GUSTAVO TRIANDAFELIDES BALTHAZAR
(CO-AUTOR)[1]
Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar a inclusão dos serviços de conciliação e mediação no âmbito das atividades prestadas pelas serventias extrajudiciais. Abordando a capilaridade do sistema e o conhecimento jurídico do delegatário, objetiva-se demonstrar que o incentivo à inclusão destes serviços na atividade extrajudicial implicará na melhora das condições de solução de controvérsias pela população em geral.
Palavras-chave: Mediação e conciliação. Serventias extrajudiciais. Sistema multiportas.
Abstract: This article aims to analyze the inclusion of conciliation and mediation services in the scope of activities provided by extrajudicial services. Addressing the capillarity of the system and the legal knowledge of the delegate, the objective is to demonstrate that encouraging the inclusion of these services in the extrajudicial activity will imply in the improvement of the conditions for resolving disputes by the population in general.
Keywords: Mediation and conciliation. Extrajudicial services. Multiport system.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A MEDIAÇÃO E A CONCILIAÇÃO COMO MÉTODOS CONSENSUAIS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS. 3. OBSTÁCULOS À ADOÇÃO DO PROVIMENTO Nº 67/2018. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 5. REFERÊNCIAS.
1 Introdução
O presente artigo abordará a possibilidade de realização de conciliação e de mediação nas serventias extrajudiciais, como importante ferramenta a assegurar às partes o amplo acesso ao sistema estatal de solução de controvérsias.
Dentro do necessário movimento de desjudicialização, a incorporação das serventias extrajudiciais ao sistema multiportas evidencia-se como uma importante medida a ser implementada para assegurar o amplo acesso à população aos meios rápidos e eficazes de resolução de conflitos.
Para um melhor recorte do tema abordado, focaremos essencialmente na utilidade do uso de tal ferramenta no âmbito das serventias extrajudiciais, bem como na necessidade de tornar a realização da conciliação e mediação economicamente viáveis para os delegatários, assegurando assim ampla adesão com resultados positivos à população.
Importa destacar que o Provimento nº 67/2018 do Conselho Nacional de Justiça autorizou ditos procedimentos na seara dos cartórios. Entretanto, há obstáculos que impedem sua aplicação prática, que vão desde a questão dos custos envolvidos até a formação dos profissionais, tornando assim o instituto pouco difundido até o momento na seara extrajudicial, questões que serão objeto de análise neste estudo.
2 A MEDIAÇÃO E A CONCILIAÇÃO COMO MÉTODOS CONSENSUAIS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
O conflito é algo inerente ao ser humano. Assim, o Direito deve regular as ações em sociedade, possibilitando a convivência mais harmônica possível, sempre em prol da coletividade.
Stigert[2] (2017, p. 39) leciona que:
[...] conflito é processo que, com a Moderna Teoria do Conflito, pode e deve ter sobre si lançada a percepção positiva, como oportunidade de crescimento, razão pela qual a expressão conflito deve ser preferida à disputa, que pode levar à ideia de competição e à percepção negativa, com resultado de soma zero, onde uma parte ganha e a outra perde.
Desde as Ordenações Filipinas até a promulgação da Constituição Federal de 1988, a preocupação pela solução amigável dos conflitos sempre existiu no Brasil. As últimas décadas, entretanto, foram marcadas por um crescimento exponencial na implementação de políticas públicas voltadas ao incentivo de métodos autocompositivos.
A segunda metade do século XX foi também palco de uma releitura do princípio do acesso à Justiça. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 elevou-lhe ao rol de direitos fundamentais, deixando de ser apreciado por seu aspecto meramente formal para “recuperar os laços entre o processo civil, o direito material e a realidade social, procurando dimensionar o processo como um efetivo instrumento para a tutela de direitos[3]”.
Nesse cenário, e considerando a grande taxa de congestionamento do Poder Judiciário, passaram a ser envidados esforços no sentido de se buscar outras formas de solução dos conflitos, de modo a reduzir a sobrecarga do Judiciário, chegando-se, dentre outras possibilidades, à mediação[4] e à conciliação[5].
É importante destacar que o objetivo final não é reduzir o congestionamento processual no Poder Judiciário, não se tratando de uma política pública a adesão ao sistema multiportas. O que se busca, com base no sistema multiportas, é assegurar às partes o direito de buscar a solução de seus conflitos em modelo reconhecido pelo Estado e que assegure uma outra opção além da judicialização, para que as partes desde o início possam ter efetiva escolha sobre o modo de perseguir o seu direito. Assim, a redução da sobrecarga na esfera judicial seria apenas um resultado positivo secundário.
