra medida mais agressiva, levando em consideração que esta se tornou ineficaz.
Já as medias sub-rogatórias são aquelas que o Poder Judiciário toma em nome do devedor, a chamada execução direta, como a imissão da posse e a expropriação.
Todas essas medidas, conforme o CPC/2015, são subsidiárias em relação às medidas típicas, pois, devem ser adotadas após todas as típicas terem sido aplicadas, sem alcançar êxito. Assim, após todas as tentativas de cumprimento da sentença e execução terem sido aplicadas e sem o concreto resultado da demanda, o magistrado tem, à sua disposição, um leque de medidas para aplicar ao devedor, as chamadas medidas executórias atípicas, que assegurarão o devido cumprimento da ordem legal, inclusive em ações de objeto pecuniário.
Essas medidas atípicas não têm caráter punitivo, mas serve como um garantidor da eficácia do cumprimento da obrigação, por isso são usadas em última ratio, ou seja, elas têm a finalidade de levar o devedor ao pagamento e não simplesmente puni-lo pelo não pagamento.
Com o passar do tempo, houve um crescimento da aplicação de medidas atípicas, tendo em vista as práticas temerárias do devedor, como colocar seus bens em nome de terceiros ou sua alienação ao ter ciência de algum procedimento executivo contra si, etc., com o intuito de que eles não fossem seus penhorados. Neste caso, era quase impossível que o credor recebesse o que lhe era devido.
Assim, tanto as medidas típicas quanto as atípicas são aquelas que visam a total satisfação da obrigação, porém, nas medidas coercitivas (atípicas), há interferência direta do estado na vontade do devedor, por meio de sanções no caso do descumprimento da obrigação.
Não existe um rol específico no CPC/2015 que determine o que o juiz pode ou não fazer, decorrendo dessa inexistência a discussão acerca de sua legitimidade, haja vista que podem se traduzir em medidas arbitrárias, ou seja, cada magistrado decide qual irá adotar.
De acordo com os arts. 297 e 536, §1º, do CPC/2015, percebe-se a presença da atipicidade, o que a doutrina denomina de “cláusula geral de ampliação dos poderes do juiz”:
[...] é permitido ao juiz adotar medidas que considerar adequadas para a efetivação da tutela provisória e ao tratar do cumprimento de sentença que reconheça obrigação de fazer, não fazer e de pagar quantia certa, também é permitido ao juiz adotar as medidas atípicas para a efetivação da tutela especifica pelo resultado equivalente.
Com base nesse entendimento, os juízes determinam, por exemplo, a apreensão de passaportes, o cancelamento de cartões de crédito e até a suspensão do direito de dirigir, para garantir a satisfação da obrigação. Com isso se, de um lado, existe um credor que aguarda para receber o que lhe é de devido, do outro, existe um devedor que, mesmo estando nesta posição, tem que ter seus direitos fundamentais garantidos e zelados pelo estado.
O juiz deve decidir, portanto, com proporcionalidade entre a necessidade de cumprimento da obrigação, mas sem retirar, do devedor, os direitos que lhe são garantidos, como aqueles que são necessários à sua vida digna. É o que determina o art. 8º, do CPC/2015, já que, “ao aplicar o ordenamento jurídico, o magistrado deverá fazê-lo de forma resguardada e promovendo sempre a dignidade da pessoa humana”, configurando uma limitação ao art. 139, IV, do mesmo Diploma Legal.
Assim, as medidas escolhidas devem ser adequadas, de modo que o magistrado crie uma relação de meio e fim entre elas e o resultado, a fim de que se alcance o resultado esperado. Ademais, o juiz não pode deixar de analisar se medida escolhida é a forma de menor sacrifício ao executado, de fazer o contraponto, bem como analisar as vantagens e as desvantagens de sua aplicação.
