WALLACE MICHAEL OLIVEIRA SILVA
RESUMO: A vida humana é o bem jurídico mais valioso preservado e assegurado pelas normas de direitos humanos e pela constituição federal em diversos contextos. Os direitos humanos não são absolutos e, portanto, podem ser relativizados, desde que não afetem o seu núcleo essencial. Porém, quando se trata, nesse caso, do direito à vida, em contextos que há uma ameaça a esse bem jurídico, o estado tem o poder-dever de agir através dos órgãos de segurança pública. Nessa conjuntura, o presente trabalho visa contextualizar e evidenciar fatos que devem ter a devida atenção, zelo e presteza para que sejam elucidadas as controvérsias que englobam todo o contexto jurídico que permeia a vida e suas facetas. Tratando-se, entre outras, de situações nas quais poderá ser relativizada a vida, visando a legítima defesa e a preservação das demais vidas do corpo social. Inicialmente, para que haja soluções para a temática em pauta, deve-se ter uma análise criteriosa do caso e buscar sempre o resultado que realmente assegure os direitos do agente que age em nome do estado, além de trazer a melhor resposta a sociedade e esse trabalho é realizado em conjunto com todos os órgãos do estado que possuem relação com a problemática, agindo esses, sempre com impessoalidade e imparcialidade para elucidar situações fáticas. Além disso, as normas que versam sobre essas matérias devem ser revisadas e caso haja divergências em determinados casos verificar a possibilidade de padronização legal para que não haja discrepâncias em decisões que versarem sobre a mesma matéria. Assim, o contexto que trata sobre a linha tênue entre as medidas preventivas e o emprego legítimo da força de letalidade como medida extrema em atividades policiais que visem a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas terá resultados positivos quanto a sua aplicação, além de trazer o melhor resultado para a sociedade em situações complexas como essas. Afinal, um estado democrático de direito tem como princípio o respeito e zelo pela dignidade humana.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos; Legítima Defesa; Relativização da Vida.
ABSTRACT: Human life is the most valuable legal asset preserved and guaranteed by human rights standards and the federal constitution in different contexts. Human rights are not absolute and, therefore, can be relativized, as long as they do not affect their essential nucleus. However, when it comes, in this case, to the right to life, in contexts where there is a threat to this legal asset, the state has the power-duty to act through public security agencies. At this juncture, the present work aims to contextualize and highlight facts that must have due attention, zeal and readiness so that the controversies that encompass the entire legal context that permeates life and its facets are elucidated. These are, among others, situations in which life can be relativized, aiming at the legitimate defense and preservation of other lives of the social body. Initially, for there to be solutions to the issue at hand, one must have a careful analysis of the case and always look for the result that really ensures the rights of the agent acting on behalf of the state, in addition to bringing the best response to society and this The work is carried out jointly with all the organs of the state that have a relationship with the problem, acting on them, always with impersonality and impartiality to elucidate factual situations. In addition, the rules that deal with these matters should be reviewed and if there are differences in certain cases, check the possibility of legal standardization so that there are no discrepancies in decisions that deal with the same matter. Thus, the context that deals with the fine line between preventive measures and the legitimate use of the force of lethality as an extreme measure in police activities aimed at the preservation of public order and the safety of people will have positive results regarding its application, in addition to bring the best result to society in complex situations like these. After all, a democratic rule of law is based on respect and zeal for human dignity.
KEYWORDS: Human Rights; Legitimate Defense; Life Relativization.
1 INTRODUÇÃO
O Estado brasileiro é pautado em uma democracia e um estado que zela e assegura os direitos humanos de todos os cidadãos e, dentro outros princípios, a supremacia do interesse público. A segurança pública é uma ferramenta indispensável para garantir a aplicabilidade de tais direitos, além de preservar a ordem pública e a paz social.
Os direitos humanos como uma carta de direitos que engloba, a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), mais conhecido como Pacto San José da Costa Rica, o Pacto San Salvador e a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH). A CADH possui caráter vinculante e traz consigo os direitos de liberdade, declarados de primeira geração, (direitos civis e políticos).
