DIOLINA RODRIGUES SANTIAGO SILVA[1]
(orientadora)
RESUMO: O presente trabalho versa sobre o abandono afetivo inverso no ponto de vista jurídico brasileiro, com ênfase na responsabilização civil dos filhos que abandonam afetivamente seus genitores idosos. O objetivo geral do trabalho é verificar se a omissão na legislação brasileira em garantir sanção aos filhos pelo não amparo afetivo dos pais idosos, provindo do convívio familiar, impede a devida punição do responsável. O método utilizado na pesquisa é o dedutivo. Este estudo justifica em função do crescimento significativo da expectativa de vida e consequentemente o aumento da população idosa com mais de 60 anos no brasil, e nesta faixa etária a maioria das pessoas tem sua saúde debilitada o que gera a necessidade do apoio dos seus familiares, mas nem todos conseguem este apoio seja ele material ou afetivo. O resultado demonstra que a omissão na legislação brasileira em ter uma sanção aos filhos pelo não amparo afetivo dos pais idosos, provindo do convívio familiar, não impede a devida punição do responsável, que a doutrina e jurisprudência chamam de abandono inverso.
Palavras-chave: Estatuto do idoso; Abandono afetivo; Responsabilidade civil.
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2 . A afetividade e o direito do idoso a luz da legislação brasileira; 2.1 o direito da pessoa idosa e sua proteção jurídica; 2.2. Abandono afetivo e material; 2.3. O afeto como valor jurídico - 3 . Responsabilidade civil dos filhos por abandono afetivo dos pais idosos; 3.1 . O princípio da afetividade na legislação brasileira; 3.2. Dano decorrente do abandono afetivo e análise da jurisprudência; 3.3. . Projeto de lei nº 4.229/2019 – 4. Considerações finais- Referências
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho versa sobre o abandono afetivo inverso no ponto de vista jurídico brasileiro, com ênfase na responsabilização civil dos filhos que abandona afetivamente seus genitores idosos. O abandono afetivo traz sérios problemas a saúde da pessoa idosa que vai além dos aspectos psicológicos, prejudicando sua saúde física. Visto que o descaso e a indiferença afetam a dignidade humana e ocasionam a tristeza e decepção.
De acordo Almeida (2016, p. 11),
Pois mesmo que o afeto seja um fato social e psicológico, a falta dele começa a gerar danos emocionais que podem se estender e eternizar ao longo da vida, ou no final dela (como é o caso dos idosos), razão pela qual a falta de afeição pode constituir dano moral, na medida em que afeta diretamente a dignidade da pessoa humana.
O principal questionamento que se pretende responder no decorrer da pesquisa é se a Legislação Brasileira garante de fato a responsabilidade civil dos filhos que abandonam afetivamente os pais idosos. Visto que o desamparo afetivo dos filhos para com os genitores com idade avançada é uma afronta aos princípios do direito de família e aos direitos dos idosos, causando danos a dignidade da pessoa idosa e deve ser visto não apenas para responsabilizar civilmente os responsáveis, mas como uma forma real de garantir os direitos dos idosos previsto na lei 10.741/03, Estatuto do Idoso e na Constituição Federal.
Esta pesquisa se justifica no meio acadêmico pelo fato de ser um objeto de estudo importante para o direito de família, visto que os filhos podem ser responsabilizados por deixarem os seus genitores em situação de abandono afetivo, isso porque este abandono causa danos físicos e emocionais e conforme a legislação brasileira, comprovado em juízo o dano sofrido, patente o nexo causal entre a ação e o resultado, a indenização civil é devida, de modo que a conduta fere o direito do ofendido, gerando o dever de indenizar, previsto no art. 186 c/c 927 do Código Civil (BRASIL, [2021a]).
Justifica-se, ainda, no âmbito social, em função do crescimento significativo da expectativa de vida e consequentemente o aumento da população idosa com mais de 60 anos no brasil, e nesta faixa etária a maioria das pessoas tem sua saúde debilitada o que gera a necessidade do apoio dos seus familiares, mas nem todos conseguem este apoio seja ele material ou afetivo.
O objetivo geral do trabalho é verificar se a omissão na legislação brasileira em garantir sanção aos filhos pelo não amparo afetivo dos pais idosos, provindo do convívio familiar, impede a devida punição do responsável.
Os objetivos específicos são: a) verificar o que prevê o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), o Código Civil Brasileiro (Lei nº 13.105/2015) e a Constituição Federal Brasileira / 88 sobre o dever jurídico dos filhos para com os pais idosos; b) averiguar o que traz a jurisprudência sobre a responsabilidade civil diante abandono afetivo; c) demonstrar as consequências que o abandono afetivo do idoso provoca a estes indivíduos.
