RESUMO: O aborto tem sido um dotado de grande importância para o meio acadêmico e jurídico, pois nele envolve o estudo e conhecimento acerca do crime de aborto e sua aplicabilidade diante dos casos concretos. De acordo com o ponto de vista médico o aborto é compreendido como a interrupção da gravidez em até a 20ª semana, tendo o feto o peso médio de até 500 gramas ou até mesmo quando o bebê durante o seu desenvolvimento gestacional venha a medir até 16,5 centímetros. Não bastando, o direito entende sua prática como a interrupção anormal do processo de gravidez, resultando na morte do nascituro, fruto da concepção. Esse entendimento leva o artigo a apresentar as dificuldades existentes quanto o acesso ao serviço público para a realização do aborto quando necessário, haja vista que muitas pacientes não tem os recursos necessários para encaminhamento a clínicas particulares, dependendo em grande parte dos serviços públicos de saúde.
PALAVRAS-CHAVE: Aborto. Serviço Público. Saúde.
ABSTRACT: Abortion has been endowed with great importance for the academic and legal environment, as it involves the study and knowledge about the crime of abortion and its applicability in concrete cases. From a medical point of view, abortion is understood as the termination of pregnancy within the 20th week, with the fetus weighing up to 500 grams or even when the baby during its gestational development measures up to 16, 5cm. Not enough, the law understands its practice as the abnormal interruption of the pregnancy process, resulting in the death of the unborn child, the result of conception. This understanding leads the article to present the existing difficulties regarding access to the public service for abortion when necessary, given that many patients do not have the necessary resources to be referred to private clinics, depending largely on public health services.
KEYWORDS: Abortion. Public service. Health.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo investigar as dificuldades referentes ao acesso aos serviços públicos de saúde no que tange ao aborto previsto em Lei no estado do Amazonas.
A pesquisadora interessou-se pela temática deste estudo por se tratar de um assunto polêmico e em constante evidência, que tem gerado constantes discussões em diversas áreas como Direito Médico, Constitucional e Penal.
Muitos conhecem casos de mulheres vítimas de estupro que buscam através do aborto uma alternativa para a solução de seus problemas em virtude da violência sexual provocada pelo agressor, buscando esse procedimento como um meio rápido e eficaz aos seus interesses.
A abordagem desse assunto contribuirá com debates e possíveis resoluções dos desafios encontrados acerca das infraestruturas disponíveis no Estado do Amazonas que envolvam o acolhimento e o atendimento às mulheres que procuram a realização do abortamento.
Partindo da premissa de que o Código Penal não exige a apresentação de documento ou qualquer procedimento burocrático para a prática de aborto e o fato da mesma não possuir o dever legal de noticiar o fato à polícia, parte-se da percepção a priori de que, a não existência de estruturas e profissionais capacitados para a realização de tal ato é considerado um atentado à vida e à saúde das mesmas, tendo em vista os serviços de Saúde de referência em aborto legal apresentarem a contradição de existir como direito, mas concomintantemente a de negar esse acesso.
Nota-se a necessidade de atualizar a abordagem do conceito sobre o direito ao aborto legal a partir dos entendimentos apresentados pelo Código Penal, bem como a abordagem de especialistas, de modo a trazer melhores esclarecimentos com relação ao tema.
1 O DIREITO A VIDA
A vida é o bem jurídico mais importante a ser protegido no ordenamento jurídico, encontrando-se devidamente resguardado pela atual Constituição como forma de princípio.
Preliminarmente, no que diz respeito ao conhecimento dos princípios e sua função no ordenamento jurídico, o Jurista Celso Antonio Bandeira de Mello entende que:
O princípio é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (ROTHERNBURG, 1999, p. 14).
Em outras palavras, o princípio nada mais seria do que a origem ou ponto de partida para formação, desenvolvimento e proteção dos direitos basilares a serem protegidos. Com o advento da Constituição Federal de 1988, a referida carta dispôs no título II, capítulo I, sobre os direitos e garantias fundamentais de natureza individual e coletiva.
Na parte referente ao direito à vida, a Constituição conferiu destaque especial ao colocá-lo em seu caput com os seguintes dizeres:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (BRASIL, 1988).