Já o Pacto San Salvador, como um protocolo adicional, traz consigo os direitos de igualdade, pautados como os direitos de segunda geração, (Sociais, Políticos e Econômicos). E por fim, a DUDH versa sobre os princípios, objetivos, entre outros, visando assegurar a dignidade humana em todos os países e nações. Esse trabalho tem objetivo de demonstrar a efetividade dos direitos humanos, mas em um viés e contexto no qual a supremacia do interesse público, as normas e direitos garantidos e exigidos pela constituição federal brasileira tem sua real efetividade em situações fatídicas complexas.
A segurança pública na ótica da atividade policial, como dito acima, visa garantir a ordem pública e os direitos humanos dos cidadãos. Porém, em ocorrências de extrema periculosidade e gravidade onde encontram-se diversos bens jurídicos ameaçados, sendo esses do corpo social, por um outro cidadão que se coloca na posição de agressor e decide a todo custo lesionar a integridade desses por motivos diversos.
A polícia como garantidora tem o poder-dever de agir para evitar o resultado gravoso, porém em situações complexas como essas onde pessoas são tidas reféns, por exemplo, e sua integridade ameaçada, o instituto da legítima defesa própria e de terceiros poderá ser utilizada como excludente de antijuridicidade. Contudo, há normas internas que buscam intermediar através de medidas, ditas como negociações, para buscar o melhor resultado na preservação e garantia de todas as vidas relacionadas à situação fática.
A vida humana é o bem jurídico mais valioso e por isso é preservada severamente pela constituição e pelas normas e órgãos de direitos humanos. Porém, em situações como essas, onde tal agressor decide lesionar o bem jurídico alheio gravemente e de modo irreparável o direito humano, sendo esse a vida, a integridade vital daquele poderá ser relativizada para proteger o direito à vida das demais pessoas envolvidas, pois mesmo a vida, em situações ímpares, poderá ser relativizada por não ser um direito absoluto, ainda que tão preservado. Mas, como responder de maneira positiva quando todas as opções de resolver a ocorrência de modo a preservar todos os bens jurídicos, inclusive a no agressor, se exauriram?
E caso decida tomar uma decisão pautada na excludente de ilicitude, na relativização da vida humana do agressor em prol dos demais, será que para a instituição e para o julgador que irá decidir, essa foi a melhor resposta? E quando da aplicação do mesmo, este agente será realmente assegurado e os órgãos “fiscalizadores” irão realmente reconhecer tal instituto ainda que houve notável enquadramento. É complexo versar sobre um tema tão controverso, porém deve ser discutido, pois situações como essas ocorrem diuturnamente.
2 DIREITO À VIDA: É POSSÍVEL SUA RELATIVIZAÇÃO?
A atividade policial se faz indispensável para a manutenção e preservação da ordem e também para a proteção da sociedade e da incolumidade das pessoas. O policial é um agente que fiscaliza, preserva e assegura direitos, além de sustentar o regular cumprimento das leis. Em uma situação extrema de conflito onde uma vítima é ameaçada constantemente por um criminoso que garante cercear à sua vida a troco de impunidade ou obtenção de subterfúgio para tentar empregar fuga decorrente de ilícito anterior.
Do outro lado o policial, esse treinado para agir em situações complexas de conflito onde a integridade de quem visa assegurar é aterrorizada e se encontra entre a vida e a morte. Após, todas as maneiras de negociação para tentar preservar as vidas, tanto das vítimas envolvidas, quanto a do criminoso, se esgotarem, sendo assim, não exitosa, está amparado o policial a empregar o uso da força letal como legítima defesa visando preservar a vida e a integridade das vítimas e dos agentes de segurança, inclusive a sua própria.
Atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro, não há existência de uma norma específica no que tange a aplicação do uso da força pelos órgãos de segurança do estado a serem interpretados como parâmetros a serem seguidos para aprimoramento, formação e treinamento do agente policial. Todavia, há conceitos generalizados que garantem a legitimidade do uso da força coercitiva pelos órgãos de segurança, principalmente, na figura do agente policial. O artigo 23 do Código Penal descreve tais institutos que garantem determinadas ações.