O primeiro capítulo é sobre a afetividade e o direito do idoso a luz da legislação brasileira com ênfase no abando inverso, estatuto do idoso e a responsabilidade civil dos filhos por abandono afetivo dos pais idosos. Será abordado também no segundo capítulo um estudo sobre o projeto de Lei nº 4.229/2019 que propõe uma alteração no Estatuto do idoso para prever a responsabilidade do filho pelo abandono afetivo dos pais idosos.
Para alcançar esse fim a pesquisa utiliza a metodologia do trabalho jurídico, com o método dedutivo. Será realizada, por meio de pesquisa exploratória, bibliográficas e documentais em doutrinas atualizadas e documentais (legislações e jurisprudências). No intuito de verificar se a omissão na legislação brasileira em garantir sanção aos filhos pelo não amparo afetivo dos pais idosos, provindo do convívio familiar, impede a devida punição do responsável.
Na busca do melhor entendimento da legislação para a responsabilização civil dos filhos pelo abandono afetivo dos pais idosos e no intuito de demonstrar que o desamparo afetivo dos filhos em relação aos pais idosos fere aos princípios do direito a família e os direitos dos idosos, causando danos a dignidade da pessoa idosa e deve ser visto não apenas para responsabilizar civilmente os responsáveis, mas como uma forma real de garantir os direitos dos idosos previsto na lei 10.741/03, Estatuto do Idoso e na Constituição Federal.
2 A AFETIVIDADE E O DIREITO DO IDOSO A LUZ DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
A afetividade é a base de toda família e a falta do afeto causa prejuízo a parte mais vulnerável, no caso do idoso o abandono afetivo provoca efeitos na sua saúde física e psicológica. Como aborda Calderón (2017, p. 158), “a afetividade passou a prevalecer sobre os critérios econômicos, políticos, religiosos, sociais, de interesse do grupo familiar, enfim, preponderou sobre os demais fatores que influenciavam os vínculos familiares até então.”
O critério afetivo que até tempos atrás era colocado como segundo plano na formação das famílias brasileiras, hoje ganha destaque, visto que a afetividade e a solidariedade é a base para que se mantenha as relações familiares.
Como afirma Lobo (2012, p. 69 apud SOUZA, 2016, p.12):
O princípio da afetividade fundamenta as relações interpessoais e o direito de família nas relações socioafetivas de caráter patrimonial ou biológico e na comunhão de vida. A família contemporânea não se justifica sem que o afeto exista, pois este é elemento formador e estruturador da entidade familiar, fazendo com que a família seja uma relação que tem como pressuposto o afeto, devendo tudo o que for vinculado neste ter a proteção do Estado.
Segundo Silva (2018, p. 32),
o interessante é que a afetividade pode ser olhada como uma pedra angular que se assenta em bases que não são movediças, são bases bem sólidas e consolidadas, que é o próprio Princípio da Afetividade que é decorrente da Dignidade Humana, pois aquele enseja um dever de recíproco cuidado que os membros da família devem ter entre si.
Não é uma faculdade, é uma obrigação de fazer o que dispõe o comando normativo. Como dito, os princípios constitucionais não são protocolo de intenções ou simplesmente valores, são deontológicos.
Como afirma Silva (2018, p. 06), sobre afeto,
O afeto é considerado fundamental para existência de um indivíduo, devendo ele estar presente nas relações familiares, existe uma diferença entre afeto e amor, o afeto é justamente essa interação entre pessoas que por seguinte pode ter carga positiva ou negativa, sendo a positiva o amor, na negativa o ódio.
A afetividade é um dos princípios que garante a dignidade e qualidade de vida. Não se compreende ao fato de impor aos filhos a amar os seus pais, mas garantir do direito de uma velhice digna.
Como descreve Silva (2018, p. 41),
É certo que a afetividade assim como a manutenção da família na vida do idoso são elementos caracterizadores de uma velhice digna, crucial para saúde psicológica da pessoa. Por esse motivo, mesmo sem haver disposição expressa acerca do direito à afetividade nos textos legais, mas por representar a concretização 40 de uma dignidade plena ao longo de toda vida, é de suma importância que tal direito seja garantido a pessoa idosa.
Seguindo essa mesma linha, Silva (2018, p. 52) destaca que a valorização da afetividade como princípio fundamental e realça sua importância no direito da família e que ausência deste princípio provoca danos e que os mesmos devem ser considerado no ordenamento jurídico para que haja reparação, “todavia, ao passo que confere uma gama de direitos a todos os indivíduos, sua omissão também gera obrigação na medida em que é violado.”
A pessoa idosa precisa de atenção, carinho, cuidado e afeto, visto que, o peso da idade torna a saúde física emocional mais frágil e assim a convivência familiar se torna um fator fundamental para a qualidade de vida destas pessoas. E somente a afetividade e solidariedade consegue manter este vínculo.
