Resumo: A aplicação de uma técnica de julgamento ampliado para alcançar um quórum qualificado em julgamentos não unânimes é debatida em relação ao julgamento de embargos de declaração opostos em face de decisão em apelação e em agravo de instrumento. A discussão circunda a possibilidade dessa aplicação e, caso possível, a forma como tal aplicação se realiza.
Palavras-chave: Técnica de ampliação de julgamento colegiado. Apelação. Agravo de instrumento. Embargos de declaração. Efeito integrativo.
Sumário: Introdução. 1. A técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC. 2. O julgamento não unânime de embargos de declaração na ótica do STJ. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A Lei nº 13.105/2015 (“CPC/2015”) teve como seu objetivo principal a busca pela efetividade do processo civil, incluindo a atuação satisfativa. No entanto, também houve uma preocupação com a construção de um processo civil coeso e coerente em que fosse garantido o devido processo legal e a segurança jurídica. Assim, construiu-se um texto que garantisse a efetividade do processo e a forma sistemática das suas disposições para uma atuação pragmática com maior grau de funcionalidade.
Uma das alterações trazidas por essa sistemática foi a técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC. Reconhecida como sucessora dos embargos infringentes (que é um recurso previsto no CPC/1973, que não está mais previsto no CPC/2015), o art. 942 do CPC estabeleceu uma técnica de ampliação do julgamento colegiado para os recursos de apelação, de agravo de instrumento e da ação rescisória no caso de verificação de votação não unânime.
Entretanto, a atuação prática trouxe alguma perplexidade ao se deparar com casos de outros recursos em que seria possível haver votação não unânime, mas não estaria expressa a possibilidade de aplicação de tal técnica.
Nesse sentido, o presente trabalho tem o objetivo de explanar a posição do STJ em relação a possível aplicação da técnica do art. 942 do CPC ao julgamento de embargos de declaração opostos contra decisão em apelação e em agravo de instrumento. No primeiro capítulo, será analisada a sistemática estabelecida expressamente pelo CPC/2015. No segundo capítulo, será analisada a interpretação estabelecida pelo STJ para o julgamento não unânime de embargos de declaração. Na conclusão, serão feitas considerações sobre tal adoção.
1 A TÉCNICA DE JULGAMENTO AMPLIADO DO ART. 942 DO CPC
O CPC/2015 eliminou o recurso de embargos infringentes[1] e o substituiu pela técnica do art. 942 do CPC. O objetivo de tal técnica é a ampliação do órgão colegiado em caso de divergência para o atingimento de um resultado por um quórum mais qualificado, ou seja, serão convocados outros julgadores em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial.
As características gerais dessa técnica de julgamento ampliado no caso de decisões não unânimes são destacadas pela leitura do próprio do art. 942 do CPC.
Em primeiro lugar, percebe-se que é necessário que o julgamento tenha sido iniciado em um órgão colegiado de um tribunal[2]. Isso decorre tanto do fato de o art. 942 do CPC estar inserido nas disposições sobre ordem dos processos nos tribunais no capítulo II do título I do Livro III do CPC[3]; e não ser possível falar em divergência em órgãos monocráticos.
Em segundo lugar, a divergência surge no decorrer do julgamento, sendo feita a ampliação antes do seu encerramento. Isso é importante para perceber a natureza jurídica de técnica de julgamento[4] e pelo fato de caracterizar-se como etapa necessária do julgamento do recurso[5].
Em terceiro lugar, tanto as partes terão oportunidade de realizar novas sustentações orais perante os julgadores que integrarem o colegiado bem como os novos julgadores terão oportunidade de se manifestarem sobre todas as matérias objetivo do recurso. Como é uma continuação do julgamento sem prolação de qualquer decisão, os novos julgadores poderão se manifestar sobre toda a matéria discutida no recurso, sejam aquelas decididas de maneira unânime, sejam aquelas em que há divergência. Ademais, os novos julgadores terão que proferir seus votos e poderão exercer sua influência sobre os julgadores que já tenham votado, possibilitando a alteração dos seus votos até o encerramento do julgamento com a proclamação do resultado final (art. 942, § 2º, do CPC). Nessa hipótese, não há incidência da vedação o art. 941, §1º, do CPC, salvo as hipóteses de terem sido substituídos ou afastados após proferirem o voto.
Nesse sentido, o julgamento deve ser continuado com o chamamento de julgadores em quantidade suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial (o “resultado parcial” não unânime). Além disso, esse chamamento conforme as regras objetivas e previamente estabelecidas indicam respeito ao princípio do juiz natural[6].
