ALEX RIBEIRO CAMPAGNOLI (1)
SUELI DA SILVA AQUINO (2)
(orientadores)
RESUMO: O casamento sempre possuiu uma expressiva tradição quanto a sua historicidade, isto devido a sua grande notoriedade e ocorrência relacionada a suas evoluções das quais por muitos anos foram resultantes de conquistas de direitos a família e, em especial ao idoso. Este estudo teve como objetivo a esclarecer alguns aspectos gerais sobre o tema, e identificar os fatores relativos à limitação imposta aos direitos do idoso no que tange a separação total de bens, tendo como fundamento a dignidade da pessoa humana, analisando as decisões atuais do judiciário. A metodologia do estudo buscou-se utilizar da pesquisa bibliográfica, analisando textos da área e com ênfase no art. 1.641 do CC. – Lei nº 12.344/10 e dos julgados que estabeleceram contradições sobre o tema. Portanto, conclui-se que, apesar de parecer atentatória aos princípios constitucionais, essa limitação tem viés de proteção, buscando garantir que o princípio da dignidade da pessoa humana esteja presente em suas vidas.
Palavras-chave: Idosos. Regime obrigatório. Separação total de bens. Casamento.
ABSTRACT: Marriage has always had an expressive tradition as to its historicity, this due to its great notoriety and occurrence related to its evolution, which for many years were the result of conquests of rights to the family and, in particular, to the elderly. This study aimed to clarify some general aspects on the subject, and to identify the factors related to the limitation imposed on the rights of the elderly regarding the total separation of assets, based on the dignity of the human person, analyzing the current decisions of the judiciary. The methodology of the study sought to use bibliographical research, analyzing texts in the area and with an emphasis on art. 1641 of the CC. – Law No. 12,344/10 and judgments that established contradictions on the subject. Therefore, it is concluded that, despite appearing to violate constitutional principles, this limitation has a protective bias, seeking to ensure that the principle of human dignity is present in their lives.
Keywords: Seniors. Mandatory regime. Full separation of goods. Wedding.
1 INTRODUÇÃO
O casamento sempre possui uma expressiva tradição quanto a sua historicidade e evolução no decorrer dos anos na humanidade, desde o período histórico – século VIII quando se iniciava o império romano, do qual o matrimonio era visto como um consórcio, desde os períodos atuais – do século XXI.
Diante disto, foram-se consolidando as conquistas advindas do processo evolução, e elaboração – aperfeiçoamento das leis, das quais passaram a assegurar os direitos civis – da família e, em especial ao regime de bens daqueles que por alguma incapacidade física ou psíquica passavam a se tornar impedidos de realizar alguns dos atos da vida civil, como é o caso do estudo a “longevidade” daqueles que possuem 70 anos.
Vale lembrar que no atual ordenamento Jurídico brasileiro, encontra-se presentes os quatro diferentes tipos de regime de separação de bens, dos quais possuem autonomia a serem escolhidos pelos nubentes de acordo com seus interesses pessoais/morais e materiais. No entanto, não são todos em todos os casos que os nubentes possuem a autonomia de escolher o regime de bens, tornando-se necessário se casar, obrigatoriamente, sob o regime de separação de bens, independente da modalidade.
No antigo Código Civil de 1916, o Art. 258, inciso II, se mantinha obrigatório o regime da separação total de bens relativos ao matrimônio daquelas pessoas que já tinham idade superior a 60 (sessenta) anos, tendo em vista que o Estatuto do Idoso o asseguramento de direitos pelo Estatuto do idoso, ou seja, às pessoas desta faixa etária de idade.
Haja vista as diversas mudanças cotidianas ocorridas no decorrer dos anos, a expectativa de vida tem aumentado e, consequentemente, o número de matrimônio de idosos, portanto, em 2010, foi sancionada a Lei 12.344 que modificou o inciso II, do Art. 1.641, do qual passou alterando a idade dos nubentes de sessenta para setenta anos.
Posto isto, no decorrer do artigo, será debatido a relevância do tema no que tange ao contexto atual, tendo em vista a limitação de direitos feita aos idosos, frente à notoriedade dos princípios relativos a um Estado Democrático de Direito fundado na dignidade da pessoa humana. Bem como a análise das decisões do judiciário mais atuais, já existentes, que demonstraram pareceres favoráveis e contrários ao tema, isto devido a sua inconstitucionalidade.
