RESUMO: Apesar dos “avanços sociais e jurídicos” propagados constantemente pelas mídias, há condutas que apesar de parecerem antiquadas e existentes somente nas antigas sociedades, encontram-se inseridas socialmente até hoje, sendo os casos de violência e abuso sexual uma delas. Sabe-se que estes crimes compõem uma das principais mazelas sociais existentes no Brasil e diariamente os índices de casos apenas sobem, números estes que conforme será demonstrado no presente estudo, dobraram diante da obrigatoriedade do isolamento social em virtude da pandemia do COVID-19. Este trabalho tem por objetivo identificar os principais fatores que contribuíram para a elevação no número de ocorrências de violência e abuso sexual durante o isolamento social. Trata-se de estudo o qual pode ser enquadrado como teórico, aplicado e bibliográfico construído por meio de pesquisa descritiva Utilizou-se como fonte de estudos: artigos científicos, legislações pertinentes ao tema e matérias jornalísticas nacionais e locais. Ao final do estudo foi possível concluir que...
PALAVRAS-CHAVE: Pandemia. COVID-19. Isolamento Social. Violência e Abuso Sexual.
ABSTRACT: Despite the “social and legal advances” constantly propagated by the media, there are behaviors that, despite appearing to be outdated and existing only in ancient societies, are still socially embedded today, with cases of violence and sexual abuse being one of them. It is known that these crimes are one of the main social problems existing in Brazil and daily case rates only increase, numbers which, as will be shown in this study, have doubled in view of the mandatory social isolation due to the COVID-19 pandemic. This work aims to identify the main factors that contributed to the increase in the number of occurrences of violence and sexual abuse during social isolation. It is a study which can be framed as theoretical, applied and bibliographical built through descriptive research. The source of studies was used as a source of studies: scientific articles, legislation relevant to the topic and national and local journalistic matters. At the end of the study, it was possible to conclude that...
KEYWORDS: Pandemic. COVID-19. Social isolation. Violence and Sexual Abuse.
Com o advento da pandemia do COVID-19 e a alta propagação do vírus, o isolamento social tornou-se obrigatório no Brasil e no mundo, como meio de redução da propagação do vírus. Todavia, apesar dessa obrigatoriedade apresentar-se positivamente como meio protetivo no que diz respeito a proteção quanto a contaminação, iniciava-se aí um cenário onde há um vírus e duas guerras. Afinal, o lar que deveria representar um ponto de paz e segurança, tornava-se agora o local onde a vítima e seu agressor/abusador deveriam compartilhar o mesmo ambiente 24h por dia. Isso porque apesar dos “avanços sociais e jurídicos” propagados constantemente pelas mídias, há condutas que apesar de parecerem antiquadas e existentes somente nas antigas sociedades, encontram-se inseridas socialmente até hoje, sendo os casos de violência e abuso sexual uma delas, afinal sabe-se que estes crimes compõem uma das principais mazelas sociais existentes no Brasil e diariamente os índices de casos apenas sobem, números estes que conforme será demonstrado no presente estudo, dobraram diante da obrigatoriedade do isolamento social durante o cenário pandêmico.
Diferentemente do que muitos pensam, a violência e o abuso sexual estão presentes não somente nas sociedades de baixo poder econômico mais também na denominada sociedade de classe “A”. A legislação nacional que versa sobre o assunto é a Lei nº 12.015/2009, a qual integra o código penal e oferta proteção as vítimas quando da existência de crimes contra a dignidade sexual. Todavia, é importante salientar que apesar da existência de legislação que verse sobre o tema e de órgãos que atuem nos casos, maior parte das vítimas optam por silenciarem as ocorrências e consequentemente as denúncias dos agressores/abusadores, por motivos que merecem serem analisados.
Este trabalho tem por objetivo identificar os principais fatores que contribuíram para a elevação no número de ocorrências de violência e abuso sexual durante o isolamento social. Trata-se de estudo o qual pode ser enquadrado como teórico, aplicado e bibliográfico construído por meio de pesquisa descritiva no qual utilizou-se como fonte: artigos científicos, legislações pertinentes ao tema e matérias jornalísticas nacionais e locais.
