ANTÔNIO DE LUCENA BITTENCOURT NETO
(orientador)
RESUMO: O vínculo empregatício confere ao empregado uma série de garantias previstas em lei, e com o avançar dos últimos anos muitos legisladores viram a necessidade de reestruturar e de reorganizar a CLT para fins de reforma, com base nesse contexto a sociedade tem passado por inúmeras mudanças e com elas vieram o surgimento de novas relações de trabalho. Dentre elas, a do motorista de aplicativo, profissão esta que tem sido pauta de inúmeros questionamentos e discussões acerca do reconhecimento ou não de seu vínculo trabalhista. Sobre essa divergência uma parte da doutrina se considera favorável pelo reconhecimento ao entender que motorista preenche todos os requisitos para a configuração da relação de trabalho, porém, em entendimento contrário, tem aqueles que desconhecem a existência de vínculo em razão da inexistência de subordinação entre o motorista e a empresa UBER. Diante dessa série de questionamentos e dúvidas que levam a divergência doutrinária e jurisprudencial que o artigo enfatizará sobre o posicionamento majoritário adotado e a decisão dos tribunais superiores a respeito da temática.
PALAVRAS-CHAVE: Vínculo empregatício. CLT. Motorista de aplicativo. UBER.
ABSTRACT: The employment relationship gives the employee a series of guarantees provided for by law, and with the advance of recent years, many legislators saw the need to restructure and reorganize the CLT for reform purposes, after all, society has undergone numerous changes and with they came with the emergence of new working relationships. Among them, the application driver, a profession that has been the subject of numerous questions and discussions about the recognition or not of the employment relationship. About this divergence, a part of the doctrine considers favorably for the recognition in understanding that the driver fulfills all the requirements for the configuration of the employment relationship, however, on the other hand, there are those who are unaware of the existence of a bond due to the lack of subordination between the driver and the UBER company. Faced with this series of questions, the article will emphasize the majority position and the decision of the higher courts on the subject.
KEYWORDS: Employment relationship. CLT. Application Driver. UBER.
INTRODUÇÃO
O direito do trabalho encontra-se em constante evolução, a cada dia e a cada semana surgem novos questionamentos que nos fazem refletir acerca de fatos nunca vistos pelo legislador, em consequência desses inúmeros avanços foi vista a necessidade da criação de uma nova lei capaz de corresponder as atuais expectativas, de maneira a apresentar inovações que viessem a facilitar a proteção aos direitos dos trabalhadores.
Estes fatos levaram a elaboração da nova Consolidação das Leis do Trabalho, cujos dispositivos vieram a acrescentar informações novas, modernizando-a conforme a necessidade dos dias atuais.
Apesar de sua importância, não podemos negar os novos problemas relacionados ao estudo do direito do trabalho, dentre elas a de maior importância e foco de estudo do presente artigo que diz respeito ao reconhecimento de vínculo empregatício em determinadas categorias profissionais, ao trazer a tona o trabalho desenvolvido pelo motorista de aplicativo.
Reconhecimento este que muitos motoristas têm lutado para alcançá-lo, pois a obtenção de sua garantia não apenas confere estabilidade, como também o recebimento das verbas que passam a ter direito. E por buscar esse reconhecimento que muitos motoristas de aplicativos entraram com ações ao longo dos últimos anos buscando uma decisão favorável aos seus interesses.
Com isso, em virtude de seu objeto, o presente artigo abordará o conceito de vínculo empregatício; sua importância, visando destacar a divergência de opiniões apresentadas pelos estudiosos do direito e o atual entendimento dos tribunais superiores acerca da regulamentação da matéria.
ASPECTOS INICIAIS
O questionamento acerca do reconhecimento ou não do vínculo empregatício é um tema de grande abrangência no estudo do direito do trabalho, em decorrência da existência das diversas relações de trabalho existentes nos dias de hoje. Inúmeras seriam as exemplificações a serem dadas sobre a temática, contudo, o principal ponto de estudo deste artigo diz respeito ao reconhecimento ou não do vínculo laboral existente entre o UBER e os motoristas de aplicativo, modalidade trabalhista esta voltada exclusivamente ao transporte individual privado que surgiu em detrimento das inovações tecnológicas.
