LEONARDO GUIMARÃES TORRES[1]
(orientador).
RESUMO: Hoje, os bens digitais fazem parte do cotidiano de quase todo mundo, em todas as faixas etárias, seja por ser usuário de uma rede social, como Facebbok, Instagram, Twitter, ou ser proprietário de e-books, arquivados em nuvem, assim como ser dono de criptomoedas depositadas em bancos virtuais, e até mesmo por ser protagonista em um canal no youTube. Sem mais delongas, o presente artigo tem por objetivo conceituar bens digitais, assim como os classificar como bens incorpóreos passiveis de direitos sucessórios (na sucessão hereditária e testamentária), tanto pelo seu valor econômico, quanto pelo seu valor afetivo, de maneira a preservar os direitos da intimidade e vida privada do de cujus e possíveis terceiros envolvidos. Para tanto, se faz necessário uma análise da evolução histórica da internet, das redes sociais e a sua valoração financeira, assim como o aparecimento dos influenciadores digitais e a monetização de certas plataformas virtuais como o TikTok. Ainda se faz necessário uma analise doutrinaria e jurisprudencial a respeito da temática abordada, assim como demais artigos científicos semelhantes publicados. Com isto, busca-se evidenciar como a doutrina e os tribunais vem tratando a transmissão dos bens digitais de caráter pessoal, afetivo e econômico de modo a garantir a privacidade e a intimidade do falecido.
Palavras-chave: Herança Digital. Bens digitais. Privacidade Após a Morte. Intimidade Após a Morte. Luto Digital.
ABSTRACT: Today, digital goods are part of everyday life for almost everyone, in all age groups, whether it is a user of a social network such as Facebook, Instagram, Twitter, or being the owner of e-books, archived in the cloud, as well as owning cryptocurrencies deposited in virtual banks, and even being a protagonist in a youTube channel. Without further ado, this article aims to conceptualize digital assets, as well as classify them as intangible assets subject to inheritance rights (in hereditary and testamentary succession), both for their economic value, and for their affective value, in order to preserve the rights of privacy and privacy of the deceased and possible third parties involved. Therefore, it is necessary to analyze the historical evolution of the internet, social networks and their financial valuation, as well as the appearance of digital influencers and the monetization of certain virtual platforms such as TikTok. It is still necessary a doctrinal and jurisprudential analysis regarding the addressed theme, as well as other similar scientific articles published. With this, it seeks to show how the doctrine and the courts have been dealing with the transmission of digital assets of a personal, affective and economic nature in order to guarantee the privacy and intimacy of the deceased.
Keywords: Digital Inheritance. Digital Goods. Privacy After Death. Intimacy After Death. Digital Mourning.
Sumário: 1. Introdução. 2. BENS DIGITAIS. 2.1 BENS DIGITAIS COMO BENS INCORPÓREOS. 2.2. VALORAÇÃO ECONÔMICO DAS REDES SOCIAIS. 3. INCIDÊNCIA DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E TESTAMENTARIA DAS REDES SOCIAIS. 4. DEFESA PÓSTUMA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. 5. Bullying. 4.1. CONFLITO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE HERANÇA E PERSONALIDADE. 4.2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI N°. 6468/2019. 5. LUTO DIGITAL. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1.INTRODUÇÃO
No século XX, após a primeira revolução industrial, se deu inicio a era digital ou da informação, desde então a sociedade vem sofrendo constantes mudanças decorrentes das inovações do mundo moderno. Levando em consideração os dias de hoje, a internet e aparelhos tecnológicos como computadores, tablets e celulares foram democratizadas, tanto pela facilidade de acesso quanto de aquisição.
Com a evolução da internet, novas formas de armazenamento e compartilhamento de dados e arquivos, redes sociais, entre outras ferramentas, fizeram com que a sociedade mudasse as suas formas de interação social.