O presente estudo encontra-se dividido em dois capítulos com as suas subdivisões, onde o primeiro tem como tema central o COVID-19 e o segundo capítulo encontra-se direcionado a abordagem sobre a Violência e o Abuso Sexual durante a pandemia do COVID-19.
Em um contexto histórico sobre a COVID-19 cabe informar que no dia 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial de Saúde – OMS, recebeu a notificação de casos de pneumonias localizados na cidade de Wuhan, na China. Transcorrido o tempo exato de uma semana, as autoridades afirmaram que tratava-se de um novo tipo do vírus, o qual foi denominado por SARS-COV-2. A partir de então, diante do aumento de casos com uma celeridade jamais vista, a Organização Mundial de Saúde
– OMS em 30 de janeiro de 2020 acendeu um alerta a nível internacional em termos de Saúde Pública e poucos dias depois, em 11 de março, o COVID-19 passava a ser considerado uma pandemia, demonstrando a gravidade do que estava por vir.
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, anunciou nesta quarta-feira (11), em Genebra, na Suíça, que a COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus, é agora caracterizada como uma pandemia. “Atualmente, existem mais de 118 mil casos em 114 países e 4,2 mil pessoas perderam a vida. Outras milhares estão lutando por suas vidas em hospitais. Nos próximos dias e semanas, esperamos ver o número de casos, o número de mortes e o número de países afetados aumentar ainda mais”, afirmou Tedros. No dia 30 de janeiro deste ano, a OMS já havia declarado que o surto do novo coronavírus constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional (OMS, 2020).
Diante da apresentação do alto contágio, as autoridades públicas determinaram a obrigatoriedade do isolamento social como medida de enfrentamento a disseminação do novo coronavírus, e é nesse momento que não somente os índices de contágio do novo coronavírus passavam a ficar em alta mais também os índices de denúncias referente a problemas já conhecidos pela sociedade mas que se evidenciavam frente a obrigatoriedade do isolamento social, tais como: violência doméstica, violência e abuso sexual e etc. Afinal, milhares de famílias deviam se resguardar em suas residências afim de evitarem a proliferação do vírus.
Desde o início da pandemia muito se ouviu falar sobre as medidas de distanciamento social, por isso se faz importante mencioná-las aqui e demonstrar qual o efeito de cada uma. Vejamos o que leciona as autoras Estela e Raiza (2020)2 sobre esses conceitos:
O isolamento é a separação das pessoas doentes daquelas não infectadas com o objetivo de reduzir o risco de transmissão da doença. Para ser efetivo, o isolamento dos doentes requer que a detecção dos casos seja precoce e que a transmissibilidade viral daqueles assintomáticos seja muito baixa. No caso da COVID-19, em que existe um maior período de incubação, se comparado a outras viroses, a alta transmissibilidade da doença por assintomáticos limita a efetividade do isolamento de casos, como única ou principal medida. De fato, há evidências de que indivíduos assintomáticos com SARS-CoV-2 têm carga viral semelhante aos pacientes sintomáticos, o que é corroborado com relatos de pessoas assintomáticas e com sintomas leves envolvidas na transmissão da doença. Dessa forma, a aplicação massiva de testes diagnósticos, que permite a identificação dos indivíduos infectados, como adotado na Alemanha e na Coreia do Sul, é essencial para a efetividade do isolamento.
A quarentena, é a restrição do movimento de pessoas que se presume terem sido expostas a uma doença contagiosa, mas que não estão doentes, ou porque não foram infectadas, ou porque ainda estão no período de incubação ou mesmo porque, na COVID-19, permanecerão assintomáticas e não serão identificadas. Pode ser aplicada no nível individual ou de grupo, mantendo as pessoas expostas nos próprios domicílios, em instituições ou outros locais especialmente designados. A quarentena pode ser voluntária ou obrigatória. Durante a quarentena, todos os indivíduos devem ser monitorados quanto à ocorrência de quaisquer sintomas. Se tais sintomas aparecerem, as pessoas devem ser imediatamente isoladas e tratadas. A quarentena é mais bem- sucedida em situações nas quais a detecção de casos é rápida e os contatos podem ser identificados e rastreados em um curto espaço de tempo.