2.1 O DIREITO DA PESSOA IDOSA E SUA PROTEÇÃO JURÍDICA
A perspectiva de vida no Brasil tem aumentado nas últimas décadas este cenário elenca um novo debate no ordenamento jurídico sobre a responsabilidade civil dos filhos maiores com os pais idosos em situação de abandono afetivo. O direito do idoso tem que ser garantido. Neste sentido Ramos (2014, p.122), destaca que,
Os velhos são sujeitos de direitos, o que comprova que o fato de as pessoas irem envelhecendo não lhes retira, em hipótese alguma, a sua dignidade, porquanto continuam sendo seres humanos, portadores dos mesmos direitos dos quais são sujeitas todas as criaturas de semblante humano. Dessa forma, nenhuma sociedade pode ignorá-los, deixando de desenvolver políticas públicas voltadas a atender às suas necessidades, necessidades essas facilmente averiguáveis a partir do simples conhecimento da realidade desse segmento em cada sociedade.
A certeza que estes indivíduos são sujeitos de direitos e que necessita de atenção redobrada diante as consequências a velhice traz como dificuldade de locomover, problemas de saúdes e pouco conhecimento sobre as novas tecnologias coloca os mesmos em situação de vulnerabilidade. E segundo Leite (2017, p. 56):
necessitar do outro se torna um problema, sobretudo quando não se pode sequer interagir com o outro, pois as ruas, os sinais de trânsito, os elevadores, as portas de acesso não foram pensados de modo democrático e diferente para os diferentes e, assim, o envelhecimento passa a ser sinônimo de isolamento e frustração.
Como afirma Viegas (2016, p. 8), fez se necessário a garantia dos direitos dos idosos em lei,
Diante do descaso sofrido pelo idoso, a vigência de dispositivos no ordenamento jurídico fez-se indispensável, constando na Constituição Federal 1988, no Código Civil Brasileiro - Lei 10.406/2002, e nas leis específicas - Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), Lei nº 8.842/1994 (Política Nacional do Idoso) e a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/1993).
A pessoa idosa como toda e qualquer pessoa humana deve ser beneficiada dos direitos fundamentais e cabe a obrigação da família, da comunidade e da sociedade promover sua efetivação do direito à vida, à dignidade, ao respeito, entre outros direitos fundamentais visto que está garantido na Lei nº 10.471/03 o Estatuto do Idoso nos artigos 2º e 3º,
Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, [2021c], não paginado).
Bertolin (2014, p. 15), descreve que:
Há uma estreita relação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e a situação do idoso, posto que tal princípio impõe pela obtenção de mínimas condições para uma vida autônoma e saudável, que deve ser preservada em todas as fases da vida de um indivíduo.
Silva (2018, p. 28), afirma que:
É nisto, na dignidade da pessoa humana que se funda o comando que possibilita a defesa do direito de ser cuidado, que propicia a tutela jurisdicional e que assegura a certeza de que uma lesão a esse bem tutelado ensejará a punição do infrator, gerando uma obrigação de fazer, se materializando através da prestação de um serviço que no caso em questão será a obrigação de prestar o dever de cuidar dos pais.
Se o abandono afetivo causa danos ao idoso este ato deve ser reparado visto que este dano é imaterial e como afirma Taturce (2015, p. 396) no caso de dano não material, “que para a sua reparação não se requer a determinação de um preço para a dor ou o sofrimento, mas sim um meio para atenuar, em parte, as consequências sofridas.” Sendo impossível quantificar em valores o prejuízo emocional sofrido com a falta de amor e carinho.
No art. 4º do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.471/03) deixa claro que nenhum idoso pode negligenciado ou submetido a qualquer tipo de violência. “Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.” (BRASIL, [2021c], não paginado).
Não se discute a questão do direito do idoso, pois isto está claro na legislação vigente como descrito acima, mais da obrigação dos filhos a garantia deste direito no que se refere ao afeto.
2.2 ABANDONO AFETIVO E MATERIAL
Uma pessoa idosa que não tem afeto de sua família tem sua dignidade violada e o seu direito a família ignorado, gerando assim, danos. O abandono afetivo do idoso pela sua família vai além de suprir com alimentos, visto que conceitua Todsquin (2021, não paginado), “o abandono afetivo consiste na omissão de cuidado, criação, assistência moral, psíquica e material que o pai e a mãe têm em relação ao filho menor ou que os filhos têm para com os genitores idosos.” Com as significativas mudanças ocorridas na sociedade, certas atitudes que antes eram vistas como normais, hoje são causa de reprovabilidade social e jurídica.
Nesta mesma linha de pensamento Garrot (2019, não paginada) afirma,
O afeto é o principal fundamento das relações familiares, uma vez que este decorre da valorização constante da dignidade humana, sendo que na esfera do direito de família as relações de afeto são encontradas com maior ênfase e implicam uma serie de consequências, as quais irão levar o indivíduo ao seu desenvolvimento.
