RESUMO: O presente artigo aborda o instituto da responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo. Trazendo de forma sucinta os principais pressupostos da responsabilidade civil dentro desse contexto, elencado a dignidade da pessoa humana, traçando um paralelo da família como instituição jurídica e sua importância nos dias atuais, situação esta que se torna cada vez mais relevante não só no mundo jurídico, mas também no cotidiano da sociedade. Aponta conceitos e tópicos de forma estratégica para que alcance diversos leitores, seja da área do Direito ou não, permitindo assim, uma melhor e maior compreensão sobre o tema. Nesta esteira, verificar-se-á quais hipóteses o dano se concretiza, quais medidas e sanções são abarcadas e o que norteia a legislação. É de clareza solar que o conceito de família recebeu várias mutações nos últimos anos com isso, será abordado a importância do Poder familiar que na antiga nomenclatura se tratava do “pátrio poder” e como isso pode influenciar nos contextos jurídicos, sociais e psicológicos daquele que se sente lesado. Com o evoluir da comunidade jurídica já há trâmites para que o tema venha a vigorar expressamente no vigente código civil. Nesse sentido, o artigo busca entender se a responsabilidade civil pode ser considerada medida norteadora e adequada para a tutela dos interesses das crianças e adolescentes quando houver omissão em relação aos direitos e deveres por parte dos pais.
Palavras-Chave: Abandono afetivo. Dano Moral. Dignidade da pessoa humana. Responsabilidade Civil.
ABSTRACT: This article addresses the institute of civil liability arising from emotional abandonment. Briefly bringing the main assumptions of civil liability within this context, listing the dignity of the human person, drawing a parallel of the family as a legal institution and its importance today, a situation that becomes increasingly relevant not only in the legal world , but also in the daily life of society. It points out concepts and topics in a strategic way so that it can reach different readers, whether from the area of law or not, thus allowing for a better and greater understanding of the subject. In this wake, it will be verified which hypotheses the damage materializes, which measures and sanctions are covered and what guides the legislation. It is clear that the concept of family has undergone several changes in recent years with this, the importance of family power will be addressed, which in the old nomenclature was the "fatherland power" and how this can influence the legal, social and psychological contexts of those who feels aggrieved. With the evolution of the legal community, there are already procedures for the issue to come to expressly apply in the current civil code. In this sense, the article seeks to understand whether civil liability can be considered a guiding and adequate measure to protect the interests of children and adolescents when there is an omission in relation to the rights and duties of parents.
KEYWORDS: Affective abandonment. Moral damage. Dignity of human person. Civil responsability.
Sumário: Introdução – 1. Responsabilidade Civil – 1.1 A família como instituição social e jurídica – 1.2 Dos deveres oriundos do dever familiar sob a ótica do ECA – 1.3 Caracterização do abandono afetivo – 2.0 Das consequências decorrentes do abandono afetivo – 2.1 A dignidade da pessoa humana– 2.2 Afetividade – 2.3 Os tribunais e o abandono afetivo 3.0 - O princípio da solidariedade familiar – Conclusão – Bibliografia.
INTRODUÇÃO
Falar em responsabilidade civil ensejada do abandono afetivo, é um tema que gera diversas discussões doutrinárias e até mesmo jurisprudenciais, pois afinal ninguém é obrigado a dar carinho, amor e atenção a outrem.
Orienta a boa jurisprudência que amar não é um instituto a ser imposto, mas cuidar e zelar é dever.
É mister que, não se fala em dar o afeto ou simplesmente proporcionar momentos de alegria, mas sim, em obrigação a partir do momento em que se é gerada uma vida, há uma série de direitos e deveres que decorrem dela.
O código civil em seu art. 2º deixa claro que a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida, Logo, parte-se da premissa que, o nascimento com vida irá estabelecer o início da personalidade jurídica de cada indivíduo, logo passa a ser sujeito com direitos e deveres.
