Resumo: O objetivo do presente artigo é dissertar acerca da influência do pragmatismo no Direito Processual Brasileiro, em especial no Código de Processo Civil, na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para tanto iremos analisar as principais mudanças do novo Código de Processo Civil e nas alterações introduzidas no Decreto Lei n.º 4.657/1942 pela Lei Federal n.º 13.655/2018.
Palavras-chave: Pragmatismo. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Código de Processo Civil.
Abstract: This article’s objective is to analyze the influence of pragmatism on Brazilian law, especially on the Code of Civil Procedure, the Law of Introduction to the rules of Brazilian Law, the jurisprudence of the Supreme Cour. To do this, we will analyze the main changes of the new Code of Civil Procedure and the amendments made to Decree Law n.º. 4,657 / 1942 by the Federal Law n.º. 13655/2018.
Keywords: Pragmatism. Law of Introduction to the norms of Brazilian Law. Code of Civil Procedure.
Sumário: Introdução; 1. O Pragmatismo e suas características 1.1. Contextualismo, instrumentalismo, consequencialismo, interdisciplinaridade e antifundacionalismo 1.2 O Método Abdutivo 2. As influências do Pragmatismo na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro e no Código de Processo Civil 2.1. As Raízes do Pragmatismo nas Normas Processuais 2.2. Os Artigos 20, 21, 22, 23 e 24 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro 2.3. O Pragmatismo no Código de Processo Civil de 2015 3. Conclusão 4. Referências bibliográficas.
Introdução
Desde a Emenda Constitucional n.º 45/2004, a qual introduziu a figura dos precedentes obrigatórios no Direito Processual, o Ordenamento Jurídico tem sofrido forte influência do direito norte-americano. Consequentemente, cresceu também a influência de grandes pensadores americanos.
Dentre esses pensadores norte-americanos, sobre os quais nossa boa doutrina tem se debruçado, destaca-se a figura de Charles Sander Peirce, filósofo pioneiro do pragmatismo e, como o próprio se definia, um homem da experiência, do laboratório. Bem da verdade, Charles S. Peirce acreditava piamente que todo o conhecimento advinha da experiência e das consequências destas ações na realidade.
Tal teoria conquistou o mundo jurídico norte-americano e, no Brasil, ganhou adeptos na doutrina e nos Tribunais, influenciando, por fim, o Legislador Nacional, ante o ingressos de diversos dispositivos normativos processuais no nosso Sistema Jurídico, os quais, com inegável conteúdo pragmatista, com destaque para as alterações introduzidas no Decreto Lei n.º 4.657/1942 pela Lei Federal n.º 13.655/2018, e para os artigos 311, II, 489, § 1º, VI, 926, 927, 947, ambos do Código de Processo Civil, dispositivos dos quais iremos tratar no decorrer do presente artigo.
Portanto, o objetivo deste artigo é fazer um tour d'horizon sobre a influência do pragmatismo no Direito Processual Brasileiro, incluindo as alterações legislativas citadas alhures, bem como a demonstração de que, ao contrário do pensamento de muitos, a influência do pragmatismo no Direito Pátrio não é um fenômeno recente, mas tem raízes no texto original da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
1. O pragmatismo e suas características
O pragmatismo é uma corrente de pensamento originário dos Estados Unidos e teve como seus principais percussores Charles Sander Peirce, Willian James e John Dewey, o qual fez pesadas críticas ao império do pensamento abstrato sem qualquer relação com a prática. É, portanto, uma teoria empírica da aprendizagem.
Inclusive, assim lecionava Peirce sobre a importância da experiência para a construção do conhecimento:
“Quando a esperança não repousa na experiência, cabe ter o otimismo por esdrúxulo. Ser lógico em relação a questões práticas (entendo a expressão não em seu vetusto sentido, mas como correspondente a sábia união da segurança com o proveito do raciocínio) é o dom mais útil que um animal pode possuir e caberia, pois, aceitar que decorresse do processo de seleção natural. Contudo, desconsideradas aquelas questões, seria provavelmente mais vantajoso para o animal ter o espírito ocupado por visões agradáveis e estimulantes, independentemente de serem elas verdadeiras; e, assim, a propósito de questão não-práticas, a seleção natural poderia dar margem a uma falaciosa inclinação de pensamento.”[1] Negrito e grifos nossos
E é justamente a prática e a experiência que moldam o pensamento de um pragmatista, como o fez para o citado pensador, entendendo o raciocínio como meio de descoberta de fatos os quais não sabemos, a partir de outros, já conhecidos.
Por conseguinte, todo o processo de descobrimento será validado, caso a conclusão do raciocínio possa ser comprovada no mundo dos fatos, razão pela qual, para o pragmatismo, a validade da conclusão não está no intelecto, mas sim nos fatos.