4 O tema na jurisprudência
A adoção das medidas atípicas é um tema que tem sido debatido nos Tribunais brasileiros, conforme se extrai do seguinte julgado:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. CPC/2015. INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COMO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL. SUBSIDIARIEDADE, NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE. RETENÇÃO DE PASSAPORTE. COAÇÃO ILEGAL.CONCESSÃO DA ORDEM. SUSPENSÃO DA CNH. NÃO CONHECIMENTO.1. O habeas corpus é instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais.2. Nos termos da jurisprudência do STJ, o acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise.3. O CPC de 2015, em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou o ordenamento jurídico com a previsão, em seu art. 139, IV, de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda, inclusive as de pagar quantia certa.4. As modernas regras de processo, no entanto, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável.5. Assim, no caso concreto, após esgotados todos os meios típicos de satisfação da dívida, para assegurar o cumprimento de ordem judicial, deve o magistrado eleger medida que seja necessária, lógica e proporcional. Não sendo adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação das decisões judiciais, será contrária à ordem jurídica.6. Nesse sentido, para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual.7. A adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar-se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e à medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental.8. A liberdade de locomoção é a primeira de todas as liberdades, sendo condição de quase todas as demais. Consiste em poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para outro, ou permanecer cá ou lá, segundo lhe convenha ou bem lhe pareça, compreendendo todas as possíveis manifestações da liberdade de ir e vir.9. Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária.10. O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência.11. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular, sendo, assim, inadequada a utilização do habeas corpus, impedindo seu conhecimento. É fato que a retenção desse documento tem potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que tem na condução de veículos, a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza.12. Recurso ordinário parcialmente conhecido. (STJ, RHC 97.876/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 5-6-2018, DJe 9-8-2018)
Trata-se de decisão em um Habeas Corpus, impetrado após decisão proferida pela 3ª Vara Cível da Comarca de Sumaré/SP, em que o exequente peticionou pela suspensão do passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação do executado, tendo em vista a sua inadimplência mesmo após a citação, não tendo pago a dívida e nem indicado bens à penhora. O executado, ora impetrante, afirma que a decisão sequer foi fundamentada e não justificaria a escolha da medida restritiva aplicada.
A Procuradoria do Estado de São Paulo opinou pelo conhecimento e concessão da ordem nos seguintes termos:
Esse Egrégio Tribunal de Justiça tem conhecido do Habeas Corpus em situação idêntica ou correlata à discutida nestes autos, embora tal matéria pudesse ser objeto de agravo de instrumento, justamente porque as medidas restritivas importam violação ao direito fundamental de ir e vir do paciente. (...) no mérito, a ordem de ser concedida, na esteira do que já decidiu essa Colenda 32ª Câmara de Direito Privado (...) O “Agravo de Instrumento. Ação de cobrança em fase de cumprimento de sentença. Exequente que, não tendo localizado bens penhoráveis, pleiteia suspensão do direito de dirigir, a retenção do passaporte e o cancelamento do cartão de credito pertencentes ao executado. Indeferimento. Medias coercitivas previstas no Art. 139, IV, CPC, que devem ser pautadas nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Deferimento que, no caso, não se mostra razoável, posto que implicaria em violação dos direitos fundamentais do cidadão, atingindo, inclusive, direitos de terceiros. Decisão mantida. Recuso provido”. Por isso o parecer é pelo conhecimento da impetração e concessão da ordem requerida pelo impetrante. O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou extinto o processo, para considerar inadequada a via eleita pelo magistrado.
No mesmo sentido, tem-se acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em sede de Agravo de Instrumento AI nº:1.0408.03.002018-9/001, interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, que tinha, como objetivo, reformar a decisão do juízo da comarca de Matias Barbosa que, no âmbito do cumprimento de sentença, indeferiu o pedido de bloqueio de cartão de crédito, suspensão de passaporte, bem como suspensão e proibição de se obter permissão ou habilitação para dirigir veículo em nome dos executados.
O recurso foi improvido nos termos do voto do Desembargador Relator Alberto Vilas Boas, que defendeu a tese de não haver razões suficientes para o deferimento das medidas requeridas para o caso, pois devem ser observado os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, previstos no art. 8º, do CPC/2015. Ressaltou, ainda, que não haviam sido esgotadas todas as medidas tradicionais para a satisfação do crédito, circunstância que inviabilizaria a adoção das atípicas:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA - MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS - BLOQUEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO, SUSPENSÃO DO PASSAPORTE E DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE. 1- A adoção de medidas cautelares atípicas pelo magistrado, prevista no inciso IV do art. 139 do CPC/2015, não permite que sejam adotadas medidas que violem o direito de ir e vir do executado ou prejudiquem a sua subsistência; 2- A execução deve observar o modo menos oneroso para o executado, razão pela qual as medidas atípicas de coerção do devedor devem ser utilizadas subsidiariamente às medidas já previstas em lei. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Foro Regional de Pinheiros/SP, processo de nº:4001386-13.2013.8.26.0011).
