FREDERICO MARCELO CASTRO DO RÊGO BARROS: Delegado de Polícia, Bacharel em Direito, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, residente em Recife/PE
RESUMO: É bem verdade que quando pensamos em tecnologias e sistemas audiovisuais pensamos em diversão, cinema, vídeos engraçados e registros épicos. Contudo, mais do que isso, as tecnologias audiovisuais têm se tornado indispensáveis no dia a dia do ser humano, mudando a forma como nos protegemos, como constatamos e investigamos crimes. É cada vez mais comum observar sistemas de monitoramento (câmeras) instaladas em comércios, residências, repartições e vias públicas, e tais sistemas acabam servindo para evitar ou facilitar a constatação e a investigação de crimes. As gravações de câmeras de segurança têm sido cada vez mais utilizadas para abrir inquéritos policiais e para condenar ou absolver pessoas. Por isso, passou-se a se implantar o sistema audiovisual na lavratura de prisões em flagrante, bem como nos demais procedimentos policiais, a fim de se ter maior precisão e transparência no depoimento e na investigação, e possível indiciamento, dos indivíduos investigados. Por outro lado, a implantação desse sistema causou divergências na comunidade jurídica, levantando questionamentos jurídico-doutrinários, que consequentemente atrasaram sua implantação em escala nacional. Nesse sentido, tendo como metodologia os tipos de pesquisa bibliográfica e documental, tendo como referência legislativa o Código de Processo Penal, e as técnicas de pesquisa explicativa e exploratória, o presente artigo busca fazer uma análise da implantação do sistema audiovisual na lavratura de prisões em flagrante e outros atos cartorários no bojo do inquérito policial.
Palavras-chave: Sistema audiovisual; Flagrante audiovisual; Inquérito Policial Eletrônico.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A PRISÃO E A CIRCUNSTÂNCIA FLAGRANCIAL. 3 OS BENEFÍCIOS DA IMPLANTAÇÃO DO FLAGRANTE AUDIOVISUAL E DO INQUÉRITO POLICIAL ELETRÔNICO. 4 A IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA ELETRÔNICO E AUDIOVISUAL: base legal e necessidade evidenciada. 4.1 O Inquérito Policial deve ser escrito? 4.2 Necessidade de implantação evidenciada pela Pandemia da Covid-19. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6 REFERÊNCIAS.
As tecnologias audiovisuais têm se tornado indispensáveis no dia a dia do ser humano. Quem nunca fez uma chamada de vídeo pelo smartphone? Quem nunca parou para fotografar, gravar ou filmar uma situação que achou incrível ou absurda? E a publicação de tais arquivos em redes sociais?
É bem verdade que quando pensamos em tecnologias e sistemas audiovisuais pensamos em diversão, cinema, vídeos engraçados e registros épicos. Contudo, mais do que isso, a tecnologia audiovisual chegou para mudar a forma como passamos segurança e nos sentimos seguros, como constatamos e investigamos crimes.
É cada vez mais comum observar sistemas de monitoramento (câmeras) instaladas em comércios, residências, repartições e vias públicas. Os sistemas são capazes de captar somente vídeo ou áudio e vídeo, de salvar essas capturas em discos rígidos ou em sistemas on-line (nuvens de armazenamento), e acabam servindo para evitar crimes, visto que amedrontam os criminosos, ou, quando não evitam, acabam facilitando a elucidação de crimes.
Quem nunca viu passar na TV uma reportagem falando sobre um crime, um assalto numa farmácia, por exemplo, onde através das câmeras foi possível identificar o rosto dos assaltantes, a placa do veículo que estavam e a direção para onde fugiram? Características que sem uma câmera seria difícil, e até impossível, de tomar conhecimento, pois as vítimas geralmente estão tão assustadas e nervosas que não conseguem se concentrar em captar tais dados importantes para ajudar a polícia no seu papel investigativo.
E se gravações ambientes acabam se tornando evidências utilizadas em investigações e processos judiciais, o que será que uma gravação audiovisual de um interrogatório pode nos mostrar? No que será que pode auxiliar a polícia e o judiciário?