O distanciamento social envolve medidas que têm como objetivo reduzir as interações em uma comunidade, que pode incluir pessoas infectadas, ainda não identificadas e, portanto, não isoladas. Como as doenças transmitidas por gotículas respiratórias exigem certa proximidade física para ocorrer o contágio, o distanciamento social permite reduzir a transmissão. Exemplos de medidas que têm sido adotadas com essa finalidade incluem: o fechamento de escolas e locais de tra balho, a suspensão de alguns tipos de comércio e o cancelamento de eventos para evitar aglomeração de pessoas. O distanciamento social é particularmente útil em contextos com transmissão comunitária, nos quais as medidas de restrições impostas, exclusivamente, aos casos conhecidos ou aos mais vulneráveis são consideradas insuficientes para impedir novas transmissões. O caso extremo de distanciamento social é a contenção comunitária ou bloqueio (em inglês, lockdown) que se refere a uma intervenção rigorosa aplicada a toda uma comunidade, cidade ou região através da proibição de que as pessoas saiam dos seus domicílios – exceto para a aquisição de suprimentos básicos ou a ida a serviços de urgência – com o objetivo de reduzir drasticamente o contato social.
Apesar de as medidas serem apresentadas apenas como fonte de proteção, infelizmente a obrigatoriedade das mesmas escancarou a todos as mazelas sociais existentes, em especial aquelas voltadas para falha na segurança pública. Com isso, mostrou-se a outra face das medidas de distanciamento que são as consequências que ele apresentou. Adiante conheceremos mais sobre estas.
É evidente que o mundo já não será o mesmo após a pandemia do novo coronavírus, afinal milhões de vidas foram ceifadas e com isso as famílias se desconstruíram de forma muito impactante e precocemente. No entanto, além desse fator, há ainda as consequências que o isolamento social trouxe a diversos indivíduos, as quais variam entre consequencias físicas e emocionais.
Na presente subseção abordaremos sobre o isolamento social e as consequências que este trouxe, inicialmente abordaremos sob um aspecto geral e sem seguida de forma mais direcionada ao tema central do presente estudo.
Devido a necessidade de distanciamento social recomendado pela epidemiologia, muitas pessoas passaram a serem obrigadas a ficarem em suas residências juntamente com seus familiares como meio de redução quanto a proliferação do vírus. Assim, crianças deixaram de frequentar o ambiente escolar, grande parte dos pais tiveram que passar a trabalhar em regime de Home Office e os idosos que compunham o grupo familiar necessitavam permanecer em suas residências, ou seja, repentinamente a família precisou conviver 24 horas por dia, isolados da sociedade.
A idéia do Isolamento social demonstrava-se útil e aparentemente eficaz no combate a proliferação do vírus, contudo foi ao iniciar esse isolamento que evidenciou- se que o mundo inteiro passava a viver um vírus e duas guerras, a guerra do combate a doença que este causava e a guerra do aumento de casos de violência doméstica e abuso sexual. Insta informar que além dessas mazelas, muitas outras evidenciaram- se a partir da obrigatoriedade de ficar em casa.
A elevação dos índices de violência doméstica e abuso sexual podem ser consideradas como uma das principais consequências (negativas) do isolamento social, além delas pode-se contabilizar ainda os casos de depressão, desempregos, fome e elevação na dificuldade a saneamento básico, especialmente por parte do público de baixa renda.
Considerando o tema central do presente estudo e o fato de que a violência e o abuso sexual estão dentre as principais e piores consequências do isolamento social, é importante destacar que conforme lecionado pelos especialistas, a elevação dos índices de violência e abuso sexual dentro do ambiente familiar nesse período pandêmico não era fator que inexistisse em momento anterior a pandemia do COVID- 19 mais que trata-se de mazelas sociais da segurança pública que já preexistiam e apenas evidenciaram-se e ganharam uma visão maior devido a obrigatoriedade de agressores/abusadores e vítimas permanecem 24 horas por dia dentro do mesmo ambiente residencial, o que antes não era tão visível devido ao fato de que a vítima conseguia sair de casa por um período maior e com isso reduzia a possibilidade de ocorrência desses atos.