2 DA EVOLUÇÃO DO CASAMENTO NO TEMPO E SEUS ASPECTOS GERAIS SOB OS REGIMES
No direito Romano, o casamento era considerado como um consórcio entre o homem e sua mulher, para o resta da vida. Com o passar dos anos, este conceito foi se aprimorando de forma que passou a ser entendido como casamento a ideia de satisfação das necessidades recíprocas dos cônjuges. Contudo, o casamento medieval se realizava pela nobreza em um ato de repercussão política e econômica, enquanto o casamento religioso era fundado no amor e na influência católica (LISBOA, 2013).
No conceito contemporâneo, casamento nada mais é do que um contrato entre duas pessoas que, por vontades próprias, manifestam o consentimento em relação à união, formando uma sociedade conjugal que possui reconhecimento governamental, cultural, religioso ou social.
Para casar-se, é necessário preencher o requisito da capacidade civil, qual seja, maior de 16 anos com o consentimento dos pais ou de representantes legais enquanto não atingida a maioridade civil. Com a maioridade, os nubentes são livres para se casar, no entanto, há alguns impedimentos, elencados no artigo 1521 do Código Civil, quer sejam:
Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV- os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte (BRASIL, 2002, p. 561).
Além de tudo, o casamento não é um simples contrato como muitos pensam, pois gera obrigações a ambos os cônjuges, quer seja a fidelidade reciprocidade (amorosa, financeira e pessoal), a vida em comum no domicílio conjugal, a mútua assistência (aspectos pessoais e patrimoniais), o sustento, guarda e educação dos filhos e, por fim, o respeito e consideração mútuos (tratar de forma digna), conforme preceituado no artigo 1566 do Código Civil (BRASIL, 2002).
Para regular os interesses materiais dos nubentes em um eventual término da sociedade conjugal, surgiu o regime de bens, em outras palavras, é chamado de regime de bens todo o conjunto de regras que serão aplicadas aos bens dos nubentes, quer sejam anteriores ao casamento, ou aos que forem adquiridos na constância do matrimônio.
O Código Civil traz quatro tipos de regime de bens, quer sejam eles, comunhão universal de bens, comunhão parcial de bens, separação total de bens e comunhão final dos aquestos. Na comunhão universal de bens, todos os bens dos nubentes se comunicam, quer sejam os anteriores ao casamento ou os quer forem adquiridos na sua constância, independentemente, do nome registral em que esteja este bem. Para esse regime de bens, é necessário fazer um pacto antenupcial (DANTAS, 2013).
Na comunhão parcial de bens, os bens que foram adquiridos anteriormente ao casamento não se comunicam, já os bens que forem adquiridos na constância do casamento, serão de ambos os cônjuges. Na separação total de bens, os bens dos nubentes não se comunicam, cada um tem seus bens separados do outro cônjuge.
Na comunhão final dos aquestos, durante a vigência do casamento, é aplicada a regra do regime de separação total de bens e, quando da dissolução da união, as regras são as do regime de comunhão parcial de bens, ou seja, são somados todos os bens que foram adquiridos na constância do casamento e repartidos pela metade para cada cônjuge (DANTAS, 2013).
Esse regime é comum para as pessoas que possuem grandes patrimônios, pois, mediante ele, é dispensada a outorga uxória do cônjuge virago. O Código Civil brasileiro possui diferentes tipos de regimes de bens, dos quais são representados pela comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação de bens e participação final nos aquestos.
De modo que os nubentes, possam escolher de acordo com a liberdade de escolha, sua vontade, adotarem o regime que mais lhes agradam ou optar por um regime misto. A mutabilidade é necessária de autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, sendo possível então a alteração do regime de bens (SANTOS & PORATH, 2020).
A comunhão parcial de bens é mais comum no Brasil. Isso porque o Código Civil de 2002 institui que, não havendo escolha expressa dos nubentes, vigorará o regime de comunhão parcial de bens, visto que em regra, o mais comum a ser adotado é o regime da união estável, do qual também se aplica a separação parcial de bens (SANTOS & PORATH, 2020).
