RESUMO: Será demonstrado a existência da responsabilidade civil objetiva do Estado em relação aos danos causados pelos seus custodiados na prática de crimes, sejam eles desencadeados em razão dos atos estatais omissivos ou comissivos. A obrigatoriedade de reparação pelo Estado não é conhecida pelos mais leigos, portanto, torna-se pertinente este estudo sobre o instituto supramencionado, visto que pouco se houve falar dessa imputação de responsabilidade e muito se sabe de crimes praticados por tutelados. Buscar-se-á identificar em banco de dados disponíveis a existência dessa responsabilização na prática.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Crimes. Detentos. Custódia. Estado.
O Estado, pessoa jurídica de direito público (art. 41 do CCB), desempenha diversos deveres e ao executar suas incumbências pode colocar em risco a sociedade, mesmo não sendo a sua intenção.
Nosso ordenamento jurídico traz consigo a responsabilidade civil estipulada no parágrafo único do art. 927 do CCB e art. 37 da CF, que dispõe sobre a obrigação de reparar o dano, seja por culpa ou não, desde que a lei preveja, ou quando as atividades do agente representam um risco para os direitos de terceiros. Diante disso, é notável que o Estado pode sim ser responsabilizado.
Muitas atividades desenvolvidas pela administração pública em benefício da sociedade podem, em alguns casos, causar danos aos cidadãos. O sistema é coerente e harmonioso e os cidadãos não podem ficar sem compensação (Kraemer,2004,).
É importante consignar como deve ser comprovada essa responsabilidade, pois o Estado é visto pelos mais leigos como um ser intangível. A doutrina traz dois tipos de responsabilidade, a objetiva e a subjetiva, na primeira existe uma conduta ilícita, o dano e o nexo causal, independe de culpa, já a subjetiva terá a culpa como fundamento da responsabilidade. Será abordado somente a responsabilidade objetiva, que imputa ao Estado o dever de arcar com os danos causados por seus custodiados.
O Estado é responsável pela custódia daqueles que, em razão de algum delito, têm sua liberdade de ir e vir diminuída, quando não em raros casos, totalmente subtraída. Essa responsabilidade resulta em uma obrigação de reparar terceiros por eventuais danos causados por estes, e essa responsabilização não isenta o detento de ser responsabilizado na esfera penal e na cível, embora, em não raras vezes, não tenham meios de indenizar a vítima civilmente.
Responsabilidade Civil consiste na obrigatoriedade de reparar o dano causado a outrem em razão de uma ação ou omissão. É calcada em uma concepção de vingança pessoal contra o mal sofrido por outrem. Segundo Silvio Rodrigues a responsabilidade civil é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado à outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam (RODRIGUES, 2003, p. 6).
No século XIX prevalecia a introdução do Poder Público para com os prejuízos que esse causava, independe da situação ocorrida.
O Estado era considerado como a lei e o direito em si, e em razão disto, era visto como incapaz de violar direitos ou ser causador de danos.
Importante mencionar que a teoria da irresponsabilidade estatal não foi adotada pelo direito brasileiro. Nas Constituições de 1824 e 1891 não havia previsões sobre a responsabilidade do Estado, tão somente, a responsabilidade do agente em face do abuso ou omissão praticados por este no exercício de suas funções (DI PIETRO, 2014, p. 721). A Constituição de 1934 adotou o princípio da responsabilidade solidária entre o Estado e o agente, nos termos de seu artigo 171.Os funcionários eram responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por qualquer prejuízo que decorresse de negligência, omissão ou abuso no exercício do respectivo cargo, sendo que tal previsão repetiu-se na Constituição de 1937 (DI PIETRO, 2014, p. 721).
2.2 Início da Responsabilização Estatal e os Atos de Gestão e Atos de Impérios
Quando chegou ao fim da teoria da irresponsabilidade, o Estado começou a ser responsabilizado pelas ações culposas, mas fazendo a diferenciação entre atos de gestão e os atos de império. No primeiro caso, o Estado poderia ser civilmente responsabilizado, mas, tratando-se de atos imperiais, não haveria o que se falar em responsabilidade, pois estes eram regidos pelas normas tradicionais de direito público, as quais protegiam a figura estatal (CARVALHO FILHO, 2013, p. 551). A Intenção era retirar cada vez mais a caraterística da teoria da irresponsabilidade da sociedade. Houve bastante dificuldade em diferenciar os atos, o que gerou o fim da teoria.