Art.23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II– em legítima defesa;
III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito. (BRASIL,1940).
Os artigos 24 e 25 do Código Penal, conceituam a legítima defesa e o estado de necessidade.
Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (BRASIL, 1940).
Em relação ao instituto do estrito cumprimento do dever legal, vale ressaltar que os agentes de segurança, no exercício de suas atividades rotineiras, têm o poder-dever de guarda, proteção e vigilância, garantido e normatizado pela carta suprema, de agir intervindo diretamente no universo privado dos cidadãos, a fim de garantir a real aplicabilidade da norma legal. Caso haja omissão por parte dos agentes garantidores, esses poderão incorrer em crime, na modalidade omissão imprópria. Tal interferência é entendida como agressão aos bens jurídicos tutelados, por exemplo, a liberdade, a vida, o patrimônio, mas essa intromissão é plausível quando amparado legalmente e com critérios limitadores, relacionados aos princípios constitucionais e administrativos do estado. Em contrapartida, a excludente de antijuridicidade, que é pautada na aplicação do exercício regular de direito, tem real aplicação no emprego de medidas autorizadas por parte dos órgãos públicos que detêm o poder de polícia, respeitando assim as normas e as garantias constitucionais e de direitos humanos.
Desse modo, o uso do emprego da força é plausível quando aplicado com a devida finalidade de zelar pela própria incolumidade física e dos demais agentes constitucionalmente amparados e, principalmente, daqueles do corpo social que tanto assevera a constituição brasileira. Assim, quando as condutas e medidas aplicadas pelos agentes estatais estiverem condizentes com os direitos elencados na norma, serão amparados pelos institutos discutidos e será afastada a existência de infração penal por parte desses, amoldando de acordo com o que descreve o artigo 23 do Código Penal (CP). Isso significa dizer que quando o agente atua em consonância com a norma e seus referidos institutos será afastado o caráter ilícito do ato.
O Código Penal Militar (CPM) também elenca e assevera tais institutos em seu corpo normativo;
Art. 42. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento do dever legal;
IV - em exercício regular de direito.
Estado de necessidade, como excludente do crime;
Art. 43. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para preservar direito seu ou alheio, de perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, desde que o mal causado, por sua natureza e importância, é consideravelmente inferior ao mal evitado, e o agente não era legalmente obrigado a arrostar o perigo.
Legítima defesa;
Art. 44. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (BRASIL,1969).
A secretaria nacional de segurança pública (SENASP) elenca medidas a serem aplicadas de acordo com o comportamento do agente agressor e descreve ações a serem realizadas com base em níveis, interpretados conforme as condutas do infrator, visando estabelecer um parâmetro mínimo que regula, de forma básica, o uso progressivo da força. Sendo esses;
1. Presença física: é a simples presença policial, diante de um comportamento de normalidade por parte de um agressor, onde não há necessidade da força policial.
2. Verbalização: é a comunicação, a mensagem transmitida pelo policial, utilizada diante de um comportamento cooperativo por parte do agressor, que não oferece resistência e obedece às determinações do policial.
3. Controle de contato: são as técnicas de condução e imobilizações, inclusive por meios de algemas, utilizadas diante da resistência passiva do agressor, que age em um nível preliminar de desobediência (ele não acata as determinações, fica simplesmente parado).
4. Controle físico: é o emprego da força suficiente para superar a resistência ativa do indivíduo, o qual desafia fisicamente o policial, como num caso de fuga. Cães e agentes químicos podem ser utilizados.
5. Táticas defensivas não letais: é o uso de todos os métodos não letais, por meios de gases fortes, forçamento de articulações e uso de equipamentos de impactos, como os bastões retráteis, diante de uma agressão não letal pelo agressor, que oferece uma resistência hostil, física (contra o policial ou pessoas envolvidas na situação).