Sob a ótica jurídica a responsabilidade civil se relaciona no sentido de não prejudicar, não causar prejuízo a outro. Traz em seu bojo o conceito de reparar um dano causado.
Atualmente a nomenclatura “pátrio poder”, foi substituída no Código Civil de 2002 pelo poder familiar, que é aquele das relações jurídicas entre os pais e seus filhos. No conceito anterior, esse poder era em maior escala conferido ao pai, restando à mãe apenas uma mera colaboração. Com a evolução do ordenamento jurídico, a mãe passou a ter papel tão importante quanto o do pai nessa relação. O fato é que ambos precisam ter importante colaboração na criação e desenvolvimento dos filhos.
Na atualidade, o dever familiar segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Nº 8.069/90), incumbe aos pais o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
É digno que o filho possa ter o que bem manda a Constituição Federal no Art 1º, inciso III, que trata da Dignidade da Pessoa Humana como princípio fundante do Estado brasileiro, o qual reflete as garantias das necessidades vitais de cada indivíduo.
Os responsáveis que negligenciam ou são omissos quanto ao dever geral de cuidado podem responder judicialmente por terem causado danos morais e/ou materiais a seus próprios filhos. Não obstante a possibilidade de sanções penais, em uma realidade capitalista a pena que parece impor maior efeito pedagógico é mesmo aquela que afeta o patrimônio do infrator. Nesse contexto, o negligente pode vir a ser condenado a pagar determinada indenização à criança ou adolescente ofendido. Muito embora a indenização por abandono afetivo não diminua a dor, traumas e problemas psíquicos, contudo, pode proporcionar sensação de justiça.
Na entidade familiar o indivíduo cresce, desenvolve-se fisicamente e psicologicamente, constrói seus próprios conceitos, ideais, refugia-se e é ela sua base, sua estrutura, seu espelho de vida.
Diferente da concepção antiga, de família matriarcal ou patriarcal, que dispunha do poder pátrio como forma autoritária de comandar as relações parentais consanguíneas com o intuito de educar, surge o poder familiar, não que tenha findado o poder de ascendência, mas este passa a ter outro sentido: o de segurança, proteção e acolhimento. O conceito coloquial de abandono está associado a largar algo ou alguém sem pretensão de voltar, mas, no âmbito do direito de família, deve ser compreendido como afastamento pessoal de um ente familiar. As duas palavras quando colocadas em conjunto geram significados no âmbito jurídico, em virtude de que o abandono afetivo tem gerado o instituto da responsabilidade civil, e sendo nomeado, doutrinariamente, como a “Teoria do Desamor”.
Há conceitos diversos sobre responsabilidade civil, inclusive alguns exemplos estabelecidos na legislação brasileira, percebendo-se que no capítulo dedicado ao tema no código Civil de 2002, não se encontra nada mencionando sobre a reparação civil por abandono afetivo, especificamente.
A responsabilidade civil no Direito de Família projeta-se para além das relações de casamento ou de união estável, sendo possível a sua incidência na parentalidade e filiação, ou seja, nas relações entre pais e filhos. Atualmente o tema em discussão gera inúmeros questionamentos, tendo em vista seu crescimento e alcance amplo nas relações humanas, além da parentalidade. Por conta disso, ocorre um razoável aumento da demanda junto ao Poder Judiciário para a tutela desses conflitos paterno filiados e, em contrapartida, infelizmente, trata-se de uma matéria ainda não pacificada na legislação brasileira.
Fala-se em uma forma de punir os pais com o intuito de evitar que estes voltem a fazê-lo e, principalmente, que outros pais repitam essa conduta reprovativa, posto que, a base de nosso ordenamento são os valores sociais, preservados, sobretudo com o princípio da dignidade da pessoa humana. Ademais, tem-se atribuído a reparação civil à função pedagógica e educativa na busca de desestimular esse tipo de conduta incoerente com o ordenamento jurídico.