Destarte, estabulou-se mais teorias, o qual será explanado sobre as principais.
Risco administrativo: Que atribuí ao Estado a responsabilidade pelo risco criado por sua atividade administrativa.
Risco integral: Para essa teoria, é suficiente a existência do evento danoso e do nexo causal para que apareça a obrigação de reparar o dano por parte da Administração, ainda que o dano seja oriundo de culpa exclusiva do particular.
Risco social: Que dispõe sobre o dever de reparar a quebra da harmonia e estabilidade social.
Quanto às teorias acima elencadas, ainda existem controvérsias decorrentes à adoção, mas analisando os posicionamentos dos julgadores nota-se o uso da teoria do risco administrativo, sendo o núcleo a atuação. Segue ementas:
Apelação cível. Reexame necessário conhecido de ofício. Condenação da fazenda pública superior a 60 salários mínimos. art. 475 do cpc. Responsabilidade civil do estado por homicídio cujo autor era preso em regime semiaberto que prestava serviço de limpeza de vias públicas. Agravo retido (tjpr - 1ª c.cível - ac - 991886-9 - Curitiba - rel.: juiz Fábio André santos Muniz - unânime - j. 02.09.2014).
Embargos de declaração. Responsabilidade Civil. Estado. Foragido da justiça. Estupro. Menor impúbere. Indenização. Valor. Julgamento extra petita.
Ao se reconhecer o dever de indenizar imposto ao Estado, por ilícito praticado por fugitivo da justiça, a repercussão emocional do dano na vida da vítima, menor impúbere, justifica a elevação do valor da indenização, por isso que a decisão não constitui julgamento extra petita.(TJ-RO-ED: 10213470820088220001 RO 1021347-08.2008.822.0001, Relator: Juiz Daniel Ribeiro Lagos, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 29/04/2020)
Ementa: Civil - Indenização - Presidiários - Regime Fechado - Progressão - Regime Semiaberto - Trabalho Externo - Vigilância - Ausência - Fuga De Presos - Autora Vítima De Roubo - Ato Omissivo Do Poder Público - Responsabilidade Civil Do Estado Configurada - Danos Morais - Critério De Fixação - Recurso Provido. O cumprimento da pena em regime semiaberto e a responsabilidade pelo trabalho do preso constituem ônus estatal, motivo pelo qual o trabalho externo prestado pelo condenado em entidade pública, deve sempre estar sob vigilância, pena de a medida transmudar-se numa progressão ao regime aberto. Se a peculiaridade do caso concreto evidencia o nexo de causalidade entre a conduta omissiva estatal - em não promover vigilância adequada aos presidiários que exercem atividade externa - com o dano suportado pela autora, vítima de roubo por condenados que se evadiram do local de trabalho, tem-se por demonstrados os requisitos ensejadores da reparação por dano moral. Para a fixação dos danos morais deve-se levar em conta as condições econômicas das partes, as circunstâncias em que ocorreu o fato, a intensidade do sofrimento da vítima, o grau de culpa do ofensor, o caráter repressivo e pedagógico da reparação. [...] (STJ, Apelação Cível: AC 0614024-17.2011.8.13.0145 MG. Relator: Corrêa Junior. DJ 12/03/2013, 2013)
Importante registrar que conforme as disposições do art. 206, § 3°, V, do Código Civil é estabelecido um prazo prescricional de três anos para propor ação de reparação.
Como já mencionado, para que o Estado seja responsabilizado, é necessário a existência da conduta humana, o dano causado e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, sem esses elementos a responsabilidade Estatal desaparece. Portanto, torna-se pertinente discorrer sobre estes requisitos, que são necessários para a imputação do Estado. Vejamos:
A conduta geradora do dever de reparar/indenizar pode ser comissiva que é aquela notável, gerada por ação e na conduta omissiva, que gera dano através de uma falta de ação. Por não ter elementos palpáveis, torna-se mais difícil de identificar a omissiva, sendo fundamental conhecer o conceito.
Segundo Guilherme de Souza Nucci (2010), a omissão é um trecho do mundo real, embora não tenha a mesma existência física da ação. Trata-se de um fenômeno perceptível aos sentidos humanos.