De antemão, o regime da comunhão parcial de bens se caracteriza pela comunicação apenas dos bens adquiridos onerosamente, por um ou pelos dois, durante o casamento ou a união estável. De modo que, os bens e valores que cada cônjuge possuía quando do início da relação, assim como tudo o que receberem por sucessão ou doação não se comuniquem bens (SANTOS & PORATH, 2020).
Portanto, ainda que a legislação destinar que os bens móveis adquiridos na constância do casamento ou da união estável, quando não se provar que o foram em data anterior, serão considerados bens comuns.
Outrossim, a administração do patrimônio comum compete a qualquer um dos cônjuges, salvo quando houver determinações anteriores, como por exemplo dívidas contraídas durante o relacionamento.
Já na comunhão universal de bens, quando houver estipulação contrária pelos nubentes, se tinha como prevalente a comunhão universal de bens. Isto porque ainda é muito comum se deparar com esse tipo de regime em casais das gerações anteriores.
Na comunhão universal de bens geralmente se tem a criação de uma única massa patrimonial, na qual todo o patrimônio anterior ao casamento é do casal e os bens futuros, gratuitos ou onerosos, comunicar-se-ão.
A exemplo temos aqueles bens de uso pessoal, como livros, instrumentos de profissão tal como os proventos dos trabalhos pessoais e pensões que não integram o patrimônio comum (SANTOS & PORATH, 2020).
2.1 DA UNIÃO ESTÁVEL E O CASAMENTO
Muito dos idosos que se casam são tidos como enganados pela população em geral, ou melhor são vistos como vítimas do golpe do baú, isto porque muitos jovens hoje em dia se casam com os idosos apenas para lhes tomar os bens, que por anos estes levaram a conquistar, vez que, com o casamento, a futura viúva teria parte da herança do idoso, tendo em vista que a escolha do regime de bens era livre entre os nubentes, independentemente, da idade.
Percebendo isso e com a intenção de poupar os idosos, o Código Civil trouxe em seu artigo 1.641 que os idosos de idade igual ou superior a 60 anos, obrigatoriamente, teriam que se casar sob o regime de separação total de bens (BRUNETI, 2019).
Entretanto, com o passar dos anos, os brasileiros começaram a ter uma qualidade de vida melhor, o que aumentou a expectativa de vida. Dessa forma, entrou em vigor a Lei 12.344/10 que alterou o inciso II do art.1641, passando ser obrigatória a separação total de bens após os 70 anos de idade.
A finalidade da Lei é bem clara, evitar que os idosos sejam vítimas de interesseiros, conforme menciona Gisele Siqueira de Moraes, presidente de Defesa dos Direitos dos Idosos da Ordem dos Advogados do Brasil (JACINTO, 2016).
Contudo, os relacionamentos que são movidos a base de interesses patrimoniais podem existir em qualquer fase da vida, afinal, é possível enganar-se ou ser enganado, independentemente, da idade.
A união estável, muito assemelhada ao casamento civil, nada mais é do que um contrato entre duas pessoas, independente de orientação sexual, que vivem em relação de convivência duradoura e estabilizada, a qual não altera o estado civil das partes.
Existem duas formas para se obter a união estável, quais sejam através de escritura pública ou por contrato particular. O primeiro, para obter a escritura pública de união estável, é firmado no cartório, sob a presença do tabelião, sendo dispensáveis as testemunhas.
O contrato particular é firmado pelo casal e deve ser feito na presença de um advogado, estabelecendo as regras que serão aplicadas no que tange ao regime de bens ou em uma futura dissolução. Para haver validade, este contrato deve ser assinado por duas testemunhas, com reconhecida e deve ser apresentado ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos para que seja assim registrado. (Associados, 2014).
Os casais que vivem em união estável, a qualquer momento, poderão converter sua união em casamento, alterando o Registro Civil. Contudo, os direitos e deveres os quais regem ambos deveriam ser iguais.
Portanto, em uma união estável, em regra, é aplicado o regime de separação parcial de bens, salvo quando feita escritura pública que defina um regime de bens diverso, esta união pode ser convertida em casamento, que poderá ser feita em cartório ou por meio judicial (BRUNETTI, 2019).
Caso os idosos, antes de completarem os 70 anos, já viviam em união estável, poderá ser requerida a conversão dessa união em casamento (decisão unânime da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ), sendo que o regime de bens permanecerá o mesmo que vigorava na união, ou seja, se a união era baseada no regime de comunhão parcial de bens, com a conversão em casamento, o regime de bens continuará o mesmo, dispensando a obrigatoriedade do regime de separação total de bens (MACHADO, 2017).