Segundo o doutrinador Alexandre de Moraes, o direito à vida dentre todas as demais garantias apresentadas pelo artigo 5° é vista como a mais importante de todas, uma vez que se constitui como pré-requisito para a existência e validade dos demais normas existentes (MORAES, 2000. P. 61).
Com o mesmo entendimento apresentado, André Ramos Tavares entende que o direito à vida, embora se considere de grande importância para o ordenamento jurídico, não pode deixar de ser visto como o mais básico de todos os direitos, servindo apenas como pontapé inicial para o desenvolvimento e proteção dos demais direitos e garantias fundamentais. Considerado, portanto, como um direito de primeira geração (TAVARES, 2010, P. 569).
Embora à vida seja o primeiro direito a ser protegido isso não significa que exista hierarquia entre os demais direitos fundamentais, pois todos se encontram no mesmo patamar, não podendo haver distinções que venham a acarretar o desprezo e diferença entre garantias a serem protegidas.
Reforçando este entendimento, Luciana Russo informa que a vida é o direito principal e por ser objeto das primeiras lutas no decorrer da história muitos não podem deixar de lado a sua íntima ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana, ao considerar que não há dignidade sem vida (RUSSO, 2009. p. 91).
Com isso, o referido direito não se resume apenas ao simples fato de viver, pois além de fundamental ele nos confere o exercício para a prática dos demais direitos em sociedade.
2 O ABORTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO
A primeira observação a ser feita diz respeito a finalidade a qual se entende a aplicabilidade do aborto no ordenamento jurídico, partindo da premissa apresentada pelos estudos da Constituição e do Código Penal.
Dando início a esta conversa, a carta magna em seu artigo 5ª confere garantia quanto a inviolabilidade do direito à vida aos brasileiros e estrangeiros que residam no país, da mesma forma como se encontra apresentada no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU, cujo artigo 6ª, item I estabelece que a vida é um direito inerente a todo ser humano, direito este que deve ser protegido por lei, de modo a coibir toda forma de abuso ou prática arbitrária que tente cerceá-la (ONU, 2021. P.0 5).
Embora os dispositivos anteriores entendam a vida como um direito inerente, o código penal apresenta posicionamento diverso ao destacar a vida como um bem disponível, tal entendimento se deve as situações excepcionais na qual se exclui a culpabilidade da conduta praticada pelo agente, como nos casos de legítima defesa (artigo 25 do código penal), estado de necessidade (artigo 24 do código penal), e nas situações que envolvam o aborto necessário, onde a mãe poderá (de maneira permissiva) com o devido amparo legal realizar o aborto. Sendo assim, a lei protegerá e garantirá o aborto legal quando se estiver diante de perigo iminente devida, nas situações em que o feto for anencefálico ou nos casos em que o fruto da concepção decorra de estupro (Brasil, 2021).
Perceba que nas situações apresentadas, embora a Constituição estabeleça a indisponibilidade quanto ao direito a vida, o Código penal apresenta ressalvas ao tratar de situações excepcionais dentre as quais se tornará possível a prática do aborto. Nesse contexto é muito comum doutrinadores, juristas e estudiosos do direito discutirem sobre os fins objetivados pelo Estado com a proibição do aborto, onde em grande parte das vezes se questionam sobre sua aplicabilidade para fins penais e suas exceções a qual se torna permissível sua prática.
Esse entendimento se faz pertinente por levar em consideração a luta das mulheres pelo reconhecimento dos seus direitos ao longo dos últimos anos. Onde, embora houvesse a implementação de políticas públicas direcionadas a saúde sexual e reprodutiva não havia na época o acesso adequado aos serviços públicos de qualidade.
Foi quando, apenas nas primeiras décadas do século XX que o Brasil passou a se debruçar sobre as questões referentes a saúde e parto, vendo que era necessária mudanças na política nacional de saúde em detrimento de uma camada tão vulnerável da sociedade (FERREIRA FILHO, 2018. P. 14).