6. Força letal: é o mais extremo uso da força pela polícia e só deve ser usado em último caso, quando todos os outros recursos já tiverem sido experimentados. Nesse caso o suspeito ameaça a vida de terceiros. (SENASP, 2007).
Os direitos humanos, maior precedente para criação da constituição de 1988, preserva acima de tudo o respeito à vida, dignidade, integridade, mas quando um indivíduo com intuito de realizar ato ou fato para lesar, impossibilitar e ocasionar mortes de inocentes é totalmente viável que naquele momento sua vida seja relativizada, a fim de resguardar as demais pessoas e as vítimas envolvidas. Sempre que possível utilizar a verbalização e posterior emprego dos meios necessários a pôr fim àquela agressão. O procedimento utilizado até a real necessidade do uso da força letal respeitará sempre por aplicação hierárquica aos princípios e em sua ordem. Segundo a Portaria Interministerial nº 4.226/2010:
[...] 2. O uso da força por agentes de segurança pública deverá obedecer aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.
3. Os agentes de segurança pública não deverão disparar armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave.
4. Não é legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que, mesmo na posse de algum tipo de arma, não represente risco imediato de morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.
5. Não é legítimo o uso de armas de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, a não ser que o ato represente um risco imediato de morte ou lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.
6. Os chamados "disparos de advertência" não são considerados prática aceitável, por não atenderem aos princípios elencados na Diretriz n.º 2 e em razão da imprevisibilidade de seus efeitos.
7. O ato de apontar arma de fogo contra pessoas durante os procedimentos de abordagem não deverá ser uma prática rotineira e indiscriminada.
8. Todo agente de segurança pública que, em razão da sua função, possa vir a se envolver em situações de uso da força, deverá portar no mínimo 2 (dois) instrumentos de menor potencial ofensivo e equipamentos de proteção necessários à atuação específica, independentemente de portar ou não arma de fogo. [...] (BRASIL, Portaria Interministerial nº 4.226/2010)
O Estado como detentor do poder de polícia tem o dever de resguardar e proteger os seus assegurados, ou seja, os cidadãos, por meio da segurança pública e de políticas de combate à criminalidade, utilizando-se do aparato estatal de controle de modo preventivo e repressivo às práticas contrárias à lei. Conforme a Constituição Federal de 1988, além do estado a própria sociedade em conjunto se faz necessária para que a segurança pública seja efetiva, pois, o método mais eficaz de combate à criminalidade é realizado em conjunto com a comunidade, por meio de informações, projetos de ressocialização, entre outros.
O estudo da criminologia vê o crime como um problema social e busca respostas aprofundando na análise dos comportamentos dos indivíduos em sociedade. O estudo do crime, criminoso, vítima e controle social faz toda a diferença para se obter uma resposta positiva e condizente que reflita positivamente na sociedade e traga melhores condições de segurança à população. O estudo dos comportamentos e da evolução social está diretamente ligado à criminologia, e esse estudo norteia e auxilia os parlamentares na produção de leis, desde de a lei de caráter inibitório, até a lei de ação repressiva.
Segundo Enrico Ferri, sociólogo que através de seus estudos aprofundados dos meios sociais criou a obra; Sociologia Criminal em 1914, que ampliou o conhecimento dessa ciência social utilizando do método empírico interdisciplinar de pesquisa e traçando características para descrever quem são os potenciais cometedores de crimes, tanto pela escassez de recursos financeiros, como também pela própria qualidade de vida dura, discriminada e marginalizada por estar em um nível social inferior das demais classes. Em todo o conjunto complexo de estudo, que visa entender o comportamento criminoso para posteriormente criar medidas eficazes de solução e segurança social, funciona para diversos grupos sociais, porém existe um coletivo social que tem prazer em subjugar, lesar e contrariar a ordem. Para esses cidadãos não há uma motivação real para tal prática atentatória à integridade das pessoas e sim a simples vontade de lesionar, de contrariar a ordem estatal de controle social, que, na criminologia, é denominada como subcultura delinquente.