Diante da plena caracterização do abandono afetivo, a rotina dos filhos muda completamente, haja vista que não se abala apenas o contexto material mas o psicológico também, o que futuramente poderá deturpar o desenvolvimento.
Estas situações, por se tornarem cada vez mais presentes, não podem passar despercebidas, como de fato não passam, eis que a construção jurisprudencial acerca do tema é dinâmica e desperta calorosos debates no seio da comunidade jurídica.
Nota-se que o abandono afetivo tornou-se mais corriqueiro com o enfraquecimento das relações conjugais nos dias de hoje, logo, as lides devem ser ponderadas pelo judiciário uma vez que as crianças e adolescentes não podem sair afetados por problemas entre os pais.
Há situações em que a relação se deu apenas por algo corriqueiro, uma festa, uma noite, trazendo aquele pensamento de que não se tem deveres e obrigações com aquela criança, isso não exime, não afasta o pátrio poder, ou seja, as obrigações e deveres seja do pai ou da mãe precisam se fazer presentes.
1. RESPONSABILIDADE CIVIL
Fonte do direito obrigacional a responsabilidade civil é a reparação de dano material ou moral causado a outrem em decorrência de prática de ato ilícito. Para que seja ensejando um ato ilícito dentro da responsabilidade civil há elementos que precisam estar em evidência, são eles:
Ação e omissão quando o agente executa ou deixa de executar algo que deveria ter feito e disso derive determinado dano; culpa lato sensu, presente nos artigos 944 e 945 do Código Civil, momento pelo qual o dano se apresenta consumado; culpa stricto sensu, é o desrespeito a um dever já existente, resultando em imprudência; negligência; e imperícia.
A imprudência se dá pela falta de dever de cuidado em determinada conduta positiva (ação). A negligência é a falta de dever de cuidado em relação a determinado procedimento de forma negativa (omissão). Já a imperícia é a falta de qualificação do agente na realização de determinada conduta.
Nexo de causalidade, é o elo entre a causa e o efeito, ou seja, relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado, decorrente do nexo de causalidade enseja-se dois tipos de responsabilidade objetiva decorrente da conduta e subjetiva decorrente culpa.
Não há como ensejar responsabilidade civil sem dano ou prejuízo, é característica primordial, ou seja, a ideia de responsabilidade civil deve ser acompanhada da concretização do dano ou prejuízo que fora causado a outrem ensejando indenização. Para isso é necessário a comprovação da culpa em lato ou stricto sensu.
No vigente código civil, é previsto os danos morais e materiais. O dano moral é aquele que não tem causa, não está ligado a questões financeiras, patrimoniais e etc, ele traz em seu bojo características de dano ao direito da personalidade questões ligadas à honra, imagem entre outras características que o financeiro não atinge, ele traz a ideia de um dano mais pessoal. Já o dano material, por sua vez, caracteriza o atingimento a determinado bem jurídico que goza de valor
1. 1 A família como instituição social e jurídica.
Com o conceito de família sob o prisma do Direito nota-se que houve um grande avanço em vários institutos, bem como a família. Essas modificações decorrem das diferentes perspectivas sobre os valores e práticas de cunho social nos últimos séculos.
No Brasil, houve um reconhecimento da pluralidade de entidades familiares que se deu com a promulgação da Constituição da República Federativa de 5 de Outubro de 1988, passou-se a entender família não só como aquela constituída pelo casamento, mas sim, aquela alicerçada no amor entre os indivíduos, independe da sua condição civil e orientação sexual. Conforme art. 226,in verbis:
Art. 226 – A família base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento § 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (BRASIL, online)
A concepção tradicional implicava em um casamento para a formação da entidade familiar e todas suas prerrogativas, hoje há uma noção mais contemporânea, como por exemplo a família unipessoal, monoparental e diversas outras que nos dias atuais demandam a qualificação da família, resultando em um pluralismo das entidades familiares. Aponta-se que na concepção antiga o Código Civil de 1916 entendia que a família estava diretamente ligada ao casamento formal, a concepção atual traz uma pauta em valores, afetividade, amor e carinho.