Tendo tais questionamentos como base e tendo a necessidade de se adequar as novas necessidades da sociedade com os avanços tecnológicos, surgiu o chamado “flagrante audiovisual”, que, apesar de levantar discussões jurídico-doutrinárias, tem se mostrado cada vez mais necessário, principalmente em tempos de pandemia.
Nesse sentido, o presente artigo busca fazer uma análise da implantação do sistema audiovisual na lavratura de prisões em flagrante e análise da implantação do Inquérito Policial Eletrônico, tendo como metodologia: a pesquisa bibliográfica, tendo como referencial teórico o artigo “Inquérito Policial Eletrônico: Tecnologia, Garantismo e Eficiência na Investigação Criminal”, de Rafael Moraes e Luiz Ortiz (2018); a pesquisa documental, tendo como referência legislativa o Código de Processo Penal; e as técnicas de pesquisa explicativa e exploratória.
A prisão, dentre suas muitas finalidades, pode ser resumida como o instrumento utilizado para afastar um indivíduo do convívio social, podendo ser decorrente de flagrante delito ou por ordem judicial. Além disso, a prisão pode ser natureza cautelar ou pena.
A prisão em flagrante diz respeito ao momento da prisão. Segundo o art. 302 do Código de Processo Penal (CPP), o caráter flagrancial pode ser constatado de forma própria (no momento exato em que o crime está ocorrendo ou quando o indivíduo acabou de cometer o crime), de forma imprópria (quando o indivíduo é perseguido logo após cometer o crime) ou de forma presumida (quando o indivíduo é encontrado depois do crime ser cometido, portando objetos que indiquem a possibilidade de ser o autor do crime) (BRASIL, 1941). Ou seja, a situação de flagrante não se esgota em um único momento, podendo ser dividida em fases cronológicas importantes.
Quando ocorre uma prisão em situação flagrancial, o indivíduo não está concretamente preso, mas está sofrendo uma restrição de direitos para que as primeiras informações sobre o fato sejam apuradas e analisadas, visando a proteção do bem jurídico lesado ou evitar a consumação do crime ou, ainda, a constatação da autoria. Nesse sentido, a prisão em flagrante, também conhecida por prisão-captura, tem a finalidade de evitar maiores danos e de identificar o autor do crime.
Assim que detido, o indivíduo deve ser conduzido à Delegacia de Polícia para a formalização da prisão, por meio da lavratura do auto de prisão em flagrante, onde o Delegado deve ouvir o indivíduo preso (se este quiser, visto que tem o direito de permanecer calado), o agente que o prendeu e/ou o que o conduziu e outras testemunhas (se houver).
Tendo em consideração que o indivíduo preso opte por responder os questionamentos do Delegado, por força da lei, seu depoimento deve ser transcrito, não precisando ser exatamente igual ao que o indivíduo falou, mas que transpareça suas reais intenções de fala.
Ocorre que, nem sempre o que é escrito realmente condiz com nossas intenções. Quem nunca enviou uma mensagem de texto que julgava normal e a pessoa que recebeu julgou a mensagem grosseira? A verdade é que nada substitui a entonação e o timbre utilizados na fala, as pausas na respiração, os suspiros e os gaguejos. Cada uma dessas características transmite uma mensagem “oculta”, nervosismo, medo, calma, estresse, euforia. Além disso, quando estamos frente a frente com a pessoa, observamos toda a linguagem corporal que ela transmite ao discursar. Características quase impossíveis de notar em discursos escritos, menos ainda em ditados e reescritos.
Tendo isso em consideração, a Polícia Civil de Santa Catarina, em meados de 2016, incorporou um software, que captura som e imagem, para a realização de lavraturas de autos de prisão em flagrante, que passou a ser chamado de Flagrante Audiovisual.
O Sistema Audiovisual nada mais é que uma ferramenta tecnológica que visa garantir mais agilidade e transparência aos procedimentos. O Flagrante Audiovisual, por sua vez, consiste em gravar todo o depoimento de suspeitos e testemunhas, não necessitando mais de inúmeras folhas de papel e tornando os depoimentos mais dinâmicos, visto que o delegado não precisa parar de tempos em tempos para ditar ao escrivão as falas do depoente.