O dano causado pode ser tanto patrimonial ou extrapatrimonial, precisa gerar o prejuízo em alguma das esferas do terceiro vítima da agressão.
É o vínculo estabelecido entre a conduta do agente e o resultado gerado em razão dessa conduta. O nexo causal pode ocorrer tanto nas condutas omissivas e nas comissivas, o importante é a conduta ser o motivo do resultado.
Conforme o Supremo Tribunal Federal (STF), no caso de danos decorrentes de crime praticado por pessoa foragida do sistema prisional, só é caracterizada a responsabilidade civil objetiva do Estado (artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal) quando for demonstrado o nexo causal entre o momento da fuga e o delito.
A decisão foi proferida no Recurso Extraordinário (RE) 608880, com repercussão geral (Tema 362), que orientará a resolução de casos semelhantes sobrestados em outras instâncias.
É notável a importância de analisar as circunstâncias do fato causador do delito, pois estes definirão a atribuição ou não do Estado.
Vale registrar, que a responsabilidade objetiva do Estado não é absoluta, poderá se valer das causas de excludente de responsabilidade, que são:
Caso fortuito ou força maior; quando o fato decorreu em razão de fatores alheios, imprevistos e sem relação com a vontade humana, geralmente são ligados a forças naturais
Culpa exclusiva da vítima; quando o fato só ocorreu em razão da provocação da vítima.
Culpa exclusiva de terceiro: Pode ser definido como qualquer pessoa que não seja vítima ou não tenha nenhuma ligação com o agente e a vítima. Esse fato rompe o nexo. Segundo o administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello1 “[...] a culpa da vítima deve ser causa bastante para elidir a responsabilidade estatal.”
Além das excludentes explicitadas, a Lei de Execução Penal traz em seu art. 222 uma disposição que pode ser alegada para que o Estado não seja responsabilizado pelos crimes praticados pelos detentos durante as saídas temporárias. O art. supra reza que a saída temporária não deverá ter vigilância direta. Logo, eximi o Estado do cuidado ostensivo e gera uma justificativa para não arcar por danos causados por custodiados.
Para melhor compreensão do tema, se faz necessário a explanação das espécies de prisões e regimes de cumprimento de pena existentes no ordenamento jurídico brasileiro, o que se faz a seguir. Quanto as espécies, existe a extrapenal: Civil e Militar; penal ou Prisão Pena: Decorre de sentença condenatória; cautelar-Provisória-Processual: Pode ser realizada em flagrante, de forma temporária ou preventivamente.
No que se refere a prisão em flagrante, conforme as disposições do art. 302 do CPP, uma pessoa está em flagrante quando está cometendo ou acaba de cometer uma infração penal. O texto legal inclui também quem é perseguido logo após a prática e quem é encontrado com instrumentos que levem a presumir a autoria da infração.
Configura-se flagrante próprio quando o autor é pego no momento em que comete o fato típico, ou logo após cometê-lo.
É quando o autor é pego logo após a ocorrência do crime, em situação que leve a confirmação que o cometeu.
A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.
A lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, traz em seu texto legal as possibilidades de prisão temporária.
Além disso, existe a prisão preventiva que se trata de uma medida de restrição de liberdade de forma cautelar (proteção), decretada pelo juiz, durante inquérito ou instrução criminal e a prisão definitiva, decretada na sentença, quando não se cabe mais recurso. Destinada à satisfação da pretensão executória do Estado.
Durante o cumprimento de qualquer uma das prisões acima, o réu estará sob a responsabilidade do Estado.
O código Penal estabelece três tipos de regime:
· Fechado: O detento fica isolado do mundo exterior, do convívio social.
· Semiaberto: Tem parcialmente contato com a vida externa.
· Aberto: Possui amplo espaço de liberdade.
Durante os processos judiciais o uso de jurisprudências é bastante recorrente, diante disso, adentraremos neste assunto, para posteriormente analisar o âmbito regional.
Consiste em um conjunto das decisões, aplicações e interpretações das leis. A jurisprudência pode ser entendida de três formas, como a decisão isolada de um tribunal que não tem mais recursos, pode ser um conjunto de decisões reiteradas dos tribunais, ou as súmulas de jurisprudência, que são as orientações resultantes de um conjunto de decisões proferidas com mesmo entendimento.
Trazendo para a realidade do Tocantins, através de buscas de jurisprudências no site do TJ-TO, no dia 25 de outubro de 2021, foi obtido um resultado negativo no sentido de dados.