A família unipessoal é aquela formada por uma única pessoa, seja solteira, divorciada ou viúva. O supremo Tribunal de justiça já reconheceu a família unipessoal dentro do conceito de entidade familiar, ensejando a finalidade social da lei. Este reconhecimento visa a proteção do bem de família, foi criada então a súmula 364 do STJ, “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”.
Família monoparental é aquela constituída pelo homem ou mulher e seus descendentes, podendo ser caracterizada por mães e pais solteiros ou separados e até mesmo pela viuvez.
A família homoafetiva se dá pela relação afetiva de pessoas do mesmo sexo, traçando um marco e rompendo um padrão arcaico que o direito carregava posteriormente, este tipo de família está cada vez mais presente com isso, a Lei nº. 11.340, de 2006, houve o reconhecimento da legislação brasileira, ainda que apenas no âmbito da violência doméstica, da relação homoafetiva, ao dizer, em seu artigo 5º, parágrafo único que as relações nele indicadas independem de orientação sexual.
Não somente estes conceitos de família mas diversos outros, hoje balizam o evoluir da família como instituto dentro direito, não se fala mais só em um tipo de relação ou um tipo de família, hoje em dia já há uma pluralidade de relações reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro.
O doutrinador Maurício Krieger (2015) expõe que a completa formação da identidade do ser humano é decorrente de influências dos relacionamentos e dos vínculos que criamos ao longo da vida. Dessa maneira, como a instituição familiar é onde se inicia as primeiras etapas da vida de um ser humano (como por exemplo a formação do caráter, valores e sentimentos, vivenciados em seu lar) os vínculos formados por intermédio dessa instituição, são ainda mais preciosos, pois será a base para os relacionamentos com os demais indivíduos, fora do seu convívio familiar.
1.2 Dos deveres oriundos do dever familiar sob a ótica do ECA.
A Constituição Federal trata em seu Art. 226 que a família é a base da sociedade e goza de proteção especial do Estado. Nota-se que a Carta Magna torna real a responsabilização por parte do Estado com o intuito de garantir o alicerce familiar da melhor maneira.
Nesta mesma esteira o ECA, prevê que a base familiar é de extrema importância para o desenvolvimento humano, pois é nele que serão formados os princípios, ética e valores.
Imperioso é reconhecer que o contexto familiar se reveste e traz em seu bojo caráter essencial para a formação da vida da pessoa, mais ainda daquele que está em fase de crescimento, desenvolvimento, não só de valores mas também a parte psíquica e cognitiva.
O Estado entra como forma de garantir a tutela a proteção que o âmbito familiar necessita possibilitando a confecção de amparo quando necessário.
Logo, para o Estado a entidade familiar representa um núcleo basilar de afeto e carinho onde as pessoas se desenvolvem com dignidade a par da identidade biológica que há entre elas.
Em seu Art 4º o ECA estabelece que é dever da família e da sociedade em geral o poder público assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos Direitos inerentes à vida, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, profissionalização dentre outros.
Ainda no Art 19 deixa claro que toda criança e adolescente tem o direito de ser criado e educado no seio de sua família.
É de clareza solar que o legislador se adapta às novas modalidades de família que continua avançado, trazendo então o esforço de buscar o equilíbrio para as problemáticas que a sociedade passa com sua própria evolução.
1.3 Caracterização do abandono afetivo.
Aduz Carlos Roberto Gonçalves, “Poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores”. Logo, poder familiar é a obrigação, responsabilidade dos genitores em prestar os devidos cuidados, zelo, amparo e sustento.
O abandono afetivo é concretizado no momento em que os pais na competência do poder familiar negligenciam e omitem as relações com os filhos, deixando estes em estado vulnerável e sem reparação. Nos dias atuais não há uma lei específica que expresse essa caracterização, contudo, se encontra fundamento em legislações diversas como por exemplo o ECA (Art. 4º), que abarca os Direitos das crianças e adolescentes e a Constituição Federal (Art 227).
