RESUMO: A decisão judicial sempre suscitou estudos por parte da Teoria Geral do Direito, e inúmeras teorias surgiram no sentido de verificar em que consiste a tomada de decisão pelos juízes. Neste artigo, suscita-se, com base na aplicação do direito pelos juízes, até que ponto eles devem apenas aplicar a lei conforme elaborada pelo legislador, sem qualquer acréscimo valorativo a partir de sua interpretação da norma, bem como se é possível esse trabalho sem qualquer ideologia. No presente estudo, propõe-se um comparativo entre a teoria de Duncan Kennedy e a decisão judicial trabalhista no Brasil. Para tanto, busca-se verificar, sob a ótica da teoria do referido autor e dos Critical Legal Studies, como a aplicação dos direitos sociais influencia na tomada de decisão pelos juízes do trabalho e se os juízes do trabalho conseguem atuar sem qualquer ideologia.
Palavras-chave: Teoria Geral do Direito. Decisão judicial. Duncan Kennedy. Juiz do trabalho.
ABSTRACT: The court decision has Always given rise to estudies by the General Theory of Law. Numerous theories have emerged in order to verify what decision-making by judges consists of. Based on the application of the law by the judges, the extent to which they should only apply the law as elaborated by the legislator, without any value addition from their interpretation of the norm, and whether this work without any ideology is possible. In the present study, we are going to make a comparison between Duncan Kennedys theory and the labor court decision in Brazil. We will seek to verify how the application of social rights influences the decision-making process by labor judges. In the case of the application of Labor Law, and from the perspective of Duncan Kennedy’s theory and Critical Legal Studies, if labor judges manage to act without any ideology.
Keywords: General Theory of Law. Court decision. Duncan Kennedy. Labor Judge.
INTRODUÇÃO
O estudo da Teoria Geral do Direito é imprescindível para a análise de qualquer ramo do Direito, e parte desses estudos se volta para a teoria da decisão judicial. Porém, quando lidamos com um campo específico, como o Direito do Trabalho, vemos que os caminhos a percorrer não se limitam à análise fria da aplicação da lei, mas abarcam também a verificação da presença de ideologias que permeiam cada área. No caso específico desta análise, vamos nos valer das teorias de Duncan Kennedy, professor de Harvard, nos Estados Unidos, desde 1996, e Carter (catedrático) Professor of General Jurisprudence (DUNCAN KENNEDY, 2021). O docente é considerado um dos principais representantes dos Critical Legal Studies (doravante CLS), sendo inclusive seu membro fundador.
Estudar as teorias de Duncan Kennedy sob o enfoque da legislação trabalhista no Brasil é um desafio até que confortável, na medida em que a esse ramo do Direito já está atrelado, por si só, um forte caráter ideológico, tendo em vista seu viés protetivo. Assim, o Direito do Trabalho tem a peculiaridade de ser criado com base em princípios protetivos, que pendem a um dos lados da relação jurídica, com o objetivo de justamente, a partir desse desequilíbrio, equiparar as relações jurídicas e impedir injustiças.
Nesse horizonte, o juiz do trabalho tem em mãos um arcabouço legal que visa à correção de desigualdades. Embora a criação das teorias dos CLS tenha se fundado no sistema de direito norte-americano, baseado no Common Law, ela se desenha como uma importante teoria para análise da decisão judicial trabalhista também em nosso país. A análise que se faz, portanto, a partir da teoria dos Critical Legal Studies e, mais especificamente, da teoria de um dos seus maiores representantes, Duncan Kennedy, é a base para a reflexão sobre quais os caminhos percorridos pelo juiz do Trabalho na aplicação da lei em suas sentenças, tendo em vista as peculiaridades desse ramo do Direito.
1 O DIREITO DO TRABALHO E SUA ORIGEM: UM BREVE RELATO
Não obstante as diversas teorias de que o Direito do Trabalho surgiu da necessidade de o Estado intervir no liberalismo exacerbado, a fim de que houvesse proteção mínima aos trabalhadores diante do antagonismo entre capital e trabalho, isso não se deu de uma hora para outra: ocorreu uma sucessão de fatos, por mais de um século, para que se chegasse à construção teórica de um Direito que corrigisse as injustiças decorrentes do modelo de produção capitalista (SOUTO MAIOR, 2011). É nesse cenário que a legislação trabalhista se desenvolveu tendo um forte caráter protetivo, pois, como afirma Alice Monteiro de Barros, “o cunho humanitário da intervenção estatal refletiu no aparecimento do Direito do Trabalho de praticamente todos os povos” (BARROS, 2006, p. 61).