Na mesma linha de raciocínio, Pereira (2020, p. 9):
A dialética de todos esses fatores revolucionou a forma de comunicação das pessoas, que interagem cada vez mais por meio das redes sociais; deu ensejo à tendência já acentuada de armazenamento de bens em meio virtual, como fotos, filmes, músicas, livros, dentre outros arquivos de inegável valor econômico; viabilizou novas formas de auferir renda como, por exemplo, a manutenção de páginas na internet, tais como blogs e até mesmo perfis em redes sociais. Enfim, revolucionou todo uma cultura agora globalizada, ao que última também se atribui em grande parte à democratização cada vez mais acentuada de terminais com acesso a internet.
Assim, torna-se nítido o redimensionamento do ser humano entre o mundo real e virtual, já que passam o dia inteiro grudados com seus smartphones (como se fossem uma parte do seu corpo), conectados com o mundo inteiro. Neste passo, as relações entre os indivíduos acontecem de maneira mais célere, não conseguindo a legislação se adequar as novas necessidades sociais, e resta ao Poder Judiciário preencher as eventuais lacunas advindas de tal situação.
Faz-se necessário ainda ressaltar que o Código Civil brasileiro não dispõe sobre a herança digital nos títulos que disciplina a sucessão. Segundo Franco (2015, p.51), a discussão acerca da herança digital movimenta o judiciário desde meados de 2000. Isto porque tal instituto restringe-se unicamente à doutrina, o que gera dificuldades nas decisões de inúmeras ações que tramitam no Poder Judiciário com o objetivo de conseguir amparo jurisdicional para a remoção de perfis de pessoas extintas, ou até mesmo, para obtenção das senhas de determinadas redes sociais, para uso dos sucessores, entre outras demandas.
Quanto à metodologia, qualifica-se que o artigo se enquadra no método hipotético-dedutivo, consistindo em pesquisa teórica, com parâmetro descritivo e comparativo, o estudo foi realizado a partir da pesquisa bibliográfica, levantando bibliografias referentes a cada um dos tópicos, dessa forma, tem-se como base documentos de outros autores sobre o tema em estudo.
O presente artigo científico tem por objetivo apresentar a viabilidade da sucessão dos bens digitais acumulados em vida pelo de cujus, tanto os que possuem valor econômico, quanto os de valor afetivo, respeitando os direitos da intimidade e vida privada do falecido. Para tal, se faz necessário o estudo dos dois tipos de sucessões: sucessão após a morte e a sucessão testamentária. A primeira se revela mais importante, já que é nessa que se encontram as problemáticas na sucessão dos bens digitais do morto. De modo que a segunda revela-se mais descomplicada, posto que, existe documento legal que expressa à última vontade do falecido.
2. BENS DIGITAIS
Bens digitais consistem no conjunto de e-books, músicas, áudios, sons, imagens, contas de e-mail, redes sociais, arquivos em nuvem, conteúdos armazenados em quaisquer dispositivos de informática, e até mesmo moedas virtuais como Bitcoins.
Consoante a isto, LARA (2016, p. 22):
(...) bens digitais são instruções trazidas em linguagem binária que podem ser processadas em dispositivos eletrônicos, tais como fotos, músicas, filmes, etc., ou seja, quaisquer informações que podem ser armazenadas em bytes nos diversos aparelhos como computadores, celulares, tablets.
Deste modo, Carlos Roberto Gonçalves (2012) preconiza que: patrimônio em sentido amplo, é o conjunto de bens, de qualquer ordem, pertencentes à pessoa. Assim, os bens digitais devem integrar o espolio do de cujus, já que faz parte do seu patrimônio, transmissível a uma pessoa ou até mesmo várias pessoas a depender do caso concreto, da mesma maneira que trata o Código Civil a respeito da sucessão de bens corpóreos.
2.1. BENS DIGITAIS COMO BENS INCORPÓREOS
Com as inovações do mundo moderno, em razão da facilidade, as pessoas, de todas as faixas etárias, passaram a transferir suas vidas para o digital. A difusão tecnológica vem acontecendo rapidamente, trazendo ferramentas que anos atrás sequer foram cogitadas pelo homem. A sociedade já não é mais a mesma!