O Código Civil também abarca um fundamento em seu artigo 1.634, com isso é evidente que a depender do convencimento do magistrado e de cada caso concreto o abandono afetivo está caracterizado quando há a violação de algum desses dispositivos citados acima.
Do deixar de fazer a exclusão do sobrenome por livre e espontânea vontade pode ensejar o abandono, atos que proporcionam por si só a sensação de exclusão quando na verdade a sensação deveria ser de acolhimento ao vulnerável. Já há jurisprudência sobre indenização pelo dano moral e a retirada do sobrenome por aquele que abandonou.
2. Das consequências decorrentes do abandono afetivo.
Seja em esfera jurídica, social ou psicológica, o abandono afetivo pode gerar inúmeras consequências a aquele que se sente lesado. Os danos psicológicos podem ser tratados com o tempo, contudo, a depender de cada caso podem vir a ser irreversíveis. Com isso, partimos da premissa então que, o judiciário não irá sanar a dor e muito menos a perturbação que é causada, mas entrará como uma forma de proporcionar a sensação de justiça e de força a aquele que busca pela justiça.
Nos dias atuais o Direito há de tutelar tanto o abandono afetivo como a alienação parental pois se tornaram casos muito corriqueiros. Em casos assim, a atenção precisa ser redobrada pois tem se a necessidade de separar um do outro por se tratar de diferentes situações, logo ensejam sanções distintas.
2.1 A dignidade da pessoa humana
Previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal é considerado um dos princípios fundamentais no sistema jurídico em harmonia com a constituição federal, basilar aos princípios da sociedade democrática do Brasil. Aduz a doutrina que “a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”.
A dignidade da pessoa humana representa a proteção de todos os direitos do homem, pois sendo algo inerente à ele, assume valores entre o indivíduo e a sociedade, representando por fim, um processo que visa à luta por direitos do homem para com seus semelhantes, toda a sociedade e para com o Estado.
Neste diapasão, a proteção de crianças e adolescentes está diretamente ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana, logo, o judiciário atenta para a responsabilização dos genitores que possam vir a causar danos ao filhos na ausência do afeto, assistência necessária e convívio. Maria Berenice Dias aduz que;
“Na medida em que a ordem constitucional elevou a dignidade da pessoa humana a fundamento da ordem jurídica, houve uma opção expressa pela pessoa, ligando todos os institutos à realização de sua personalidade. Tal fenômeno provocou a despatrimonialização e a personalização dos institutos jurídicos, de modo a colocar a pessoa humana no centro protetor do direito. O princípio da dignidade humana não representa apenas um limite à atuação do Estado, mas constitui também um norte para a sua ação positiva. O Estado não tem apenas o dever de abster-se de praticar ator que atentem contra a dignidade humana, mas também deve promover essa dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território.’’
Não há como conceituar a dignidade da pessoa humana, todavia, a legislação norteia seus parâmetros para que este supra principio possa ser adequado e usado a depender de cada caso concreto.
2.2 Afetividade.
É importante conceituar as palavras afetividade e abandono. Afetividade é um conjunto de 29 fenômenos psíquicos, que permitem ao ser humano demonstrar seus sentimentos e emoções a outrem, formando assim, um laço de proximidade interpessoal; trata-se de uma forma de exteriorizar emoções e criar vínculos de amor, cuidado, carinho com o próximo.
Importa ressaltar a existência de três maneiras em que a afetividade se exterioriza, Fernanda Salla (2018) ressalva as palavras do psicólogo Henri Wallon a respeito da afetividade: Por meio da emoção, do sentimento e da paixão. A emoção, segundo o educador, é a primeira expressão da afetividade. Ela tem uma ativação orgânica, ou seja, não é controlada pela razão. O sentimento, por sua vez, já tem um caráter mais cognitivo. Ele é a representação da sensação e surge nos momentos em que a pessoa já consegue falar sobre o que lhe afeta - ao comenta um momento de tristeza.