Se o abandono afetivo causa danos ao idoso este ato deve ser punido pois, o nexo de causalidade restará configurado quando houver uma relação de causa e efeito entre a conduta omissiva do filho e um dano sofrido pelos pais idosos.
Segundo afirma Nogueira (2018, não paginado):
Sendo assim, presentes o descumprimento do dever de cuidado imposto aos filhos adultos em relação aos pais na velhice ou na doença, a violação à dignidade do idoso abandonado afetivamente e o nexo de causalidade entre conduta e dano, estará presente o dever de indenizar.
Consciente que a falta de cuidado dos filhos em relação aos pais na velhice causa o abandono afetivo. E que ato vai contra o artigo 229 da Constituição brasileira que estabelece que os filhos maiores são obrigados a ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (BRASIL, [2021b]). Diante do fato que o abandono afetivo é passível de punibilidade alguns tribunais já decidiram neste sentido:
REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. ESTATUTO DO IDOSO. MEDIDA DE PROTEÇÃO EM FAVOR DE PESSOA IDOSA. CADERNO PROCESSUAL COMPROVANDO ABANDONO AFETIVO E MATERIAL. NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DO IDOSO EM INSTITUIÇÃO ACOLHEDORA PARA PESSOAS COM IDADE AVANÇADA. DEVER CONSTITUCIONAL DE PRESTAR ASSISTÊNCIA AO IDOSO ALUSIVO À MANUTENÇÃO DA SUA DIGNIDADE E BEM-ESTAR. SENTENÇA CONFIRMADA. Incumbe à família e aos entes Públicos a responsabilidade solidária de empreender esforços que efetivem o dever fundamental de proteção à dignidade e o bem-estar dos idosos que se encontram em situação de risco, por abandono material e afetivo, com fundamento na Constituição Federal e ao Estatuto do Idoso (Lei Federal n. 10.741/03). (SANTA CATARINA, 2019, não paginado).
Pelos danos causados a pessoa idosa que já tem sua saúde fragilizada o abandono afetivo deve ser considerado como uma violência e a sua prática como delito cabível a penalidade com base na Lei nº 10.741/2003 e na constituição federal vigente.
Segundo afirma Bicca (2015, p. 10),
O abandono afetivo constitui uma das mais graves formas de violência que pode ser perpetrada contra o Ser Humano. A violência praticada é completamente diferente, sendo duradoura, covarde e, sobretudo, silenciosa. O abandono afetivo é a morte em vida. As vítimas do abandono sofrem os mais graves danos psicológicos, e junto com elas as genitoras (ou os genitores) que vivem uma angústia diária, de nada poder fazer, pois a solução quase nunca está ao alcance deles.
Geralmente estão interligados o abandono afetivo e o material, pois como afirma Silva (2018, p. 32),
o abandono afetivo também abarca o abandono material, uma vez que, como elencamos o dever de cuidado não se circunscreve tão somente a vigilância e guarda do idoso, refere-se também a condições objetivas que propiciem a sua manutenção e bem-estar pessoal.
É o elemento normativo, uma vez sendo violados esses direitos, ensejará prejuízos na esfera pessoal e por conseguinte determinará ao lesionador a obrigação de ressarcir o ilícito.
Silva e Leite (2018, p. 8), afirma que,
Assim, o filho que deixar de amparar seus pais na velhice, deixará de cumprir uma obrigação imaterial, cometendo assim, um ato ilícito, podendo gerar danos de ordem moral. Entretanto essa indenização não tem como finalidade obrigar os filhos a amarem seus pais, mas de apresentar um caráter punitivo, compensatório e pedagógico.
Segundo Viegas (2016, p. 16), quando não garante aos idosos itens básicos a sobrevivência será configurado como abandono material, pode se exemplificar como água, comida, moradia e roupagem adequado. O abandono afetivo, portanto, se refere ao cuidado, convivência na família e apoio nesta fase da vida delicada e principalmente respeitando os seus direitos garantidos. “Sabe-se que não se pode impor o afeto e tampouco precificá-lo, pelo fato de não existir obrigação legal de amar. E assim contrariando dispositivos legais e comprometendo a expectativa de vida digna do idoso.” (VIEGAS, 2016, p. 16).
Não tem como discutir abandono material separado de abandono afetivo, pois geralmente quando se concretiza o abandono material o abandono afetivo é apenas uma consequência do primeiro, pois um filho que deixa seu pai vivenciar situação de carência do básico a sua sobrevivência se torna impossível que o mesmo ofereça apoio, carinho e afeto.
2.3 O AFETO COMO VALOR JURÍDICO
Com base na constituição de 1988 e Código Civil vigente o afeto é um princípio e tem valor jurídico. E esse “reconhecimento jurídico do afeto na vida dos idosos não se trata de se impor o amor, afinal, é impossível fazer brotar algo que nasce naturalmente em qualquer ser humano.” (VIEGAS, 2016, p. 18). O princípio está voltado é para a obrigação mútua de cuidar entres os filhos e pais.