A respeito desse assunto, Bruno Torquato Zampier Lacerda evidencia:
Naturalmente, esse passar dos anos fará com que sejam depositadas na rede inúmeras informações, manifestações da personalidade e arquivos com conteúdo econômico, todos esses ligados a um determinado sujeito. Cada internauta terá seu patrimônio digital que necessitará ser protegido, porque em algum momento ele irá falecer, manifestar alguma causa de incapacidade ou mesmo sofrer violações a este legado deixado em rede.(LACERDA, 2021, p. 61).
No entanto, mesmo que os bens virtuais estejam integralizados no patrimônio de quase toda sociedade, é lamentável que a Constituição federal e tampouco o Código Civil ou qualquer outra lei especial classifica os ativos digitais, restando, até então, apenas para a doutrina e a jurisprudência tal classificação, designando-os como bens incorpóreos com a justificativa de sua condição virtual e intangível. (BARBOSA, 2017, p. 36).
Para Lacerda (2017), bens digitais são bens incorpóreos, que um utilizador introduz de maneira gradual no ciberespaço, dados de caráter particular que tenha certa relevância e conveniência para si, podendo carregar ou não teor econômico.
Deste modo, é evidente que também existem bens digitais apenas com caráter existencial, relacionados aos direitos da personalidade, sendo o caso do direito à imagem. Verdade é que, possuindo ou não valor econômico, após o falecimento do seu titular, estes serão postos aos seus sucessores.
2.2. VALORAÇÃO ECONÔMICO DAS REDES SOCIAIS
Se o usuário somente compartilha mensagens com amigos e família, vídeos e fotos pessoais nas redes sociais, esta não detém valor econômico, apenas valor afetivo e pessoal. (OLIVEIRA, 2020, p. 21).
No entanto, ficou para trás o tempo em que os indivíduos usavam as redes sociais apenas para fazer amigos ou participar de pequenos grupos de interação. Com a disseminação da internet e seu fácil acesso, as pessoas passaram a utilizar as redes sociais como fonte de renda, e em muitos casos conseguem a alcançar valores altos.
Bem precisamente, Lara:
Explico: um determinado usuário possui um grande número de amigos (são os chamados “atores”), que comungam das mesmas ideias, objetivos, interesses, e possivelmente da mesma forma de consumir. Esse usuário influencia sua rede de amigos, através de tuítes, por exemplo, que são amplamente retuitados; por meio de postagens que são curtidas, compartilhadas, comentadas, logo esse usuário influencia o seu grupo a determinados comportamentos, portanto, se ele indicar um “bom” livro, um filme, ou um outro produto qualquer em sua página na rede social, ou simplesmente comentar sobre esses produtos, seus amigos virtuais vão retuitar, curtir compartilhar e muitos irão até mesmo consumir esses produtos. (LARA, 2016 p.41).
Tomemos como exemplo os digitais influencer ou influenciadores digitas que geram conteúdo para milhares de internautas por meio do Instagram, YouTube, TikTok, Telegram, Facebook, e agora mais recente Onlyfans, Close Friendes e Apps Vizinhos, capazes de conquistar fortunas, já que eles cobram pela sua visibilidade, que advêm tanto de patrocinadores, quanto de propagandas, ou até mesmo da monetização da própria plataforma virtual.
Ademais, Moisés de Oliveira assevera:
Então, se se comportam como práticas de consumo ou se enquadram produções autorais, merecem amparo da lei, no que se refere aos direitos de herdar, pois é nítido o caráter de valorização patrimonial. (OLIVEIRA, 2020, p. 21).
Torna-se cada vez mais nítido a necessidade da Lei Civil Brasileira introduzir uma legislação que trate sobre os bens digitais, o que satisfaz assim a necessidade humana e a efetivação aos princípios fundamentais.