O princípio da afetividade não está caracterizado e nem estabelecido na legislação, contudo é norteado pela doutrina. Assim, Caio Mário da Silva Pereira leciona:
[…] pode ser considerado um princípio jurídico, à medida que seu conceito é construído por meio de uma interpretação sistemática da Constituição Federal (art. 5º, § 2º, CF). O princípio é uma das grandes conquistas advindas da família contemporânea, receptáculo de reciprocidade de sentimentos e responsabilidades. Pode-se destacar um anseio social à formação de relações familiares afetuosas, em detrimento da preponderância dos laços meramente sanguíneos e patrimoniais. Ao enfatizar o afeto, a família passou a ser uma entidade plural, calcada na dignidade da pessoa humana, embora seja, decorrente de um laço natural marcado pela necessidade dos filhos de ficarem ligados aos pais até adquirirem sua independência e não pode coerção de vontade, como no passado. Com o decorrer do tempo, cônjuges e companheiros se mantêm unidos pelos vínculos da solidariedade e do afeto, mesmo após os filhos assumirem suas independências. Essa é a verdadeira diretriz prelecionada pelo princípio da afetividade.
Extrai-se aqui, que o princípio da afetividade traz em seu bojo a saúde pelas relações familiares, uma vez que o afeto mútuo se torna indispensável para essa relação.
2.3 Os tribunais e o abandono afetivo.
A primeira decisão acerca do tema veio do Rio Grande do Sul, pelo juiz Mario Romano Maggioni que condenou o pai ao pagamento de indenização por danos morais no valor de duzentos salários-mínimos por abandono moral e afetivo de sua filha, em sentença datada de agosto de 2003, transitada em julgado, atualmente em fase executória. Destaque-se a fundamentação do ilustre julgador:
A função paterna abrange amar os filhos. Portanto, não basta ser pai biológico ou prestar alimentos ao filho. O sustento é apenas uma das parcelas da paternidade. É preciso ser pai na amplitude legal (sustento, guarda e educação). Quando o legislador atribuiu aos pais a função de educar os filhos, resta evidente que aos pais incumbe amar os filhos. Pai que não ama filho está não apenas desrespeitando a função de ordem moral, mas principalmente de ordem legal, pois não está bem educando seu filho. (BRASIL, online).
Na mesma oportunidade manifestou-se contrária à concessão da indenização o Ministério Público, conforme parecer da Promotora de Carli dos Santos: “não cabe ao Judiciário condenar alguém pelo desamor, senão, os foros e tribunais estariam abarrotados de processos se, ao término de qualquer relacionamento amoroso ou mesmo se, diante de um amor platônico, a pessoa que se sentisse abalada psicologicamente e moralmente pelo desamor da outra, viesse a pleitear ação com o intuito de compensar-se, monetariamente, porque o seu parceiro ou seu amor platônico não a correspondesse”.
No mesmo sentido entendeu o STJ, no REsp 757.411-MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 29/11/2005, publicando sua decisão que, a seguir, se resume: "Escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar ou a manter um relacionamento afetivo, que nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada”.
Em recente julgamento, o juiz da 31ª Vara Cível de São Paulo, Dr. Luis Fernando Cirillo, condenou um pai, por danos morais, a indenizar sua filha, no importe de 190 salários mínimos, aproximadamente, reconhecendo que:
“Paternidade não gera apenas deveres de assistência material, e que além da guarda, portanto, independentemente dela, existe um dever, a cargo do pai, de ter o filho em sua companhia”. Apesar de considerar não ser razoável que um filho "pleiteie em Juízo indenização do dano moral porque não teria recebido afeto de seu pai".