Até o final do século XIX, a legislação trabalhista estava inserida no contexto do Direito Civil, eis que as relações jurídicas eram entabuladas através de contratos, pressupondo igualdade entre as partes. Conforme Souto Maior (2011),
A legislação trabalhista inserida no contexto do Direito vigente (o Direito Civil), cujos pressupostos teóricos eram estabelecidos a partir do respeito à liberdade contratual, favorecendo a compreensão de que as obrigações jurídica só se estabeleciam pelo instituto do contrato, mantinha a lógica de que a utilização da força de trabalho na produção industrial era apenas o resultado inevitável de ajustes de vontade, livremente manifestas entre pessoas pressupostamente iguais, impossibilitando a visualização da injustiça, já que a cada um era dado o destino determinado por sua competência. (SOUTO MAIOR, 2011, p. 228)
Diversos fatores influenciaram na mudança dessa visão estritamente contratual das relações de trabalho. Tais mudanças decorreram, entre outros fatores, das revoluções industriais e dos movimentos revolucionários, como a Revolução Russa, de 1917, cuja ação repercutiu no mundo do trabalho, como o “primeiro ato da Revolução proletária” (SOUTO MAIOR, 2011, p. 229). Assim, a partir do início do século XX, diversas leis trabalhistas emergiram em vários países, fazendo surgir ainda o chamado Constitucionalismo Social, decorrente da previsão nas Constituições do México, de 1917, e de Weimar, de 1919.
O estudo da evolução legislativa trabalhista no Brasil também leva à constatação de luta de trabalhadores. No início do século XX, apenas em São Paulo, ocorreram 108 greves. Normas de proteção aos trabalhadores passaram a ser criadas em inúmeras atividades, tanto no trabalho urbano como no rural, prevendo limitação de jornadas, vedação do trabalho de menores de 12 anos, criação de sindicatos, instituição de Caixa de Aposentadoria e Pensões (SOUTO MAIOR, 2017). O que interessa ter em mente é que o Direito do Trabalho, desde sua origem, tem forte sentido protetivo, assim como se verifica em todos os ramos do Direito que visa à proteção de minorias.
Atualmente, o Direito do Trabalho, conforme previsto na Constituição Federal, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e em leis esparsas, vem sofrendo forte pressão no sentido de sua flexibilização, sob o fundamento de que o Brasil precisa modernizar sua legislação, adequando-se ao mercado externo. Como reflexo disso, a partir da Lei 13.467/2017, a chamada Reforma Trabalhista, houve a alteração de diversos artigos da CLT, com a finalidade de flexibilizar a legislação trabalhista; entretanto, algumas normas já foram declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, a exemplo do caput do art. 790-B da CLT e de seu parágrafo 4º (BRASIL, 2017). Assim, a partir desse breve panorama, onde se percebe a forte tensão entre capital e trabalho, é que faremos uma análise da atuação do juiz do trabalho com base nas teorias de Duncan Kennedy e os Critical Legal Studies.
2 DUNCAN KENNEDY E OS CRITICAL LEGAL STUDIES (CLS)
Conforme já referido, Duncan Kennedy foi um dos fundadores dos Critical Legal Studies (CLS) e ocupou um importante papel na Teoria Geral do Direito, visto a sua crítica às teorias tradicionais. A visão do docente, baseada em ideias fenomenológicas e estruturalistas, com influência de Karl Marx, Michel Foucault, Claude Lévi-Strauss, Ferdinand de Saussure e Jean Piaget, promoveu a ampliação de possibilidades de interferência no estudo jurídico (SAKR, 2014).