Acerca desta diferença entre os metafísicos e os pragmáticos, são as elucidações da Profa. Maria Virginia Machado Dazzani:
“A concepção kantiana do conhecimento certamente distinguiu-se dos pensadores mais próximos de sua época, tanto racionalistas quanto empiristas. A corrente empirista pensava no conhecimento como algo derivado diretamente da experiência e a dos racionalistas, pelo contrário, afirmava que o conhecimento é baseado exclusivamente na razão inata: ambos tomavam como garantidos que o conhecimento deve ser absoluto no sentido de ser independente da pressuposição e da perspectiva”[2]
Deste modo, resta claro a grande distância dos pragmáticos para com os pensadores oriundos das teorias metafísicas, visto que para aqueles a realidade é a interação entre o ser e a natureza, enquanto, para os metafísicos, essa é criada a partir de um referencial ideal, necessariamente isolado da natureza, ou seja, abstrato. Logo, o pragmatismo descarta, bem da verdade, despreza transcendentalismos, dualismos, inatismos e idealismos.
Das premissas acima decorrem, implicitamente, as características essenciais do pragmatismo, quais sejam: a) contextualismo, instrumentalismo, consequencialismo, interdisciplinaridade, antifundacionalismo; b) a utilização do método abdutivo; c), a inexistência de dualidade entre o ser e o dever ser.
1.1. Contextualismo, instrumentalismo, consequencialismo, interdisciplinaridade e antifundacionalismo:
Como dito acima, o pragmatismo tem como premissa a ideia de que o conhecimento é oriundo da experiência, do empirismo e, sendo assim, resta inegável que as consequências da conduta sejam previamente antevistas, e que norteia o pragmatista. Por essa razão, o consequencialismo é uma das principais características desta teoria.
O Prof. Alonso Reis Freire exemplifica o consequencialismo de forma competente e irreparável:
“(...)o processo de construção do entendimento está sempre aberto ao pragmatista. Contudo, o modo de analisar ou reanalisar a “verdade” acerca das consequências do sim e do não a serem dados como respostas a questões como o direito de privacidade, liberdade e igualdade são questões práticas e empíricas. Trata-se de saber quais seriam os danos causados pela liberação da pornografia, pelo uso de provas obtidas indevidamente, pela política de cotas raciais, por exemplo. Os pragmatistas não se importam com a discussão teórica acerca desses temas. Não se importam como o significado desses direitos nas práticas sociais e como o que esses direitos exigem em situações específicas, mas com as consequências derivadas das ações permitidas, proibidas ou impostas com base nesses direitos.” [3]
Ademais, uma vez que o conhecimento é o resultado de hipótese confirmadas ou a serem confirmadas na prática e as questões de ordem prática irão nortear a interpretação, temos que o contexto dos fatos é essencial para o pragmatista, logo, o contextualismo passa a ser outra importante característica desta teoria.
Outrossim, tendo em vista que as consequências de ordem prática passam a nortear o pensamento, no instrumentalismo do Direito, passam a ser um instrumento de fomento de condutas sociais. Acerca desta característica dissertou a Profa. Margarida Lacombe Camargo:
“Já que o pensamento se volta para consequências de ordem prática, o Direito, neste aspecto, assume uma postura construtiva, vez que interfere efetivamente na realidade. Trata-se de um poderoso instrumento de orientação da conduta social, conformada pelos possíveis resultados que provoca na sociedade, cujo alcance extrapola as artes em conflito. O aspecto instrumental, nesse aspecto, aponta para o viés político do Direito.”[4]
Portanto, para os pragmáticos, a norma jurídica, na qualidade de instrumento de orientação de conduta, acarreta na necessidade de que o Direito deva ser sempre norteado para o futuro.
De outro giro, temos a interdisciplinariedade, a qual possibilita ao interprete da norma jurídica utilizar-se de todo o seu repertório sistematizado de conhecimento de outras áreas, a fim de possibilitar um melhor dimensionamento das consequências da ação.
Outra característica do pragmatismo é o antifudacionalismo, que, em apertada síntese, consiste em negação à dogmática, ou seja, na conclusão de que a verdade ou a verossimilhança não está em princípios ou conceitos previamente constituídos, visto que, como citado alhures, qualquer hipótese para o pragmático deve ser confirmada na prática, passando pelo teste da experiência.
Sendo assim, o pragmático jurídico não pode agarrar-se a princípios e postulados para a elucidação do caso concreto, sem que tais espécies de normas não sejam perfeitamente inferidas dentro do contexto e das consequências que os fatos demandam, o que acarreta na última característica desta teoria, qual seja, falibilidade, a qual expressa a ideia que nenhuma tese ou conceito é infalível perante a realidade.
Melhor dizendo, o Direito, em razão do seu caráter instrumental, é focado no futuro, deste modo, uma Súmula vinculante, ou até uma regra jurídica, pode, no futuro, ser derrotada pela Corte, ante o contexto e as consequências do fato a ser julgado, fazendo com que a falibilidade, na opinião do presente subscritor, gere a possibilidade ao Direito de ser atualizado pelos nossos Tribunais, independentemente da atividade legislativa.
