BRUNO VINICIUS NASCIMENTO OLIVEIRA.
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho trata sobre a Responsabilidade Objetiva do Estado no caso de crimes praticados por presos foragidos. Tem como objetivo geral analisar se a responsabilidade civil do Estado em ressarcir os danos decorrentes de delitos praticados por foragidos do sistema prisional é objetiva ou subjetiva. E como objetivos específicos: indicar o papel do Estado em relação a Segurança Pública; Apresentar as normas jurídicas quanto a responsabilidade objetiva do Estado no caso de delitos cometidos por presos foragidos. Através de uma pesquisa descritiva, de caráter qualitativo, com revisão bibliográfica e documental. Traz como principais resultados a caracterização por decisões e jurisprudências quanto a responsabilidade do Estado em reparar os danos gerados com nexo direto à fuga de presos, tratando-se, pois, de responsabilidade objetiva.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil do Estado. Sistema Prisional Brasileiro. Segurança Pública
ABSTRACT: The present work deals with the Strict Responsibility of the State in the case of crimes committed by fugitive prisoners. Its general objective is to analyze whether the civil liability of the State to reimburse damages resulting from crimes committed by fugitives from the prison system is objective or subjective. And as specific objectives: indicate the role of the State in relation to Public Security; Present the legal norms regarding the objective responsibility of the State in the case of crimes committed by fugitive prisoners. Through a descriptive, qualitative research, with bibliographical and documental review. Its main results are the characterization by decisions and jurisprudence as to the responsibility of the State in repairing the damages generated with a direct link to the escape of prisoners, dealing, therefore, with strict liability.
Keywords: State Civil Liability. Brazilian Prison System. Public security
Atualmente, um dos fatores da criminalidade generalizada é a impunidade associada a morosidade e fragilidade do sistema judiciário quanto à penalização de delitos, de forma geral, além das possibilidades de abrandamento das penas após sua aplicação.
Quando se fala de impunidade, relacionada a condutas delituosas ou criminosas no Brasil, é possível atribuir diversos elementos a esta situação. Gomes (2001) faz referência a impunidade criminal no Brasil, elencando uma série de fatores relacionados e, entre eles, cita a falha na execução da pena seja por fuga do condenado ou ausência de estabelecimento prisional.
Nesse sentido, dando enfoque ao cumprimento da pena de restrição de liberdade, o Estado tem o dever de manter em cárcere os infratores da lei que apresentem perigo à sociedade, com o objetivo de reformá-los socialmente, para que possam retornar ao convívio social sem apresentar danos a esta, porém a fragilidade do sistema prisional dificulta que todos os indivíduos cumpram as respectivas penas de forma integral.
E quando se trata de indivíduos que já passaram pelo sistema prisional e de alguma forma conseguem evadir e excluir-se do cumprimento da pena, estes indivíduos apresentam uma predisposição maior a criminalidade, uma vez que não podem mais acessar à Sociedade de forma livre, ou ingressar no mercado de trabalho além de gozar de seus direitos naturais de cidadão, e para sobreviver acabam mantendo-se as margens da marginalização.
Com isso, na intenção de garantir o sucesso da sua fuga ou manter-se evadido do sistema prisional, os infratores podem vir a cometer novos crimes, inclusive podendo gerar danos a terceiros.
Uma vez que aqueles infratores que deveriam estar encarcerados encontram-se fora dos estabelecimentos de detenção, a sociedade e os cidadãos estão expostos a um maior potencial de violência, ocasionado pela ineficiência da segurança do sistema prisional que configura omissão do Estado em manter aqueles indivíduos encarcerados.
Dessa forma, o presente artigo visa abordar a Responsabilidade Civil do Estado, em especial, no caso de crimes cometidos por criminosos durante a fuga, delimitando-se a temática no dever objetivo ou subjetivo na reparação do dano.