Algumas outras poucas jurisprudências foram encontradas a respeito dessa responsabilidade civil objetiva do Estado por crimes cometidos por custodiados e vão ser mostradas a seguir, mas o Superior Tribunal de Justiça é o que tem a maioria das decisões.
CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. OBRIGAÇÃO DE SEGURANÇA. PESSOA IMOBILIZADA PELA POLÍCIA MILITAR. MORTE APÓS VIOLENTA AGRESSÃO DE TERCEIROS. DEVER ESPECIAL DO ESTADO DE ASSEGURAR A INTEGRIDADE E A DIGNIDADE DAQUELES QUE SE ENCONTRAM SOB SUA CUSTÓDIA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. CABIMENTO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA DO NEXO DE CAUSALIDADE. ART. 373, § 1º, DO CPC/2015. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Na origem, cuida-se de Ação de Reparação proposta contra o Estado de Minas Gerais em face da morte violenta - no contexto de operação policial - de filho da autora, que pede indenização por danos materiais e morais. Segundo o Tribunal de origem, "policiais chegaram ao local e Luiz se rendeu passivamente ... sem esboçar qualquer reação". Logo após, foi ele "algemado por policiais militares" e, em seguida, agredido brutalmente com chutes na cabeça e no tórax desferidos por dois de seus vizinhos, o que lhe causou traumatismo cranioencefálico. 2. O Tribunal a quo rejeitou a pretensão sob o fundamento de que "para que se responsabilize o Estado por danos materiais e morais exige-se a demonstração do elemento subjetivo culposo". Indisputável que a morte da vítima não resultou de ação, mas sim de omissão dos policiais. Portanto, o presente Recurso Especial encerra duas questões jurídicas sobre a responsabilidade civil do Estado-Polícia: a) se aplicável padrão objetivo ou subjetivo no caso de conduta estatal omissiva contra pessoa sob domínio de agente de segurança pública; b) se ato ilícito de terceiro, nessas circunstâncias, rompe o nexo de causalidade entre o dever de segurança especial da Administração e eventuais danos à vida, integridade e dignidade da vítima. REGIME GERAL BIFURCADO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 3. No Brasil, a regra geral de responsabilização civil do Estado varia conforme se trate de ação ou omissão. Na conduta comissiva, o ente público responde objetivamente; na omissiva, subjetivamente. Justifica-se a responsabilidade subjetiva sob o argumento de que nem toda omissão estatal dispara, automaticamente, dever de indenizar. Do contrário seria o Estado transformado em organismo segurador universal de todos contra tudo. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO-POLÍCIA PERANTE CUSTODIADO, SUBJUGADO OU IMOBILIZADO 4. O estatuto comum de responsabilidade civil subjetiva na omissão estatal enfrenta duas exceções principais, que redundam em unificação do regime biarticulado e compelem à utilização indistinta da responsabilidade objetiva. Primeiro, quando a responsabilização objetiva decorrer de expressa ou implícita previsão legal, em microssistema singular (p. ex., Código de Defesa do Consumidor, legislação ambiental). Segundo, quando a conformação particular dos fatos (= atividade normalmente de risco) indicar, à luz do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, a presença de cânone ou dever de ação estatal mais rigoroso do que o convencional, aí incluída a salvaguarda da dignidade e da integridade de pessoa custodiada, imobilizada ou constrangida por agentes de segurança pública. 5. Para o Estado, ao prover segurança ampla e indistinta à coletividade, o ordenamento cria dever jurídico genérico de agir que, se dano ocorrer por omissão, atrai standard subjetivo, caráter que afasta também responsabilização estatal por atos exclusivos de terceiros. Paralelamente, a ele se impõe dever jurídico especial de agir de apuração objetiva, no tocante à segurança pessoal daqueles que se acham sob sua autoridade direta e em razão dela se encontram custodiados, subjugados ou imobilizados, dispensada, por conseguinte, prova de dolo ou culpa administrativa. 