Sobre o mito da infalibilidade discorreu Ivo Assad Ibri:
“O mito da infalibilidade em matérias de fato, uma vez desconstruído, referência de modo novo nosso humano olhar sobre o mundo. A certeza de que nosso conhecimento flutua num mar de incertezas23 faz-nos buscar nos fenômenos não apenas as simetrias dos padrões, tarefa da qual, a propósito, a razão não pode abdicar, mas também observar o irregular como manifestação legítima de um princípio de liberdade que fixa na existência sua marca de espontaneidade.”[5]
Em razão das características supra, temos que o método interpretativo da norma jurídica de um pragmatista difere em muito daquele praticado pelos positivistas, razão pela qual passamos a tratar do método abdutivo.
1.2. O Método Abdutivo:
Antes de explicar o método abdutivo, para fins didáticos, e também, para melhor compreensão dos temas a serem tratados nos tópicos posteriores, é importante fazermos uma breve nota sobre o império do positivismo no Brasil, assim como discorrer sobre o método positivista de interpretação do Direito.
O nosso país, após a Proclamação da República sofreu uma grande influência dos ideais positivistas, inclusive a frase constante em nossa bandeira nacional é um jargão positivista, por razões obvias, nossa legislação republicana, bem como o método de interpretação do Direito foram moldados nos ideais positivistas.
Bem da verdade, o positivismo já influenciava os catedráticos do Largo São Francisco e da Faculdade de Direito de Olinda antes mesmo da Proclamação da República, além do fato de que os professores dessas faculdades e os advogados formados antes da criação dos cursos de Direito no Império eram formados em terras continentais europeias, ou seja, afeitos as teorias metafísicas.
Por esta razão, o positivismo é uma teoria enraizada na cultura jurídica brasileira, razão pela qual a utilização do método interpretativo dedutivo ainda impera em nossos Tribunais.
O método dedutivo jurídico, ou o silogismo, decorre, em suma, de uma premissa maior (norma jurídica) e de uma premissa menor (fato), para chegar uma conclusão (sentença), configurando-se como um método deveras limitado, na medida em que apenas faz uma subsunção da norma jurídica ao fato.
Entretanto, tal método, a conclusão (sentença) não carrega o contexto ou as consequências do fato e da decisão, por óbvio, pois a aplicação do método em questão, permite uma inegável racionalização no ato da aplicação do direito, mas, por outro giro, não permite ao aplicador da norma jurídica um juízo de valor sobre os fatos e, por consequência, empobrece a justificação (fundamentação) da decisão.
Mas nossa inquietação é: por quê o silogismo dedutivo ainda impera em nossos Tribunais? Essa não é uma pergunta fácil de se responder, mas atrevo-me a inferir duas possibilidades: a primeira refere-se a questões culturais e históricas, tal como citado acima; A segunda, acredito que decorra da premissa de que tal método outorga maior previsibilidade nas sentenças e acórdãos e confere eficácia ao princípio da imparcialidade do juízo, o que resultaria em uma aparente segurança jurídica.
A Profa. Flavianne Fernanda Bittencourt Nóbrega, sobre a pergunta acima, assim entende:
“(...) a atitude do juiz em insistir no método do silogismo-dedutivo, mesmo quando este se mostra deficiente, poderia ser compreendida ora pela 1.conveniência, ora pela 2.inconsciência. A primeira, quando o juiz não tem coragem ou não pode articular determinadas premissas que de fato motivaram a sentença. (...) Já a segunda, pode-se pensar quando o julgador sequer tem consciência dos preconceitos e inclinações pessoais que de fato condicionam sua decisão e ele acaba por não as reproduzir na sua decisão(...)”[6]
Pois bem, ultrapassadas as considerações necessárias acerca do contexto do silogismo-dedutivo, passaremos a tratar do método abdutivo.
Nas lições de Peirce, a abdução é um método de inferência, o qual tem como ponto inicial a conclusão ou sentença, pela norma jurídica, para o fato jurídico. Logo, neste método, o operador do Direito antevê os efeitos da decisão e o contexto do fato a ser julgado, motivo pelo qual a tomada de decisão é contextualizada e consequencialista.
Inclusive, parafraseando a Profa. Flavianne Fernanda Bittencourt Nóbrega, este processo de inferência é chamado de a Lógica das Consequências, na medida em que demonstra como o Juízo verdadeiramente fundamentou sua decisão. Nos termos das lições de Peirce: “já não é o raciocínio que determina como a conclusão deve ser, mas a conclusão que determina como o raciocínio deve ser.”
E a presença desse método de inferência é uma diretriz a ser observada pelo nossos Juízes e Tribunais, conforme determina a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro e também as recentes alterações no Código de Processo Civil.