O UBER é um aplicativo que chegou ao Brasil em 2014, conferindo à respectiva classe de motoristas a categoria de trabalhador autônomo. Contudo, o assunto virou motivo de questionamentos por parte de especialistas sobre o reconhecimento do vínculo existente entre o motorista cadastrado com o aplicativo, motivo este que gerou grandes controvérsias e objeto de estudo em comento (CASAGRANDE, 2017. p. 06).
RELAÇÃO DE TRABALHO E RELAÇÃO DE EMPREGO
Ao tratar sobre o tema propriamente dito é preciso destacar o conceito dado pela doutrina majoritária sobre a “relação de trabalho”, e mais do que tudo, diferenciá-lo com a expressão “relação de emprego”, que embora semelhantes, possuem singularidades que serão primeiramente apresentadas neste tópico. Segundo o entendimento de Maurício Delgado Godinho:
“A primeira expressão tem caráter genérico: refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual. [...] (DELGADO, 2009, pág. 270).
Antes de tudo, é preciso destacar a existência de duas correntes doutrinárias que tem sido alvo de controvérsias por parte da doutrina, são elas: a teoria Contratualista e a Teoria Anti-contratualista.
Para os contratualistas, todo vínculo oriundo da relação de emprego tem natureza contratual, ou seja, o contrato só viria a possuir seus respectivos efeitos quanto a validade se houver o comum acordo entre as partes para sua elaboração, obedecendo os requisitos essenciais para formação do contrato entre empregado e empregador na forma da lei (LEITE, 2018. p. 241).
Por outro lado, os anti-contratualistas fundamentam sua tese com base no entendimento de que a relação entre empregado e empregador não necessita de contrato, ao entender que o que prepondera em suas relações é o consenso e a livre manifestação de vontade entre os mesmos (LEITE, 2018. P. 243).
Por se tratar de uma relação aberta que confere ao trabalhador maior liberdade no exercício de suas funções, a teoria anti-contratualista apresentou a chamada “relação de trabalho”: conceito mais amplo que faz referencia a todo e qualquer tipoo de relação de trabalho existente, seja de vinculo contratual ou não, se concretizando a partir do mero consentimento tácito por parte do trabalhador.
Resumindo, o trabalhador oferecerá sua capacidade laboral para a realização de suas atividades, onde em troca, receberá tão somente uma contraprestação pela realização do serviço prestado. Não há direitos trabalhistas. Diferentemente da “relação de emprego”, cujo critério para sua configuração consiste no preenchimento de todos os requisitos apresentados no artigo 3° da Consolidação das Leis do trabalho (subordinação, pessoalidade, habitualidade, onerosidade e obrigação do serviço ser prestado por pessoa física), cumpridos esses requisito estaremos diante da relação de emprego, caso contrário, será uma relação de trabalho (ALCANTARA, 2017. P. 56).
ESPÉCIES DA RELAÇÃO DE EMPREGO:
Devidamente apresentado no tópico anterior, a configuração da relação de emprego apresenta alguns requisitos que precisam ser necessariamente cumpridos, vamos a eles:
PESSOA FISICA:
O primeiro requisito para configuração da relação de emprego é que a atividade precisa ser realizada por pessoa física, uma vez que o direito do trabalho se reserva a proteger sempre a parte mais fraca e vulnerável das relações trabalhista. Tal benefício inexiste para pessoas jurídicas.
A observação atinente a pessoa física se faz necessária ao reconhecer o papel do homem na realização do trabalho, cabendo, portanto, apenas a ele execução de seu fim. É importante destacar que a doutrina embora esclareça a relação existente entre duas empresas, sendo uma delas prestadora de serviços, a esta última entende-se que a realização do trabalho se dá pelas pessoas físicas vinculadas a empresa prestadora de serviços e não a empresa propriamente dita.