Antes disso, os programas assistenciais criados entre os anos de 1930 a 1970 eram voltados a cultura da mulher na figura de mãe e cuidadora do lar. Contudo, o pensamento não é mais o mesmo, pois nos dias de hoje as novas políticas voltadas ao público do sexo feminino entendem como imprescindível as discussões sobre o aborto por atrelar a saúde da mulher e a liberdade na decisão de escolha em ter a criança ou não (FERREIRA FILHO, 2018. P. 14)
Tudo isso se faz necessário como forma de reduzir o alto índice de mortalidade materna. No Brasil, nos anos de 2020 a 2015, compreende-se que em média 1 milhão de abortos de risco foram realizados pelo país, sendo de 250 mil o número de mulheres internadas com risco de vida por tentarem realizar o aborto de forma insegura e prejudicial a saúde.
3 O CONCEITO LEGAL DE ABORTO
O aborto é uma palavra que surgiu do latim “ab-ortus” que significava todo aquele que era privado de seu nascimento pela interrupção voluntária da gravidez causado por sua genitora, tal ato resultava na expulsão do feto de seu ventre (PIERANDELI, 2005, P. 109).
Ao considerar a destruição do feto produto da concepção, o aborto também seu conceito do ponto de vista médico com a seguinte definição:
Aborto é a expulsão ou extração de feto ou embrião que pese menos de 500 g [...] ou de qualquer outro produto da gestação de qualquer peso, como, por exemplo, mola hidatiforme; produto do abortamento; abortamento é o ato de abortar, interrupção da gestação antes que o feto seja viável. Após esse período, parto prematuro é a denominação usada, uma vez que, a partir daí, é possível o feto sobreviver. (REY, 2003, p. 17)
No ponto de vista jurídico o aborto é visto como o ato de interromper a gravidez com o propósito de matar o concepto, ou seja, aqui o conceito jurídico não faz referência ao tempo gestacional, pouco importando o quão desenvolvido o feto era.
Ao considerar o aborto como crime, a lei brasileira considera sua consumação com a morte do feto, inexistindo intenção ou não da mãe na interrupção da gravidez (BACELAR, 2009. P. 96).
Mas observe, esse crime visa proteger a vida humana como um todo, incluindo aquela que ainda estar por vir, nesse entendimento Mello destaca:
O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estágio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva [...]. E quando se reporta a "direitos da pessoa humana" e até dos "direitos e garantias individuais" como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo- pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais "à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade", entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar). (MELLO, 2008, p. 66).
Entendido esses pontos, é preciso destacar os diferentes tipos de aborto no ordenamento jurídico, cuja doutrina as classificam como aborto natural, criminoso, acidental, permitido ou legal. Dentre esses 5 tipos, o aborto natural e o acidental não são considerados crimes pela doutrina por entender que a morte do feto não se tenha dado de forma intencional pelo agente (mãe), configurando, portanto, em situações excepcionais
Diferente das exceções, o aborto provocado é o mais grave da classificação, pois nele que se encontra a configuração da conduta criminosa, sendo vedado no ordenamento jurídico (BACELAR, 2009. P. 98).
Com isso partamos para um entendimento mais detalhado acerca de sua classificação.
4 ESPÉCIES DE ABORTO
4.1 Aborto provocado
A primeira modalidade de aborto considera que sua provocação pode se dar por ato da própria gestante com ou sem o seu consentimento. Estando prevista no artigo 124 do Código Penal ela apresenta os seguintes dizeres:
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de um a três anos (BRASIL, 1940).
Conforme apresentado o sujeito ativo da conduta é a mãe de criança (gestante) caso ela venha a consentir com a prática do aborto. Nessa modalidade apenas a mãe responde pelo artigo 124 do Código Penal, pois havendo a participação de terceiro este não responderá conjuntamente pelo 124, e sim, pelo artigo 126. Sendo, portanto, um crime de mão própria (DELMANTO, 2008. P. 268).
O sujeito passivo nesta relação é fruto oriundo da concepção (feto).
Como se pode observar o crime de aborto provocado pode se configurar de duas formas: 1) quando a própria gestante decide realizar o aborto em si mesma; ou 2) quando a gestante ao manifestar interesse na realização do aborto permite que um terceiro a realize.
Em ambos os casos o crime é punido apenas na forma dolosa. Em caso de aborto culposo, a doutrina compreende que nessa situação inexiste o crime. Como exemplo lembre do caso em que a gestante pratique um esporte e acidentalmente venha a se machucar resultando a morte de seu bebê.