2.2 DOAÇÃO DE BENS DOS NUBENTES MAIORES DE 70 ANOS
Quando se fala em doação, é preciso elucidar que se trata de um contrato formal, tendo de um lado uma pessoa capaz denominada doadora, de outro lado temos a pessoa à qual o objeto se destina, este denominado donatário, lembrando que o objeto do contrato deve ser lícito, possível e determinável, conforme art. 104, inciso II do Código Civil. Entretanto, para que ocorra a consumação do contrato de doação, se faz necessária a aceitação do donatário, devendo este, manifestar seu aceite (BRASIL, 2002).
Na legislação Brasileira, é permitido que o concessor disponha de até no máximo 50% de todo o seu patrimônio, em vida, pois, os outros 50% deverão ser transmitidos aos herdeiros, quer sejam o cônjuge, filhos, netos, pais, avós etc., variando em cada caso concreto. O Artigo 548 do Código Civil de 2002 dispõe que será nula quando for feita a doação de todos os bens do doador ou rendas suficientes para a sua subsistência (BRASIL, 2002).
O Artigo 544 do Código Civil de 2002 trata de adiantamento de herança, nos casos de doação de bens aos filhos ou cônjuge. Portanto, como são entendidas pela legislação, as doações feitas aos filhos ou cônjuge são uma antecipação de herança, ou seja, possuem viés totalmente diverso de uma doação aos chamados terceiros. Dessa forma, quando do falecimento do doador, a antecipação de herança, ora doação, deverá ser arrolada no inventário, sendo compensada nas respectivas quotas relacionadas aos demais herdeiros (SANTANA, 2008).
Para Gonçalves (2017), é necessária a existência do animus donandi para a caracterização de doação. Portanto, para que seja efetivada a doação, depende apenas do doador ou de quem recebeu aceitá-la.
No caso dos idosos nubentes, com idade igual ou superior a 70 anos, estes são impedidos de exercer o direito de escolha do regime de bens em seu matrimônio, pela afirmação do legislador de proteção ao idoso, no entanto, o idoso pode dispor de parte de seus bens (como já citado anteriormente, no máximo 50%), para doar à então companheira, que, obedecendo os requisitos, poderá aceitar a doação. Esse é um meio de garantir a liberdade do idoso de dispor de seu patrimônio da forma que lhe aprouver, respeitando seu percentual.
2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
2.3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
Um dos mais importantes princípios, dentre os constantes na Constituição Federal, um princípio que veio amadurecendo com o tempo, no qual muitos lutavam para conseguir o mínimo possível para que qualquer indivíduo tivesse o direito de uma vida digna (VIANA & DUARTE, 2017).
Foi através de pequenas conquistas que se chegou ao que se vive hodiernamente, basta fazer um retrocesso histórico e analisar a forma como os antepassados viviam, através da história é possível perceber as atrocidades vivenciadas no passado, sempre com o objetivo de um dia seus descendentes viverem em um mundo melhor. Não se chegou ao mundo ideal, longe disso, mas grandes avanços vêm acontecendo com relação ao tema, a notoriedade de diversos países dado ao tema, sendo que, diversos deles receberam tal princípio, sendo seu marco mais relevante a promulgada pela ONU (VIANA & DUARTE, 2017).
Após a Segunda Guerra Mundial, diante dos absurdos acometidos contra o ser humano, como um brado de vitória, foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 10 de dezembro de 1948 pela Organização das Nações Unidas – ONU, trazendo de forma expressa:
“Artigo 1º: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”
Princípio esse, recebido pela Constituição Federal de 1988, promulgada após o período de regime ditatorial militar, vivenciado entre 1964 e 1985, em seu art. 1º, inciso III:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana.
Porém, apesar de notório avanço nas relações humanas no que tange ao princípio, ainda está longe de seu exímio cumprimento, visto que, diversas vezes é possível ver casos em que o princípio é ignorado (SARMENTO, 2016).
Para torná-lo cristalino, o presente princípio deve ser conceituado, para tanto, se faz necessário conhecer a definição de José Afonso da Silva que o fez de forma esplêndida:
“[…] dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida, concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais (observam Gomes Canotilho e Vital Moreira) o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo- constitucional e não uma qualquer ideia apriorista do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoas tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invoca-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trata de garantir as bases da existência humana” (SILVA, 1999, p. 109).