Já o Inquérito Policial Eletrônico tem a finalidade de promover a informatização total dos procedimentos investigatórios, que tramitariam em plataforma digital e diretamente integrados ao sistema do Poder Judiciário.
[O Inquérito Policial Eletrônico] Trata-se de iniciativa que busca propiciar maior eficiência e transparência no desempenho da atividade estatal de investigação criminal, bem como gerar imensa economia de recursos materiais e celeridade na comunicação dos atos de polícia judiciária entre os órgãos estatais envolvidos, além de viabilizar o acesso dos autos digitais à defesa de maneira mais interativa e dinâmica, aprimorando e modernizando o inquérito policial e a atividade de polícia judiciária (MORAES; ORTIZ, 2018).
Além disso, as peças cartorárias ficam em um banco de dados acessível a toda uma rede interligada, sem a necessidade de armazenamento em máquinas físicas (computadores e similares) e facilitando o acesso dos agentes que precisam consultá-los no decorrer das investigações. Até o encaminhamento para o Ministério Público e para o Poder Judiciário se torna mais ágil e transparente.
O sistema audiovisual na lavratura de flagrantes foi implantando inicialmente pela Polícia Civil de Santa Catarina e vem sendo implantado em outros Estados, como São Paulo, conforme analisaram Rafael Moraes e Luiz Ortiz (2018) em seu artigo “Inquérito Policial Eletrônico: Tecnologia, Garantismo e Eficiência na Investigação Criminal”.
Como o acesso aos programas, informações e arquivos é remoto, a utilização do Flagrante Audiovisual e do consequente Inquérito Policial Eletrônico proporciona diversas vantagens quando comparado ao modelo tradicional (escrito e impresso), como a informatização da Gestão Cartorária das centrais das delegacias, que abandonariam os livros e anotações físicas e adotariam a gestão digital, que é muito mais precisa e eficiente, otimizando a administração, o controle de prazos legais e as comunicações.
A implantação nacional do Flagrante Audiovisual também geraria a economia de recursos materiais, temporais e humanos, pois reduziria a necessidade de deslocamento de equipes policiais aos fóruns para transportar expedientes impressos (visto que seriam enviados eletronicamente), reduziria o uso de papel (que não reduz somente os valores gastos pela Administração Pública, como é uma medida sustentável).
Há também a questão da otimização das informações. Essas ficariam centralizadas num mesmo banco de dados, viabilizando o compartilhamento e cruzamento de informações específicas entre investigações, gerando o aprimoramento da atuação dos agentes. Além de que o controle dos dados conferem mais segurança aos procedimentos investigatórios, pois diminui os riscos de os autos serem atingidos por incidentes que somente ocorrem com meios físicos, como incêndios, alagamentos e deteriorações naturais, e porque permite ampla auditoria e controle sobre a visualização dos arquivos, ante a necessidade de autorização para acessar os arquivos, como a assinatura eletrônica por meio de certificado digital.
Cabe destacar que, segundo o Site oficial do Governo de Santa Catarina, o software é seguro, pois impede que os arquivos sejam editados ou alterados.
Desenvolvido por uma empresa gaúcha, o programa é similar a ferramentas já utilizadas em tribunais federais e estaduais do país em audiências judiciais. O software impede que os arquivos sejam editados ou alterados, o que garante segurança e transparência ao processo (SANTA CATARINA, 2016).
Há ainda que se falar na facilidade da participação da defesa na investigação criminal, que não precisaria estar presente fisicamente em todos os atos que desejasse impugnar ou esclarecer, pois poderiam acompanhar a tramitação (ao menos dos procedimentos públicos ou que lhes for autorizado o conhecimento) dos procedimentos e atos investigativos com maior facilidade e transparência, inclusive cópias digitais dos inquéritos.