A violência pode ser classificada como o resultado de inúmeros pontos que compõe a sociedade, tais como: impactos emocionais familiares, relações interpessoais, modo de criação e etc. No que tange a violência e abuso sexual infantil, infelizmente é importante destacar que é um dos temas de saúde pública com maior incidência epidemiológica.
Em específico, a violência sexual, para a Organização Mundial de Saúde (OMS), caracteriza-se como um problema global presente em todos os níveis da sociedade, o qual diferentemente do que muitos pensam acomete pessoas de todos os sexos, idades e classe social. Apesar de variar de acordo com abordagens científicas, sociais, países e regiões, a violência sexual é definida como qualquer ato sexual ou tentativa de obtê-lo, utilizando de força ou coerção, ameaças de danos, por qualquer pessoa, independente do grau de relação com a vítima e do ambiente no qual a violência ocorre (World Health Organization, 2003).
Na conjunção da infância, violência sexual pode ser caracterizada como o ato ou jogo sexual, cometido por pessoas em estágio de desenvolvimento psicossocial mais avançado que a vítima, que tem por finalidade estimular sexualmente a criança ou adolescente, para obter satisfação sexual. É algo que abrange relações homo e heterossexuais, de forma não consentida, ou seja, que acontece de maneira imposta, e pode se caracterizar como estupro, incesto, assédio sexual, exploração sexual, exposição à pornografia, pedofilia, manipulação de genitália, imposição de intimidades, exibicionismo, práticas eróticas e/ou “voyerismo” (Brasil, 2010).
No contexto de aumento de número de casos durante o isolamento social devido a pandemia do COVID-19 é importante trazer a baila os dados apresentados pela Organização das Nações Unidas (ONU), o qual aponta que o afastamento da criança da rotina da escola aumenta o risco de exposição à negligência, maus tratos e violência dentro de casa. Em números, tem-se que há 1,5 vezes mais chances de a criança em situação de isolamento ser vítima de violência, e quatro a 10 vezes maior probabilidade de vivenciar maus tratos (ONU, 2018).
Os dados acima apresentados explicam de certa forma o motivo pelo qual os números aumentaram, afinal, diante da obrigatoriedade de isolamento social as crianças precisaram se afastar dos ambientes extrafamiliar e com isso ficaram sem ter a quem pedir socorro, elevando sua vulnerabilidade e consequentemente os índices. Todavia, faz-se necessário que o tema seja abordado não somente quando a problemática evidencia-se (como aconteceu na pandemia), mais que sobretudo seja abordado e solucionado preventivamente antes que se concluam os atos.
No capítulo seguinte, abordar-se-á sobre a violência sexual no contexto da pandemia de forma mais detalhada, possibilitanto uma visão mais ampla sobre a problemática.
Conforme já previamente demonstrado no corpo do presente artigo, com o advento da pandemia do COVID-19 os números que já se demonstravam alto em relação a ocorrências de violência e abuso sexual elevaram significativamente e o que se pode concluir de antemão é que o motivo desse aumento advém da obrigatoriedade de permanecer no mesmo domicílio que o agressor/abusador, nesse contexto levanta- se a questão de que na grande maioria das vezes os autores e as vitimas estão convivendo no mesmo ambiente e isso fica oculto do restante da família e da sociedade.
Ao adentrarmos no desenvolvimento do tema em questão é importante conceituar os termos violência e abuso sexual para que deste modo se tenha uma melhor compreensão sobre o tema. Em um apanhado com a opinião de vários autores, tem- se o conceito de violência que merece aqui ser apresentado, vejamos:
O termo violência, que vem do latim violentia1 , significa abuso de força, tirania, opressão, veemência, ação violenta, coação física ou moral, tornou- se um dos temas mais discutidos na pós-modernidade, por esta razão este trabalho focará a violência, mais especificamente o abuso sexual contra a criança e adolescente ao longo da história da história da humanidade e os fatores que propiciam a sua prática e os mantenedores, desde a antigüidade à pós-modernidade (OLIVEIRA, 2006, p. 8).