Conforme este entendimento, Mauricio Delgado traz uma definição clara e sucinta sobre a pessoa física:
"A prestação de serviços que o Direito do Trabalho toma em consideração é aquela pactuada por uma pessoa física. Os bens jurídicos tutelados pelo Direito do Trabalho importam à pessoa física, não podendo ser usufruídos por pessoas jurídicas. Assim, a figura do trabalhador há de ser, sempre, uma pessoa natural”; (DELGADO, 2009, pág. 270.).
Além do conceito, o autor destaca:
“a própria palavra trabalho já denota, necessariamente, atividade realizada por pessoa natural, ao passo que o verbete serviço abrange obrigação de fazer realizada quer por pessoa física, quer pela jurídica.” (Delgado, 2009, pág. 291.
Portanto, o trabalhador deve sempre ser pessoa física, pois assim evita riscos de fraudes por parte de empregadores que buscam burlar e infringir os dispositivos legais devidamente inseridos na nova CLT.
PESSOALIDADE
Diretamente vinculado ao requisito da pessoa física, a pessoalidade se faz necessária para a configuração da relação de emprego. Sua finalidade estabelece que as relações estabelecidas devem ser “intuitu personae”, ou seja, a realização/execução do serviço deve ser feita exclusivamente com o mesmo empregado com quem o empregador firmou contrato (CAIRO JUNIOR, 2014. p. 142).
Atualmente já tivemos inúmeras causas na justiça que retrataram situações em que o funcionário não pode comparecer ao serviço em razão de imprevistos relacionados a motivos doença, e não tendo como comparecer ao serviço pede para que alguém (um terceiro estranho na relação trabalhista) vá em seu lugar para cumprir o expediente. Notem que tal pratica não é permitida, uma vez que, conforme fora visto, o contrato é feito em razão da pessoa, não podendo um terceiro cumprí-lo em seu lugar, pois o que prevalece é a pessoalidade na prestação do serviço pactuado.
Facilitando o entendimento deste requisito com o exemplo apresentado, convém destacar o comentário de Mauricio Delgado Godinho sobre o tema:
“É essencial à configuração da relação de emprego que a prestação do trabalho, pela pessoa natural, tenha efetivo caráter de infungibilidade, no que tange ao trabalhador. A relação jurídica pactuada – ou a efetivamente cumprida – deve ser, desse modo, intuitu personae com respeito ao prestador de serviços, que não poderá, assim, fazer-se substituir intermitentemente por outro trabalhador ao longo da concretização dos serviços pactuados”. (DELGADO, 2008, pág. 292.).
NÃO EVENTUALIDADE
O terceiro elemento configurador da relação de emprego é caracterizado pela realização de atividade de maneira contínua, portanto, a eventualidade diz respeito a tudo aquilo que não é habitual/contínuo.
O artigo 3° da CLT apresenta essa informação com os seguintes dizeres:
“Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.
Logo, o trabalho passa por uma carga horária fixada semanalmente a serem cumpridas durante os dias da semana. Contudo, nada impede a existência de atividade realizadas em apenas alguns dias, pois tudo dependerá da previsão contratual estabelecida (NASCIMENTO, 2006. P. 445).
A titulo de exemplo temos o caso de um sujeito que trabalha como garçom nos finais de semana, onde presta suas funções em uma jornada diária de oito horas por dia, durante os dias de sexta, sábado e domingo. Perceba que, embora tal atividade não seja realizada diariamente, mesmo assim se configura como relação de emprego por se ter em vista os dias e horários fixados em contrato de trabalho.
ONEROSIDADE
A onerosidade é consequência da relação de emprego, são direitos e obrigações fixados no contrato entre empregado e empregador, permitindo que ambos os lados da relação trabalhista cumpram com suas responsabilidades, seja o empregado para o fiel cumprimento dos seus serviços, seja o empregador na responsabilidade de efetuar o pagamento pela contraprestação realizada, podendo ser feito em dinheiro ou utilidades (MARQUES; ABUD, 2013. P. 12).
A onerosidade é vista como um importante fator das relações de trabalho, pois ele visa verdadeira finalidade que determinam os motivos de uma pessoa oferecer sua força de trabalho.