Assim, a justificativa pela abordagem do tema se dá pela necessidade de incentivar o Estado a buscar alternativas que possam garantir a efetividade das políticas públicas de Segurança Pública e a melhoria do funcionamento do sistema prisional. Assim, levanta-se o seguinte questionamento: é possível atribuir ao Estado a responsabilidade por crimes praticados por presos após a fuga?
Para responder o problema acima, o objetivo geral do artigo é analisar se a responsabilidade civil do Estado em ressarcir os danos decorrentes de delitos praticados por foragidos do sistema prisional é objetiva ou subjetiva. Têm-se, ainda, como objetivos específicos: indicar o papel do Estado em relação à Segurança Pública; Apresentar as normas jurídicas quanto a responsabilidade objetiva do Estado no caso de delitos cometidos por presos foragidos.
A metodologia adotada é a pesquisa descritiva, de caráter qualitativo, por meio de revisão bibliográfica doutrinárias, que trata de reunir as abordagens normativas e jurídicas voltadas para o tema, bem como a discussão de casos concretos julgados, judicialmente, que tratam de decisões relacionadas ao conteúdo da pesquisa. Os principais doutrinadores responsáveis pelo embasamento deste estudo são: de doutrinadores como Maria Helena Diniz (2012), Sergio Cavalieri Filho (2009), Flavio Tartuce (2015).
O desenvolvimento deste artigo traz a descrição dos conceitos e características da Segurança Pública no Brasil e a atuação do Estado na garantida deste direito, além dos aspectos da Responsabilidade civil e caracterização das situações onde há a obrigação de reparação de danos causados a terceiros por presos foragidos do sistema prisional.
A condição de Estado de Direito está ligada, diretamente à soberania do Estado e seu poder de decisão na tomada de decisões, conforme as definições legais, embasadas na Constituição Federal.
Para Marshall (1967), a constituição de cidadania e dos direitos do cidadão é vista como resultado de uma luta histórica:
a) os direitos civis, compostos dos direitos necessários à liberdade individual - liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça; b) os direitos políticos, como o direito de participar no exercício do poder político como membro de um organismo investido de autoridade política ou como um leitor dos membros de tal organismo; c) os direitos sociais, que se referem a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade
Os direitos de cidadania tem o papel, principalmente de impor ao Estado limitações à sua autoridade soberana, já os direitos civis e sociais contemplam, respectivamente: os direitos contra o Estado e reivindicações de benefícios sociais garantidos pelo Estado (HULLEN, 2018).
Quanto aos direitos sociais, constantes na Constituição Federal de 1988, Capítulo II, artigos, define, de forma ampla, como direitos sociais “a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.
De acordo com art. 144 da Constituição Federal, a segurança pública, é um direito fundamental e dever do Estado, responsabilidade de todos, que tem como objetivo a manutenção da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (BRASIL, 1988).
Para cumprir seu dever, o Estado desenvolve Políticas Públicas de Segurança Pública, que tem como objetivo estabelecer diretrizes e nortear a atuação dos órgãos responsáveis por sua execução. Assim, é possível definir Políticas Públicas como: “O conjunto de decisões e ações de um governo para solucionar problemas que em um dado momento os cidadãos e o próprio governo de uma comunidade política consideram prioritários ou de interesse público” (CALDAS, CRESTANA, 2005, p. 10).
Damázio (2010) faz referência ao dever do Estado em fortalecer a capacidade de gerenciar a violência no âmbito das políticas públicas de segurança, definindo regras, programas e ações que garantam sua atuação de forma preventiva e repressiva quanto a criminalidade.
Na última década, a questão da segurança pública passou a ser considerada problema fundamental e o principal desafio ao estado de direito no Brasil. Os problemas relacionados com o aumento das taxas de criminalidade, o insucesso na prevenção das instituições, o aumento da sensação de insegurança, a violência policial, as dificuldades relacionadas à reforma das instituições de administração da justiça criminal, a superpopulação nos presídios, rebeliões, fugas, a morosidade judicial, entre outros, representam desafios para o sucesso do processo de consolidação política da democracia no Brasil (DAMÁZIO, 2010 p18).