O movimento dos CLS teve origem no momento vivido pelos norte-americanos no final dos anos 60 e início dos anos 70, uma época marcada por forte agitação social, decorrente da Guerra do Vietnã, e pela presença dos movimentos pelos direitos civis. Em decorrência disso, surgiram movimentos estudantis, constituídos por ativistas e professores de Direito, tidos como rebeldes, que se propuseram a transformar as posições tradicionais do Direito no campo da política e da cultura norte-americana (KENNEDY, 2010). As teorias dos CLS visaram a atender a ramos específicos do Direito, tais como os de direitos trabalhistas, direito de família, direitos de danos. Entre todos eles, havia um objetivo comum: apontar a
pretendida objetividade e neutralidade do discurso jurídico como uma máscara: longe de exercer uma mera função técnica de regulação e coordenação e conduta, o direito moderno contribui ativamente para suporte de um particular regime econômico e político liberal (e das injustiças que este encarna).[1] (KENNEDY, 2010, p. 13, tradução nossa)
Assim, passou-se a questionar, a partir das teorias dos CLS, a alegada neutralidade da decisão judicial, ou seja, a total ausência de ideologia por parte do julgador. Para Kennedy, o trabalho jurídico ideologicamente orientado se distingue do trabalho legislativo ideologicamente orientado. Segundo o autor (2010), os juízes não só se sentem compelidos pelos materiais jurídicos a alcançarem determinadas soluções, não levando em conta suas próprias preferências legislativas ou mesmo indo contra elas, como também aspiram a que suas decisões não tenham caráter ideológico. Nesse sentido,
Em cada caso, a decisão judicial funciona para assegurar interesses ideológicos particulares, interesses gerais de classe da intelectualidade relacionados com o status quo social e econômico. Trata-se do efeito de moderação, efeito de empoderadamento e efeito de legitimação.[2] (KENNEDY, 2010, p. 29, tradução nossa)
É nesse contexto que Duncan Kennedy faz a seguinte pergunta: como pode o juiz atuar ideologicamente? O autor (2010) afirma que é possível que o juiz adote uma atitude estratégica em relação aos materiais jurídicos, de forma com que estes signifiquem algo distinto do que a princípio pareciam significar, dando a eles um significado que exclua outros inicialmente possíveis. Para sua teoria, o juiz sempre pode adotar uma atitude estratégica com relação à lei, no sentido de tentar fazer com que uma interpretação particular das normas pareça ser a mais adequada. Ele constata, assim, que não há nenhuma previsão legal que impeça que os juízes se empenhem em apresentar a interpretação que lhes figure como a mais adequada, conforme sua ideologia (KENNEDY, 2010).
3 O DISCURSO DOS JUÍZES PERANTE SUAS SENTENÇAS
Em diversos países há evidentes disparidades ideológicas, tais como verificado no exemplo norte-americano, entre conservadores e liberais, ou como no Brasil, onde se verifica a dicotomia liberalismo versus protecionismo, direita versus esquerda (como ocorre na maioria dos países). Nesse horizonte, o estudo da teoria da decisão judicial se mostra emblemática, na medida em que o resultado da decisão pode repercutir perante a “plateia” do julgador, podendo ele ser tido como progressista ou conservador, de direita ou de esquerda.
Mas o que seria uma preferência ideológica do juiz? Kennedy
(2010) esclarece que é uma tendência de eleger normas jurídicas associadas ao liberalismo ou ao conservadorismo, podendo a eleição ser de óbvio ou de difícil discernimento, ou ainda ser uma escolha reconhecida ou negada, inconsciente ou semiconsciente. No entanto, em seus estudos, o autor (2010) aponta que os juízes negam que estão atuando por motivos ideológicos. Segundo suas palavras,
Nas sentenças judiciais, os juízes sempre negam no sentido comum do termo, que estão atuando por motivos ideológicos. Ou seja, afirmam explicitamente que o resultado – o resultado que dão a um caso ao eleger uma particular resolução para uma questão de direito ou de definição de certas normas em lugar de outra – foi alcançado seguindo procedimentos interpretativos impessoais que excluem a influência de suas ideologias pessoais. Obviamente é uma convenção e diz pouco sobre o que realmente está acontecendo.[3] (KENNEDY, 2010, p. 36, tradução nossa)
Partindo da premissa de que os juízes negam, na maioria das vezes, que decidem ideologicamente, Duncan Kennedy faz uma curiosa classificação dos juízes, afirmando que há três tipos deles: o juiz ativista, o juiz mediador e o juiz bipolar. Para explicar sua classificação, o teórico se utiliza de alguns exemplos. No que se refere ao juiz ativista, este não teria efetivamente intenção de descumprir a lei; o que o classifica como um ativista é que esse juiz investe uma importante quantidade de energia e tempo na elaboração de uma interpretação jurídica diferente da que a princípio pareceria ser a melhor. Esse tipo de juiz, em uma primeira avaliação do caso concreto, tem clara noção da norma do ordenamento jurídico que deve ser aplicada; entretanto, se fosse o legislador, não teria criado referida norma, ou não lhe agrada sua aplicação.