É possível extrair de tal definição, que o princípio da dignidade da pessoa humana visa garantir e proteger todos os direitos do indivíduo, por esse motivo, é muito amplo, abrindo margem para sua utilização em todo o âmbito jurídico, nas mais diversas matérias (SILVA, 2017).
2.3.2 Princípio da Isonomia
Um princípio muito relevante para o bom andamento das normas jurídicas, de suma importância no que tange ao tema abordado no presente artigo, uma vez que, para se alcançar uma igualdade, deve-se buscar o princípio da isonomia, conforme frase muito famosa de Aristóteles: "devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade".
Em um primeiro momento, pode parecer um tanto quanto injusto a aplicação desse princípio, mas ao analisar com afinco, é notória sua necessidade para que haja um equilíbrio na sociedade. Um exemplo para retratar a aplicabilidade desse princípio, uma criança de 6 anos, deve responder por um crime cometido da mesma forma que uma pessoa de 26 anos?
Ao se aplicar o princípio é notória uma limitação da aplicabilidade da lei, mas não passa de uma proteção ao indivíduo e é justamente nesse intuito que o art. 1.641 do C.C. é aplicado, por razões protetivas e cuidados, os mesmos cuidados aplicados quando se fornece uma vaga exclusiva ao idoso, atendimento preferencial, falar em igualdade é aplicar a frase aristotélica supracitada, não tem por objetivo ofender sua liberdade e muito menos oprimir o indivíduo, o objeto disso é proteção e cuidado.
2.3.4 Princípio da liberdade
Após um longo período sob o regime ditatorial, em que ocorreram uma série de restrições a população, houve uma preocupação do legislador em acrescentar esse princípio, visando proteger a liberdade de cada indivíduo, vem expressamente no artigo 5º, inciso II da CRFB ditando “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, para tornar cristalina a definição, segue definição do constitucionalista do português José Gomes Canotilho:
"As liberdades são caracterizadas como posições fundamentais e se identificam com direitos de comportamento. A possibilidade de escolha de um comportamento. São liberdades porque são frutos da atividade humana e são públicas porque compete ao Estado protegê-las" (CANOTILHO, p. 17, 1993).
É importante ressaltar que há uma diferenciação na aplicabilidade desse princípio, quando se fala em servidores públicos, estes só poderão praticar os atos previstos em leis, ou seja, é o inverso do que discorre o artigo 5º, inciso II da CRFB, ocorrendo uma limitação do Estado, para que seja resguardada a liberdade do indivíduo (COELHO, 2018).
Quando se fala em particulares, tem-se o princípio da autonomia da vontade, o qual cada indivíduo pode praticar qualquer ato que lhe convier, desde que não haja proibição no ordenamento jurídico.
É possível notar a amplitude do princípio da liberdade, em determinado momento se tem liberdade e em outro momento se tem uma restrição, notadamente é possível concluir que esse princípio não é absoluto, indo de encontro com a tese de que não é constitucional o inciso II do artigo 1.641, se até no direito a liberdade é possível notar uma restrição, por qual motivo não poderia limitar o regime de casamento aplicado às pessoas de 70 anos ou mais?
Quando se fala em liberdade, deve-se pensar no contexto geral, analisar o todo para definir se ocorre ou não o ferimento dessa, quando se limita, é no sentido de cuidado e zelo, afastando possíveis pessoas com interesse único e exclusivo em bens, veja, não há uma limitação total do indivíduo, caso o nubente maior de 70 anos tenha interesse em partilhar de seus bens com o cônjuge, poderá fazê-lo por meio de doação, a qual não lhe é vedada (COELHO, 2018).
Uma total restrição de liberdade seria o impedimento de pessoas dessa idade contraírem matrimônio, afastando essa possibilidade, não é plausível concluir que a presente alteração é inconstitucional.
2.4 PESQUISA E ANÁLISE DE DECISÕES DO JUDICIÁRIO
Com um viés de análise das decisões judiciárias sobre o tema, foi realizada diversas pesquisas de jurisprudências atuais no que tange ao assunto, para visualizar qual o entendimento abraçado pelo ordenamento jurídico pátrio.