O ilustre magistrado sentenciante, ponderou de outro norte que:
(….) Não se pode rejeitar a possibilidade de pagamento de indenização do dano decorrente da falta de afeto simplesmente pela consideração de que o verdadeiro afeto não tem preço, porque também não tem sentido sustentar que a vida de um ente querido, a honra e a imagem e a dignidade de um ser humano tenham preço, e nem por isso se nega o direito à obtenção de um benefício econômico em contraposição à ofensa praticada contra esses bens (31ª Vara Cível Central de São Paulo – Processo n° 000.01.036747-0) (BRASIL, online)
As várias discussões e decisões que cercam o tema no judiciário levam a percepção de avanço da comunidade jurídica.
Mas afinal, o pai ou mãe que deixam de cumprir o dever familiar para com os filhos podem ser responsabilizados? Cada caso concreto exigirá do judiciário diferentes interpretações e desdobramentos, o fato é que a responsabilidade civil busca amenizar e reparar esses danos, não só na questão de indenização mas na sensação de justiça, ela vem para nortear e tutelar o bem jurídico nesse contexto da afetividade.
3.0 O princípio da solidariedade familiar
É fato que, a família é refúgio, acalento e abrigo, logo o princípio da solidariedade familiar se liga fortemente com a afetividade resultando em uma mútua assistência, no sentido de que, a depender do caso concreto filhos podem pedir pensão dos pais, assim como os pais podem pedir pensão dos filhos em uma situação futura e se restar comprovado que é necessário.
Logo, este princípio norteia a ética no sentido da ajuda, cooperação de quem precisar no âmbito familiar.
CONCLUSÃO
Este artigo buscou um estudo acerca da responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo, traçando um estudo através de seus pressupostos, restando claro que o abandono fere a dignidade da pessoa humana. É mister destacar que este instituto alcança diversos prismas e um deles é o dever familiar que passou por uma mutação se adequando aos dias atuais.
Diferentemente da concepção antiga, hoje o direito dentro de sua evolução abarca diversos tipos de família e que merecem prosperar de forma legal a atenção do Estado.
O interesse do Menor para o Estado estará sempre em maior alcance visto que trata de um ser vulnerável que precisa de assistência.
Não se pode obrigar ninguém a querer proporcionar, carinho, amor e atenção a outrem, mas o direito pleiteia a tutela do cuidado, do zelo, ou seja, é dever dos genitores garantir uma vida digna e saudável para os filhos seja na educação, lazer, esporte, alimentação e etc.
A responsabilidade só é possível através da comprovação de dano contendo os pressupostos, sendo estes, nexo de causalidade, efeito e conduta, logo, em torno do abandono afetivo faz se necessária a comprovação por meio de laudos periciais que aquele dano causado ao menor é devido ao abandono do pai ou mãe devido à ausência exacerbada por parte dos genitores, ou seja, o abandono foi fator primordial, logo o ato ilícito é reparado mesmo sem lei expressa, mas como já mencionado anteriormente há amparos no código civil, ECA e constituição federal que norteiam o convencimento ou não do magistrado a indenização.
O instituto do abandono afetivo se caracteriza pela abstenção de fazer cumprir o dever familiar, permitindo o mau desenvolvimento da criança em contextos psicológicos e sociais, gerando sensação de deslocamento, rebaixamento, falta de aptidão para atividades sejam do dia a dia ou até escolares, fato estes que são violadores do princípio da dignidade da pessoa humana por negligência dos pais.
Logo, a falta de cooperação, zelo, cuidado e atenção podem ensejar indenização a depender de cada caso, necessitando uma análise extremamente cuidadosa por parte do judiciário, no sentido de evitar a banalização do instituto do dano moral pelo abandono afetivo, afinal cada caso é um caso.
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Bacharelanda em Direito pela Faculdade metropolitana de Manaus ( FAMETRO).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TAIROVICHE, angely marielly pedrosa. Responsabilidade civil: uma ótica sob o abandono afetivo com um viés a dignidade da pessoa humana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2021, 05:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57727/responsabilidade-civil-uma-tica-sob-o-abandono-afetivo-com-um-vis-a-dignidade-da-pessoa-humana. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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