SUBORDINAÇÃO
O último aspecto da relação de emprego é o que tutela o empregado protegendo-o das arbitrariedades e condutas praticadas por parte do empregador, a subordinação é necessária não apenas para a configuração da relação de emprego, como também, no que cerne a proteção ao trabalhador quanto aos seus direitos (LOCKMANN, 2010. P. 29).
A PLATAFORMA DO UBER
O cadastro para habilitar-se aos serviços do UBER como motorista de aplicativo segue algumas etapas necessárias para efeitos de validação de seus dados ao sistema.
A primeira etapa para cadastro é a exigência e comprovação de CNH (Carteira Nacional de Habilitação), acrescida da sigla EAR para atestar o exercício de atividade remunerada visando posteriormente a comprovação da capacidade do motorista para exercício das atividades profissionais pela UBER.
Atestando a CNH, é preciso fazer o cadastro no aplicativo, lá deverão ser devidamente preenchidas as informações pessoais, além do inserimento de uma foto 3x4 para fins de reconhecimento do usuário. Ademais, outras informações são exigidas para o preenchimento do cadastro, tais como nome dos genitores, CPF, RG, endereço atualizado, documentações do veículo a ser usado para realização da atividade (marca, ano de fabricação), tais informações são necessárias para fins de análise (EQUIPE UBER, 2019).
Após sua aprovação no sistema, o motorista tem acesso ao aplicativo do UBER. Além do mais, cabe ressaltar que sua conta é individual, não podendo terceiros usarem seus dados e exercer a atividade em seu lugar (critério da pessoalidade), cabendo ao motorista a possibilidade de habilitar mais de um veículo automotor para execução dos seus serviços.
Para trabalhar, o motorista altera o seu status para o modo Online, de maneira a permitir que o motorista receba notificações de corridas próximas a sua localização, permitindo a realização da corrida, para sua ocorrência basta que o mesmo aceite e se dirija em direção ao passageiro que o aguarda (EQUIPE UBER, 2019).
O Aplicativo possui esta dinâmica justamente com o propósito de flexibilizar as relações de trabalho dos motoristas cadastrados em seu banco de dados.
O VÍNCULO TRABALHISTA ENTRE O MOTORISTA DE APLICATIVO E O UBER
Muito tem se falado sobre essa questão do vínculo entre o motorista de aplicativo e o UBER, relação de trabalho esta, que apesar de recente tem sido alvo de inúmeros argumentos jurídicos acerca da sua validade quanto à proteção dos motoristas (ZANATTA, 2017).
Sem muitos aprofundamentos por ora neste artigo, é preciso destacar que diversas ações trabalhistas tem dado o devido reconhecimento as atividades vinculadas ao UBER, sendo apenas uma questão de tempo para seu entendimento unânime acerca da controvérsia.
Um dos casos mais recentes diz respeito a um sujeito que teve o seu vinculo encerrado com o aplicativo. Na justiça ele ingressou com uma ação na qual pleiteava o reconhecimento do vínculo empregatício, exigindo seu direito com base na sua jornada de trabalho e nas documentações que apresentou em anexo solicitou a respectiva anotação de seu tempo de serviço na carteira de trabalho. A UBER, na condição de reclamada, apresentou em sua defesa o não reconhecimento da exigência feita pelo reclamante, uma vez que, segundo seu entendimento, inexistia o preenchimento de todos os pressupostos que configurassem a relação de empregos. Com base nas informações apresentadas nas peças e provas nos autos, a juíza proferiu decisão favorável ao réu reconhecendo o vínculo empregatício.
Sobre a pessoalidade, ela destacou:
A pessoalidade é patente. O autor, para trabalhar na UBER, procedeu à sua inscrição "on line”, individualizada, como admitido pela própria reclamada. Nesse sentido o passo a passo para o cadastro, acostado à defesa (f. 315 e seguintes). (CAVALCANTI, Ana Maria Espi –TRT-BH. RTOrd 0010635- 18.2017.5.03.0137- 03ª região).