Apresentada essas informações, cabe mais uma vez ressaltar que sua consumação se dá no momento em que a gravidez é interrompida acarretando a morte do nascituro, fruto da concepção. A tentativa nessa modalidade de aborto se faz cabível (MASSON, 2014. P. 550).
4.2 Aborto praticado por terceiro sem o consentimento da gestante
Nesta segunda modalidade a gestante não concorda com a prática da conduta
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.
Quando falamos da conduta realizada por terceiro, não necessariamente o terceiro seja alguém com conhecimentos médicos, pois a doutrina entende que qualquer pessoa pode praticar o crime. Já o sujeito passivo sempre vai ser o (em todas as modalidades) o embrião, e não apenas ele vai ser a vitima, como também a gestante que desconhecia as intenções do agente (MASSON, 2014. P. 550).
Embora este crime entenda como típica a situação que envolva o não conhecimento da gestante, o código penal aplica esta modalidade também na situação que envolva o consentimento para a realização do aborto sendo a gestante menor de 14 anos ou alienada mental. Em outras palavras, gestante que figure em uma dessas situações não poderá por sí própria consentir pela realização do aborto, valendo-se também desta situação os casos em que o agente o realize mediante fraude, conforme destaca o parágrafo único do artigo 126.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência (BRASIL. 1940).
O crime também se consuma com a interrupção da gravidez, e a tentativa se faz plenamente cabível.
Agora, se o terceiro tem a intensão de matar a gestante sabendo que ela está grávida, caso se consume o delito o mesmo responderá em concurso pelos crimes de homicídio e aborto.
4.3 Aborto praticado com o consentimento da gestante
Diferente da anterior, esta modalidade traz o caso de consentimento da gestante.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de um a quatro anos (BRASIL, 1940).
Mais uma vez, a aborto é praticado por terceiro, a diferença é que a gestante permite a realização de sua prática. Aqui a gestante responde pelo artigo 124 enquanto o terceiro responde pelo artigo 126 do código penal ( JESUS, 2005. P. 431).
O crime nessa modalidade apenas se configura quando a mulher tem condições necessárias para manifestar sua vontade. Essa observação é sempre muito importante de ser lembrada, pois sempre que a gestante estiver impossibilitada de se manifestar, ou quando por mais que se manifeste a mesma venha a ser enganada pelo agente mediante fraude, em ambas as situações o crime aplicável é a do artigo 125 por se ter em vista que nessas situações excepcionais só o terceiro tenha praticado o crime.
Com essas informações importantes, o sujeito ativo na posição de terceiro pode ser qualquer pessoa, com exceção da gestante, pois em caso de consentimento a conduta aplicável a esta é a do artigo 124. O sujeito passivo é o feto (JESUS, 2005. P. 431).
Como é sabido, sua consumação também decorre da interrupção da gravidez, sendo sua tentativa também cabível para esta modalidade.
4.4 Aborto majorado
A majorante ocorre como forma de aumento de pena e se aplica as demais modalidades quando a gestante sofra lesão corporal de natureza grave, cuja pena é aumentada em 1/3, além desse aumento a pena ainda pode ser duplicada caso a prática do aborte resulte na morte da gestante. Consoante artigo 127 do Código Penal:
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte (BRASIL, 1940),
Isto posto, vale ressaltar que em ambos os casos que incidam a qualificadora (lesão grave e morte) elas devem resultar na culpa do agente. Sendo assim, caso o mesmo tenha interesse em praticar a lesão e o aborto, ambas de forma dolosa, o agente responderá pelos dois crimes em concurso, e o mesmo acontece em caso de morte da gestante.
Por fim, caso o agente tenha a intenção de lesionar a gestante e por mero acidente que venha a provocar o aborto na modalidade culposa ele responderá pelo crime de lesão corporal gravíssima (BELLO, 2020. P. 18).
4.5 Aborto permitido
Nesta última modalidade, o direito penal admite situações em que o aborto será permitido por lei, o artigo 128 traz as hipóteses:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (BRASIL, 1940).