Por fim, cumpre destacar que a técnica somente se aplica no caso de “resultado” não unânime. Não importa a divergência de fundamentações, caso o resultado seja unânime. Como estabelece Fredie Didier Jr.: “A aplicação da regra depende de divergência no resultado e não na fundamentação”[7].
De maneira expressa e de uma forma geral, o art. 942 do CPC aplica-se ao julgamento do recurso de apelação, do recurso de agravo de instrumento e da ação rescisória. É certo que a aplicação ao recurso de apelação é a mais ampla possível, incluindo divergência sobre questões preliminares e de mérito e sobre o resultado parcial não unânime importar ou não em reforma da sentença guerreada[8].
Em sentido oposto está a aplicação ao agravo de instrumento e da ação rescisória. O art. 942, §3º, II, do CPC estabelece uma restrição à sua aplicação, somente se aplicando no caso de o julgamento não unânime do agravo de instrumento importar em reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito (art. 1.015, II, do CPC) do juiz de primeira instância[9]. Em sintonia, o art. 942, §3º, I, c/c §4º, III, do CPC estabelece aplicação restrita ao julgamento de ação rescisória por órgão fracionário[10] do tribunal em que a decisão parcial seja pela rescisão da sentença[11].
Assim, percebe-se que a diferença de aplicação da técnica do art. 942 do CPC em relação à apelação, ao agravo de instrumento se dá somente em relação às hipóteses de cabimento[12], mas não em relação ao procedimento. Excepciona-se o caso da ação rescisória em que haverá alteração de órgão julgador[13].
2 O JULGAMENTO NÃO UNÂNIME DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA ÓTICA DO STJ
Além daqueles casos previstos na lei, há discussão sobre a possibilidade de aplicação da técnica de ampliação do julgamento colegiado para outros recursos, como recurso ordinário constitucional, agravo interno e os embargos de declaração. Conforme já estabelecido, o objeto do presente trabalho é o estudo da aplicação de tal técnica ao julgamento de embargos de declaração na jurisprudência do STJ[14].
O STJ reconheceu a possibilidade de aplicação do art. 942 do CPC ao julgamento de embargos de declaração nos REsp 1786158 e REsp 1841584. É importante destacar que tais julgados tratam da oposição de embargos de declaração em relação à decisão do recurso de apelação e a decisão do recurso de agravo de instrumento, ou seja, não é qualquer decisão de embargos de declaração que gerará a aplicação da técnica de ampliação do colegiado: é necessário que tenha sido oposto contra uma decisão de apelação ou de agravo de instrumento tomada em julgamento colegiado por um órgão fracionário de tribunal.
O STJ no REsp 1786158[15] julgou hipótese em que se discutia a possibilidade de aplicação da técnica de julgamento ampliado em julgamento de embargos de declaração decididos por maioria opostos em face de decisão unânime de apelação. Nesta hipótese, a aplicação da técnica era devida, pois os aclaratórios foram julgados de forma não unânime e só por isso já basta a para aplicação da técnica na sistemática da apelação.
O STJ no REsp 1841584[16] julgou hipótese em que se discutia a possibilidade de aplicação da técnica de julgamento ampliado em julgamento de embargos de declaração por maioria opostos em face de decisão não unânime em agravo de instrumento. Nesta hipótese, a aplicação da técnica não era devida, pois os aclaratórios foram rejeitados e o voto vencido não era apto a modificar o julgamento do agravo de instrumento em seu mérito e por consequência alterar a decisão do juiz de primeira instância. Neste caso, foi negada a aplicação.
Embora as decisões sejam em sentidos diferentes (em razão de especificidades de cada recurso), o STJ adotou uma fundamentação única baseada em característica do próprio recurso de embargos de declaração: o efeito integrativo. O efeito integrativo dos embargos de declaração é aspecto essencial no entendimento de que o julgamento destes configura uma extensão do julgamento do primeiro recurso. Seu objetivo, caso acolhido, é a complementação da decisão embargada para esclarecer obscuridade, contradição, omissão ou erro material, configurando-se como julgamento uno.
Em razão da compreensão de julgamento uno, a decisão dos embargos de declaração seguirá a mesma sistemática aplicável ao julgamento do recurso “principal”. Caso seja um recurso de apelação, será aplicável a técnica do julgamento ampliado caso os embargos tenham decisão não unânime, independentemente do resultado final em relação a decisão do juiz de primeira instancia, conforme art. 942, caput, do CPC. De outra forma, caso seja um recurso de agravo de instrumento, somente será aplicável a técnica do julgamento ampliado caso os embargos tenham decisão não unânime em que o resultado por maioria seja no sentido de reforma da decisão do juiz de primeira instância que julga parcialmente o mérito, conforme art. 942, §3º, II, do CPC.