2. As influências do Pragmatismo na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro e no Código de Processo Civil
2.1. As Raízes do Pragmatismo nas Normas Processuais:
Com a vigência do atual Código de Processo Civil e as recentes alterações da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro pela Lei Federal n.º 13655/2008, a qual introduziu naquele Diploma os artigos 20 a 24, e também com base em algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, muitos doutrinadores dissertaram no sentido de que tais inovações legislativas e jurisprudenciais eram o início da influência pragmatista em nosso Ordenamento.
Com todo o respeito aquele que advogam tal tese, tenho que estejam enganados.
Pois bem. A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro é um Decreto de 1942, ou seja, é uma norma promulgada há mais de 77 anos e em seu artigo 5º, cuja redação não fora alterada desde o início da vigência desse veículo introdutor, assim dispõe:
“Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” Negrito e grifos nossos
Ora, atender os fins sociais e as exigências do bem comum é claramente um ato de análise prévia da acerca dos efeitos da decisão (método abdutivo), mediante observação do contexto e consequências, assim como da interdisciplinaridade, fazendo do Direito um instrumento de orientação de condutas.
Em outras palavras, o Legislador pátrio já determinava aos Juízes uma postura completamente divergente do método subsuntivo.
No mais, é imperioso ressaltar que o verbo atender na norma acima citada está no futuro do presente do indicativo, ou seja, indica uma ordem aos destinatários (Juízes) destas normas e não uma mera sugestão, mas, novamente indagamos: por quê ainda persiste o método subsuntivo?
Outro exemplo, o qual demonstra que a influência do pragmatismo não é um fenômeno recente, decorre da Lei Federal n.º 9868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
O artigo 27 da Lei citada alhures assim dispõe:
“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”
Da leitura da norma jurídica, tem-se que, nas decisões de controle abstrato de constitucionalidade, para fins de prestigiar a segurança jurídica ou o interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, ao invés de anular todos os atos jurídicos da norma objeto da decisão, restringir os efeitos de sua eficácia.
Mais uma vez constatamos a influência pragmatista em norma processual brasileira, pois, no caso sub exame, temos que para que o STF possa prestigiar a segurança jurídica ou o interesse social, os Ministros deverão, inquestionavelmente, realizar uma inferência abdutiva, a fim de analisar o contexto dos fatos e a consequência da decisão, mediante atos de interdisciplinaridade.
Contudo, ouso afirmar que não apenas esses dispositivos formam as raízes do pragmatismo nas normas processuais brasileiras, mas também o fazem os institutos da medida liminar, disciplinada no artigo 798 do Código de Processo Civil de 1973 e da antecipação de tutela, expresso no artigo 273, I do citado Código de Ritos (este incluído no Codex em questão pela Lei nº 8.952/1994), dispositivos que passo a citar para melhor exemplificar a questão. Vejamos, respectivamente:
“Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”
‘Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;”
Em suma, para a concessão da medida liminar ou da antecipação da tutela (atualmente nominadas tutela de urgência), era necessário a presença dos elementos periculum in mora e a verossimilhança das alegações ou das provas.
Nestes termos, para que o Juízo possa fazer a devida análise do periculum in mora, é necessária uma inferência abdutiva, pois será a conclusão (existência ou não de dano irreparável ou de difícil reparação) que irá conduzir o raciocínio do Juízo acerca da concessão ou não das tutelas em questão.
De outra banda, a Emenda Constitucional n;º 45/2004 introduziu no Sistema Jurídico brasileiro o instituto da súmula vinculante e repercussão geral, bem como Lei Federal n.º 11418/2006, que inseriu a figura dos recursos repetitivos, para fins de que as decisões das nossas Cortes sejam efetivamente instrumento de condução de condutas e tenham repercussão em toda a sociedade, conforme aduzem os preceitos pragmatistas.
Não obstante o apontamento alhures arguido, a concessão das tutelas em questão necessita de uma análise do contexto dos fatos sub judice e, também, das consequências da concessão ou do indeferimento, logo, independentemente da precariedade dessas medidas, a decisão dessas tutelas demanda dos Juízes uma cognição mais aprofundada dos fatos e das consequências da decisão, e não um mero exercício de silogismo dedutivo de premissas.
Portanto, diante desses fatos, temos que, ao contrário do que muitos pensam, o pragmatismo jurídico está presente nas normas processuais brasileiras há mais de 70 (setenta) anos e as normas pragmatistas, as quais trataremos nos próximos tópicos, são resultados de uma evolução jurídico-legislativa, não um fenômeno recente.
2.2. Os Artigos 20, 21, 22, 23 e 24 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro
A abordagem do pragmatismo jurídico acarreta em inferência do julgador às consequências da sua decisão, ao contexto dos fatos sub judice e à utilização das mais diversas áreas do conhecimento para a construção da sua justificação.