6. Assim, independentemente de a conduta constituir ação ou omissão, o Estado responde de maneira objetiva por danos à dignidade e à integridade de pessoa sob custódia ou submissão ao aparelho de segurança. Para tanto, irrelevante o grau (total ou parcial), a duração (curta ou longa) ou o local da constrição da liberdade (presídio; prédio público, particular ou espaço aberto; interior de viatura ou meio de transporte de qualquer natureza, terrestre, aquático ou aéreo). Desimportante também estar a vítima algemada ou simplesmente ter as mãos para trás, ou, noutra perspectiva, encontrar-se imobilizada ou paralisada em virtude apenas de força física ou de temor de autoridade com porte de arma de fogo. 7. Havendo limitação, mesmo incompleta ou fugaz, da liberdade de ir e vir e dos mecanismos de defesa pessoal, a imputação objetiva de responsabilidade civil do Estado (e, por igual, daqueles que exercem segurança privada) por conduta omissiva se mostra de rigor, dada a "atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem" (art. 927, parágrafo único, do Código Civil). Trata-se, pois, de enquadramento de pura responsabilidade civil objetiva, e não de presunção absoluta ou iure et de iure de culpa. 8. Prender, deter ou imobilizar alguém é expressão máxima de poder estatal. Prerrogativa que, por isso mesmo, nos regimes democráticos, vem acompanhada de garantias e cuidados inafastáveis de proteção absoluta do detido ou subjugado - mesmo os piores criminosos -, condição que se inicia no momento em que autoridade policial restringe a autonomia de ir e vir. Custódia, confinamento, sujeição ou constrangimento por agentes de segurança significam não só perda de liberdade, mas também de viabilidade de autodefesa e de escapar de ameaça ou agressão atual ou iminente. Daí a conduta policial se fazer acompanhar de dever estatal de vigilância e guarda da vida, saúde e dignidade do apreendido e, em havendo dano, de responder administrativa, penal e, de modo objetivo, civilmente por ações e omissões ilícitas. NEXO DE CAUSALIDADE E POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA 9. A objetivação da responsabilidade civil não afasta a necessidade de comprovação de nexo de causalidade, podendo o juiz, quanto a ele, inverter o ônus da prova, nos termos do art. 373, § 1º, do CPC/2015. A apuração da causalidade na omissão ilícita de segurança pública se faz com uma única e simples pergunta: o evento danoso teria sucedido se a vítima não estivesse sob sujeição total ou parcial de agentes estatais? A agressão por terceiro pode não guardar relação retilínea de causa e efeito com a ação policial em si, mas em tal conjuntura a lesão ou morte da vítima não teria acontecido se estivesse livre e desimpedida para se defender ou fugir de ataque de terceiros e, talvez, até de linchamento popular, barbárie que infelizmente ainda se verifica no Brasil. Eis, então, sem rodeios, a base jurídica de regência do nexo de causalidade da responsabilidade civil objetiva derivada de proceder ilícito, comissivo ou omissivo, do Estado-Polícia: se agente de segurança prende, detém ou imobiliza, deve proteger a integridade corporal e mental, a vida e a dignidade da pessoa subjugada contra comportamento de todos, inclusive de si própria e de ação criminosa de terceiro, sendo ineficaz alegar elemento surpresa. 10. Agravo conhecido para se dar provimento ao Recurso Especial (STJ - AREsp: 1717869 MG 2020/0150928-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 20/10/2020, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/12/2020).
Como já dito, o Superior Tribunal de Justiça, tem a maioria das decisões a respeito desse tema de responsabilidade objetiva do Estado pelos crimes cometidos por custodiados. Nessas jurisprudências encontradas, a maioria fala sobre a responsabilidade civil do Estado por omissão ou por detentos, mas poucas falam a respeito do tema propriamente dito.