A respeito, as lições de Kazuo Watanabe[6]:
[...] os meios consensuais de solução de conflitos não devem ser utilizados com o objetivo primordial de se solucionar a crise de morosidade da justiça, com a redução da quantidade de processos existentes no Judiciário, e sim como uma forma de dar às partes uma solução mais adequada e justa aos seus conflitos de interesses, propiciando-lhes uma forma mais ampla e correta de acesso à justiça.
No ano de 2010, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 125, que trata da Política Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses. Em seu art. 1º, a Resolução dispunha que os tribunais teriam doze meses para disponibilizar a conciliação e a mediação aos cidadãos, medida que teve significativo impacto prático na utilização da mediação e da conciliação em todo o país.
Contudo, a grande reviravolta quanto ao contexto evolutivo da mediação e da conciliação no Brasil se deu no ano de 2015, com a promulgação do Novo Código de Processo Civil e da Lei nº 13.140/2015, que regulamentaram os institutos. O art. 3º, § 3º, da Lei Processual[7] assim dispõe:
Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
[...]
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Houve, portanto, uma mudança de paradigma: migrou-se da prevalência da solução heterocompositiva para a solução autocompositiva ou consensual. Essa alteração trouxe novo fôlego para a conciliação e a mediação, ao mesmo tempo em que exige profissionais do direito que acompanhem essa revolução.
No entanto, para que haja efetividade prática, é necessário que se envidem esforços no intuito de disponibilizar recursos materiais e humanos aptos a efetivamente aplicar a mediação e conciliação à solução dos litígios. É necessário formar bons mediadores e conciliadores, em número suficiente para conduzir os procedimentos.
Ainda, uma das soluções trazidas pelo legislador no art. 42 da Lei nº 13.140/2015[8] foi contemplar os registradores e tabeliães como mediadores e conciliadores, desde que capacitados em curso autorizado e cadastrados junto ao tribunal estadual.
No mês de março de 2018, o Conselho de Justiça regulamentou o citado dispositivo legal, editando o Provimento nº 67, que dispõe sobre o serviço de mediação e conciliação nos serviços notariais e registrais do Brasil.
Os delegatários dos serviços extrajudiciais já vem sendo chamados a atuar no movimento da desjudicialização há bastante tempo, ao passarem a realizar, por exemplo, inventários, partilhas e divórcios consensuais (Lei Federal nº 11.441/2007), registros tardios de nascimento sem intervenção judicial (Lei Federal nº 11.790/2008), homologação do penhor legal (art. 703, §§2º, 3º e 4º, CPC/2015), usucapião extrajudicial (art. 216-A, Lei Federal nº 6.015/73), reconhecimento espontâneo de paternidade/maternidade biológica (Provimento nº 16/2012 do CNJ) e socioafetiva (Provimento nº 63/2017 do CNJ), dentre tantos outros.
Através da realização de atividades qualificadas como jurisdição voluntária, bem como através da promoção da justiça coexistencial, o legislador tem convocado notários e registradores para que prestem sua contribuição para uma Justiça mais célere, e, quando possível, fora da órbita do Judiciário.
A respeito, Tartuce[9] leciona:
Desde o início da cogitação sobre tal possibilidade, o tema gerou polêmicas e desconfianças – sobretudo porque haveria interesse precipuamente econômico na gestão de meios consensuais. Ora, sob o prisma da evolução do sistema multiportas, a resposta é positiva: os cartórios têm uma excelente dispersão geográfica. Soa infundada a resistência com relação aos cartórios, já que tais serventias são referências tradicionais de informação e regularização de situações jurídicas. A existência de interesse econômico é natural e permeia todos os que exercem atividades na seara privada.
Milton Lamanauskas[10], por sua vez, assevera:
A par do aspecto estritamente legal, a praxe tanto da atividade notarial quanto da registral tem demonstrado que os profissionais, tabeliães e oficiais de registro, atuam no seu dia a dia de forma conciliadora, pois buscam fornecer a melhor orientação para os usuários, sem relegar o aspecto da segurança jurídica.
Feitos esses esclarecimentos, passamos a analisar quais os desafios a serem enfrentados para que a mediação e a conciliação seja adequadamente realizada por esses profissionais do direito.