Com relação a habitualidade:
Na hipótese dos autos, os relatórios de corridas (f. 538 e seguintes) deixam evidenciado que o autor trabalhava de forma não eventual, e predominantemente no horário noturno, em praticamente todos os dias da semana, durante todo o período declinado na exordial. Registre-se, por oportuno, que o fato de o autor trabalhar em outra atividade, neste caso, por si só, não teria o condão de elidir o reconhecimento da relação de emprego, eis que, como é sabida, uma pessoa pode ter mais de um emprego. Logo, totalmente inócua a juntada da carteira de trabalho do autor. (CAVALCANTI, Ana Maria Espi-TRT-BH. RTOrd 0010635- 18.2017.5.03.0137- 03ª região).
Reconheceu a onerosidade pela atividade desempenhada, e entendeu a subordinação como último elemento para caracterização da relação de emprego conforme abaixo:
No entendimento deste juízo não há dúvidas de que a reclamada controla e desenvolve o negócio, estabelecendo os critérios de remuneração de seus motoristas. Em contraposição, está o motorista, que se sujeita às regras estabelecidas pela UBER e ao seu poder disciplinario, como por exemplo, a desativação do trabalhador, com baixa/má reputação. A própria reclamada admite em sua defesa que, caso seja reconhecido o vínculo, deverá ser considerado que a dispensa do obreiro se deu por mau procedimento, em virtude de seguidos cancelamentos de viagens. (CAVALCANTI, Ana Maria Espi –TRT-BH. RTOrd 0010635-18.2017.5.03.0137- 03ª região).
Isto posto, o douto juízo entendeu por não restar dúvidas quanto ao reconhecimento do direito suscitado pelo autor na ação.
ENTENDIMENTO CONTRÁRIO AO RECONHECIMENTO DE VÍNCULO
Na mesma medida em que alguns tribunais reconheçam o vínculo e garanta os direitos do trabalhador, há quem apresente entendimento contrário.
Dentre diversos entendimentos apresentados nos tribunais pelo país, o Tribunal de Justiça do Trabalho do Estado do Ceará, entendeu que o motorista de aplicativos como o UBER não tem vínculo empregatício com a mesma. A referida decisão se deu no dia 27 de setembro de 2021por meio do Tribunal Regional do Trabalho da 7° Região (BEATRIZ, 2021. P.01).
O referido órgão já havia apresentado seu entendimento anteriormente em primeira instância com a negativa de um pedido realizado por um motorista de UBER que realizou seus serviços durante os anos de 2019 a 2020.
Em fase recursal, o acórdão de segundo grau proferido pela primeira turma do Tribunal Regional do Trabalho decidiu pelo não reconhecimento do vínculo por entender que a referida relação não encontra a “subordinação” como um dos requisitos para a sua configuração.
Esse assunto tem gerado repercussões por se tratar de uma matéria inédita nunca antes vista nos tribunais, e em razão dessas questões o Tribunal Superior do Trabalho já proferiu jurisprudência acerca desta temática (BEATRIZ, 2021. P.01).
O relator da decisão, o Jurista Plauto Carneiro Porto expõe que as leis trabalhistas são eficientemente aptas na resolução dos problemas atinentes as novas relações de trabalho, e destaca com as seguintes palavras:
A legislação é apta para "ensejar a aferição e consequente distinção da natureza das relações laborais efetivadas na vida em sociedade, se de emprego ou meramente de trabalho, mesmo em sendo elas do chamado 'novo modelo de trabalho', prenhes de tecnologia, com ferramentas complexas, programas, sistemas e algoritmos" (BEATRIZ, 2021. P.02).
O magistrado ainda enfatiza ao dizer que o processo ajuizado pelo motorista contra a UBER resultou no não reconhecimento da subordinação dentro da relação entre as partes do processo, sendo o ato de estar subordinado ao empregador um requisito imprescindível para aquisição e proteção dos direitos trabalhistas.
Além desse entendimento, o Ministro Breno Medeiros expôs seu argumento com base no mesmo entendimento, ao entender que:
"a ampla flexibilidade do trabalhador em determinar a rotina, os horários de trabalho, os locais em que deseja atuar e a quantidade de clientes que pretende atender por dia é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação” (BEATRIZ, 2021. P.02).