Com base no Direito norte-americano, Kennedy (2010) afirma que o juiz ativista faz o mesmo em todos os casos em que o Direito lhe parece muito liberal, às vezes tendo êxito em sua escolha, às vezes não. Quando fracassa, elege sem rancores uma norma de sua preferência legislativa. Segundo o autor (2010),
Em outras palavras, qualquer que seja a norma que finalmente escolha aplicar ao caso, representará a melhor interpretação que tenha encontrado para o caso. Escreve sentenças que são formalmente jurídicas e que refletem sua honesta crença de que o direito exige o resultado que ele (o juiz) alcançou.[4] (KENNEDY, 2010, p. 39, tradução nossa)
Na percepção de Kennedy (2010), esse juiz deve ser chamado de ativista porque tem uma motivação extrajurídica, qual seja, a obtenção de uma sentença justa. Ressalta ainda que esse juiz tem uma preferência por uma norma distinta da que deve ser aplicada ao caso concreto, o que não se confunde, contudo, com preferência por uma das partes.
Sobre o chamado juiz mediador, o jurista norte-americano afirma que sua postura é mais passiva do que a do ativista. Na sua visão, o juiz mediador tem uma percepção de como os grupos de interesse perseguem conflitos ideológicos através de decisões judicias. Assim, para o juiz mediador, entre a norma liberal e a norma conservadora, há uma série de posições moderadas, e ele opta por uma delas. O mediador é controlado pela ideologia, ainda que seja a ideologia dos outros; entre as posições ideológicas dos outros, opta pelo meio termo (KENNEDY, 2010).
Existe, ainda, na percepção de Duncan Kennedy (2010), o juiz bipolar. Segundo suas palavras, o juiz bipolar combina características dos outros dois tipos, no sentido de que às vezes trabalha duro para desenvolver uma posição liberal forte a respeito de um tema, assemelhando-se a um ativista, porém, em caso seguinte, da mesma maneira de um ativista, favorece com igual força uma posição oposta, em sentido conservador. Assim, esse tipo de juiz não assume compromisso formal com nenhuma das posições extremadas. Não se diz conservador ou liberal, porque a cada momento pende para um lado, mantendo, assim, sua suposta independência quanto a um ou outro campo ideológico. Nas palavras de Kennedy (2010, p. 43, tradução nossa), “as produções de outros definem as alternativas entre as quais flutua”[5]. Por isso, é bipolar. Assim, o juiz bipolar se difere do mediador, porque se deixa levar e participa ativamente de suas construções ideológicas, das quais ao mesmo tempo é independente. No entanto, conforme adverte o docente, a independência é outra forma de compromisso.
Em sua teoria, Duncan Kennedy traz o questionamento de que se, na hipótese de os juízes serem legisladores, eles agiriam do mesmo modo que agem sendo juízes. Conforme exposto por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy (2007):
Duncan Kennedy questiona se juízes fariam do mesmo jeito, e as mesmas coisas, se fossem legisladores. Para Kennedy a decisão judicial é apenas mera escolha, carregada fortemente com a negativa de si mesma, aceita e defendida por má fé matizada por profunda opção ideológica. Kennedy lembra-nos que na Europa o poder do juiz é menor do que nos Estados Unidos. Verdadeiro paradoxo, na medida em que os europeus têm um legislativo mais forte do que os norte-americanos. No continente europeu o juiz seria menos um pai e mais um agente. Para Kennedy (2010), a decisão judicial é mera escolha, carregada fortemente com a negativa de si mesma, aceita e defendida por má-fé, matizada por profunda opção ideológica.
4 O COMPORTAMENTO ESTRATÉGICO DO JUIZ DO TRABALHO
Conforme já expusemos, o próprio direito aplicado pelo juiz do trabalho tem forte caráter ideológico, seja no sentido de aplicar as normas protetivas, seja no de aplicar a literalidade de norma que restringe direitos dos trabalhadores. Assim, o juiz que, ao proferir decisão sobre determinado caso, interpreta a lei com base em suas preferências ideológicas, poderia fazê-lo? E o juiz que, ao interpretar a lei, dá a ela seu efeito literal, também não estaria agindo ideologicamente?