Essa teoria, criada por Wolfgang e Ferracuti (1967), defende a existência de uma subcultura da violência, que faz com que alguns grupos passem a aceitar a violência como um modo normal de resolver os conflitos sociais. Mais que isso, sustenta que algumas subculturas, na verdade, valorizam a violência, e, assim como a sociedade dominante impõe sanções àqueles que deixam de cumprir as leis, a subcultura violenta pune com o ostracismo, o desdém ou a indiferença os indivíduos que não se adaptam aos padrões do grupo. Os comportamentos são subdivididos e denominados de; não utilitarismo da ação; ou seja, não há uma motivação racional para tal fato, malícia na conduta; o simples prazer de prejudicar, de ferir a integridade do próximo e também o negativismo da conduta, que é o polo oposto aos padrões sociais.
O criminoso ao cercear a liberdade da vítima ou lesioná-la, a fim de realmente prejudicá-la ou obter satisfação particular, comete crime contra o maior bem jurídico tutelado pela constituição, que é a vida, nesse momento, entra o papel da polícia como mediador de conflitos e norteador da lei, órgão que preserva e restabelece a ordem, além de afirmar e garantir a efetiva segurança e o poder de polícia do estado, visando assim preservar as vidas.
Em uma situação atípica como essa, onde o criminoso sente o prazer em lesar e além de tudo, visa ceifar a vida de terceiros, nesse momento o policial respaldado do aparato legal, deve intervir para cessar a agressão, desde a negociação, que é o ato pacífico e verbal que preserva ambas as vidas, até o uso da força de letalidade para preservar a vida da vítima e garantir a segurança social. Em ocorrências como essas, ao agir o policial, na legalidade, tem o amparo estatal e legal das excludentes de ilicitude que é um dos principais objetos discutidos.
Buscando trazer mais clareza e evidenciar os fatos expostos, há um instituto que deve ser demonstrado, além de todos já elucidados. O dolo, ou seja, a intenção de agir do agente, como é descrito no ordenamento jurídico, se desdobra em dolo direto, indireto e eventual.
Dolo direto: O dolo direto ocorre quando o agente prevê o resultado e ,por isso, pratica todos os atos necessários para alcançar tal conduta. O agente realiza a conduta objetivando alcançar o resultado que ele previu. O dolo direto é subdividido entre dolo direto de 1º grau e dolo direto de 2º grau.
Dolo direto de 1º grau: O agente tem consciência e vontade de concretizar os requisitos objetivos do tipo e executa a ação de modo a atingir apenas o bem jurídico pretendido.
Dolo direto de 2º grau: É também chamado de dolo de consequências. Nessa modalidade, o agente tem consciência e vontade de concretizar os requisitos objetivos do tipo, porém o meio utilizado por ele vai gerar efeito (s) colateral (is) típico (s).
Dolo indireto: O dolo indireto é aquele em que o sujeito não quer a produção do resultado, mas, mesmo prevendo que este poderá acontecer, assume o risco de causá-lo. O dolo indireto subdivide-se em dolo indireto alternativo e dolo indireto eventual.
Dolo indireto alternativo: O agente prevê mais de um possível resultado típico que pode ocorrer da conduta, e realiza a conduta buscando atingir qualquer desses resultados.
Dolo eventual: O agente prevê mais de um possível resultado típico que pode ocorrer da conduta e escolhe um resultado que pretende atingir. Então dirige sua conduta na busca apenas do resultado pretendido, porém assume o risco de produzir os demais. A intenção do agente se dirige a um resultado, aceitando, porém, outro também previsto. (SOARES, 2019).