Em outro julgado do Estado de São Paulo, a magistrada suspendeu a CNH do devedor, determinou apreensão de seu passaporte e cancelou cartões de credito até o pagamento da dívida, com o fundamento de que se o devedor não tem como quitar a dívida, também não terá recursos para viagens internacionais:
EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL - AUSÊNCIA DE PATRIMÔNIO – SUSPENSÃO DA CARTEIRA DE MOTORISTA E RESTRIÇÃO DO PASSAPORTE - IMPOSSIBILIDADE – MEDIDA NÃO AMPARADA PELO ART. 139 DO CPC – VIOLAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL DE IR E VIR. A suspensão da carteira de motorista e apreensão de passaporte cerceia o direito de ir e vir e configura verdadeira imposição de pena restritiva de direito com o objetivo de constranger o devedor, sendo, portanto, absolutamente incompatível com o ordenamento jurídico. AGRAVO DESPROVIDO. (TJ-SP 21571173020178260000 SP 2157117-30.2017.8.26.0000, Relator: Andrade Neto, Data de Julgamento: 20/09/2017, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/10/2017)
A CRFB/1988 determina a competência exclusiva sobre matéria processual ao legislador federal, resultando na edição do inciso IV, do art. 139, do CPC/2015, que conferiu amplos poderes aos juízes para fazer valer as determinações judiciais, tornando mais efetiva a entrega da prestação jurisdicional.
Suspender a validade da CNH pode causar um desconforto ao executado, mas não ofende o núcleo essencial do seu direito de ir e vir, pois, apesar de poder ficar abalado pelo fato de não poder dirigir, é certo que a sua locomoção não fica impedida, já que existem diversos outros meios de realizá-la. Assim, caso não fique demonstrada a imperiosa necessidade de uso profissional de automóvel por parte do devedor, a liberdade de locomoção não sofre ameaça.
Da mesma forma, a suspensão do passaporte em situações específicas também não afeta o núcleo essencial do direito em questão, uma vez que o devedor sofrerá limitação apenas quanto a possibilidade de viajar ao exterior, mas o seu direito de livre locomoção no território nacional continua plenamente assegurado. Mas, se ficar comprovado que necessita de viagens ao exterior em decorrência de atividade profissional desempenhada pelo devedor, a retenção do passaporte é desarrazoada em razão de se tolher o livre exercício da profissão. Fora esta hipótese, não é razoável admitir que um devedor, que não cumpre com suas obrigações pecuniárias, possa viajar ao exterior para passear, sozinho ou com a família, pois não se pode premiar a inadimplência.
Ainda sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, no Recurso Especial nº 1.782.418/RJ, entendeu pela aplicabilidade das medidas atípicas, uma vez que com o advento do CPC/2015, e com base no art. 139, IV, objeto do nosso estudo, previu-se a possiblidade de maior elasticidade ao desenvolvimento do processo satisfatório, de acordo com as circunstâncias de cada caso e com as exigências necessárias à tutela do direito material anteriormente reconhecido[2]:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL E REPARAÇÃO POR DANO MATERIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. QUANTIA CERTA. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. CABIMENTO. DELINEAMENTO DE DIRETRIZES A SEREM OBSERVADAS PARA SUA APLICAÇÃO. 1. Ação distribuída em 10/6/2011. Recurso especial interposto em 25/5/2018. Autos conclusos à Relatora em 3/12/2018. 2. O propósito recursal é definir se, na fase de cumprimento de sentença, a suspensão da carteira nacional de habilitação e a retenção do passaporte do devedor de obrigação de pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo. 3. O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV). 4. A interpretação sistemática do ordenamento jurídico revela, todavia, que tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada de qualquer medida executiva, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. 5. De acordo com o entendimento do STJ, as modernas regras de processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Precedente específico. 6. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. 7. Situação concreta em que o Tribunal a quo indeferiu o pedido do exequente de adoção de medidas executivas atípicas sob o singelo fundamento de que a responsabilidade do devedor por suas dívidas diz respeito apenas ao aspecto patrimonial, e não pessoal. 8. Como essa circunstância não se coaduna com o entendimento propugnado neste julgamento, é de rigor - à vista da impossibilidade de esta Corte revolver o conteúdo fático-probatório dos autos - o retorno dos autos para que se proceda a novo exame da questão. 9. De se consignar, por derradeiro, que o STJ tem reconhecido que tanto a medida de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação quanto a de apreensão do passaporte do devedor recalcitrante não estão, em abstrato e de modo geral, obstadas de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo, devendo, contudo, observar-se o preenchimento dos pressupostos ora assentados. Precedentes. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (STJ - REsp: 1782418 RJ 2018/0313595-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 23/04/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/04/2019).