Com isso, embora muito se tenha discutido acerca da divergência de opinião acerca do reconhecimento ou não, as empresas de aplicativos como o UBER tem enfrentado inúmeros processos ao longo dos últimos anos sobre essas mesmas questões.
Pois, apesar de muitos ajuizarem ações requerendo o reconhecimento do respectivo rvínculo, o TST deu a palavra final ao entender pelo não reconhecimento com base nos fundamentos acima expostos (BEATRIZ, 2021. P.02).
Vamos aos julgados acerca da matéria:
A decisão é oriunda de um recurso de agravo de instrumento referente a recurso de revista que fora negado pela decisão anterior que buscava entender as razões do não reconhecimento do vínculo (processo n° 1001821-40.2019.5.02.0401).
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. Em razão de provável caracterização de ofensa ao art. 3º, da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o prosseguimento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Destaque-se, de início, que o reexame do caso não demanda o revolvimento de fatos e provas dos autos, isso porque a transcrição do depoimento pessoal do autor no acórdão recorrido contempla elemento fático hábil ao reconhecimento da confissão quanto à autonomia na prestação de serviços. Com efeito, o reclamante admite expressamente a possibilidade de ficar "off line", sem delimitação de tempo, circunstância que indica a ausência completa e voluntária da prestação dos serviços em exame, que só ocorre em ambiente virtual. Tal fato traduz, na prática, a ampla flexibilidade do autor em determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia. Tal auto-determinação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo. Não bastasse a confissão do reclamante quanto à autonomia para o desempenho de suas atividades, é fato incontroverso nos autos que o reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital prestados pela reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços. Dentre os termos e condições relacionados aos referidos serviços, está a reserva ao motorista do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário, conforme consignado pelo e. TRT. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 10001238920175020038, Relator: Breno Medeiros, Data de Julgamento: 05/02/2020, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/02/2020).
Conforme decisão proferida pelo TST o preenchimento dos requisitos para obtenção do vínculo empregatício se fazem necessárias, onde além da ausência de subordinação, o julgador verificou a autonomia exercida pelo autor da ação quando exercia suas funções como motorista de aplicativo.
Dentro dessa autonomia, se pode perceber o autor admitiu de forma expressa em juízo sobre a vantagem de ficar “offline” no aplicativo de modo a realizar as suas atividades dentro do seu próprio tempo, possibilidade esta que não permitia que a UBER fiscalizasse o número de horas trabalhadas. Com isso, a empresa alegou que não tinha acesso a jornada e nem as horas em que o serviço era realizado (TST - RR: 10001238920175020038, 2020. P. 12).
Nesse entendimento, verificou-se que a ampla margem de liberdade atribuída ao motorista para a prestação do serviço permitiu que o requisito da “subordinação” inexistisse frente ao reconhecimento de uma relação contratual.
Além do mais, a UBER requisitava apenas do motorista cadastrado o pagamento de taxa referente a cada corrida realizada, sendo assim, o motorista obtinha apenas uma variável equivalente a 75 a 80% do valor pago pelo cliente, sendo o restante pago à empresa (TST - RR: 10001238920175020038, 2020. P. 12).
O valor recebido pelo motorista do aplicativo confere uma grande vantagem a sua remuneração, fator esta que viabilizaria muito mais o exercício de suas atividades.
Com base nos argumentos expostos o motorista não tem direito de reconhecimento ao vínculo empregatício e nem as verbas rescisórias, como as horas extras, a indenização solicitada por danos morais, o valor concernentes as despesas realizadas, assim como os demais benefícios normativos solicitados.
CONCLUSÃO
O mundo tem mudado e com elas surgiram novas relações de trabalho, esse dinamismo permitiu que as Leis trabalhistas passassem por reformas capazes de atender as mudanças e com elas regular suas mais diversas configurações. Dentre o extenso rol de novas atividades surgidas ao longo dos últimos 5 anos, tivemos a do motorista de aplicativo, atividade esta que propiciou maior dinamismo e facilidade na locomoção de seus usuários.