3 O CONTRAPONTO ENTRE O PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE E A INFLUÊNCIA DAS MÍDIAS NAS DECISÕES JUDICIAIS
Com a evolução da sociedade e dos meios de disseminar informações, em casos que geram estranheza ao público, a mídia por ignorância técnica e interpretação demasiada de maneira adversa ao fato pelo fator emocional, “julga” tais atos, sem ao menos assegurar as informações como reais, como ilegais e como uma afronta direta aos direitos e garantias constitucionais. Mesmo agindo conforme os ditames legais, o policial é investigado e, em muitos casos, processado pelo ministério público e julgado culpado por atos que praticou amparado pelas excludentes de ilicitude e totalmente na legalidade. A lei dita que o agente garantidor, dentro do princípio da legalidade, deve fazer ao se deparar com tais situações garantindo a ele todo aparato estatal, mas em segundo plano, o entendimento doutrinário com atenção ao fervor público e midiático se deixa influenciar e julga arbitrário ao preceito legal em alguns casos isolados, mas há tal presença, a fim de satisfazer interesses políticos e particulares, indo de contramão a norma em determinados casos.
Quando se trata de políticas públicas de segurança, relativização da vida para resguardar integridade das vítimas, uso da força de letalidade para cessar agressão iminente de um cidadão infringente, gera um grande alarde, ainda mais na contemporaneidade, pois a mídia, em certo ponto de vista, dita as regras e os ditames processuais, tanto pela especulação, quanto pelo fervor público e desse modo se torna instável e inconstante as decisões judiciais.
A lei ampara a conduta policial que esteja atuando dentro da legalidade e o magistrado comovido pelo fervor público, em determinados casos, interpreta o caso fatídico e o julga, contrariando o princípio da imparcialidade. Isso gera insegurança jurídica por parte dos órgãos que o compõem e garante a efetividade da carta magna do estado. Além disso, a própria população, através da manifestação emocional e não racional, se tornou, de certo modo, "juiz de direito", mesmo sem ter formação, conhecimento técnico, científico, ou mesmo capacidade de analisar casos complexos, como o uso da força letal, influenciando assim a massa populacional que vai de encontro ao que deveria ser apoiado e motivado, o poder policial. Segundo Salineiro, (2016, p. 31), disponibilizar segurança, não é tarefa fácil.
A segurança é um direito fundamental previsto expressamente na constituição, mas sua garantia não é missão simples, sobre tudo porque a definição de segurança envolve outras problemáticas além da garantia da integridade física dos sujeitos. (SALINEIRO, 2016, p. 31).
As ocorrências policiais de grande complexidade, onde envolvem vítimas em risco iminente de vida e um potencial agressor, devem ser tratadas com todo rigor técnico. Os agentes que assumem ocorrências como essas são treinados e capacitados com alto rigor e são levados ao limite da exaustão em treinamentos para que possuam a capacidade técnica, física e emocional para lidar com muita propriedade em situações complexas como essas, que no caso discutido, o maior bem jurídico tutelado e assegurado pela constituição Brasileira, "a vida", tanto do agressor, quanto a das vítimas que se encontram em uma linha tênue, entre a vida e morte. E os únicos capazes de lidar em situações como essas com melhor capacidade em amplo sentido é o policial.
Quanto melhor o preparo, técnico, tático e emocional, melhor será a qualidade e a capacidade de perceber, de decidir pela melhor alternativa de ser empregada e de responder segundo as diretrizes legais que amparam a ação. Ao contrário a falta de preparo técnico, tático ou de controle emocional poderá levar o operador de segurança pública a tomar decisões equivocadas, com respostas que poderão resultar em consequências desastrosas para as pessoas, para a sociedade, para as instituições policiais e para os próprios operadores.
A melhor forma de desenvolver essas qualidades é pelo adéquo e contínuo treinamento e pelo oferecimento de condições de trabalho que permitam os operadores a atuar na plenitude de sua capacidade. (SENASP, 2009, p. 50 e 51).
As políticas de segurança pública, ao serem implantadas devem atender a real necessidade do agente de segurança para que esse desempenhe um papel fundamental na sociedade, que é a preservação e manutenção da vida, por isso, o agente de segurança está completamente envolvido no desenvolver da sua função, com pessoas; ou seja; com vidas e em enumeradas situações através da decisão tomada pelo policial, será definido o futuro do cidadão ou meliante que estão envolvidos no caso. O processo de capacitação para melhor atuação do agente de segurança é, visualmente, o aperfeiçoamento em treinamentos técnicos, táticos, melhores investimentos em equipamentos, estruturas, que possam realmente otimizar o trabalho policial e assim trazer um resultado positivo para a sociedade.