Como se pode observar, o aborto não é considerado crime quando o profissional de saúde o pratica como única alternativa para salvar a vida da mulher grávida ou nos casos cuja gestação decorra de estupro. Em ambos os casos, antes que o médico faça os procedimentos necessários ele precisa de prévia autorização por parte da gestante ou de seu representante legal (MOURA, 2021. P. 02).
Hoje em dia o Supremo Tribunal Federal, por meio de seus inúmeros julgados compreende que o aborto de fetos com má formação cerebral (conhecidos como anencéfalos) não é considerado crime, sendo mais uma exceção ao caso concreto da decisão proferida pela ADPF nº 54/DF.
De tudo que fora exposto, o ultimo destaque a ser feito compreende que no caso do aborto motivado pela gravidez decorrente do estupro não é preciso a existência de sentença que a reconheça, bastando apenas o registro de boletim de ocorrência na delegacia de polícia (MOURA, 2021. P. 02).
Terminado a exposição das espécies de aborto existentes no código penal, sua compreensão e suas diferenças é importante não deixar de falar de sua ação penal, que por estar inserida junto aos demais tipos de crimes existentes contra a vida, sua ação penal é publica incondicionada.
5 O ABORTO SENTIMENTAL
O aborto sentimento, também conhecido como aborto humanitário e entendido pela doutrina como a prática permissiva, ou seja, não só compreende os meios que permitem a prática do aborto, como também os motivos que levam uma mulher a prática de tal ato (DREZETT, 2011. P. 112).
Cunha destaca que o uso do aborto terapêutico tem como fim salvar a vida da gestante, compreendendo que a jurisprudência atual admite o aborto sentimental por ter em vista que a vítima não tem a obrigação de gerar uma criança, fruto de um atentado sexual.
Embora muitas vezes o estupro se trate de um assunto delicado por parte de muitas vítimas, o direito compreende a real necessidade quanto ao amparo legal na realização do aborto permissivo nesses casos, pois além da vida de um embrião, temos em contrapartida o abalo psicológico causado a vítima (GRECO, 2016. P. 412).
Diante desta dicotomia, se faz necessário a oportunidade da vítima na escolha em dar ou não a luz ao embrião.
6 A LEGISLAÇÃO ESTADUAL DO AMAZONAS E O ABORTO: ASPECTOS RELEVANTES
A legislação do Estado do Amazonas é diversificada quanto a apresentação de questões que envolvam a prática de aborto, dentre elas inúmeras são as leis e projetos que envolvam o direito da mulher e seu acesso a um serviço público de saúde de qualidade.
Por essas questões que seria demasiadamente exaustivo falar sobre todas as leis existentes no Estado do Amazonas, por isso que nos ateremos as questões principais sem muitos aprofundamentos.
Adentrando no assunto, algumas das leis estaduais tratam da otimização do serviço público, pois um dos fins visados pela administração é a melhoria do atendimento e dos serviços prestados a sociedade.
Dentre esses dispositivos, cabe ressaltar a Lei estadual nº 4.848 de Junho de 2019 que dispõe sobre a criação de medidas contra a violência obstétrica nas redes públicas e privadas de saúde, vejamos:
Art. 1.º Ficam instituídas medidas de proteção contra a violência obstétrica no Estado do Amazonas e de divulgação da Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal.
Parágrafo único. Para os fins da presente Lei, entende-se por violência obstétrica a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres, através do tratamento desumanizado, abuso da medicalização e patologização dos processos naturais, que cause a perda da autonomia e capacidade das mulheres de decidir livremente sobre seus corpos e sua sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres durante o pré-natal, parto, puerpério ou em abortamento, que cause dor, dano ou sofrimento desnecessário à mulher, praticada por membros que pertençam à equipe de saúde, ou não, sem o seu consentimento explícito ou em desrespeito à sua autonomia (ASSEMBLEIA, 2019. P. 01).
Com esse entendimento, observe que a lei retrata claramente a violência obstétrica como um meio que pode resultar em consequências gravíssimas a gestante, e quando falamos em consequências gravíssimas não podem deixar de ser observadas as qualificadores que resultam em lesão corporal de natureza gravosa e a morte.
Assim, embora o aborto não seja tratado como um tema direto pela lei, ele aparece de forma implícita, pois aqui não se protege apenas a integridade da mulher, mas resguarda e otimiza um serviço público de qualidade (ASSEMBLEIA, 2019. P. 01).