Para a citada ministra, a aplicação das medidas atípicas meramente em razão da intensidade não pode ser considerada violadora de direitos fundamentais, uma vez que o direito pátrio dispõe de diversas medidas mais gravosas, tais como, despejo forçado, busca e apreensão, remoção de pessoas e mesmo nas medias protetivas em prol do patrimônio de grupos vulneráveis.
Todavia, é necessário lembrar que os atos extraordinários de execução somente são admitidos após a realização de todos os atos convencionais, existindo várias tentativas infrutíferas perpetradas pelo credor e quando há indícios de comportamento malicioso do devedor, que se utiliza de artifícios para realizar uma proteção patrimonial com o intuito deliberado de frustrar as execuções (presentes ou futuras), ou seja, em desacordo com a boa-fé.
5 Considerações Finais
Tendo em vista os fundamentos apresentados, percebe-se, pela análise dos exemplos citados, que há uma arbitrariedade, por partes dos magistrados, quanto à aplicação de medidas atípicas executórias, bem como as consequências dessas medidas e o que pode ser considerado nos limites da normalidade legal.
Por ser o tema relativamente novo, a pesquisa ainda apresenta lacunas, que podem e devem ser preenchidas por meio de reflexões mais profundas. Mas tal exercício demanda mais tempo de maturação da jurisdição executiva no que concerne à aplicação das medidas assecuratórias atípicas. Entretanto, é de se considerar que os objetivos propostos para a realização deste artigo, ainda que na esteira das limitações temporais já ditas, foram alcançados.
Passando por temas como direitos fundamentais, garantias do Estado, dignidade humana, verificou-se um certo abuso, por parte dos magistrados, na adoção das medidas atípicas, sobretudo por não esgotarem as típicas, conforme determina o próprio CPC/2015.
Faz-se necessário este debate, pois o Poder Judiciário existe para resguardar os direitos da sociedade, com a função de dirimir os conflitos em torno dos interesses e valores das partes, sempre no respeito ao devido processo legal. Afinal, é a figura do juiz imparcial, que aplica a lei e não se desvia dela, que saberá decidir qual a medida equilibrada e justa a ser aplicada, alcançando a satisfação da obrigação e respeitando os direitos e as garantias fundamentais do devedor.
Portanto, as medidas executivas atípicas são subsidiárias e somente podem ser utilizadas em última ratio, ou seja, após esgotada a aplicação de todas aquelas consideradas típicas e elencadas na lei como tal.
As medidas atípicas devem, ainda, atender aos fins sociais e a exigência do bem comum, resguardando os direitos constitucionais, como a dignidade humana e sempre observando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade ao aplicá-las. O magistrado deve considerar uma relação de meio e fim entre a medida executiva e o resultado, para que o objetivo seja alcançado e as garantias de ambas as partes resguardadas, sempre por meio de decisão fundamentada.
Com efeito, havendo colisão entre princípios ou normas e uma decisão, o CPC/2015 consagrou um mecanismo importante, qual seja, a técnica da ponderação, que o magistrado poderá se valer para a resolução destes conflitos, conforme dispõe o art. 489, §2º, do CPC/2015:
Art. 489 - São elementos essenciais da sentença: [...]
§ 2º - No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.
Subentende-se que o legislador previu que os direitos fundamentais poderiam ser ameaçados em algum momento, elaborando um sistema de regras para que o magistrado recorresse no caso concreto, a fim de buscar a melhor maneira de resolução do litigio. Percebe-se, entretanto, que tem sido negligenciado é o princípio da menor onerosidade na execução, que deve ser levado em consideração para que o executado, que já está em situação de desvantagem em relação ao exequente, não seja acometido de mais onerosidade e dificuldade para sanar a obrigação.
A jurisprudência e a doutrina ainda são divididas quanto à possiblidade de restrição de direitos. Por um lado, há quem defenda uma possível inconstitucionalidade do art. 139, do CPC/2015, sob o fundamento que tal norma concederia total arbitrariedade aos magistrados. Já outra parte defende que a atipicidade das normas torna o meio para a resolução dos conflitos entre juiz e partes mais efetivo, desde que respeitada a subsidiariedade, adequação, necessidade e proporcionalidade da medida aplicada.
Cita-se, por exemplo o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Araken de Assis, que discorre acerca da inaplicabilidade de tais medidas, levando-se em conta que as pessoas não podem ser atingidas pelas atividades executivas, senão apenas transitoriamente, de modo a manter a incolumidade física do executado e a respectiva face reversa da responsabilidade patrimonial. (ASSIS, 2018).