O Estado é o detentor principal da obrigação de garantir a proteção dos direitos individuais e assegurar o pleno exercício da cidadania através do emprego do poder de polícia quando necessário, além de elaborar políticas públicas efetivas, a fim de reduzir os altos índices de criminalidade e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida no meio social. Neste sentido, a segurança não se contrapõe à liberdade e é condição para o seu exercício, fazendo parte de uma das inúmeras e complexas vias por onde trafega a qualidade de vida dos cidadãos.
Desse modo, o estado deve afirmar e garantir, realmente, a atuação policial, dando liberdade de atuação dentro das normas legais. E após isso, garantir o efetivo direito de agir quando necessário e ampará-lo na prática de tais condutas que atribuiu a ele através das normas legais.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É real que quando se trata do tema, uso da força letal, abrem-se muitas interpretações, além da própria repercussão pública que se dá em casos como esses, mas o uso da força de letalidade no estrito cumprimento do dever legal e legítima defesa é um amparo constitucional totalmente louvável e realmente deve ser amparado e garantido pelo estado, não a fim de realizar extermínios indiscriminadamente, mas sim para preservar vidas, esse será sempre o intuito.
Então, sempre deverá ser ponderada a situação fática na análise real do caso. O respeito à vida é a primazia que deve ser mantida, mas na iminência de um agressor em potencial que coloca a sua vida e vida de demais pessoas em risco, a integridade desse poderá ser relativizada em prol do coletivo. Isso tudo, claro, após esgotados todos os meios necessários de negociação e manutenção de todas as vidas envolvidas. Não obtendo êxito, a relativização da vida do agressor é justificável e plausível naquele instante.
Na contemporaneidade, a temática discutida se faz mais que indispensável, pois a criminalidade se estende em uma larga escala e essa evolução deve ser acompanhada pelo Estado, a fim de estar sempre pronto para defender e zelar por seus administrados, além de criar ou ampliar a atuação das políticas públicas que visem reduzir o índice criminal e melhorar de forma gradual a qualidade de vida, não só da sociedade, como também das pessoas que moram à margem da sociedade.
Existem diversos tipos de criminosos e motivos que ensejam a ilicitude, dessa maneira o estado deve que intervir de maneira sistêmica para solucionar a problemática para melhorar a qualidade de vida social dessas pessoas e garantindo oportunidades igualitárias para que de forma harmônica se estabilizem socialmente e se reintegrem à sociedade. Com a diminuição das desigualdades sociais, o crime em contrapartida irá diminuir e consequentemente as medidas aqui discutidas para preservação da ordem pública serão menos utilizadas, concomitantemente.
Por isso, as políticas públicas são tão importantes, pois, essa é a linha tênue entre as medidas preventivas, o uso progressivo da força e o possível uso da força letal para conter um criminoso potencial no futuro.
Além disso, as decisões judiciais devem a todo custo buscar a aplicabilidade efetiva da imparcialidade, isonomia, pois o ordenamento jurídico pátrio deve sempre ser o parâmetro legal de aplicação das normas para trazer a melhor solução à problemática social. As forças policiais são os órgãos que atuam em nome do estado buscando o real cumprimento das normas legais e garantindo a integridade do corpo social e, desse modo, o estado deve sempre zelar e dar a atenção devida a esses órgãos e os demais que se inter-relacionam buscando aprimorar as suas técnicas e ferramentas de atuação para entregar o melhor resultado ao cidadão.
Assim, com a devida atenção e observância dos institutos apresentados, o estado democrático de direito terá maior efetividade na garantia e aplicação real dos direitos humanos e na resolução de problemáticas que gradualmente irão progredir de modo a trazer resultados significativos para a obtenção da redução dos índices criminais e a efetiva instalação gradual da ordem pública e a paz social tão esperada pela sociedade.
REFERÊNCIAS
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