Damázio (2010) menciona o aumento da criminalidade no Brasil, e a preocupação da população civil em se proteger, uma vez que a atuação do Estado não tem sido suficiente no que diz respeito à Segurança Pública.
Considerando que o Estado tem o dever de garantir a Segurança Pública, a má qualidade na prestação deste serviço ou sua ineficiência, associado a diversos outros fatores, tem grandes chances de aumentar os índices de violência e criminalidade, o que conseqüentemente, acarreta em danos a terceiros
A responsabilidade civil trata da a obrigação de reparar os danos lesivos a terceiros pelo agente causador do dano. E tratando-se da responsabilidade Civil do Estado, que, historicamente, passou por um longo processo de evolução, que perpassa por teorias distintas.
Classificada em duas formas, conforme o tipo de relação entre a vítima do dano e o estado, podendo ser: Contratual – quando existe vínculo contratual com terceiro, através dos termos legais, exemplo, serviços contratados à luz da lei 8.666/93 (institui normas para licitações e contratos da Administração Pública); ou Extracontratual – quando não há vínculo contratual, mas ocorre o dano a terceiro oriundo da ação da Administração Pública.
O objetivo de responsabilizar o Estado por danos causados a terceiros, tem embasamento na configuração de maior Poder por parte do estado, diante de terceiros.
Apesar de já ser registrado desde 1988, na Constituição Federal, foi no Código Civil de 2002, que a temática obteve maior visibilidade e atenção jurídica:
CF Artigo 37 § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros (BRASIL, 1988).
Código Civil Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo (BRASIL, 1916).
Para Mello (2010), a Responsabilidade do Estado está fundamentada na partilha do ônus resultante de atos ou efeitos lesivos, para que alguns não sejam penalizados assumindo prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos.
Maria Helena Diniz (2012, p. 37) define a responsabilidade civil como “a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal”.
Atualmente, o ordenamento jurídico que vigora reconhece duas espécies de Responsabilidade Civil para o Estado: a Objetiva e a Subjetiva. A primeira independe de culpa do Estado, fazendo intermédio apenas com o nexo causal, já a segunda, é determinada pela culpa ou dolo do agente (PANCOTTI, 2010).
A responsabilidade civil objetiva é aquela que prescinde da culpa. A teoria do risco é o fundamento dessa espécie de responsabilidade, sendo resumida por ele nas seguintes palavras: Todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou independente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de nexo de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa. A responsabilidade civil objetiva tem como requisitos a conduta, o dano e o nexo causal. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 137).
Denomina-se responsabilidade civil subjetiva aquela causada por conduta culposa lato sensu, que envolve a culpa stricto sensu e o dolo. A culpa stricto sensu caracteriza-se quando o agente causador do dano praticar o ato com negligência ou imprudência. Já o dolo é à vontade conscientemente dirigida à produção do resultado ilícito (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 137).
Associada à Responsabilidade Objetiva ou direta está a teoria do risco administrativo, que adota como requisitos: a conduta, o dano e o nexo causal, simultaneamente. Há uma presunção de culpa da administração. Esta teoria admite ainda hipóteses de exclusão da responsabilidade, sendo elas: Caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva da vítima e fato exclusivo de terceiro (DAMÁZIO, 2010).
Quanto a responsabilidade subjetiva ou indireta, adota-se a teoria do órgão, onde a atuação do agente é imputada ao órgão que ele representa, ou seja, caso o agente público cause danos a terceiros, estará fazendo-o em nome do Estado (DAMÁZIO, 2010).
A omissão do Estado também pode configurar Responsabilidade Civil, uma vez que este tem o papel dever de ser o garantidor dos direitos de terceiros, quando deixa exercer seu papel e isso gera danos a terceiros.