3. INCIDÊNCIA DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E TESTAMENTARIA DAS REDES SOCIAIS
É de saber notório que o Código Civil brasileiro não dispõe sobre a herança digital nos títulos que disciplina a sucessão, de forma que contribui para as divergentes discussões jurídicas em relação à temática, já que apesar de não existir parâmetro legal, a demanda é existente nos tribunais do nosso país.
Com a implementação da Lei n°. 12.965/2014, surgem os direitos, deveres, princípios e garantias dos usuários de internet no Brasil. No entanto, esta, só tornou ainda mais complexo o processo de transmissão dos bens virtuais, posto que a lei deixa explicito que predominara a vontade do de cujus, caso exista expressa manifestação de vontade (testamento), não conseguindo os sucessores não testamentários pleitear o acesso as redes sociais e arquivos pessoais, o que gera a intimidade e a vida privada do falecido.
Assim, atualmente a melhor maneira de assegurar a destinação das redes sociais é dispondo-as em testamento, como bem aponta Lara (2016 p. 92):
No testamento de bens digitais podemos deixar instruções claras sobre o destino de nossos bens digitais: nossas senhas de acesso aos sites, e-mails e redes sociais; um inventário prévio de nosso patrimônio digital; e até mesmo os contatos que os sucessores devam realizar para acessar a esse patrimônio, tais como os endereços eletrônicos, telefones de contato de alguma empresa contratada previam ente para inventariar to do o nosso acervo digital.
No entanto, não é um costume dos brasileiros dispor em testamento, sendo que quase todas as sucessões ocorrem de maneira legitima, existe ainda muitos conflitos judiciais, tendo em vista que a maioria das redes sociais tem origem estrangeira, gozando de suas próprias regras, por vezes incompatíveis com o nosso regramento pátrio.
Todavia, apesar da inexistência de uma lei expressa que trate da herança digital, isso não significa a impossibilidade de esta fazer parte do conjunto de bens que compõe a herança do falecido, na sucessão legítima, já que o art. 5º da Constituição Federal de 1988 assegura o direito à herança:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
XXX – é garantido o direito de herança;” (BRASIL, 1998).
Como já mencionado no tópico anterior, a herança corresponde ao patrimônio em sentido amplo, o conjunto de bens, de qualquer ordem, pertencentes à pessoa, assim, mesmo que não exista uma diferenciação entre herança e herança digital, a última deve se aplicar por analogia todas as disposições legais relativas à primeira.
4 DEFESA PÓSTUMA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Nas palavras de Pereira (2013), todos os sistemas jurídicos repreendem ataques à integridade moral. No Brasil não poderia ser divergente, tanto é que a Constituição Federal trata sobre a matéria em seus direitos fundamentais, mais precisamente no artigo 5°, inciso X, assim como no Código Civil, capítulo II, Dos Direitos da Personalidade, artigos 11 ao 21.
Esse instituto, conforme explica Diniz (2014, p. 135-136), constitui direitos essências da pessoa, tendo por finalidade proteger sua imagem, privacidade, honra etc.
É fácil idealizar a aplicação dos direitos personalíssimos da pessoa viva, já que antes mesmo da utilização das vias judicial, ela tem o direito de autotutela na proteção de tais, agindo de maneira a acobardar ou até mesmo abrandar, qual quer dano a sua personalidade, o que já não parece tão fácil quando o assunto é uma pessoa morta, já que o parágrafo único dos artigos 12 e 20, do Código Civil, disciplina a defesa póstuma dos direito da personalidade da pessoa não viva, cabendo à família tutelar, além de pela preservação do seu corpo, também pelas projeções dos seus atos em vida.
4.1 CONFLITO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE HERANÇA E PERSONALIDADE
Entretanto, existem circunstâncias controversas, por exemplo, se o falecido leva segredos desconhecidos pela própria família, que, no entanto, podem ser descobertos através de mensagens privadas em suas redes sociais, podendo envolver até mesmo terceiros (e seus direitos personalíssimos), desconstruindo a memória que queira deixar.
Consoante a isto Fraga (2019):
Ao herdar uma conta digital, o parente do morto teria acesso não somente aos conteúdos públicos exibidos pelo indivíduo falecido, mas também a todos os conteúdos íntimos, como conversas pessoais, fotografias e dados de terceiros.