Lisita (2020, não paginado), afirma que:
Afetivamente o abandono gera no campo jurídico ação indenizatória conforme o artigo 186 do Código Civil e que é rodeada por questionamentos que envolvem o fato de que ninguém é obrigado ou obrigada a gostar de quem quer que seja, mas há o interesse e o emocional de uma pessoa, seja criança ou adolescente que nada tem a ver com problemas entre seus genitores ou da imaturidade de um deles. O abandono afetivo constitui descumprimento do dever legal de cuidado, criação, educação e companhia presente, previstos implicitamente na Constituição Federal, que é a nossa Carta Magna.
A luz da legislação brasileira não resta dúvida que o afeto tem valor jurídico e que fundamental na construção da família e na garantia da vida digna e com qualidade de seus membros. Se referindo ao direito do afeto dos idosos, como destaca Viegas (2016, p. 9),” todo idoso tem direitos personalíssimos, ou seja, possuem a capacidade de decidir sua própria vida, não devendo ser privados dos direitos que, em tese, são intransmissíveis e irrenunciáveis.”
No momento em que os filhos maiores deixam de cumprir com sua obrigação como descreve a Legislação vigente brasileira deve ser responsabilizado por não cumprir sua obrigação de fazer. Dessa forma, o filho que deixar os seus pais idosos em situação de abandono “está desrespeitando uma obrigação jurídica prevista em lei, resta induvidoso, sem embaraços de qualquer plano, o direito de responsabilizar civilmente a prole em razão da conduta omissiva ensejadora do abandono afetivo.” (SILVA, 2016, p. 61).
Nesta mesma linha de pensamento Almeida (2016, p. 38), defende que,
Desta maneira, vê-se que ao longo dos anos o afeto passou a ter valor jurídico e até mesmo econômico, pois quando a parte deixar de cumprir com suas obrigações, no sentido de zelo, cuidado e carinho, a mesma estará praticando o abandono afetivo, o qual pode ocorrer entre quaisquer dos parentes, como os pais que abandonam seus filhos e os filhos que abandonam seus pais quando estes possuem idade mais avançada. Este último é chamado de abandono afetivo inverso.
Em seu trabalho de conclusão de curso Speiss e Neves (2017, p. 11), afirmam:
que é perfeitamente cabível a responsabilização do filho pelo abandono afetivo de seu genitor, advindo de uma conduta omissiva ilícita por parte do filho que negligencia o cuidado com seus pais o transferindo a um asilo ou a uma casa de repouso, privando-o do convívio familiar.
Neste sentido observa Witzel (2013), que embora não se possa compelir alguém a amar, tornar o cuidado como um valor jurídico é um instrumento eficaz para se exigir maior atenção dos responsáveis pelo amparo daquelas pessoas mais vulneráveis do ordenamento, sob pena de responsabilização em virtude o descumprimento de tal dever.
O debate não é na obrigação de amar na obrigação de garantir que a pessoa idosa tem uma vida digna e com qualidade mantendo a relação familiar baseada no afetividade e na solidariedade.
Na Constituição Federal de 1988 no seu art. 230 versa sobre o dever da família bem como do Estado de oferecer a pessoa idosa amparo garantindo-lhe a dignidade e o bem estar (BRASIL, [2021b]). E nesse mesmo entendimento o Código Civil Lei nº 10.406/2002 no seu artigo 927 afirma que aquele que por ato ilícito causar dano alguém fica a reparação (BRASIL, [2021a]). Assim não resta dúvida em que os filhos tem a obrigação de garantir o amparo aos seus genitores na velhice e caso não cumpra com sua obrigação que seja garantido a reparação pelo dano causado pelo o desamparo.
Neste sentido Souza (2020, não paginado), afirma que,
Ao se fazer um paralelo entre a responsabilidade civil e a obrigação do filho para com o pai idoso observa-se o que diz a Lei Maior de 1988 em seu artigo 230, onde é citado que a família, assim como o Estado, juntamente com a sociedade, têm obrigação de oferecer amparo as pessoas idosas, e de promover sua participação na comunidade, com isso contribuindo para sua dignidade e bem-estar, garantindo-lhes o direito à vida.
O abandono afetivo causa danos à saúde emocional do idoso e sem o equilíbrio entre a saúde emocional e física não se pode ter uma qualidade de vida, ou seja, se a saúde emocional está prejudicada a saúde física também sofrerá danos. A divergência entre os tribunais é na possibilidade de quantificar os danos causados por abando afetivo da pessoa idosa, visto que nem sempre é possível medir o sofrimento causado.
3.1 O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Sendo o afeto reconhecido como princípio, “sua força é ainda maior do que se fosse positivado, pois é por meio dos princípios que se chega à correta interpretação da norma jurídica. Os princípios são a bússola que conduz o legislador e o intérprete da norma.” (CARDIN, 2010, p. 10).