HABEAS CORPUS Nº 579.626 - RJ (2020/0107449-7) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO IMPETRANTE : GUILHERME FERNANDES DE LIMA ADVOGADO : GUILHERME FERNANDES DE LIMA - SP389612 IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PACIENTE : DENIS TORQUATO DUARTE (PRESO) INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DECISÃO Cuida-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de DENIS TORQUATO DUARTE apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (HC n. 0093843-16.2020.8.19.0001, relator o Desembargador Luiz Noronha Dantas). Consta dos autos ter sido o paciente preso em flagrante, custódia essa convertida em preventiva, pela suposta prática dos crimes previstos nos arts. 171 e 333 do Código Penal (estelionato e corrupção ativa). Impetrado habeas corpus no Tribunal de origem objetivando a soltura do paciente, o pedido liminar foi indeferido. No presente writ, sustenta o impetrante inexistir motivação idônea para a segregação antecipada, visto que não foi apontada, concretamente, a presença dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, asseverando que militam em favor do paciente condições pessoais favoráveis. Invoca ainda o risco de contágio da COVID-19. Busca, inclusive liminarmente, seja revogada a custódia cautelar do paciente. É o relatório. Decido. O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência firmada de que não cabe habeas corpus ante decisum que indefere liminar no writ precedente, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade (enunciado 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal), o que, a meu ver, ocorre na espécie. Confira-se o que consta do decreto prisional (e-STJ fls. 15/16): Em relação à prisão preventiva, de se notar que se trata de medida de cautela processual, cabível, excepcionalmente, quando presentes e demonstrados, ainda que sucintamente, os pressupostos e requisitos insertos no artigo 312 do Código de Processo Penal. Para a custódia cautelar deve ser demonstrada a coexistência de fumus comissi delicti e periculum libertatis que justifiquem o cárcere antes do trânsito em julgado de decisão condenatória. No presente caso, atesta-se a presença do fumus comissi delicti pela prisão em flagrante dos custodiados logo após os fatos, em posse de uma mochila contendo diversas máquinas de cartão de crédito, o cartão de uma das vítimas, bem como, pelas declarações prestadas em sede policial. O periculum libertatis, definido como o risco provocado pela manutenção dos acusados em liberdade, está igualmente presente: trata-se de prática de crimes graves, em que os custodiados, além de obterem vantagem indevida de diversas pessoas, mantendo-as em erro, ofereceram vantagem indevida a policiais militares para que não fossem presos. Consta do auto de prisão em flagrante que os custodiados entraram em contato com as diversas vítimas afirmando serem funcionários do bando Itaú, alegando que os cartões delas haviam sido bloqueados e precisavam ser recolhidos. As vítimas, então, forneceram seus endereços e os custodiados, passando-se pelos funcionários, recolheram os cartões de crédito. Policiais militares que estavam em patrulhamento viram uma confusão em via pública e se aproximaram, oportunidade em que os dois homens fugiram. No entanto, ambos foram abordados e um deles se disse motorista de Uber, enquanto o outro afirmou estar na cidade à procura de uma loja para alugar. Nessa ocasião, Edgley ofereceu o valor de R$ 1650,00 aos policiais militares para que não fossem conduzidos à Delegacia. Em seguida, a vítima Paulo chegou ao local e narrou os fatos aos policiais militares, reconhecendo os custodiados como autores dos fatos. Os cartões da vítima foram localizados no veículo que estava em posse dos custodiados. Assim, evidente a necessidade da conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva dos custodiados como medida de garantia da ordem pública, sobretudo porque crimes como esse vêm comprometendo a segurança de moradores da cidade de Petrópolis, que esperam uma atuação do Poder Judiciário, ainda que de natureza cautelar, com vistas ao restabelecimento da paz social concretamente violada pela conduta dos custodiados. Deve-se ressaltar o grave risco à ordem pública considerando a pluralidade de vítimas que foram atingidas, algumas que sequer ainda foram identificadas. Há, outrossim, o evidente risco à futura aplicação da lei penal, já que os custodiados ofereceram vantagem indevida a policiais militares para evitar a condução à Delegacia. Tal postura demonstra, de forma objetiva, a intenção dos custodiados de se livrarem da responsabilidade por seus atos, oferecendo risco à futura aplicação da lei penal. Em relação ao Princípio da Homogeneidade, tal incidência depende de análise concreta da pena, o que se revela absolutamente prematuro nessa fase, quando sequer denúncia oferecida existe. Nesse sentido, compete ao juiz natural analisar a pena a ser aplicada em consonância com a acusação que será formulada, de forma que possa avaliar, com a dilação probatória, as circunstâncias do crime para mensurar a reprimenda. A primariedade dos custodiados, por si só, não confere o direito à liberdade, ainda que comprovados residência fixa e atividade laborativa lícita. No presente caso, a determinação de medida cautelar diversa da prisão, conforme art. 319 não seria adequada ou suficiente para a garantia da ordem pública e a aplicação da lei penal pelas razões acima expostas. A concessão da liberdade provisória com fundamento exclusivo na pandemia do COVID-19 não se apresenta como justificativa razoável, em especial porque não há qualquer notícia de contaminação da população carcerária, que se encontra absolutamente isolada. Por esses fundamentos, INDEFIRO OS PEDIDOS DE RELAXAMENTO DA PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA E CONVERTO A PRISÃO EM FLAGRANTE EM PRISÃO PREVENTIVA [...]