A responsabilidade por omissão do Estado existe, mas deve ser levada em consideração outra Teoria. Quando o ato que determinou a responsabilização for uma ação do Estado, é usado a Teoria do risco administrativo (teoria objetiva), por outro lado, no caso de omissão do Estado, a teoria utilizada é a da culpa administrativa, ou seja, a teoria subjetiva. Por isso, neste caso é necessário que o lesado comprove que deixou de agir quando deveria agir. Portanto, para a responsabilização derivar de uma omissão, o Estado deve ter obrigação de agir e se omitiu (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 137).
Uma vez que o Estado não consegue desempenhar o seu papel quanto à Segurança Pública, ou não o faz de forma eficaz, a sociedade fica vulnerável à criminalidade e violência instalada na sociedade.
a) Teoria da irresponsabilidade
Di Pietro (2009), menciona a teoria pautada nos Estados Absolutistas, onde há uma predominância da Soberania do Estado que detém autoridade inquestionável, através da figura do Rei. Logo, não há responsabilização do Estado por possíveis danos causados a particulares.
b) Teoria da Culpa – Responsabilidade Subjetiva
Prevista no artigo 159 do Código Civil de 1916, estabelecia como critério para a configuração da obrigação de indenizar a constatação dos elementos: ação ou omissão; culpa ou dolo; nexo causal e dano (BRASIL, 1916).
c) Teoria do risco – Responsabilidade Objetiva
O novo Código Civil, em seu artigo 927, recepciona a Responsabilidade Civil embasada na reparação do dano independentemente da causa, e subdivide a teoria em:
Ø Teoria do risco Integral
Conforme a doutrina de Meirelles (2009, p. 586)
Teoria do risco integral é a modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à iniquidade social. Para essa fórmula radical, a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima (MEIRELLES, 1999, p. 586).
O Código Civil, em seu artigo 246, também faz referência ao risco integral, ao tratar de danos de coisa incerta.
O STJ, atribui a teoria do risco integral quando trata-se de dano ambiental, onde evidenciando-se o nexo, não cabe excludentes de responsabilidade (STJ, 2011).
Ø Teoria do Risco administrativo
Esta teoria, defendida pela autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, indica que para caracterizar a Responsabilidade do Estado, conforme o artigo 37 da Constituição Federal, são necessários os seguintes elementos:
1. Que se trate de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviços públicos; (...)
2. Que essas entidades prestem serviços públicos, o que exclui as entidades da administração indireta que executem atividade econômica de natureza privada; (...)
3. Que haja um dano causado a terceiro em decorrência da prestação se serviço público; (...)
4. Que o dano causado por agente das aludidas pessoas jurídicas, o que abrange todas as categorias, de agentes políticos, administrativos ou particulares em colaboração com a Administração, sem interessar o título sob o qual prestam o serviço;
5. Que o agente, ao causar o dano, aja nessa qualidade; ”Di Pietro (2009, p. 624)
O Sistema Prisional, administrado pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) é caracterizado pelo conjunto de estabelecimentos destinados a aplicação de penalidade de restrição de liberdade de regime aberto, fechado e semiaberto, incluindo os estabelecimentos penais em que o recluso ainda não foi condenado, sendo estas unidades chamadas de estabelecimento penal (DAMÁZIO, 2010).
Wacquant (2001) classifica o Sistema prisional como parte de um conjunto de mecanismos de controle social para transgressores da lei.
Um dos mecanismos do Estado de garantir a ordem pública é retirando de circulação indivíduos que apresentam algum perigo a sociedade, aplicando a eles pena de restrição de liberdade temporária.
A privação da liberdade é uma forma de pena adotada pelo Código Penal que consiste na constrição do direito de ir e vir, recolhendo o condenado em estabelecimento prisional com a finalidade de, futuramente, reinseri-lo na sociedade, bem como prevenir a reincidência (BRASIL, 2021).