3. OBSTÁCULOS À ADOÇÃO DO PROVIMENTO Nº 67/2018
De início, convém destacar que alguns Estados já tratavam da conciliação e da mediação realizadas por serventias extrajudiciais, como, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Ao editar o Provimento nº 67/2018, o Conselho Nacional de Justiça conferiu aos procedimentos de conciliação e mediação realizados nos cartórios extrajudiciais caráter facultativo, cabendo, portanto, ao respectivo delegatário optar ou não pela prestação desses serviços (art. 2º[11]).
Além disso, limitou a atuação dos titulares, quando conciliadores ou mediadores, ao “âmbito de suas competências”. O art. 13[12] disciplina:
Art. 13. O requerimento de conciliação ou de mediação poderá ser dirigido a qualquer serviço notarial ou de registro de acordo com as respectivas competências (art. 42 da Lei n. 13.140/2015).
Segundo Tartuce, citando Erica Barbosa e Silva[13]:
Notários e Registradores devem exercer essa nova atribuição relacionada à aplicação específica dessas técnicas, atuando como facilitadores da comunicação e, pela investigação das suas razões, favorecendo a resolução do conflito. Dessa forma, é evidente que não está atrelada a nenhuma especialidade cartorial, tanto que o provimento não fala em distinção por atribuição [...] É certo que essa interpretação favorece a população, pois as Serventias Extrajudiciais estão espalhadas por todo o território e estão presentes até mesmo nos locais mais longínquos. Sem essas restrições, haverá grande ampliação das arenas de solução consensual de conflitos, favorecendo o desenvolvimento da Justiça colaborativa.
Denota-se, pois, que aludido Provimento não adotou a “universalidade da competência” como o fez o Provimento CGJ nº 17/2013 do TJSP. Dentre as razões para a escolha da universalidade da competência, o TJSP salientava que dado “o fato de que os notários e registradores detêm amplo saber jurídico e que as causas a eles submetidas versarão apenas sobre direitos patrimoniais disponíveis, verifica-se que a fixação da universalidade da competência é medida que mais atende ao interesse público”[14].
Neste ponto, convém destacar as atribuições das variadas espécies de serviços notariais e registrais:
Registro Civil: O cartório de registro civil é o responsável por emitir certidões de nascimento e casamento, acordos pré-nupciais, adoção, registro de óbito, reconhecimento de paternidade, interdição, opções de nacionalidade e emancipação de menores. Em resumo, ele é responsável pelos atos que afetam diretamente a relação jurídica entre diferentes cidadãos.
Cartório de Notas: O cartório de notas é o responsável por dar fé pública a um documento. Ele elabora escrituras, procurações, testamentos, reconhece firma e autentica cópias.
Registro de Imóveis: O cartório de registro de imóveis é o responsável pela matrícula, registro e averbação de atos relativos a bem imóvel. Ele arquiva todos o histórico dos imóveis da região onde se localiza. Ainda que uma escritura de imóvel possa ser lavrada em um tabelionato de notas qualquer, até mesmo de outro estado, o registro dessa escritura está restrito ao cartório de imóveis que atende à região onde o imóvel está situado.
Tabelionatos de protestos: O tabelionato de protesto serve para dar publicidade da inadimplência de uma obrigação. O protesto de títulos e outros documentos de dívida é um direito do credor para provar que a obrigação que tinha o devedor de lhe pagar uma quantia certa, reconhecida como dívida em dinheiro, não foi cumprida na data marcada para pagamento. É no cartório de protestos que se protocolam os documentos de dívidas para cumprimento da obrigação, intima os devedores, recebe pagamento, lavra o protesto em caso de não quitação e expede certidões relativa a dívidas.
Registro Civil de Títulos e das Pessoas Jurídicas: O cartório de registro de títulos trata das relações de pessoas jurídicas e registra e guarda inúmeros documentos particulares. Nesses estabelecimentos, é possível registrar contratos, atos constitutivos, estatuto ou compromissos das sociedades civis, religiosas, morais, científicas ou literárias, bem como o das fundações e das associações de utilidade pública[15].
Essa limitação imposta pelo Provimento editado pelo Conselho Nacional de Justiça, por certo, dificulta o acesso da população aos meios extrajudiciais de solução de conflitos, haja vista que grande parte dos municípios conta apenas com o serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais.