Além das questões acima, o Juízo pragmatista não pode e não deve estar preso à dogmática, a princípios ou conceitos previamente constituídos, como afirmamos no decorrer deste texto, pois o Direito é um instrumento de ordenamento de condutas e, por esta razão, deve o Julgador nortear-se para o futuro, não se enraizar no passado, sob pena de: i) envelhecer a norma jurídica; ii) prolatar uma decisão descompassada para com as reais necessidades do mundo do ser.
Acerca desta questão é a posição de Bruno Emanuel Tavares de Moura:
“A valorização exacerbada da abstração e dos princípios eternos é um óbice ao desenvolvimento do paradigma pragmatista. Entretanto, ao se criticar tias posturas, não se pretende abandoná-la por completo. Na verdade, o pragmatismo jurídico que aqui se apresenta é uma postura eclética, i.e, ‘(...)um sistema de compromissos, que procura um modus vivendi acima de todas as coisas.” [7]
Com notável brilhantismo são as lições de Richard Allen Posner:
“Conforme o país se transforma, os juízes(...) devem adaptar-se as leis a um ambiente social e político. Nenhum tradicionalismo os ensinará como fazer isso. O que precisam fazer é idealizar fins e desenvolver uma percepção de como as transformações sociais afetam os meios apropriados a alcança-los. Precisam ter a sensibilidade instrumental, essencial ao pragmatismo.”[8]
Infelizmente, não obstante o teor do artigo 5ª da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro em nome do tradicionalismo jurídico, dos princípios e dos valores do mundo do dever-ser, muita injustiça e insegurança ocorreu no mundo do ser. Creio que todos nós, operadores do direito, presenciamos ou vivenciamos diversas injustiças praticadas em decisões exclusivamente justificadas na abstração de princípios e valores jurídicos, desprezando o contexto dos fatos e as maléficas consequências dessas decisões.
Tendo como premissa que o Poder Legislativo é o representante do povo brasileiro e que as Leis produzidas no Congresso Nacional devem, ou ao menos deveriam, decorrer dos anseios populares, certamente diversas das injustiças praticadas sob o fulcro de abstrações jurídicas chegaram aos “ouvidos” do legislador ordinário ou, ainda, muito possivelmente, nossos mandatários também padeceram ou padecem das injustiças em questão.
De qualquer forma, a Lei Federal 13.655/2018 revolucionou a aplicação da norma jurídica, seja no âmbito do Poder Judiciário, quanto na esfera do processo administrativo, e introduziu na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro os artigos 20, 21, 22, 23 e 24. Vejamos, respectivamente:
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. (Regulamento)
Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.
Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.”
Da análise dos artigos acima citados, resta claro que a Lei Federal 13.655/2018 é um divisor de águas no processo de interpretação e aplicação do Direito, norteando o Julgador, de qualquer esfera procedimental, a ater-se ao contexto dos fatos a serem julgados, antever e equalizar os efeitos da sua decisão e não mais justificar suas decisões sob princípios e valores abstratos (antifundacionalismo), mediante um mero raciocínio lógico dedutivo desprendido do mundo do ser.
Sendo assim, resta claro que a abdução das consequências da decisão virou elemento de fundamentação da decisão judicial e/ou administrativa.
Ressalto que não é a intenção deste subscritor desprestigiar o silogismo dedutivo, muito pelo contrário, tal método inegavelmente tem seus méritos e foi muito importante sob o aspecto jurídico, pois fora um contraponto à arbitrariedade do pensamento jurídico do período absolutista.
Inclusive, os positivistas modernos, em um ato semelhante ao do Movimento Antropofágico do Modernismo artístico brasileiro, também “deglutiram” elementos do pragmatismo, para fazer nascer a linha do positivismo presuntivo, a qual tem como premissa que nem toda regra jurídica é aplicável, podendo ser derrotada, em condições excepcionais.
O Prof. Carlos Augusto Daniel Neto, sobre o positivismo presuntivo como modelo de decisão, assim disserta:
“Assim, esse modelo de decisão preserva a autoridade das regras, através da preservação do seu sentido prima facie ainda que a solução dada seja suboptimal em relação àquela que seria dada pela justificação, se aplicada diretamente (com maior custo e maior risco de arbitrariedade), e dá a devida consideração à dimensão formal do Direito. Todavia, ainda assim abre espaço à possibilidade dojulgador afastar a aplicação da regra, derrotando-a, nos casos em que haja razões particularmente fortes. (...). Até o presente momento, foi sustentado que as regras jurídicas devem ter o seu sentido prima facie privilegiado, em razão das vantagens que esse formalismo traz na aplicação do Direito, mas que essa prevalência não é absoluta, podendo ser afastada a inferência, no raciocínio jurídico, diante de condições excepcionais que justifiquem que se supere o caráter entrincheirado da regra para aplicar diretamente a sua justificação subjacente ao caso concreto.”[9]
Outro grande doutrinador pertencente a tal vertente positivista é o Prof. Humberto Ávila:
“Fica evidente o papel sintomático da razoabilidade: permitir uma vinculação entre o ser e o dever-ser. Com efeito, embora a norma seja válida, ela poderá não ser aplicada porque incompatível com as particularidades do caso individual. (...) Enfim, a validade mesma da norma é afeta por elementos inicialmente havidos como exteriores ao sistema jurídico. Uma bela lição para quem entende que o dever ser é independente do ser. Mais ainda: um valioso ensinamento para quem pensa que ter direito não tem relação com ter razão.”[10]
Resta evidente, na explicação dos nobres professores, que as razões que levam um positivista presuntivo a derrotar uma regra jurídica são de ordem contextuais e consequencialistas em relação aos fatos objeto da incidência da regra e, para permitir essa metodologia, é necessário um exercício abdutivo e uma renúncia a tenacidade do dever-ser.