A violência é um fenômeno relatado desde a Antiguidade e cuja complexidade dinâmica emerge da vida em sociedade (Filho, 2001). É considerada um fenômeno social (Vendruscolo, Ribeiro, Armond, Almeida & Ferriani, 2004) que, particularmente a partir dos últimos trinta anos, vem adquirindo maior visibilidade social, sendo objeto de preocupação por parte do poder público e fonte de estudos científicos nas áreas da Psicologia, Ciências Sociais e Saúde Pública (Minayo & Souza, 1999; Organização Mundial de Saúde – OMS –, 2002).
Apesar de o conceito acima demonstrar-se bem completo, é importante salientar que para compreender a violência é imprescindível que se analise historicaquemente elementos sociais, morais, econômicos e patrimoniais. Para o autor Chauí (1985), a violência não é uma violação ou transgressão de normas, regras e leis, mas sim a conversão de uma diferença e também de uma assimetria numa relação hierárquica de desigualdade, com fins de dominação, exploração e opressão, que se efetiva na passividade e no silêncio. Ela se mostra ligada ao poder, pois se um domina de um lado, do outro está o sujeito dominado, violentado, ou seja, fica estabelecida uma relação de forças em que um polo se caracteriza pela dominação e o outro pela coisificação.
Interessante é refletir que a violência é fator existente desde as primeiras sociedades e é algo que promove intensa dor no ser humano, seja essa dor física ou psicológica, no entanto um ponto a ser observado é fato de que ao mesmo tempo que o ser humano sofre ele também muitas vezes é o principal causador de dor, o que torna-se totalmente contraditório.
Conceituada a violência e após a compreensão do que se trata, se faz importante agora analisarmos o conceito de abuso sexual (já dentro do contexto adulto x criança) para que assim seja possível uma melhor compreensão sobre o que se trata e interpretação de atos que possam ser caracterizados como abuso sexual.
Em uma análise mais simplificada e de modo geral é possível conceituar o abuso sexual como toda forma de relação ou ato sexual realizado entre duas pessoas (adulto x criança/adolescente) a qual objetive a satisfação desse adulto, podendo esse ato chegar a conclusão após um inicio marcado por ameaça física, verbal, sedução ou coação.
Importante destacar que em termos mais técnicos a OMS (1999), ao referir- se à violência sexual em que a vítima é uma criança ou um adolescente, adota o termo abuso sexual infantil.
O abuso sexual contra crianças e adolescentes tem sido considerado um grave problema de saúde pública, devido aos altos índices de incidência e às sérias conseqüências para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social da vítima e de sua família (Gonçalves & Ferreira, 2002; Habigzang & Caminha, 2004; Osofsky, 1995). Salienta-se que este meio de violência pode ser definido através de qualquer contato ou interação entre uma criança/adolescente e outro indíviduo com estágio psicossexual mais avançado do desenvolvimento, na qual a criança ou adolescente estiver sendo usado para estimulação sexual do perpetrador.
No contexto desse trabalho se faz imprescindível destacar que o abuso sexual, dependendo do vínculo existente entre abusador e vítima, poderá ser considerado intrafamiliar ou extrafamiliar. O primeiro é também conhecido como incesto e tem como autor não somente os pais e irmãos mais também primos, avós, tio, padrastos e madrastas. Já o abuso sexual extrafamiliar pode ser definido como aquele em que o autor não compõe o vinculo familiar da vítima, podendo ser conhecido ou desconhecido da família.
Conceituado os termos abordaremos agora sobre o contexto histórico da violência e abuso sexual contra crianças e adolescentes.
Conforme dito no início do presente trabalho, a violência e o abuso sexual são fatores existentes desde as primeiras sociedades e apesar de a sociedade já ter passado por significativas transformações e avanços sociais e jurídicos, há pontos que ainda restaram pendentes de avanço e infelizmente hoje ainda continuam compondo a lista de mazelas sociais existente no país e no mundo sendo ambos (violência e abuso sexual) um deles.