O sistema prisional brasileiro não tem conseguido oferecer aos condenados os meios indispensáveis à reintegração social. Dentro do sistema carcerário, o que se encontra é um ambiente de degradação, marcado pela superlotação, pela ociosidade e pela violência. Esse ambiente estigmatiza o egresso, abala sua integridade física, psíquica e moral, dificultando sua reconstrução (Diniz, 2005, apud CRUCES, 2010)
De modo geral, o sistema prisional brasileiro dispõe de condições de encarceramento extremamente precárias, principalmente pela superlotação dos estabelecimentos prisionais e violência entre detentos.
Para Vedovello (2008, p. 05), o círculo de institucionalização se mantém:
Enquanto as prisões e instituições para jovens infratores continuarem a se expandir e o Estado continuar com a política de encarceramento em massa, com tratamento repressor aos pobres, tratando-os como quase inumanos, o círculo não só de institucionalização se manterá, mas o de violência também, atingindo toda a sociedade.
Assim, é possível demonstrar que as prisões brasileiras não cumprem o papel de recuperação ou ressocialização do preso, pelo contrário, torna-o mais propenso a conduta criminosa e desenvolvimento de valores nocivos à sociedade.
Ao dever do Estado de zelar pela integridade física do recluso corresponde também, o dever de fiscalizar e preservar sua segregação carcerária, podendo resultar que, da falha administrativa na execução desse serviço, os presidiários fugitivos ou com saídas temporárias autorizadas venham a cometer crimes contra terceiros (2007, p. 426).
A falha no funcionamento do sistema carcerário, que permite que o aprisionado conviva em condições precárias, acarreta o grande aumento de rebeliões e de fugas das unidades prisionais. E, como vimos, a precariedade não isenta o Estado da responsabilização pelas lesões sofridas por presos sob sua custódia, respondendo, inclusive, objetivamente (ÁVILA et al., 2016, p. 1).
Por essa razão, o estudo da responsabilização do Estado por crimes cometidos por presos foragidos parece-nos relevante, ainda mais pela grande diversidade de entendimentos nos tribunais brasileiros.
Dessa forma, Almuina (2005, p. 17) explica que:
Se o fim da prisão é a ressocialização do preso, se a experiência é que possibilita a modificação e o desenvolvimento dos valores, seria de se esperar que as prisões fossem ambientes que proporcionassem ao condenado uma gama de experiências educativas que lhe permitissem desenvolver valores benéficos à sociedade.
Nesse sentido Ferreira (2018) relata que a marginalização do indivíduo que já está encarcerado, o induz a aproveitar ou criar oportunidades que facilitem a fuga do estabelecimento. Assim, para garantir o sucesso da fuga, geralmente o indivíduo acaba por realizar novas práticas delituosas causando danos a terceiros ou vitimando outras pessoas com violência, na tentativa de não ser resgatado e retornar ao estabelecimento prisional. E uma vez tendo êxito na fuga, o indivíduo que não mais pode retornar a sociedade, mantém-se no mundo do crime levando insegurança à população.
A omissão do Estado, caracteriza-se quando este deixa de oferecer o Serviço Público ou o oferece de maneira ineficaz, e consequentemente terceiros são prejudicados ou sofrem danos pela falta do serviço, em especial tratando-se da Segurança Pública, a consequência é refletida nos casos de violência e criminalidade e seus impactos na sociedade.
Assim, à luz nas normas jurídicas, abordadas na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil Brasileiro, registra-se a importância da atuação do Estado na defesa e proteção do cidadão, e sua responsabilização quanto à temática:
A inércia do Estado, quando tem a obrigação de agir, pode gerar grandes prejuízos para os particulares, como a não prestação de atividades essenciais para a concretização dos direitos fundamentais, a exemplo de moradia, saúde, educação etc. Em tais casos é evidente o nexo de causalidade entre a omissão estatal e o dano experimentado, mesmo não tendo concorrido ativamente para tal, pois, se o Estado agisse de forma contrária, efetivando os direitos fundamentais, os resultados danosos não ocorreriam (ASSIS; SILVA; MUNIZ, 2017 p7).