Por óbvio, nota-se que existe um conflito de direitos fundamentais na sucessão de bens digitais, tendo em vista que o direito de herdar as redes sociais abrangendo todo o seu conteúdo público e privado fere o direito de restar preservada a intimidade e vida privada do de cujus, já que o direito personalíssimo permite a pessoa ter uma vida inacessível e secreta, compondo uma gama de comportamentos e escolhas que pode optar por tornar ocultas a todos (MASSON, 16, p.218).
O artigo 489, §2°, do Código Civil, dispõe que existindo um conflito entre normas, deverá o juiz fundamentar os critérios e objetivos de ponderação, evidenciando os motivos usados para chegar a uma conclusão razoável de acordo com a situação do caso concreto (TARTUCE, 2018, p. 110).
Assim, nos casos de transferia sucessória de redes sociais intestadas (em que existe a possibilidade de um conflito entre o direito fundamental a herança e o direito a intimidade e vida privada do de cujus), o juiz deverá ponderar de forma razoável e proporcional a transmissão apenas do que é público, excluindo as conversas privadas, rascunhos, diários virtuais, de maneira que restara preservada a imagens familiar e social do falecido e de possíveis terceiros envolvidos.
4.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI N°. 6468/2019
Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei n° 6468/2019, tendo como proposta uma segurança jurídica em relação à herança digital, já que o Poder Judiciário tem dado respostas divergentes, na medida em que em alguns casos a transmissão ou exclusão é autorizada e em outros não.
A proposta consiste na garantia de transmissão integral de todos os conteúdos e de contas e arquivos virtuais, sem qualquer restrição ou condições, o que por uma interpretação analógica dos artigos 1.784, 1.786, 1.788, 1.929, 1.845, 1.846 e 1.857, já é juridicamente possível, ou seja, o projeto tem como objetivo inibir a disparidade das decisões judiciais.
Assim como menciona Pereira (2020, p. 109), este Projeto de Lei não se preocupou em tutelar reais necessidades que a herança digital necessita, tendo em vista que a transmissão total dos bens digitais dá margem para a violação póstuma dos direitos personalíssimos do de cujus, como também é falho ao não impor qualquer condição ou restrição, já que a morte de uma pessoa nem sempre é de conhecimento de todos, dando a possibilidade ao sucessor de má-fé utilizar-se da rede adquirida como se fosse a pessoa falecida (crime de falsa identidade).
5. LUTO DIGITAL
Até o presente momento muito se falou em dar prosseguimento às redes sociais dos de cujus, porém, existem casos em que a família tem por objetivo a desativação dessas redes sociais, por acabarem se tornando um “muro de lamentações”, em que familiares, amigos e por vezes fãs, usam para mostrar suas indignações decorrentes dos motivos da morte, postar homenagens, músicas, fotos, vídeos etc.
Este fenômeno tem sido chamado de “luto digital”, como melhor explicita SILVA (2014, p, 42):
Com estes perfis ativos, a presença do indivíduo que se foi se faz presente de forma virtual e na maioria das vezes seu perfil se torna uma espécie de túmulo onde seus entes queridos se encontram para deixar mensagens de condolências e saudade. Nos aniversários ocorrem lembretes e por intermédio deste geralmente ocorre uma chuva de mensagens lembrando-se do falecimento. Possivelmente sem as redes sociais a morte deste indivíduo não seria tão relembrada.
No Brasil, há alguns anos, casos como estes já tem movimentado o judiciário, assim como o caso da jornalista Juliana Ribeiro Campos, falecida por complicações decorrentes de uma endoscopia, em 2012, aos 24 (vinte e quatro) anos, em que sua mãe, Dolores Pereira Ribeiro, tomada pela angustia de reviver todos os dias a sua morte em seu Facebook, e em saber, que segundo a sua crença, ela precisava se desligar deste mundo e que as lamentações a impedia disto, pleiteou na justiça um pedido de retirada da rede social do ar, sendo este deferido sem muita demora (GLOBO,2013).