Nesse contexto histórico é importante trazer a baila que no transcorrer da história da sociedade, a negligência em face da criança e do adolescente foi um dos pontos acentuados da cultura humana, tendo em vista que apesar de uma criança demonstrar fragilidade, á época não havia noção em relação e isso e a fragilidade dessa fase da vida (infância), e diante disso, consequentemente pouco se discutia em ralação ao tema o que explica a inexistência de uma política de proteção a esses indivíduos. O Autor Azambuja (2004, p. 21), citando Lourensz e Powell, discorre que a prática de violência contra a criança era tida como normal na antigüidade, essa afirmação é fundamentada na existência de um elevado índice de registros bíblicos e mitológicos sobre infanticídio e fratricídio.
Ainda assim é possível interpretar como uma das primeiras legislações voltadas ao tema, o código de Hamurábi, tendo em vista que este tinha em sua introdução o objetivo de disciplinar os maus-intencionados e impedir que o forte oprima o fraco. Destaca-se que as leis desse código traziam proteção especial aos órfãos, viúvas e aqueles mais vulneráveis no contexto social.
Mais adiante tem-se a civilização hebraica, a qual utilizava como base a lei mosaica (aquela escrita pelo patriarca Moisés) a qual abominava relações incestuosas entre pai-mãe/filho, avós/avôs e netos, irmão com irmãs, primos, tios e etc. Dentro desse contexto seria certo afirmar que de certo modo as crianças estavam preservadas dentro do ambiente familiar, no entanto é sabido também que devido a intenção de os povos do Egito não quererem repassar suas heranças e misturar suas linhagens com o povo cananeu, estes mantiveram a pratica de casamento dentro do seio familiar por longos anos.
No período da Idade Média, no Ocidente, a noção de criança, simplesmente, não existia, todavia esta concepção não significava que ela fosse negligenciada ou até mesmo abandonada, uma vez que o sentimento da infância não significava o mesmo que afeição. Não havendo esta noção, a criança, logo que estivesse sem a necessidade dos cuidados maternos básicos, era vista como um adulto e desta forma crescia. Havia, também, uma alta taxa de mortalidade nesta faixa etária e, devido a esta situação, ela simplesmente não era contada quando muito pequena, pois a morte estava iminente e o pensamento de perda era visto como algo comum e corriqueiro (OLIVEIRA, 2006, p. 13).
Diante desse breve resumo histórico é possível observar que apesar da fragilidade de uma criança e dos cuidados que esta requer, nos primórdios essa proteção era inexistente e esses indíviduos indefesos eram tratados como adultos, os deixando desta forma exposto a todo e qualquer tipo de perigo seja em abiente familiar ou social, o que de certa forma assemelha-se aos dias atuais, sendo fator diferente apenas a existência de uma legislação específica para esse público.
Ao dar início a esse tópico é importante relembrar um ponto que foi indicado no corpo do presente trabalho, o qual versa sobre: “o abuso sexual, dependendo do vínculo existente entre abusador e vítima, poderá ser considerado intrafamiliar ou extrafamiliar. O primeiro é também conhecido como incesto e tem como autor não somente os pais e irmãos mais também primos, avós, tio, padrastos e madrastas. Já o abuso sexual extrafamiliar pode ser definido como aquele em que o autor não compõe o vinculo familiar da vítima, podendo ser conhecido ou desconhecido da família”. O presente lembrete serve como base para interpretação dos possíveis motivos que fundamentam o aumento dos índices de ocorrência de violência sexual durante a obrigatoriedade do isolamento social dentro do contexto pandêmico devido ao novo coronavírus.
Infelizmente a violência e o abuso sexual no ambiente intrafamiliar é um fator que vem sendo cada dia mais frequente na realidade de muitas vítimas e diferente do que muitos pensam de acordo com o que leciona Ferrari e Vecina (2004), a violência intrafamiliar aparece em qualquer nível social, raça, etnia ou credo. Consoante a isso, Guerra (1998) afirma que tal violência tem outros determinantes que não são apenas estruturais, sendo um tipo de violência que permeia todas as classes sociais como uma violência de natureza interpessoal.