Muitos juízes trabalhistas são tidos como ativistas, no sentido de que propõem a intepretação que mais vai ao encontro da proteção da parte débil da relação jurídica, sob a pecha de que agem ideologicamente. No entanto, o juiz que aplica literalmente o dispositivo legal, mesmo que esse dispositivo vá de encontro aos princípios protetivos do Direito do Trabalho, não age ideologicamente? Percebemos que Duncan Kennedy tem a resposta.
Em seus estudos sobre a teoria da decisão judicial, Duncan Kennedy (2010) afirma que, para esses juízes (ativista, mediador e bipolar), não parece que a justiça de acordo com o direito signifique apenas a aplicação do direito. Segundo o autor, na aplicação do direito, os juízes podem ter duas posturas, em face do dilema resultante da aplicação da lei e das ideologias: a separação e a mediação. Na postura de separação, o juiz estabelece para si e para os outros que é neutro em termos ideológicos. Já na mediação, o juiz estabelece sua neutralidade, sendo um “centrista”, planejando sua solução de forma que não ofereça tudo o que é pleiteado para uma ou outra parte (KENNEDY, 2010).
Para o teórico (2010), quando é identificado o contraste entre a criação do direito e a aplicação do direito, consistente da dicotomia legislação versus decisão judicial, não se admite meio termo. A noção mais ampla de aplicação de interpretação jurídica faz com que se entenda que a decisão judicial implica tanto aplicar o direito como criar o direito, em que pesem as críticas a essa visão. O que tentamos apontar, no presente estudo, é que tanto o juiz que aplica a norma com esforço de fazê-la se adequar ao senso de justiça próprio ou esperado pela sociedade, quanto aquele que se afirma completamente neutro, ao aplicar a lei na sua literalidade, agem com base em uma ideologia própria ou de grupos determinados.
O Direito do Trabalho tem evoluído para um caminho de desconstrução de seu núcleo protetor, tanto por parte do juiz que faz um esforço de estratégia para aplicação da norma através de uma concepção de justiça, como por aquele que entende que o legislativo tem um papel distinto, sobre o qual o julgador não pode interferir. Ambos agem de maneira estratégica, pendendo igualmente para o interesse de classe, na medida em que a tensão entre capital e trabalho permeia, por essência, tal ramo do Direito.
Assim, Duncan Kennedy e os Critical Legal Studies, ao trazerem a visão da atuação do juiz, desvendam a falácia quanto à ausência de ideologia na decisão judicial. Os juízes, sobretudo os do trabalho, agem ideologicamente não somente quando interpretam a lei buscando o sentido de justiça, para proteção do menos favorecido, mas também quando aplicam a lei literalmente, sem considerar princípios constitucionais e do próprio Direito do Trabalho. Frente a esse cenário, Aloísio Alencar Bolwerk e Maria Leonice da Silva Berezowski ([s.d.]) refletem sobre o seguinte:
Importante discutir que o Poder Judiciário vem atuando cada vez com mais liberdade, mas é importante considerar que esta liberdade autorizada pelo próprio Estado Democrático de Direito não significa a usurpação de direitos adquiridos ou mesmo de competências legislativas, isto é, a liberdade que Estado confere e que é utilizada em prol de uma atividade judicial não pode ensejar inserções desarrazoadas e desprovidas de argumento e de fundamentação. A celeuma a ser enfrentada em torno do ativismo judicial reside na percepção de que tal postura judiciária está intrinsecamente ligada a opiniões de cunho pessoal e que acabam sendo reproduzidas nas decisões judiciais de modo inadequado, mediante interpretação deturpada e mesmo desprovidas de alinhamento constitucional. Por vezes, a interpretação se socorre de metodologia que termina em ensejar retrocesso aos direitos trabalhistas outrora implantados a partir de lutas e reivindicações. (BOLWERK; BEREZOWSKI, [s.d.], p. 12)
Assim, perceber e admitir que o juiz atua ideologicamente é necessário para colocar sob dúvida as críticas que juristas fazem a parte dos juízes do trabalho, pois estes agiriam como ativistas. Como vimos, quem se diz totalmente neutro na aplicação do direito ao caso concreto também apresenta sua feição ideológica.
CONCLUSÃO
O estudo da Teoria Geral do Direito se mostra imprescindível para a análise de qualquer ramo do Direito, e parte desses estudos se volta para a teoria da decisão judicial. Nesse contexto, a importância de Duncan Kennedy para a Teoria Geral do Direito decorre de sua crítica às tradicionais Teorias do Direito.