Ou seja, a omissão do Estado em exercer o seu dever pode acarretar o comprometimento ou dano de outros direitos fundamentais dos cidadãos.
No que diz respeito à falta de serviço, Mello alerta sobre a presunção de culpa que deve ter Poder Público, pois, sem ela, “o administrado ficaria em posição extremamente frágil ou até mesmo desprotegido ante a dificuldade ou até mesmo impossibilidade de demonstrar que o serviço não se desempenhou como deveria”. Assim, o Estado só poderia isentar-se da responsabilidade se comprovasse a não ocorrência da negligência, da imprudência ou da imperícia (2010, p. 1017).
Haverá omissão específica quando o Estado estiver na condição de garante (ou de guardião) e por omissão sua cria situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo; a omissão estatal se erige em causa adequada de não se evitar o dano. [...] Em contrapartida, a omissão genérica tem lugar nas hipóteses em que não se pode exigir do Estado uma atuação específica; quando a Administração tem apenas o dever legal de agir em razão, por exemplo, do seu poder de polícia (ou de fiscalização) por sua omissão concorre para o resultado, caso em que deve prevalecer o princípio da responsabilidade subjetiva. (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 268).
Como destaca Cavalieri Filho, o Poder Público só poderá ser responsabilizado se a sua omissão genérica concorreu de maneira decisiva para o episódio, “[...] deixando de realizar obras que razoavelmente lhe seriam exigíveis, ou de tomar providências que lhe seriam possíveis”, por exemplo. Isso porque, “[...] o grau de previsibilidade do Estado (limite da culpa) é muito maior que o do particular, pois ele tem (ou deve ter) a estrutura necessária para prevenir e reprimir o ilícito” (2012, p. 286).
O Código Civil (1916), em seu artigo 188, aborda as causas excludentes da ilicitude, que incidirá sempre na ocorrência de ato comissivo ou omissivo se der por estado de necessidade, legítima defesa ou exercício regular de um direito, eximindo assim a Responsabilidade do Estado em reparar o dano.
I. – Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço.
II. – A falta do serviço – fauteduservice dos franceses – não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. (Recurso Extraordinário 369820/RS)
Um dos primeiros registros referentes ao enquadramento da responsabilidade civil do Estado por omissão no sistema da responsabilidade objetiva, através do julgamento do RE 130764-1/PR, relatado pelo Min. Moreira Alves no ano de 1992, teve como resultado do julgamento a improcedência do pedido de indenização. O STF entendeu que em caso de dano decorrente de assalto por quadrilha de que fazia parte preso foragido vários meses antes, o Estado não deveria ser responsabilizado. Pois, devido ao grande lapso de tempo (2 meses) entre a fuga dos indivíduos e a prática da ação criminosa, afastou-se o nexo causal da ocorrência.
Maria Helena Diniz (2012, p. 129) afirma:
O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se “nexo causal”, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa.
Já no recurso RE 608880 / MT, solicitando indenização sob alegação de danos morais e materiais – latrocínio – responsabilidade objetiva do estado – morte perpetrada por preso sob sua custódia – ausência de vigilância, que teve como decisão:
Nos termos do artigo 37 §6º da Constituição Federal, não se caracteriza a responsabilidade civil objetiva do Estado por danos decorrentes de crime praticado por pessoa foragida do sistema prisional, quando não demonstrado o nexo causal direto entre o momento da fuga e a conduta praticada.” (RE 608880 / MT) (Brasília, 2001).
Considerando o Supremo Tribunal Federal (STF), que as ocorrências registradas durante a fuga de presos, onde nesses casos, a legislação é clara quando sinaliza a Responsabilidade Civil do Estado diante do nexo causal entre o momento da fuga e o delito.