Insta informar que casos de violência sexual e abuso contra crianças e adolescentes é algo que acontece cotidianamente no Brasil e que se demonstra de difícil complexibilidade e resolução. Fator este que conforme descrito abaixo, elevou-se ainda mais durante o cenário pandêmico tendo em vista que não há escolas ou parques abertos para que as vítimas possam gritar por socorro.
A violência sexual intrafamiliar ocorre em um ambiente restrito e, aliada ao contexto de isolamento social, torna a identificação e notificação cada vez mais complexa, pois o contato fora das relações familiares é inibido em razão das restrições impostas pela Covid-19, o que dificulta a constatação da violação de direitos sofrida por crianças e adolescentes (UNICEF, 2020, p. 3).
Ao analisar o tema minuciosamente é notório que crimes de violência e abuso sexual acontecem na maioria das vezes dentro de um ambiente fechado no qual o autor não abre margem para testemunhas ou qualquer vestígio, o que dificulta a apuração sobre o ocorrido, motivo pelo qual as autoridades fazem uso de instrumentos de escuta especializada para apurar o ato.
Autoridade apontam como principais autores desses crimes: tios, padrastos ou avôs. Com isso o que evidencia-se é que abusadores e suas vítimas estão na maioria das vezes convivendo frente a frente, não restando oportunidade para que estes últimos peçam auxílio a terceiros (especialmente em tempos de pandemia), afinal, todos estão dentro de suas casas observando a incerteza do futuro.
Dados fornecidos em momento anterior a pandemia do COVID-19 já apontavam um número bastante expressivo quanto a essas ocorrências, nesse período demonstrava-se que a cada hora, ao menos quatro ou cinco crianças ou adolescentes eram vítimas de violência doméstica no país. No entanto, é importante lembrar que somente um em cada 10 vítimas realizam a denúncia, o que aponta para a possibilidade de números ainda maiores e mais alarmantes.
Dados do boletim epidemiológico nº 27 do Ministério da Saúde apontam que entre 2011 e 2017 foram registrados 141.105 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, o que configura 76,5% de todos os casos registrados. Importante chamar a atenção para o fato de que a maior parte das notificações é da região Sudeste, o que obviamente explicita o enorme índice de subnotificação. Dentre as vítimas, 74,2% são meninas, e 71,2% dos casos ocorrem nas residências (TEMER, 2020).
Há pouco mais de um ano desde que a pandemia teve início e em conjunto com ela a obrigatoriedade do isolamento social, os números citados abaixo demonstram a consequência da vulnerabilidade a qual meninos e meninas ficaram expostos. Vejamos:
De acordo com o MMFDH (Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos), no início da pandemia da covid-19, em março de 2020, quando ainda não haviam sido decretadas medidas rígidas, houve aumento de 45% de abusos sexuais contra crianças e adolescentes no Brasil em relação a 2019, quando 11.241 denúncias foram registradas pelo governo federal. No ano passado, o total subiu para 20.771.
Em abril de 2020, com as salas de aulas fechadas e o ensino remoto, os números caíram. No total, cerca de 19.663 registros desta violência foram efetuados. Os dados não mostram diminuição da violência, e sim o aumento da subnotificação (RODRIGUES, 2021).
Ainda nesse liame é importante salientar que não obstante a casos de violência intrafamiliar, está a ocorrência de casos de violência sexual infantil por meio das redes de internet. Afinal, diante da ociosidade que o isolamento social proporciona está também o livre acesso a conteúdos online, os quais muitas vezes dispõem materiais que contém produção e distribuição nacional e internacional com conteúdo de pornografia infantil.
Relatório da Europol, inteligência policial da União Europeia, publicado no dia 3 de abril, demonstra que as organizações criminosas estão se adaptando aos novos tempos. Houve diminuição nas atividades de tráfico e contrabando e aceleração em outras —dentre as quais, a produção e distribuição de pornografia infantil. Na Espanha, por exemplo, entre 17 e 24 de março, houve um aumento de 25% no download de material pornográfico infantil, tendência que, segundo o relatório, se verifica em outros países europeus (TEMER, 2020).