A questão é: o mundo evolui e as concepções clássicas não mais comportam o atual mundo do ser!
Por essa razão, tomo a liberdade de fazer um paralelo entre o crescimento da influência do pragmatismo jurídico e a Semana de Arte Moderna de 1922: tal como a brasileira na década de 20 necessitava de uma ruptura com as concepções clássica para evoluir, quase 100 anos depois, a sociedade brasileira demanda do nosso Ordenamento Jurídico, uma ruptura com as “concepções clássicas jurídicas”, porém não por um motivo estético, mas pela necessidade imposta pela realidade social.
O Direito não pode ficar alheio a essas novas e pujantes realidades sociais, tecnológicas e políticas, as quais, como dito acima, demandam novas formas de raciocínio jurídico, e o pragmatismo, na opinião deste subscritor, apresenta importantes ferramentas para esses novos anseios, razão pela qual tem influenciado nosso Ordenamento Jurídico, incluindo os positivistas.
2.3. O Pragmatismo no Código de Processo Civil de 2015
Conforme dissertamos acima, o pragmatismo é uma teoria que tem como premissa a ideia de que o conhecimento decorre da experiência, do empirismo, assim como que as consequências da conduta sejam previamente antevistas.
Nestes termos, o instituto dos precedentes (que das diversas definições deste vocábulo adotarei, para os fins deste artigo, como a consolidação de enunciados prolatadas pelos nossos Tribunais) é máxima do pragmatismo jurídico, na medida em que resulta da larga experiência dos membros de um determinado Tribunal acerca de determinados temas consolidados e das repercussões fáticas dos enunciados prescritivos.
Inclusive, o instituto dos precedentes carrega três grandes características do pragmatismo: contextualidade, consequencialismo e instrumentalidade, além da forte carga abdutiva deste instituto.
Aliás, corroborando a características do pragmatismo supra citadas no instituto dos precedentes foram as anotações do Prof. Daniel Mitiero:
“O Código de Processo Civil introduziu o conceito de precedentes no direito brasileiro. Os precedentes não são equivalentes às decisões judiciais. Eles são razões generalizáveis que podem ser identificadas a partir das decisões judiciais. O precedente é formado a partir da decisão judicial e colabora de forma contextual para a determinação do direito e para a sua previsibilidade.[11]” Negrito e grifos nossos.
Inicialmente os precedentes não tinham eficácia vinculante, eram apenas uma evidência sobre o posicionamento do Tribunal, mas com a publicação da Emenda Constitucional n.º 45/2004, tal situação mudou, instituindo-se as Súmulas Vinculantes e o instituto da repercussão geral.
Em decorrência da citada emenda, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, parte dos precedentes passou a ter efeitos vinculantes, tanto que a boa doutrina processualista distinguia os persuasivos, como Súmulas, Enunciados, Orientações editadas pelos Tribunais, dos precedentes vinculantes, como Súmula Vinculante, Repercussão Geral e, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, os recursos repetitivos, este último introduzido ao sistema jurídico pátrio pela Lei Federal n.º 11418/2006.
Com a promulgação do novo Código de Processo Civil, a figura da observância aos precedentes, seja de caráter persuasivo ou vinculante, consolidou-se no Direito Processual Brasileiro.
Obrigando os Juízes monocráticos e Tribunais a observarem os precedentes, sejam de caráter persuasivo ou de caráter vinculante, determinou o artigo 927 do citado Código de Ritos. Vejamos:
“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo.
§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.”
Da leitura do artigo em questão, temos a obrigatoriedade do Juízo e do Tribunal na observância aos precedentes de qualquer espécie, sob pena de nulidade da sentença, conforme determina o inciso VI do parágrafo 1º do artigo 489 do Código de Ritos[12], salvo se o Juízo ou o Tribunal proceda o devido distinguishing.