Como representação do todo, neste presente artigo será utilizada a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Cível: AC 1002896-70.2019.8.26.0248 SP 1002896-70.2019.8.26.0248, a qual representa bem o posicionamento do judiciário quanto ao tema:
APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO CONSENSUAL DE REGIME DE BENS DE CASAMENTO. PRETENSÃO DE MODIFICAÇÃO DO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. PESSOAS MAIORES DE 70 (SETENTA) ANOS. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. Não há como modificar o regime de bens da separação obrigatória, quando a causa que o impôs foi o fato de a pessoa ser maior de 70 anos, pois, nesta hipótese, a causa não poderá ser superada. Enunciado nº 262 da III Jornada de Direito Civil promovida pelo CEJ do CJF. Precedentes deste E. Tribunal (TJ-SP - AC: 10028967020198260248 SP 1002896-70.2019.8.26.0248, Relator: Maria do Carmo Honório, Data de Julgamento: 12/11/2019, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/11/2019).
Nesse prisma, há o posicionamento do STJ evidenciado em decisão do Recurso Especial Nº 1918395 – RS (2021/0024132-8), a qual é notória a aplicabilidade da súmula 377 do STF:
Esta Corte Especial tem entendimento de que, em se tratando de união estável de companheiro sexagenário, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. Nesses casos, para a partilha de bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, faz-se necessária a prova do esforço comum (STJ, RESP, 2021).
Nas decisões do STJ é possível verificar a consonância com a súmula supracitada do STF, a qual aduz, súmula nº 377: No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.
Sumulado o entendimento de que apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha, algo de extrema relevância para o tema em pauta.
Com esse entendimento, é possível afastar o argumento de que a obrigatoriedade de separação de bens para os nubentes maiores de 70 anos é inconstitucional, visto que, se busca um equilíbrio, não deixando que um dos nubentes venha sofrer prejuízos na falta de um deles, razão pela qual reforça a tese de que a presente limitação busca uma proteção a esse grupo de pessoas, para garantir uma vida digna e com suas liberdades, evitando riscos de ficar a mercê do que as outras pessoas podem ou querem te oferecer.
O regime de separação total de bens, sob a égide da inconstitucionalidade da distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, tem aplicado, o STJ, às uniões estáveis também.
No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal de Justiça da Paraíba, que demonstrou a possibilidade de alteração de regime obrigatório nos casos em que o nubente tenha idade inferior à 70 anos na propositura da ação:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO TOTAL POR OBRIGATORIEDADE DA REDAÇÃO ORIGINAL DO ART. 1.641 DO CC. CÔNJUGE VARÃO COM IDADE SUPERIOR A 60 ANOS. MODIFICAÇÃO DA REGRA PELA LEI Nº 12.344/2010. AMPLIAÇÃO DA IDADE PARA 70 ANOS. UNIÃO ESTÁVEL DE DUAS ANTES DO CASAMENTO. DÉCADAS. APLICAÇÃO DO ART. 1.639, § 2º DO CC. PROVIMENTO. - A Lei Nº 12.344, de 9 de dezembro de 2010 alterou a redação do inciso II do art. 1.641 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), aumentando para 70 (setenta) anos a idade a partir da qual se tornou obrigatório o regime da separação de bens no casamento - Aquele que foi obrigado a se casar pela separação absoluta por conta da redação original do art. 1641, II, do Código Civil pode pleitear a alteração no regime de bens, desde que na data da propositura da ação judicial não seja septuagenário - A obrigatoriedade do regime legal da separação de bens constante do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil não deve prevalecer quando a convivência tenha se iniciado antes de um dos companheiros atingirem 70 anos, após modificação dada pela Lei nº 12.344/2010 (TJPB/ACÓRDÃO do Processo Nº 00001438320148150881, 3ª Câmara Especializada Cível, Relatora Des.. MARIA DAS GRAÇAS MORAIS GUEDES, j. em 25-04-2019).