Diante do conhecimento dessa realidade, não há o que se questionar sobre os danos físicos e psíquicos naturalmente causados pela violência e abuso sexual, porém estes ganham ainda mais peso diante de um cenário pandêmico. Afinal, o medo da contaminação do vírus já existente quando somado ao convívio com o abusador, ocasiona temor e grandes sequelas emocionais nessa vítima.
É nessa perspectiva que surge a necessidade de adoção de medidas capazes de promover ações estratégicas propostas a partir da articulação entre políticas públicas com potencial de viabilizar o alcance aos meios de denúncia, os quais possuem o acesso dificultado em virtude dos obstáculos impostos pelas normas de isolamento social (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS – CIDH, 2020, p. 16).
Conforme demonstrado, o advento da pandemia serviu como lupa para as mazelas sociais já existentes, mais que até então demonstravam-se sem a devida atenção e o cuidado necessário para que estas pudessem ser devidamente resolvidas e antecipadamente evitadas, o que fez com que diante da imposição das restrições como meio de enfrentamento a disseminação do novo coronavírus a quantidade de denúncias sobre violência e abuso sexual se elevassem significativamente. Diante dessa realidade, considera-se importante abordar sobre o tema e assim mais um vez chamar atenção das autoridades públicas competentes para que as crianças e adolescentes vítimas de violência e abuso sexual sejam incluídas no orçamento público durante e pós pandemia (considerando a redução de casos e o programa de imunização de ocorre no país), para que investimentos sejam destinados a capacitação e inserção de profissionais que não somente identifiquem, mas sobretudo contribuam para a denúncia dos abusadores e assim sejam aplicadas as sanções cabíveis.
Conforme pôde ser contemplado no presente estudo, a pandemia resultante do novo coronavírus impactou diretamente a vida e a segurança de toda a sociedade. No entanto, foi dentro do âmbito social e familiar o qual já apresentava problemas relacionados a violência que ela ganhou um maior impacto e diante disso uma maior visibilidade sobre problemas preexistentes que apesar do dever de já estarem solucionados, não foram.
Em resposta ao aumento de novos casos de infecções por covid-19 as autoridades públicas de saúde tornaram obrigatório que toda a sociedade passasse a cumprir quarentena, distanciamento e isolamento social como uma forma de tentar evitar o aumento de casos devido a proliferação do vírus, no entanto, conforme demonstrado, dentro desse ambiente domiciliar apesar de as pessoas tornarem-se protegidas do vírus, passavam a ficar vulneráveis a agressões e abusos sexuais, em especial o público alvo que foi abordado no presente trabalho: crianças e adolescentes.
Diante da obrigatoriedade de isolamento como forma de proteção a infecção do novo coronavírus, milhares de crianças e adolescentes viram-se obrigadas a conviver 24h por dia com seus agressores/abusadores e diante do fato de as escolas estarem fechadas e qualquer ambiente que possibilitasse o convívio com terceiros, estas vitimas passaram a integrar o índice alarmante de aumento de casos de violência e abuso sexual dentro do contexto intrafamiliar. É importante destacar no entanto que essa problemática já é um problema social pré-existente de longas datas mas que apesar de sua gravidade, não é tratada com a importância e urgência que deveria, motivo pelo qual se escolheu abordar sobre o tema no presente estudo e hoje requer-se que o mesmo se torne público para que deste modo as pessoas sejam relembradas sobre a seriedade do assunto e a urgência em se adotar medidas eficazes quanto ao tema.
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graduanda em Direito pela FAMETRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, JESSICA SIQUEIRA DOS. Pandemia: violência e abuso sexual: um vírus e duas guerras. Uma análise sócio jurídica acerca do aumento de casos de violência e abuso sexual durante o isolamento social em virtude da pandemia do Covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2021, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57671/pandemia-violncia-e-abuso-sexual-um-vrus-e-duas-guerras-uma-anlise-scio-jurdica-acerca-do-aumento-de-casos-de-violncia-e-abuso-sexual-durante-o-isolamento-social-em-virtude-da-pandemia-do-covid-19. Acesso em: 22 nov 2024.
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