Comentando a observância aos precedentes e a “nova era” do Direito Processual Pátrio são as brilhantes lições do Prof. José Renato Camilotti:
“A nova era a que aludimos pode ser expressa pela adoção em nosso sistema, do mecanismo do satre decisis, na medida que se impõe a observância do Poder Judiciário em geral, das decisões que são proferidas pelas Cortes Superiores, desde o Supremo Tribunal Federal, passando pelo Superior Tribunal de Justiça, até os Tribunais de Justiça dos Estados, Tribunais Regionais Federais, etc, cada qual em seu âmbito de competência.”[13]
Entretanto, há autores de grande respeito que ressalvam ser o artigo 927 uma redundância, na medida em que a observância dos precedentes decorre das próprias normas constitucionais. Neste sentido é a posição do Prof. Luiz Guilherme Marinoni:
“Para que se conclua quye os precedentes das Cortes Supremas devem ser observados pelos Juízes e tribunais, basta estar atento às normas constitucionais(...).Portanto, o art. 927 do CPC/2015, além de desnecessário, tem caráter meramente exemplificativos.”[14]
Ouso discordar do ilustre processualista. Primeiro, em razão da função consolidadora do Código de Processo Civil, no que tange a figura dos precedentes, segundo, muito embora as hipóteses previstas nos incisos I, II e III do artigo 927 do Diploma processual, ora sub exame já detinham caráter vinculante, a grande novidade está na obrigatoriedade dos Juízes e Tribunais em também observar os chamados precedentes persuasivos.
Outro ponto de divergência deste subscritor à posição Prof. Luiz Guilherme Marinoni está nas condições impostasas pelo artigo 927 do citado Diploma Processual para a mudança dos precedentes, que, em respeito à segurança jurídica, poderá ser precedida de audiências públicas com a sociedade civil, deverá ter fundamentação específica e, caso aprovada, em razão do interesse social, poderá ter seus efeitos modulados.
Melhor dizendo, o Congresso Nacional, com a edição do nosso atual Código de Processo Civil, retira dos Regimentos Internos da nossa Corte Suprema, do Superior Tribunal de Justiça e dos demais Tribunais os procedimentos de modificação de precedentes, uniformizando-os e outorgando mais garantia de estabilidade e previsibilidade a todos.
Portanto, com todo respeito ao aclamado processualista da UFPR, não podemos aceitar a sua tese, na qual o artigo em tela seja “desnecessário”.
Ainda sobre o artigo 927 do Código de Ritos, imperioso ressaltar que os enunciados constantes em seus parágrafos, guardam total similaridade para com aqueles veiculados nos artigos 20, 21,22,23 e 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, portanto, evidente e cristalino os requisitos de contextualidade, consequencialismo e instrumentalidade nos dispositivos processuais em questão.
Bem da verdade, em decorrência do artigo 926 do Código de Processo Civil, já na formulação dos precedentes, deverá o Tribunal ater-se à contextualidade e as consequências fáticas, in verbis:
“Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.”
Ademais, em razão da obrigatoriedade da observação dos precedentes, o Juízo ou Tribunal, por força dos enunciados do inciso II do artigo 311[15] do Código de Processo Civil, poderão conceder tutela de evidência, caso a parte requerente prove documentalmente os seus fatos e, sobre a pretensão requerida, tenha tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante.
Outrossim, em razão da necessidade de vinculação aos precedentes, o Código de Processo Civil, em seu artigo 947 do Código de Processo Civil, criou o instituto da assunção de competência, vejamos:
“Art. 947.É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.
§ 1º Ocorrendo a hipótese de assunção de competência, o relator proporá, de ofício ou a requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que seja o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar.
§ 2º O órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária se reconhecer interesse público na assunção de competência.
§ 3º O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese.
§ 4º Aplica-se o disposto neste artigo quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal.”
Denota-se que o presente instituto processual tem como pressuposto a existência de relevante questão de direito, com grande repercussão social e, para tanto, é necessário um forte exercício abdutivo das consequências da demanda ao restante da sociedade.
Não obstante o método abdutivo para a verificação dos pressupostos da assunção de competência, mais uma vez temos a contextualidade, o consequencialismo e a instrumentalidade pragmatista em um importante dispositivo do Código de Ritos.
Inclusive, da leitura dos dispositivos normativos citados no presente tópico, podemos facilmente constatar que finalisticamente almejam os requisitos do artigo 5º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, quais sejam, os fins sociais da Lei e o bem comum.
Para finalizarmos o presente tópico, importante relembrar as lições de Peirce sobre a falibilidade, de forma que não posso furtar-me de consignar que, embora seja de grande valia os precedentes para o Ordenamento Jurídico, eventual falta de senso republicano possa, infelizmente, pode possibilitar que tal instituto seja utilizado para fins políticos-judiciais, a fim de criar uma jurisprudência defensiva[16] sobre determinados temas de interesses de setores poderosos da nossa sociedade.
E na concretização dessa infeliz hipótese, os Juízes brasileiros deixariam de ser la bouche de la loi (a boca da lei) para tornarem-se la bouche de la cour (a boca do Tribunal), razão pela qual é importante que a comunidade jurídica esteja atenta, para que, ao nos libertarmos da escravidão do dualismo da Lei, não nos tornemos escravos do dualismo dos precedentes.