. Como se vê, a despeito de o decreto prisional, ao que tudo indica, não ser desprovido de motivação, o fato é que, ao menos num juízo perfunctório, parece-me suficiente, para os fins acautelatórios pretendidos, a imposição de medidas outras que não a prisão, sobretudo porque não se está diante de crime praticado mediante violência ou grave ameaça. Como é cediço, a custódia cautelar é providência extrema que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual "a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)". Ademais, em razão da atual pandemia pela Covid-19 e ante os reiterados esforços do Poder Público para conter a disseminação do novo coronavírus, inclusive nas unidades prisionais, esta Casa e, especialmente, este relator vêm olhando com menor rigor para casos como o presente, flexibilizando, pontualmente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na hipótese de crimes praticados sem violência ou grave ameaça e/ou que não revelem, ao menos num primeiro momento, uma maior gravidade e uma periculosidade acentuada do agente, como é o caso dos autos, em que se está diante dos crimes de estelionato e corrupção ativa. Assim, ante a plausibilidade da pretensão deduzida nesta insurgência, mostra-se imperioso o deferimento do pedido emergencial, ainda que em menor extensão. Ante o exposto, defiro a liminar tão somente para assegurar possa o paciente aguardar em medidas cautelares alternativas, a serem fixadas pelo Juízo de primeiro grau, o julgamento definitivo do presente habeas corpus, se por outro motivo não estiver preso. Comunique-se, com urgência, ao Tribunal impetrado, encaminhando-lhe o inteiro teor desta decisão; solicitem-se informações pormenorizadas acerca do caso em questão. Solicitem-se, ainda, informações ao Juízo de primeira instância, ressaltando-se que deverá noticiar a esta Corte Superior qualquer alteração no quadro fático atinente ao tema objeto desta impetração. Oportunamente, dê-se vista dos autos ao Ministério Público Federal. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 14 de maio de 2020. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO Relator (STJ - HC: 579626 RJ 2020/0107449-7, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Publicação: DJ 18/05/2020).
Dessa forma, pôde-se concluir que em âmbito regional a responsabilização do Estado sobre crimes praticados por custodiados não é recorrente, mas em âmbito nacional sim.
Essa responsabilização civil objetiva do Estado, inclusive decisão do próprio Supremo Tribunal Federal, é considerada também objetiva em alguns casos de omissão, seja das pessoas jurídicas de direito público ou das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, mas ela não tem o caráter absoluto, admitindo-se abrandamento, inclusive até a própria exclusão dessa responsabilidade nas hipóteses excepcionais. Entretanto, se não houver a ocorrência do dano, a ação ou omissão administrativa, a existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e/ou a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal, essa responsabilidade não pode ser considerada objetiva a cargo do Estado.
Diante disso, conclui-se que o tema é recorrente na prática e de extrema relevância para amenizar o sofrimento gerado ao cidadão.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Marcella Coelho. Responsabilidade Civil Do Estado Por Omissão Do Sistema Prisional. JUIZ DE FORA 2016, p. 1-61, 2016. Acesso em: Maio de 2021.
BEZERRA, Thiago Cardoso. A evolução da responsabilidade civil do Estado no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF. Acesso em: Maio de 2021.
BRASIL, STJ. Agravo em Recurso Especial. AREsp: 1717869 MG 2020/0150928-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 20/10/2020, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/12/2020.
BRASIL, TJ-PR. Apelação Cível. Reexame Necessário Conhecido De Ofício. APL: 9918869 PR 991886-9 (Acórdão). Relator: : Juiz Fabio Andre Santos Muniz. Data de Julgamento: 02/09/2014, 1ª Câmara Cível de Curitiba, Data de Publicação: 17/09/2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: senado, 1988.
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Graduanda em Direito pela UnirG - Universidade de Gurupi.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NUNES, BRUNA RIBEIRO DAS NEVES. Responsabilidade civil objetiva do Estado: crimes praticados por custodiados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2021, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57874/responsabilidade-civil-objetiva-do-estado-crimes-praticados-por-custodiados. Acesso em: 22 nov 2024.
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