Conforme afirma, Madaleno (2018, p. 107):
O afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana. A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto.
O afeto teve seu reconhecimento jurídico como laços fundamental na formação das famílias e deve ser reconhecido como princípio que implicitamente está previsto na Constituição Federal de 1988. Assim Lobo (2018, p. 54), afirma que,
O princípio da afetividade está implícito na Constituição. Encontram-se na Constituição fundamentos essenciais do princípio da afetividade, constitutivos dessa aguda evolução social da família brasileira, além dos já referidos: a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); d) a convivência familiar (e não a origem biológica) é prioridade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art. 227).
A família tem como base uma relação de afetividade e na contemporaneidade
o afeto é a base social do instituto familiar, de tal modo que a inexistência desses aspectos afeta a manutenção, devendo até mesmo haver sua proteção. Ademais, é na família que o indivíduo nasce e se desenvolve, moldando sua personalidade. É na família que, no curso da vida, o indivíduo encontra conforto, amparo e refúgio para sua formação, estruturação psíquica bem como sobrevivência. (MEZZAROBA, 2014, p. 99).
Utilizando das palavras de Almeida (2016 não paginado), onde destaca que apesar de não está explícito na legislação vigente brasileira o princípio da afetividade está implícito em outros princípios que regem o direito de família e portanto, deve ser utilizado na “aplicação da legislação em diversos casos, o mesmo ocorrendo quando se fala sobre a responsabilidade afetiva entre pais e filhos e vice versa.”
Lobo (2018, p. 53), defende e reconhece a afetividade como princípio ao dispor que,
A afetividade, como princípio jurídico, não se confunde com o afeto, como fato psicológico ou anímico, porquanto pode ser presumida quando este faltar na realidade das relações; assim, a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles.
A afetividade é junção da garantia da dignidade e da solidariedade, visto que para garantir que se haja solidariedade entre as famílias é preciso que se tenha afeto entre as partes, ao mesmo tempo que se torna impossível garantir uma vida digna sem afeto.
Nesta linha de pensamento escreve Mezzaroba (2014, p. 544),
Com efeito, há a incidência direta do princípio da afetividade e da solidariedade nas relações familiares, de forma que a interpretação judicial tanto nos Tribunais Superiores quanto nos Tribunais de Justiça dos Estados caminha sob novos auspícios que identificam o vínculo afetivo como pedra fundamental da família, com suas novas configurações e complexidades.
Assim no que diz respeito a princípio da afetividade como princípio fundamental da família, para Rehbein (2016, p. 15),
Entrementes, o princípio da afetividade está diretamente vinculado ao princípio da dignidade humana, uma vez que a fundamentação do princípio da afetividade surge da sistemática interpretação do princípio da dignidade da pessoa humana e ambos instituem e preservam o mesmo valor, qual seja, o digno desenvolvimento do ser humano.
Não se resta dúvida quanto a afetividade como princípio jurídico e que a mesma é fundamental para a construção das relações familiares. E que uma vida digna tem como base o afeto, além das condições materiais para a sobrevivência.
Pode se afirmar que a falta de oferecer afeto é uma obrigação visto que “mesmo que não se pode obrigar ninguém amar, o afeto nas relações entre os familiares é de suma importância, a partir da ausência do mesmo surge à responsabilização. Sendo demonstrada em citações a importância do mesmo nas relações.” (SILVA; LEITE, 2018, p. 15).
Como afirma Lima (2019, não paginado),
O dever de indenizar dos filhos que abandonam seus pais, tem caráter punitivo, compensatório e pedagógico. É punitivo ao filho pois deixa de cumprir o dever legal para com os pais e contribui para o dano moral. É compensatório da privação de convívio com a família. É pedagógico pois tem como desígnio desestimular a reincidência no descumprimento da obrigação que o filho tem.
Por ser um dano imaterial a obrigação dos filhos é reparar o dano causado aos seus genitores idosos e com intuito de evitar que haja a reincidência do delito levando em consideração a vulnerabilidade da saúde nesta etapa da vida.
3.2 DANO DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO E ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA
A pessoa idosa geralmente tem a sua saúde limitada e necessita de apoio e cuidados constantes, a falta de uma convivência familiar reforça ainda mais esta fragilidade, visto que a falta de afeto é fator prejudicial à saúde emocional das pessoas. Portanto o abandono afetivo dos idosos causa diversos danos a vida, ferindo os seus direitos garantidos na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto do Idoso (Lei nº 10741/2003).
Como afirma Almeida (2016, p. 50):
E, tendo em vista que é responsabilidade dos filhos maiores proverem o sustento, lazer, e uma vida digna aos seus pais, lhes auxiliando tanto economicamente quanto emocionalmente, quando ocorre a omissão por parte destes, não dando nenhum suporte emocional aos pais, principalmente àqueles com idade avançada, configura-se o ato ilícito.