Ademais, benefícios para a implantação do sistema audiovisual na lavratura de flagrantes e no decorrer dos Inquéritos Policiais não faltam, mas isso não significa que sua implantação ainda não precise enfrentar e vencer desafios.
Apesar de ser reconhecido que os depoimentos transcritos nem sempre condizem fielmente com a realidade do que foi dito, e que essa transcrição toma um tempo dos agentes de polícia que poderia ser utilizado de outra forma, a implantação de um sistema audiovisual (com captação de som e imagem simultaneamente) ainda encontra barreiras: divergências e questionamentos jurídico-doutrinários e falta de investimento dos governos estaduais.
4.1 O Inquérito Policial deve ser escrito?
As divergências e questionamentos jurídico-doutrinários ocorrem devido ao fato de que o Inquérito Policial deve cumprir uma série de requisitos (características), sendo alguns deles: oficiosidade (art. 5º, CPP), oficialidade e indisponibilidade (art. 17, CPP), devendo ainda ser sigiloso (art. 20, CPP) e escrito (art. 9º, CPP).
Cabe destacar que aqui não entraremos na discussão de todas as características acima mencionadas, pois elas não são foco da presente análise, além de seus conceitos e necessidades já estarem bem solidificados na doutrina processual penal. O objetivo aqui é discutir a atual adequação do requisito (característica) de o Inquérito Policial ser escrito.
O art. 9º do CPP determina que “todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade” (BRASIL, 1941).
Sim, “escrito”. Esse é o requisito que tem causado discussões quanto a legalidade da implantação do sistema audiovisual na lavratura de autos de prisão em flagrante e no andamento dos Inquéritos Policiais, pois o software que pretende transformar o Inquérito físico em eletrônico tem a finalidade de promover a total informatização e a desmaterialização física de todos os procedimentos investigatórios.
Observando o art. 9º, fica fácil constatar que não se trata de um texto atual, pois usa o termo “datilografadas”, que nos lembra máquinas antigas predecessoras dos atuais computadores. O que não é surpresa, visto que o Código de Processo Penal foi promulgado em 1941, décadas antes do nosso atual Estado Democrático de Direito e muito distante das inovações tecnológicas quem vêm revolucionando a segurança da população. E se os crimes e a forma de se cometer crimes evolui com as décadas, por que não as formas de se investigar e armazenar dados referes a esses crimes? No fundo, também precisamos de uma reforma legal detalhada, mas deixemos esse tópico para outro estudo.
Apesar do que diz o Código de Processo Penal, sobre a necessidade de o Inquérito Policial ser escrito, nada impede que outras formas de documentação sejam utilizadas, até porque algumas provas são, em sua essência, eletrônicas ou audiovisuais, principalmente quando estas visam a celeridade dos procedimentos.
Cabe destacar que o art. 3º do CPP estabelece que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”. Desta forma, o Flagrante Audiovisual e o Inquérito Policial Eletrônico encontram fundamento em outros dispositivos legais, como a Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, tendo sua aplicação estendida ao processo penal, conforme estabelece o art. 1º, §1º, da referida Lei.
Art. 1º O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei.
§ 1º Aplica-se o disposto nesta Lei, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição (BRASIL, 2006).
Ademais, o art. 11, §1º, da referida Lei possibilita a produção de documentos eletrônicos, sejam extratos digitais ou documentos digitalizados, juntados inclusive por autoridades policiais.
Art. 11. Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para todos os efeitos legais.
§ 1º Os extratos digitais e os documentos digitalizados e juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas autoridades policiais, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos e privados têm a mesma força probante dos originais, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização (BRASIL, 2006).
Outro dispositivo, dessa vez infralegal, que auxilia na fundamentação da implantação do Flagrante Audiovisual e do Inquérito Policial Eletrônico é a Resolução nº 185/2013, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que instituiu o Processo Judicial Eletrônico (PJE) como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais.
Ao analisar o preâmbulo da referida Resolução, observa-se que foram consideradas diversas questões que justificam a implantação do PJE, como: os benefícios advindos da substituição da tramitação de autos em meio físico pelo meio eletrônico, como forma de garantir a celeridade e a qualidade da prestação jurisdicional; as vantagens advindas da adoção de instrumentos tecnológicos que permitam a adequação aos princípios da proteção ambiental; e a necessidade de uniformidade no tratamento de processos e procedimentos (BRASIL, 2013).