Lado outro, pode ser lembrado o magistério de Daniel Amorim Assunção (2017), favorável à aplicação das restrições, no entendimento de que, em regra, a restrição aos direitos, como o de dirigir, a suspensão de passaporte e o cancelamento de cartão de crédito, não viola os direitos fundamentais do devedor de forma total, mas, apenas, parcial, tendo em vista que ele ainda faz jus a outros meios de seu exercício.
No âmbito das decisões dos Tribunais Superiores, com julgamento marcado ainda para este 1º semestre de 2021, foi proposta a ADI nº 5.941, pelo Partido dos Trabalhadores, requerendo a declaração de inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos do CPC/2015: art. 139, IV, art. 297, art. 390, Parágrafo único, art. 400, Parágrafo único, art. 536, caput e §1º e art. 773. Todos eles, na visão do Autor, por violarem as garantias constitucionais dos devedores, que gozam de livre locomoção, previsto no art. 5º XV, da CRFB/2015[3]. Entretanto, apesar dos tribunais, em especial o Superior Tribunal de Justiça, já terem enfrentado em algumas oportunidades este tema, ainda não há uma uniformização, o que se dará apenas por meio do controle concentrado da citada ADI 5.941, no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Conclui-se, com isso, que existe uma certa rota de colisão entre a efetividade do processo de execução e a observância do principio da dignidade humana, quanto ao direito de ir e vir do executado, por exemplo, tornando os trâmites finais do processo extremante penosos ao executado.
O processo civil já evoluiu muito e continua neste caminho, mas há, ainda, bastante espaço entre o poder e o dever do magistrado. A aplicação dessas medidas arbitrárias precisa ser fiscalizada mais de perto para que esta execução não torne a situação do executado ainda mais gravosa.
Afinal, o CPC/2015 entrou na era da resolução de conflitos por métodos alternativos, como a mediação, a conciliação e a arbitragem, em que as partes se unem para resolver o litigio, sempre na busca pela sua total resolução. Não há espaço mais para litígios intermináveis, busca-se a total satisfação do processo, em os ambos os lados exigem, mas também renunciam, em prol de um bem maior e todos saem ganhando. Tudo na esteira da Resolução 125 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), conforme se vê em seu art. 1º:
Art. 1º - Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade.
Parágrafo único: Aos órgãos judiciários incumbe, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.
Nesse contexto, frisa-se que não é só o advogado que precisa se pautar por essas convicções, mas, sobretudo, o juiz, pois, sendo ele também parte da relação processual, é seu dever tentar resolver o conflito da forma menos gravosa para todos e, inclusive, para o próprio estado.
6 Referências
ASSIS, Araken de. Cabimento e adequação dos meios executórios "atípicos". In: JUNIOR, Fredie Didier (Coord. Geral). Medidas executivas atípicas. JusPodivm, 2018.
ASSUNÇÃO, Daniel Amorim. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de pagar quantia certa — artigo 139, IV, do novo CPC. Revista de Processos: RePro, São Paulo, v. 265 p. 107-150, 2017.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2017
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, Resolução nº 125 de 29 de novembro de 2010, disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/Resolucao_n_125-GP.pdf
Código de Processo Civil (1973)
Código de Processo Civil (2015)
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 9 ed. Salvador: JusPodium, 2017.
NUNES, Jorge Amaury Maia; NÓBREGA Guilherme Pupe da. Reflexões sobre a atipicidade das técnicas executivas e o artigo 139, IV, do CPC de 2015. Disponível em: https://migalhas.uol.com.br/coluna/processo-e-procedimento/243746/reflexoes-sobre-a-atipicidade-das-tecnicas-executivas-e-o-artigo-139. Acesso em: 09 jun. 2021.
SILVA, Paula de Barros; ROLAND, Felipe Molina de Castro. Julgamento da ADI 5.941 será decisivo na evolução dos procedimentos executórios. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-nov-12/opiniao-adi-5941-procedimentos-executorios. Acesso em: 09 jun. 2021.
STJ, 1.782.418/RJ, Terceira Turma, ministra relatora Nancy Andrighi, julgado em 23/4/2019.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. v 1. 59 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
[1] Discente do 10º período do Curso de Direito do Centro Universitário UNA/BH. Email: [email protected].
[2] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-nov-12/opiniao-adi-5941-procedimentos-executorios. Acesso em: 09 jun. 2021.
[3] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-nov-12/opiniao-adi-5941-procedimentos-executorios. Acesso em: 09 jun. 2021.
Bacharelanda no curso de Direito do Centro Universitário UNA/BH.
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