Embora haja elevada importância na função exercida pelo motorista de UBER, há muitos que o questionassem sobre a regularização da profissão como forma de emprego. Esse assunto virou pauta em vários tribunais gerando divergências quanto ao seu posicionamento favorável ou não.
O reconhecimento do vínculo tem sido o desejo de muitos cidadãos em tempos de crise, e sua garantia não apenas confere estabilidade, como também o recebimento das verbas que passa a ter direito. E por buscar esse reconhecimento que muitos motoristas de aplicativos entraram com ações ao longo dos últimos anos buscando uma decisão favorável aos seus interesses.
Por conta do relevante número de ações, muitos tribunais viram a necessidade de levantar este assunto ao trazer questionamentos que levassem a um entendimento uniformizado, pois na medida que um tribunal entendia pela não aplicabilidade da concessão de seu direito quanto ao reconhecimento, havia paralelamente tribunais em outro Estados julgando em sentido contrário. Com isso, muito mais do que a decisão dos tribunais, era preciso ver o entendimento da jurisprudência e dos tribunais superiores sobre o assunto.
Dentre a dualidade apresentada pelos dois lados o artigo leva a conclusão de que o atual entendimento apresentado pelo Tribunal Superior do Trabalho enfatiza o seu não reconhecimento, por se ter em vista a ausência da subordinação como requisito para a configuração da relação de emprego.
Desta forma, embora a empresa UBER esteja lidando com inúmeros processos referentes ao questionamento desta matéria, o papel do direito ao longo dos próximos anos serão de difundir o entendimento de seus julgados a fim de uniformar a compreensão da matéria apresentada fazendo prevalecer o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho frente as decisões conflitantes dos tribunais.
REFERÊNCIAS
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BEATRIZ, Laura. Justiça do Ceará determina não existir vínculo empregatício de motorista com a UBER. Disponível em: Justiça no Ceará determina não existir vínculo empregatício de motorista com a Uber (opovo.com.br). Acesso em: 27 de set. de 2021.
CAIRO JÚNIOR, José. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 142
CASAGRANDE, Beatriz Miotelli. A (im) possibilidade da existência de vínculo empregatício entre o aplicativo UBER e os motoristas. Universidade do Sul de Santa Catarina. UNISUL, Içara. p. 06, 2017.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 8° edição, LTR, São Paulo: 2009.
LEITE, Carlos enrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 9°. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
LOCKMANN, Ana Paula Pellegrina. Visão Atual da Subordinação no Direito do Trabalho. Leituras Complementares de Direito e Processo do Trabalho. Org. Bruno Freire e Silva. Salvador: Podvim, 2010.
MARQUES, Fabíola; ABUD, Cláudia José. Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 12.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho; relações individuais e coletivas do trabalho. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 445.
TST - RR: 10001238920175020038, Relator: Breno Medeiros, Data de Julgamento: 05/02/2020, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/02/2020. Acesso em: 22 de out. 2021.
UBER TECHNOLOGIES INC. Uber. Disponível em: >https://www.uber.com/pt-BR/>. Acesso em: 29 mar. 2021.
ZANATTA, Rafael; PAULA, Pedro do Carmo de; KIRA, Beatriz. Contribuições para o debate sobre regulação do aplicativo Uber no Brasil. Disponível em: >http://www.internetlab.org.br/wp-content/uploads/2017/04/Contribuicoes-ao-debateBrasilia-Versao-final.-Aprovada.-16.06.2015.pdf.
Graduando(a) do Curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FRANCO, Raphael Phillip Alves. O entendimento acerca do reconhecimento ou não do vínculo empregatício entre motorista de aplicativo e a UBER Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2021, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57594/o-entendimento-acerca-do-reconhecimento-ou-no-do-vnculo-empregatcio-entre-motorista-de-aplicativo-e-a-uber. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
Por: Beatriz Ferreira Martins
Por: MARCIO ALEXANDRE MULLER GREGORINI
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
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