Porém, tendo sido Interposto na Apelação nº 24267/2009 proposta perante o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, referente ao RE 608880 / MT. O Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, consignou ser o Estado responsável pela morte decorrente do crime de latrocínio praticado por detento que descumpriu o regime semiaberto.
Segundo Cretella Júnior, “a omissão configura a culpa in omittendo e a culpa in vigilando. São casos de ‘inércia’, casos de ‘não atos’. Se cruza os braços ou se não vigia, quando deveria agir, o agente público omite-se [...]” (MARQUES 1966 apud GONÇALVES, 2017, p. 168).
Entendeu o Tribunal, que era dever da administração pública indenizar a família da vítima por danos materiais e morais. Alegou que a omissão na vigilância configura a responsabilidade subjetiva do Estado, devendo a Administração Pública exercer a vigilância de preso sob sua custódia. No presente caso, o Tribunal entendeu ainda que a Administração foi negligente quanto ao emprego de medidas de segurança carcerária.
Ao fazer um comparativo entre os casos concretos citados, RE 130764-1/PR e RE 608880 / MT, onde o primeiro, foi após aproximadamente dois meses posterior a evasão dos indivíduos, houve a formação de quadrilha para a prática delituosa, não tendo o Estado nenhuma gerência pela formação ou não da quadrilha, com indivíduos diversos. Já no segundo caso, a prática delituosa ocorreu durante o cumprimento do regime semiaberto, onde é dever do Estado, monitorar o indivíduo para garantir o cumprimento do regime a qual foi condenado.
Assim, no primeiro caso, é configurada a responsabilidade objetiva, porém afastado o nexo causal. Já no segundo caso, configura-se a responsabilidade subjetiva por omissão de vigilância, mantendo o nexo causal entre a omissão e a ocorrência.
Diante das temáticas apresentadas é possível verificar que, apesar de a Segurança Pública ser um dever do Estado e a sua omissão na prestação do serviço, bem como a sua ineficácia, podem ensejar o dever de reparar danos à terceiros, quando tratando-se de danos gerados durante a fuga de presos.
Porém, o sistema prisional brasileiro não tem apresentado as condições adequadas para cumprir seu papel, e devido a essa fragilidade são frequentes os registros de efetivo funcionamento do crime organizado de dentro dos estabelecimentos de detenção e principalmente de fuga dos presos.
Há uma predisposição de entendimento no sentido de que aos danos decorrentes de omissões estatais, aplica-se a responsabilidade civil objetiva, não havendo necessidade de comprovação de culpa ou dolo, mas sim do nexo direto com a ação ou omissão do Estado, seja de forma direta ou indireta através de seus agentes.
Atendendo ao questionamento levantado no início do estudo: é possível atribuir ao Estado a responsabilidade por crimes praticados por presos após a fuga? Sim, é possível, considerando o Dever Legal do Estado de garantir a Segurança Pública, sendo uma das ações, a de manter encarcerado os indivíduos que após julgados e condenados devam cumprir pena por práticas criminosas e que apresentem risco à sociedade.
Diante do exposto, é possível observar a necessidade de ampliar os conceitos referente ao nexo causal dos delitos cometidos por presos foragidos do sistema prisional, pois, mesmo após passado tempos após a evasão do sistema prisional, é possível que estes indivíduos, podem cometer novos delitos.
O nexo causal aceito atualmente em nosso ordenamento jurídico está vinculado apenas ao momento da fuga. Porém, enquanto o indivíduo não cumprir o total da sua pena a qual foi condenado, este ainda é considerado como “foragido”, logo é pertinente considerar o período em que este deveria estar encarcerado como parte do nexo causal.
Esta é também uma forma de induzir o Estado a ter maior eficiência em seu sistema carcerário e de segurança pública.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, leandro fernandes. Responsabilidade objetiva do Estado por crimes praticados por presos foragidos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2021, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57642/responsabilidade-objetiva-do-estado-por-crimes-praticados-por-presos-foragidos. Acesso em: 22 nov 2024.
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