Ao analisar o direcionamento do judiciário é possível notar o cuidado dos doutos magistrados em resguardar os bens adquiridos em toda uma vida pelo indivíduo, razão pela qual assertivamente vêm decidindo visando manter esse cuidado, diante do aumento de golpes presente na sociedade, mister se faz cada vez mais garantir que os cidadãos nessa idade tenham todo aparato necessário
Corriqueiramente é possível ver notícias alegando que idosos foram vítimas de estelionato ou que tenham contraído matrimônio com pessoas muito jovens com a intenção de aplicarem o chamado “golpe do baú”, oportunistas com faro para conseguir usufruir dos bens adquiridos pela labuta de toda uma vida por suas artimanhas de enganação, algo que infelizmente tem aumentado com o avanço da internet, hoje criminosos sem sair de um determinado local, consegue alcançar pessoas do país inteiro, deixando claro a necessidade de um cuidado especial com a terceira idade, afinal, todos têm a expectativa de alcança-la.
3 CONCLUSÃO
A partir das informações apresentadas ao longo deste trabalho, é possível concluir que, apesar de apresentar uma limitação às pessoas maiores de 70 anos, estas não afrontam aos princípios trazidos pela Constituição Federal.
Salienta-se que o regime de separação obrigatória de bens tinha um cunho patrimonialista no código civil de 1916 e que este entendimento fora trazido para o Código Civil de 2002, obrigando que os idosos com idade igual ou superior a 70 anos se casem sob o regime de separação total de bens.
Ressalta-se que, apesar de parecer atentatória aos princípios constitucionais, essa limitação tem viés protetivo, buscando garantir que o princípio da dignidade da pessoa humana esteja presente em suas vidas, não é difícil ver pessoas má intencionadas se aproveitando da fragilidade dos idosos, lembrando que apesar de restritiva, o idoso tem discricionariedade para dispor de até 50% de seus bens, podendo fazer doação, caso julgue necessário (VIANA & DUARTE, 2017).
O judiciário tem se posicionado nesse sentido, demonstrando seu acolhimento ao princípio da dignidade da pessoa humana, vez que, apesar de reduzir a autonomia da pessoa idosa, o mantém livre para realizar doação ou então, através do testamento, passar ao cônjuge parte de sua herança, aplicando esse entendimento também aos casos de união estável, observando a súmula 377 do STF.
Tal súmula que é fato de suma importância para demonstrar o cuidado do ordenamento jurídico em preservar os direitos desse grupo de pessoas, objetivando equilibrar e manter justas as relações interpessoais, garantindo que, qualquer nubente maior de 70 anos que tenha intenção de dispor se seus recursos para angariar novos bens ao lado de seu cônjuge, poderá fazê-lo com o subterfúgio dessa para ter amparo posterior e garantia de que não sairá lesado, sendo assim, de forma brilhante o STF sumulou esse entendimento, garantindo mais segurança aos que necessitam desse cuidado.
Desta forma, conclui-se que, o inciso II do Art. 1641 do Código Civil (Lei nº 12.344/10) encontra-se condizentes com os princípios constitucionais e reflete a atual realidade no Direito de Família, visando garantir aos idosos maiores de 70 anos uma vida digna, com plena segurança de que seus bens não serão arruinados por pessoas má intencionadas, garantindo a plena liberdade de escolha para este grupo de pessoas permitindo a doação de seus bens, motivo pelo qual não se deve declará-lo inconstitucional.
REFERÊNCIAS
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(1) Graduado em Direito (UEMS), Advogado sócio/proprietário do Escritório Advocacia Campagnoli. Especialista em Direito Público; Especialista em Direito Municipal, com formação para o magistério superior. Procurador Jurídico Geral do Município de Paranaíba-MS no ano de 2013.
(2) Graduada em Ciências Biológicas, Pedagogia e Filosofia. Mestre e Doutora pela UNESP - Faculdade Júlio de Mesquita Filho. Professora nas Faculdades Integradas de Paranaíba.
Artigo publicado em 02/11/2021 e republicado em 17/05/2024
Graduada em Direito – Bacharelato – 10º Semestre, das Faculdades Integradas de Paranaíba/MS – (FIPAR);
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Amanda Martins de. As discussões relativas a impossibilidade da alteração do regime de separação total de bens dos idosos maiores de 70 anos: uma breve análise sobre as decisões do Judiciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 maio 2024, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57353/as-discusses-relativas-a-impossibilidade-da-alterao-do-regime-de-separao-total-de-bens-dos-idosos-maiores-de-70-anos-uma-breve-anlise-sobre-as-decises-do-judicirio. Acesso em: 22 nov 2024.
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