Serviço este que garanta a gestante não apenas o serviço de acompanhamento pré-natal, como também o acesso a outros serviços que assim entendam necessários, dentre eles o aborto quando assim se configure como hipótese cabível pela lei.
Ademais, a proteção a mulher são se refere apenas a coibição da violência, mas a repressão as condutas que também sejam consideradas ofensivas e abusivas.
Art. 2.º Consideram-se condutas ofensivas, abusivas e violentas:
I – tratar a mulher de forma agressiva, não empática, com a utilização de termos que ironizem os processos naturais do ciclo gravídico-puerperal ou que desvalorizem sua subjetividade, dando-lhe nomes infantilizados ou diminutivos, tratando-a como incapaz;
II – fazer comentários constrangedores à mulher referentes a questões de cor, etnia, idade, escolaridade, religião, cultura, crenças, condição socioeconômica, estado civil ou situação conjugal, orientação sexual, identidade de gênero e paridade (ASSEMBLEIA, 2019. P. 02).
Muitos se confundem ao pensar que a lei confere proteção apenas a forma de violência física, pelo contrário, a lei em comento vai mais além ao estabelecer no artigo 2º, inciso I a violência verbal que muitas vezes são praticadas em forma de constrangimento contra pacientes do sexo feminino.
Dentre o vasto número de leis estuais que versam sobre essa temática, outra lei de grande destaque é a Lei nº 5.214 de 2020 que trata da disposição quanto a realização de exames de trombofilia, mediante a prescrição de anticoncepcionais femininos. Embora muitos se perguntem sobre o conteúdo deste dispositivo e sua ligação com a temática deste artigo, é inegável que se trata de mais uma lei voltada a saúde pública, com o foco no atendimento a pacientes do sexo feminino (ASSEMBLEIA, 2020. P. 01).
Quanto a sua ligação com a prática do aborto, o artigo enfatiza o serviço oferecido pelos sistemas de saúde na divulgação de orientações quanto ao uso de anticoncepcionais em eventual gravidez indesejada.
Essa informação é de grande utilidade ao se levar em conta a importância na orientação dos métodos contraceptivos, pois se trata de um dos instrumentos utilizados pelo Estado na intervenção quanto a redução e controle do número de casos de aborto.
E muito mais do que a elaboração de leis versando sobre a regulamentação dessa matéria, é preciso que haja forte precisão quanto a implementação de políticas públicas que viabilizem o acesso aos serviços de saúde, cuja notoriedade seja capaz de informar a muitas mulheres de seus direitos que em sua grande parte desconhecem (ASSEMBLEIA, 2020. P. 01).
CONCLUSÃO
O aborto tem sido visto como objeto de pauta em virtude do alto número de casos envolvendo sua prática sem o respaldo legal, prática esta que além de configurar crime também compromete a vida da gestante que se coloca diante da realização de procedimento extremamente arriscado.
É muito comum ouvir histórias de mulheres que foram vítimas de casos de estupro e que por consequência de resultados indesejados tiveram que buscar o aborto como forma de resolver seus problemas em virtude da violência sexual provocada pelo agressor.
Nessa ótica, a vítima entende o aborto como a busca de um meio rápido e eficaz a satisfação de seus interesses. Nesse diapasão a Lei admite sua prática diante de duas situações sendo elas no caso de eminente risco de vida, e nos casos de gravidez indesejada em virtude de abuso sexual contra a vítima. Essas duas situações admitem a realização do aborto.
Embora a lei esclareça sua aplicação, é necessário que seja observada a necessidade quanto a implementação de políticas públicas que viabilizem o conhecimento da gestante quanto ao acesso aos serviços públicos de saúde, estratégia essa que tem sido implantada no Estado do Amazonas e que busca trabalhar com a redução do número de casos de aborto na capital e nos interiores do Estado.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Maria Das Dores Alves. As dificuldades de acesso aos serviços públicos de saúde no que tange ao aborto previsto em lei no Estado do Amazonas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2021, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57626/as-dificuldades-de-acesso-aos-servios-pblicos-de-sade-no-que-tange-ao-aborto-previsto-em-lei-no-estado-do-amazonas. Acesso em: 22 nov 2024.
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