O art. 37 da Constituição Federal de 1988 determina que toda a Administração Pública deve seguir alguns princípios, dentre esses princípios encontra-se o da eficiência. A Constituição estabelece ainda o princípio da razoável duração do processo no inciso LXXVIII, do artigo 5º (BRASIL, 1988). Ou seja, os comandos constitucionais são claros: é necessário que haja uma rápida ação e solução da prestação estatal, não importando se na esfera administrativa (fase extrajudicial do Inquérito Policial) ou judicial.
Cumpre observar que o PJE funciona em todos os estados brasileiros e outros sistemas judiciais continuam sendo desenvolvidos e implantados nacionalmente, como o SEEU (Sistema Eletrônico de Execução Unificado), sistema eletrônico que registra e controla as execuções penais.
Além disso, no atual momento pandêmico, os sistemas eletrônicos evitaram que os procedimentos judiciais estagnassem. Audiências de custódia, de conciliação e de instrução foram feitas de forma remota, garantindo o andamento da Justiça e a saúde da população.
Vale salientar que, utilizando a interpretação literal e extensiva do art. 3º do CPP, é então possível o emprego metodológico da fase judicial na fase policial. Nesse sentido, observe-se o § 1º do art. 405 do CPP, que determina a preferência do registro de depoimentos por meio digital, inclusive audiovisual.
Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos.
§ 1º Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações.
§ 2º No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição (BRASIL, 1941 – grifo nosso).
Apesar de o supracitado artigo estar inserido na etapa judicial do Código de Processo Penal, as expressões “investigado” e “indiciado” são próprias da fase pré-processual, ou seja, do Inquérito Policial. Dessa forma, não há empecilho para que os recursos digitais, eletrônicos e audiovisuais sejam empregados no Inquérito e no registro dos procedimentos investigatórios.
Nesse diapasão, se os Poderes Legislativo e Judiciário consideram necessários e seguros os meios eletrônicos para o andamento de processos, por que não seriam para os procedimentos policiais/investigativos?
Ressalte-se ainda que, mesmo com esse upgrade na lavratura de flagrantes e nos procedimentos do Inquérito Policial, qualquer depoimento ou documento produzido por meio audiovisual e digital pode ser transcrito ou impresso quando necessário. Portanto, não deixaria de atender as formalidades e exigências legais, mesmo que obsoletas.
4.2 Necessidade de implantação evidenciada pela Pandemia da Covid-19
Como bem sabemos, em março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) caracterizou o surto de Covid-19 como uma pandemia, fazendo com que os governos decretassem isolamento e medidas de higiene mais rígidas. Alguns setores, como comércio varejista, foram totalmente fechados visando conter a disseminação do vírus. Entretanto, alguns outros setores e serviços não puderam ter suas atividades suspensas (como hospitais e supermercados), por se tratar de serviços essenciais.
A atividade policial, por sua vez, é um serviço essencial. É a polícia que promove segurança. Portanto, a atividade policial não pôde ser suspensa, e com razão. E apesar das restrições e medidas sanitárias aplicadas à atividade policial e, principalmente, às delegacias, algumas outras poderiam ter sido aplicadas, evitando a exposição de agentes e não deixando de garantir o pleno funcionamento do setor.
No fim de março de 2020, a Polícia Civil do Estado de Pernambuco instituiu um plano de manutenção dos serviços da polícia civil durante a crise da Covid-19, mas apesar de determinar que algumas unidades policiais funcionariam apenas em regime de plantão, a maior parte das unidades policiais continuou com seu funcionamento regular (tentando seguir os protocolos de higiene e segurança, mas nos mesmos horários, com a mesma quantidade de agentes etc.) (PERNAMBUCO, 2020).