O Direito do Trabalho tem evoluído para um caminho de desconstrução de seu núcleo protetor. Tanto o juiz que faz um esforço de estratégia para aplicação da norma, através de uma concepção de justiça, como o juiz que entende que o legislativo tem um papel distinto sobre o qual o julgador não pode interferir, atuam de maneira estratégica, pendendo igualmente para interesse de classe, na medida em que a tensão entre capital e trabalho permeia este ramo do direito.
Duncan Kennedy e os Critical Legal Studies, ao trazerem a visão da atuação do juiz, desvendam a falácia quanto à ausência de ideologia na decisão judicial. A conclusão a que se chega é de que os juízes, sobretudo os juízes do trabalho, agem ideologicamente tanto quando interpretam a lei buscando o sentido de justiça, para proteção do menos favorecido, quanto quando aplicam a lei literalmente, sem considerar princípios constitucionais e do próprio Direito do Trabalho.
REFERÊNCIAS
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006.
BOLWERK, Aloísio Alencar; BEREZOWSKI, Maria Leonice da Silva. Ativismo judicial trabalhista: um ensaio entre a razoabilidade e a proteção da dignidade do trabalhador. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=5a6ce3e53bbfb06d. Acesso em: 27 nov. 2021.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 5766/DF. Relator: Min. Roberto Barroso. Direito Administrativo e outras matérias de Direito Público, 25 ago. 2017. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5250582. Acesso em: 25 nov. 2021.
DUNCAN KENNEDY. Harvard Law School, 2021.Faculty profiles. Disponível em: https://hls.harvard.edu/faculty/directory/10469/Kennedy. Acesso em: 25 nov. 2021.
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. O movimento Critical Legal Studies e Duncan Kennedy: notas sobre a rebeldia acadêmica no direito norte-americano. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1499, 9 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10254. Acesso em: 30 nov. 2021.
KENNEDY, Duncan. Isquierda y derecho: ensayos de teoria jurídica crítica. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2010.
SAKR, Rafael Lima. Duncan Kennedy: um rebelde por princípio. Research Gate. [on-line], 2014. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/340983809_Duncan_Kennedy_Um_Rebelde_por_Principio. Acesso em: 26 nov. 2021.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de Direito do Trabalho: teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2011. Vol. 1, Parte 1.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. História do Direito do Trabalho no Brasil: curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2017. Vol. 1, Parte 2.
[1] la pretendia objetividad y neutralidad del discurso jurídico como uma máscara: lejos de enjercer uma mera función técnica de regulación y coordenación de conductas, el derecho moderno contribuye acitivamente al sostenimiento de um particular regimen económico y político Liberal (y de las inusticias que éste encarna).
[2] En cada caso, la decisón judicial funciona para assegurar ya interesses ideológicos particulares, ya interesses generales de classe de la intelligentisia relacionados con el statu quo social y econômico. (Me referiré sumariamente a éstos como efecto de moderación, efecto de empoderamiento y efecto de legitimación).
[3] Em las sentencias judiciales, los juices siempre “niegan”, em el sentido común del término, que estén actuando por motivos ideológicos. Esto es, afirmam explicitamente que el resultado – el desenlace que le dan a un caso al elegir una particular resolución para uma cuestión de derecho o de definición de ciertas normas em lugar de otras – fue alcanzado siguiendo procedimentos interpretativos impersonales que excluyen la influencia de sus ideologias personales. Obviamente, se trata de uma convención y disse poco sobre lo que “realmente” está sucediendo.[3]
[4] En otras palabras, cualquiera que se ala norma que finalmente elija aplicar al caso, representará la mejor interpretación que há podido encontrar para los materiales. Escribe sentencias que son formalmente “jurídicas” y que reflejan su honesta creencia de que el derecho “exige” el resultado que ella há alcanzado.
[5] Las produciones de otros definen las alternativas entre las que él fluctúa.
Especialista em Direto do Trabalho pela Universidade de São Paulo. Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Juíza do Trabalho do TRT da 2a Região. Professora Universitária das Faculdades Metropolitanas Unidas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDREONI, Elisa Maria Secco. A teoria da decisão judicial de Duncan Kennedy e o juiz do trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 fev 2022, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58056/a-teoria-da-deciso-judicial-de-duncan-kennedy-e-o-juiz-do-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria D'Ajuda Pereira dos Santos
Por: Amanda Suellen de Oliveira
Por: HAROLDO JOSE CRUZ DE SOUZA JUNIOR
Precisa estar logado para fazer comentários.