O abandono do idoso pelos seus filhos deve ser considerado crime isso porque quando o filho não ampara seus genitores idoso no quesito material deixando o mesmo em situações de carência material deixa de cumprir uma obrigação imaterial, cometendo, “assim, um ato ilícito, que gera o pagamento de indenização por danos morais.” Apoio emocional também é uma obrigação legal dos filhos, sob o aspecto existencial, de acordo com a norma constitucional do art. 229 da CR/88 e o seu não cumprimento também é um ato ilícito e deve ocorrer a reparação do dano causado. (VIEGAS, 2016, p.16).
De acordo Almeida (2016, p. 53),
Assim, não há previsão de um valor específico para os casos de dano moral e, especificamente no abandono afetivo, o magistrado deverá levar em consideração os danos sofridos, o tempo em que se perdura a omissão dos filhos e, ainda, as demais circunstâncias específicas de cada caso, afim de que arbitre valor significativo a satisfazer o ofendido.
No entendimento fixado no julgamento do AgInt no AREsp 1.286.2429, sob relatoria do ministro Salomão, citando decisão do mesmo colegiado relatado pela ministra Gallotti, “destacou que não possui firme entendimento no sentido de que o dever de cuidado compreende o dever de sustento, guarda e educação dos filhos.” (BRASIL, 2019, não paginado). Se não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, não pode considerar o seu não cumprimento em delito e assim não tem como configurar em ato ilícito ou obrigar a cumprir com apoio afetivo.
Mais ainda tem divergência e dificuldade de julga e indenizar pelo dano causado pelo abandono afetivo diante a dificuldade que se tem em provar a falta de afeto. Como se é impossível passar para o papel a dor e todo mal causado diante da falta de carinho e amor, o afeto é muito subjetivo. Mesmo sem conseguir expressar ou quantificar o afeto o judiciário brasileiro “há alguns anos é auxiliado por outros métodos, no intuito de que pareceres técnicos de outras áreas possam contribuir e auxiliar os julgadores em uma decisão mais justa.” (GARROT, 2015, não paginado).
Exemplo de decisão que não reconhece o dever de indenizar por abandono afetivo é a decisão dos desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais onde aborda:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - ABANDONO AFETIVO - IMPOSSIBILIDADE. Por não haver nenhuma possibilidade de reparação a que alude o art. 186 do CC, que pressupõe prática de ato ilícito, não há como reconhecer o abandono afetivo como dano passível de reparação. (MINAS GERAIS, 2017, não paginado).
Nesta mesma linha de pensamento o tribunal de justiça de São Paulo julgou,
Família. Indenização por danos morais em razão de abandono afetivo. Conjunto probatório que não demonstrou que a omissão do réu causou prejuízo emocional intenso a ponto de caracterizar o aludido abandono. Danos morais não configurados. Ausência de prática de ato ilícito. Dano não configurado. Recurso improvido. (SÃO PAULO, 2017, não paginado).
O Tribunal de Justiça de Minas gerais não reconheceu o abandono afetivo como dano possível de indenização na decisão tomada recentemente.
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - ABANDONO AFETIVO NÃO CARACTERIZADO- DANO MORAL - AUSÊNCIA. A possibilidade de compensação pecuniária a título de danos morais por abandono afetivo exige comprovação efetiva do ilícito civil. A alegação genérica de abalo psicológico decorrente de abandono afetivo desamparada de elementos concretos de prova inibem o acolhimento do pleito indenizatório. Recurso desprovido. (MINAS GERAIS, 2021, não paginada).
As divergências nos tribunais sobre a questão do abandono afetivo e a pouca discussão sobre o referido assunto é destacado por Lima (2019, não paginado), em seu artigo afirma,
que os tribunais brasileiros ainda não têm um posicionamento referente ao abandono afetivo de filhos maiores e capazes por seus genitores idosos. As doutrinas não falam muito sobre o abandono afetivo inverso, os poucos que se tem são superficiais, não abordam o tema com profundidade em todas as áreas possíveis.
De acordo Queiroz (2021 não paginado),
Além disso, denota-se que as recentes opiniões doutrinárias e decisões judiciais acerca do tema têm caminhado na busca de expandir a afetividade aos princípios norteadores do direito de família, inclusive com o reconhecimento do abandono afetivo como uma conduta ensejadora do dever de indenizar, ficando aos auspícios da Justiça a quantificação dos danos morais.
O debate acerca do dano causado pelo abandono afetivo ainda tem um longo caminho a percorrer até conseguir o seu reconhecimento como valor jurídico e assim garantir a reparação indenizatória em favor da vítima, sempre procurando a valorização do princípio fundamental da dignidade humana.