3. Conclusão
O pragmatismo é uma teoria de conhecimento, baseada na experiência, com as características de contextualismo, instrumentalismo, consequencialismo, interdisciplinaridade e antifundacionalismo, que nega, por conseguinte, qualquer dualismo, em especial entre o ser e o dever-ser, razão pela qual rejeita a lógica silogística.
Em razão das características apontadas no decorrer deste estudo, o pragmatismo utiliza-se da abdução como modalidade de inferência, justamente para que sejam privilegiadas as consequências e a contextualidade da ação, motivo pelo qual os precedentes demonstram-se totalmente compatíveis com os ideais pragmatistas.
Portanto, as recentes alterações introduzidas no Decreto Lei n.º 4.657/1942 pela Lei Federal n.º 13.655/2018, bem como os artigos 311, II, 489, § 1º, VI, 926, 927, 947 do Código de Processo Civil demonstram que o Direito Processual Brasileiro adota uma novo paradigma para o processo de aplicação do Direito, o qual iniciou-se com a Emenda Constitucional n.º 45/2004.
Entretanto, reforça-se que a influência do pragmatismo não é um fenômeno recente, visto que suas influências são facilmente constatadas no artigo 5º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro e, também, em dispositivos do Código de Processo Civil de 1973.
Por fim, temos que a adoção do modelo pragmatista no processo de aplicação do Direito decorre da demanda da nova realidade social, tecnológica e política que vivemos, a qual não permite mais a dualidade do positivismo clássico e dos seus métodos de inferência.
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[1] PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e Filosofia. Textos escolhidos de Charles Sanders Peirce, São Paulo, Ed. Cultrix, 1972, p.74
[2] DAZZANI. Maria Virgínia Machado in O Pragmatismo de Peirce como Teoria do Conhecimento e da Aprendizagem, do Caderno Seminal Digital, Ano 14, Nº 10, V 10 (Jul/Dez 2008) – ISSN 1806-9142
[3] FREIRE. Alonso Reis. Odisseu ou Hércules? Sobre o Pragmatismo e a Análise Econômica do Direito de Richard A. Posner. p. 29, Revista Eletrônica do Curso de Direito da PUC Minas Serro, v. 2011, 2011, p. 01;
[4] CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. O pragmatismo no Supremo Tribunal Federal Brasileiro. In BINENBOJM, Gustavo; NETO, Claudio Pereira de Souza; SARNENTO, Daniel. Vinte anos da Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro, Ed. Lumen Juris 2009, p.368;
[5] IBRI. Ivo Assadi. Pragmatismo e Realismo: A Semiótica como Transgressão da Linguagem in Cognitio, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 247-259, jul./dez. 2006;
[6] NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bitencourt. A proposta do raciocínio abdutivo para o Direito. In Um método para a investigação das consequências: a lógica pragmática da abdução de C. S. Peirce aplicada ao Direito. P. 109, João Pessoa, Ideia, 2013
[7] MOURA, Bruno Emanuel Tavares de. A incidência jurídica sdob a perspectiva de um discurso jurídico pragmático. In FALCÃO, Clóvis; NÓBREGA, Flavianne; BASTOS, Ronaldo (org.). Pragmatismo Jurídico: fundamentos e métodos de um doutrina interdisciplinar. Estudos em homenagem ao Prof. George Browne Rego. Recife. UFPE, 2014, p.123
[8] POSNER, Richard Allen. Para Além do Direito. p.425, Trad. Evandro Ferreira e Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2009;
[9] DANIEL NETO, Carlos Augusto. O Mínimo Existencial como Condição de Derrotabilidade de Regras Tributárias In Revista Direito Tributário Atual n.º 37, 2017, p.91/92;
[10] ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário, São Paulo: Saraiva, 2012; p. 439;.
[11] MITIDIERO. Daniel. Precedentes da Persuasão à vinculação. São Paulo/SP: Revista dos Tribunais, 2018, p.91;
[12] “Art. 489.São elementos essenciais da sentença:
(...)
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
(...)
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.”
[13] CAMILOTTI, José Renato. Precedentes Judiciais em Matéria Tributária no STF. São Paulo/SP: Noeses, 2018, p.214;
[14] MARIONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Paulo/SP: Revista dos Tribunais, 2015, p.288;
[15] “Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: (...) II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;”
[16] A jurisprudência defensiva consiste na prática de determinadostribunais brasileiros, para o não conhecimento de espécies recursais, em razão de apego formal e a rigidez excessiva, no que tange aos pressupostos de admissibilidade recursal;
Advogado, mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2019- até presente), pós-graduado lato sensu em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008), pós-graduado lato sensu em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/Portugal (2011), coautor do livro “Direito Penal Econômico – Questões Atuais”, publicado pela editora Revista dos Tribunais (RT - 2011)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Rafael Francisco. A influência do pragmatismo no direito processual brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 ago 2021, 04:51. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57135/a-influncia-do-pragmatismo-no-direito-processual-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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