Se o Inquérito Policial Eletrônico e o Flagrante Audiovisual já tivessem sido implantados em todos os estados do país, muito policiais civis poderiam ter trabalhado de forma remota, de suas próprias casas, garantindo sua saúde. Os delegados poderiam conduzir o lavramento de flagrantes de forma remota, pois com a utilização dos recursos audiovisuais teriam as mesmas percepções que têm presencialmente.
Uma parte do serviço do Delegado de Polícia é a construção de planejamentos e relatórios, que poderiam ser facilmente realizados de suas próprias residências. Diversas reuniões de planejamento foram feitas de forma remota, mas ainda assim foi exigido que os delegados estivesses presentes em suas delegacias, quando não precisavam.
Pelo exposto, não há dúvidas de que o a utilização dos sistemas de Flagrante Audiovisual e do Inquérito Policial Eletrônico permitirão maior celeridade dos procedimentos e fidelidade das informações. E cabe ao Estado disponibilizar os recursos necessários para que os princípios da Administração Pública sejam alcançados.
A utilização do Flagrante Audiovisual é capaz de captar e transmitir o comportamento, os gestos, manias, a alteração da voz, o nervosismo e qualquer outra animosidade. Ou seja, o Flagrante Audiovisual é capaz de captar elementos que podem evidenciar novas percepções sobre os procedimentos e auxiliando sua análise, facilitando tanto o trabalho investigativo quanto o de acusação, de defesa e de julgamento, de uma forma que o atual (e obsoleto) não torna possível.
O Inquérito Policial Eletrônico, por sua vez, vem para erradicar a burocracia ao informatizar todo o procedimento, como vem fazendo o Processo Judicial Eletrônico e sua possibilidade de audiências remotas e anexo de manifestações e provas digitais.
Em síntese, a implementação desses sistemas caracteriza enorme avanço à fase pré-processual, fazendo com que a Polícia se adeque às inovações tecnológicas e aos avanços da sociedade. E em situações excepcionais, como é a do contexto pandêmico, não seria uma necessidade, mas uma facilidade.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução Nº 185 de 18/12/2013. Institui o Sistema Processo Judicial Eletrônico - PJe como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais e estabelece os parâmetros para sua implementação e funcionamento. Brasília, DF. Versão digital, Atos do CNJ. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/1933. Acesso em: 28 ago 2021.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. Versão digital, site do planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 ago 2021.
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília, DF. Versão digital, site do planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 20 ago 2021.
BRASIL. Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências. Brasília, DF. Versão digital, site do planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11419.htm. Acesso em: 28 ago 2021.
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; ORTIZ, Luiz Fernando Zambrana. Inquérito Policial Eletrônico: tecnologia, garantismo e eficiência na investigação criminal. In: GIORDANI, Manoel Francisco de Barros da Motta Peixoto; MORAES, Rafael Francisco Marcondes de (Coord.). Estudos contemporâneos de polícia judiciária. São Paulo: Editora LTr, 2018, p. 83-96. Disponível em: http://www.sindpesp.org.br/images/noticias_cont/1189a.pdf. Acesso em: 23 ago 2021.
PERNAMBUCO. Polícia Civil de Pernambuco. Plano de ação para manutenção dos serviços essenciais da Polícia Civil de Pernambuco durante a crise de saúde pública provocada pela disseminação do novo coronavírus. Secretaria de Defesa Social, 31 de março de 2020. Disponível em: http://www.policiacivil.pe.gov.br/images/banners/covid-19/PLANO-DE-AO---PCPE-CONTRA-O-CORONAVRUS.pdf. Acesso em: 30 ago 2020.
SANTA CATARINA. Flagrante audiovisual aumenta agilidade e transparência nos procedimentos da Polícia Civil. Site oficial do Governo de Santa Catarina, 20 de novembro de 2016. Segurança Pública. Disponível em: https://www.sc.gov.br/noticias/temas/seguranca-publica/flagrante-audiovisual-aumenta-agilidade-e-transparencia-nos-procedimentos-da-policia-civil. Acesso em: 25 ago 2021.
Delegado de Polícia, Bacharel em Direito, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, residente em João Pessoa/PB
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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