3.3 PROJETO DE LEI Nº 4.229/2019
Com o envelhecimento da população e os diversos casos de abandono afetivo por parte dos filhos e considerando os danos causados, vê se a necessidade que esteja presente no estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) a responsabilidade civil dos filhos em caso de abandono afetivo. Com este objetivo o Senador elaborou e apresentou o projeto de Lei nº 4.229/2019, que ainda não foi votado pelos demais parlamentares.
O referido projeto de lei é de autoria do Senador Lasier Martins e em como objetivo acrescentar os seguintes artigos na Lei nº 10.741/2003:
Art. 42-A. A pessoa idosa tem direito à manutenção dos vínculos afetivos com a família e dos vínculos sociais com a comunidade, em ambientes que garantam o envelhecimento saudável.
Art. 42-B. Aos filhos incumbe o dever de cuidado, amparo e proteção da pessoa idosa.
Parágrafo único. A violação do dever previsto no caput deste artigo constitui ato ilícito e sujeita o infrator à responsabilização civil por abandono afetivo, nos termos do art. 927 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). (BRASIL, 2019, não paginado).
Nas palavras de Almeida (2016, p. 57), a aprovação deste projeto de Lei seria a garantia da penalidade em caso de abandono afetivo de idosos pelos filhos,
Este projeto de Lei é a materialização e criação de artigo legal para a possibilidade de indenização pela ocorrência do abandono afetivo inverso, ou seja, é a confirmação da possibilidade levantada no presente trabalho, a qual já é discutida em diversas jurisprudências do STJ, mas como se verifica, ainda não se tem um posicionamento dominante.
Não se tem dúvida em relação da responsabilidade dos filhos para com os pais idosos visto que a constituição federal e o estatuto do idoso expressa sobre o assunto, a questão em debate no projeto é sobre a penalidade do indivíduo em prática abandono afetivo inverso.
Assim como afirma Ribeiro (2021, não paginado),
Importante frisar que a propositura desse projeto de lei não é indicativa de que no atual cenário jurídico não há normas que permitam a responsabilização civil de quem comete o abandono afetivo. Pelo contrário, como já apresentado nesse trabalho os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais vigentes já são suficientes para ensejar indenização por abandono afetivo inverso. Entretanto, a conversão desse protejo em lei seria de extrema utilidade posto que colocaria fim a discussão.
Caso seja aprovado o referido projeto de lei será reafirmado o dever dos filhos em oferecer apoio material e afetivos aos pais idosos e legalização a questão da indenização, visto que este direito já é assegurado aos idosos na legislação vigente, portanto, pode se afirmar que sua aprovação seria muito importante.
Saber que o afeto é fator decisivo nas relações familiares e que a falta dele causa diversos prejuízos para as pessoas, especialmente aos idosos com a saúde já fragilizada devido a idade tem esse efeito potencializado na sua saúde emocional podendo levar a estado de depressão.
O estatuto do idoso no seu artigo estabelece que é dever dos filhos prestar apoio aos pais idosos garantindo a convivência familiar dos mesmos. Mais não tem estabelecido no código civil brasileiro (lei nº10.406/2002) a penalidade em caso de abandono afetivo e por ser um dano imaterial que prejudica a saúde mental do idoso sendo impossível calcular em valores o prejuízo provocado.
Segundo o artigo 229 da Constituição Federal de 1988 determina que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Sendo assim quando não cumprido o dever de cuidar cabe a reparação civil, mediante a indenização.
Mesmo tendo previsão na legislação brasileira de forma implícita na Constituição Federal e no Estatuto do idoso (lei nº 10.741/2003) não há consenso nos tribunais brasileiro sobre a questão do abandono afetivo e o dever de indenizar mesmo comprovado o abandono.
Portanto com a aprovação do projeto de lei no 4.229/2009 que insere dois novos artigos do Estatuto do Idoso e altera o artigo 3º do Código Civil não teria mais divergência na reparação material pelo dano causado com o abandono afetivo dos filhos em relação aos genitores idosos.
Pode se concluir ao final deste estudo que são poucos os pais idosos que buscam reparo pelos danos provocados pelo abandono afetivo dos filhos, talvez por não fazer parte da cultura do mesmo ou por não ter consciência de seus direitos.
Não resta dúvida que o desamparo afetivo dos filhos para com os pais idosos fere os princípios do direito a família e os direitos dos idosos, provocando danos a dignidade da pessoa idosa e deve ser visto não apenas para responsabilizar civilmente os responsáveis, mas como uma forma real de garantir os direitos dos idosos previsto na lei 10.741/03, Estatuto do Idoso e na Constituição Federal.
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[1] Mestra em Direito e Práticas Públicas. Professora da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP) e-mail: [email protected]
Graduanda do curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOTA, Sarah Nascimento. Abandono Afetivo Inverso: possibilidade de responsabilização civil dos filhos em relação aos pais idosos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 nov 2021, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57560/abandono-afetivo-inverso-possibilidade-de-responsabilizao-civil-dos-filhos-em-relao-aos-pais-idosos. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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