Podemos observar também outro caso de uma mãe, no Mato Grosso do Sul, que tentou, primeiramente, pela via administrativa, excluir o perfil no facebook de sua falecida filha, entretanto, a empresa brasileira a instruiu a buscar pelas sedes nos Estados Unidos e Irlanda, o que a levou, diante de tamanha dificuldade, a procurar o poder judiciário. A ação de n°. 0001007-27.2013.8.12.0110, foi apreciada pela Vara de Juizado Especial do Estado de Mato Grosso do Sul, que novamente sem demora teve provimento judicial, impondo que a empresa nacional excelesse o já citado perfil (IGNACIO, 2018).
Com a finalidade de fortalecer o entendimento, Pereira (2018, p. 628):
Uma rápida pesquisa acerca da posição assumida pelo judiciário frente a questionamentos desta natureza, demonstrou que há um alto índice de condenação dos provedores em casos que envolvem pedido de exclusão de perfis de usuários falecidos. Tal constatação se deve ao fato de que antes de 2010, não havia opção para que o usuário definisse qual destino de seus dados virtuais após a morte, e, quando notificados do óbito, os provedores não tomavam qualquer atitude em relação aos pedidos formulados pelos familiares e amigos.
Este assunto tende a fazer parte do cotidiano jurisdicional, devido ao grande número de mortes nos últimos meses, decorrentes da pandemia do coronavírus (COVID-19).
Todavia, tem quem goste de viver o luto digital, tanto é que já existem empresas que gerem as redes sociais dos falecidos, postando lembranças, homenagens, vídeos, músicas, etc. Já se encontra também algumas redes sociais como facebook que tem a opção de tornar um perfil de um usuário falecido em um memorial, não sendo mais permitido postar, mas apenas mantê-lo ativo, e automaticamente a rede social irá trazer lembranças daquilo que o usuário publicou em vida.
Exemplo semelhante ocorreu em 2019, quando o Instagram retirou do ar a conta do falecido cantor e compositor Cristiano Araujo, em que a demanda judicial interposta pela família, desta vez, foi para reativar o perfil do cantor, com a finalidade de que todas as suas postagens continuassem ali, disponíveis para seus familiares, amigos e fãs, como uma forma de homenagem, sendo esta deferida, sem muitas delongas.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer desta pesquisa, restou evidenciada a necessidade do direito brasileiro de se preocupar com os direitos personalíssimos dos falecidos e possíveis terceiros envolvidos na transmissão de bens digitais, principalmente das redes sociais, que contem conversar privadas, que jamais seriam expostas pelos titulares das contas em vida.
Pois bem, de fato, apesar de que a Constituição Federal, o Código Civil, ou qualquer outra lei especial não trate a respeito da sucessão intestada de bens digitais, ela já vem sendo reconhecida pela jurisprudência e principalmente pela doutrina majoritária, no entanto, pouco se discute sobre o direito do de cujus de preservar sua intimidade e vida privada mesmo após a sua partida.
Logo, resta-se evidenciado um conflito entre direitos fundamentais de herança e personalidade, em que o juiz deve analisar cada caso em sua concentricidade, já que o direito é uma ciência social, de maneira que pondere sua decisão, transmitindo aos herdeiros apenas o que é público e a sua continuidade ou desativação, já que o que é privado pode ferir a intimidade e vida privada do de cujus e de possíveis terceiros envolvidos.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Método, 2018.
[1] Professor Orientador do curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG. E-mail: [email protected]
Bacharelando em Direito pela Universidade de Gurupi – UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDES, MATHEUS MENDES. Herança digital: conflito entre o direito à sucessão e o direito a intimidade e a vida privada do de cujus Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jan 2022, 04:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57994/herana-digital-conflito-entre-o-direito-sucesso-e-o-direito-a-intimidade-e-a-vida-privada-do-de-cujus. Acesso em: 22 nov 2024.
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