CONCLUSÃO
O exame da jurisprudência do STJ identifica a possibilidade de aplicação da técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC fora dos aspectos literais do dispositivo. Assim, em razão do caráter integrativo dos embargos de declaração, é possível a aplicação de tal técnica no caso de julgamento de embargos de declaração não unânimes em face de decisões de apelações ou de agravo de instrumento (em face de decisão que julgue parcialmente o mérito). Além disso, no ultimo caso, é necessário, ainda, que o provimento dos embargos de declaração por maioria estabeleça a alteração (reforma) da decisão judicial de primeira instância.
REFERÊNCIAS
CABRAL, Antônio do Passo; e CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. – 2ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. – 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2020.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Ampliação do colegiado em julgamentos não unânimes. Revista de Processo, ano 43, vol. 282, ago/2018
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. – 13º ed. reform. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único. 10 ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2018.
Exposição de motivos da CPC/2015. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/512422/001041135.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2021.
[1] DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. – 13º ed. reform. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 75
[2] Além da expressa previsão legal no art. 942, §4º, do CPC, não é logicamente possível a aplicação de tal técnica ao julgamento realizado diretamente pelo plenário de um tribunal ou por seu órgão especial, já que não é possível realizar ampliação de um órgão máximo de um tribunal.
[3] Não é aplicável tal técnica para o julgamento não unânime em turmas recursais dos juizados especiais. Nesse sentido: DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit. p. 80
[4] Não possui natureza de recurso, pois não há decisão recorrível, já que ocorre antes da proclamação do resultado. Também não é incidente processual, já que não prosseguimento do mesmo julgamento. Nesse sentido: DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit. p. 76
[5] É aplicável tal técnica ao julgamento de apelação em mandado de segurança, não havendo qualquer vedação nesse sentido. Nesse sentido: DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit. p. 77-78
[6] CABRAL, Antônio do Passo; e CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. – 2ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1373
[7] DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit. p. 80
[8] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. – 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2020. p. 454
[9] DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit. p. 79: “Logo, no julgamento do agravo de instrumento, não se aplica a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC: (a) se o julgamento for unanime; (b) se o agravo não for admitido, ainda que por maioria de votos; (c) se o agravo for admitido e desprovido, ainda que por maioria de votos; (d) se o agravo for admitido e provido para anular a decisão, ainda que por maioria de votos; (e) se o agravo for admitido e provido para reformar uma decisão que não trate do mérito, ainda que por maioria de votos.”
[10] Destaca-se que não será aplicável tal técnica ao julgamento de ação rescisória de competência do plenário ou do órgão especial; bem como é o único caso de alteração da competência para prosseguimento do julgamento pelo “órgão de maior composição previsto no regimento interno”, conforme art. 942, §3º, I, do CPC.
[11] DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit. p. 80: “Da mesma forma que ocorre com o julgamento não unânime do agravo de instrumento, o art. 942 do CPC tem aplicação mais restrita no âmbito da ação rescisória: somente incide, quando acolhido o pedido de rescisão da decisão rescindenda”.
[12] CÂMARA, Alexandre Freitas. Ampliação do colegiado em julgamentos não unânimes. Revista de Processo, ano 43, vol. 282, ago/2018. p. 5
[13] Ibid. p. 9: “Vistos os casos em que se aplicam as técnicas de ampliação do colegiado ( e agora se pode, legitimamente, falar em técnicas, no plural, pois como se viu são duas: uma a ser empregada em sede de apelação e agravo de instrumento, com mero prosseguimento de um julgamento já iniciado; outra, em sede de ação rescisória, em que a ampliação do colegiado é verdadeira remessa necessária), impõe-se agora ver os casos em que o art. 942 não incide, não se ampliando o colegiado”.
[14] No sentido da possibilidade de aplicação ao recurso ordinário constitucional e ao agravo interno: CÂMARA, Alexandre Freitas. Ampliação do colegiado em julgamentos não unânimes. Revista de Processo, ano 43, vol. 282, ago/2018. p. 8. Em contraposição: DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit. p. 299
[15] STJ. REsp 1786158/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/08/2020, DJe 01/09/2020
[16] STJ. REsp 1841584/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 13/12/2019
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pós-graduado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). Advogado inscrito na OAB/RJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, Pedro Campos de Azevedo. A aplicação da técnica de ampliação do julgamento colegiado e o julgamento não unânime de embargos de declaração na ótica do STJ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 fev 2022, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58073/a-aplicao-da-tcnica-de-ampliao-do-julgamento-colegiado-e-o-julgamento-no-unnime-de-embargos-de-declarao-na-tica-do-stj. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
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