De se destacar que essa capilaridade do Registro Civil das Pessoas Naturais (presente em quase todos municípios da federação) justifica sobremaneira a não limitação da competência, inclusive porque em muitos municípios o Registrador das Pessoas Naturais é o único operador do direito que a população tem acesso. Ignorá-los traz duas grandes consequências, o fechamento de uma porta para solução dos conflitos e a imposição do deslocamento ao município vizinho para buscar o apoio do Poder Judiciário.
A exceção recai sobre o Tabelião de Notas, uma vez que as Corregedorias Gerais de Justiça, ao regulamentarem o Provimento nº 67/2018, têm atribuído a ele a possibilidade de realizar a conciliação e a mediação sobre qualquer matéria que admita a transação como forma de solução de litígio.
Embora a realização de tais métodos seja facultativa, o delegatário optante deve preencher todos os requisitos previstos no Provimento nº 67/2018, dentre os quais a necessidade de autorização do Poder Judiciário.
A necessidade de autorização para a realização da conciliação e da mediação diverge da grande maioria das previsões normativas relativas à gestão das serventias extrajudiciais. A título exemplificativo, a Lei nº 13.484/2017 (“Ofícios da Cidadania”) dispensa a necessidade de autorização do Poder Público quando da aderência a novos serviços: preenchidos os requisitos legais, obtém-se automaticamente a autorização.
O Provimento prevê, ainda, que o processo de autorização para a realização de conciliação e de mediação nas serventias extrajudiciais deve ser regulamentado pelos NUPEMECs e pelas Corregedorias Gerais de Justiça. A fiscalização dos serviços prestados fica a cargo das Corregedorias Gerais de Justiça e do juiz coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania.
Os delegatários aderentes, como contrapartida para o funcionamento de tais serviços, são obrigados a realizar sessões não remuneradas para atender às demandas de gratuidade. O percentual dessas sessões não poderá ser inferior a 10% (dez por cento) do total daquelas realizadas na serventia, nem inferior ao percentual fixado para as câmaras privadas.
Para realizar o cadastro, os notários e registradores interessados em atuar como conciliadores/ mediadores – ou os prepostos por eles contratados – deverão ser formados em curso específico para o desempenho das funções, conforme as diretrizes curriculares estabelecidas pelo CNJ.
Aplicam-se aos delegatários as mesmas regras das câmaras privadas no que se refere às qualificações das partes, à delimitação do objeto, à facultatividade da presença de advogado e aos impedimentos para se atuar como conciliador ou mediador.
Convém destacar que a adoção do Provimento n. 67/2018 pelas serventias extrajudiciais depende de sua regulamentação pelas Corregedorias Gerais estaduais. Ainda assim, passados quase três anos de sua publicação, vários Tribunais de Justiça ainda não regulamentaram a matéria.
Ora, pouco importa o debate acerca das potenciais vantagens que os serviços de conciliação e mediação em cartórios extrajudiciais podem trazer se, mesmo interessado, o delegatário não encontra amparo normativo para prestá-los.
Outra questão relevante é o fato de que o Brasil possui considerável índice de serventias vagas, ou seja, sem um titular aprovado em concurso público. Dado o caráter transitório da vacância, o interino tem poderes diversos daqueles concedidos aos delegatários. Diferente da autonomia de gestão de que gozam os titulares, os interinos encontram-se limitados por rígidas restrições impostas pelo Poder Judiciário, o que inviabiliza a adoção do Provimento em expressivo número de cartórios.
Além disso, embora o serviço notarial e registral seja dotado de capilaridade – presente em praticamente todos os Municípios do país –, as serventias extrajudiciais encontram um problema de ordem prática que inviabiliza a adoção dos serviços de conciliação e mediação extrajudiciais: muitas delas são deficitárias. Ao contrário do senso comum de que todos os cartórios são extremamente lucrativos, estima-se que ao menos 30% (trinta por cento) deles apresentem faturamento semestral bruto inferior a R$100.000,00 (cem mil reais)[16].
Essa situação dificultaria sobremaneira a adoção do Provimento nº 67/2018 por grande parte das serventias, uma vez que sua implementação requer possíveis investimentos na estrutura física do cartório, bem como gastos com treinamentos adequados para o exercício da conciliação e da mediação.
Para exemplificar, o TJSP, ao regulamentar a matéria, exige que sejam observadas as orientações de estrutura emitidas pelo NUPEMEC paulista, como a implementação de sala exclusiva na serventia para a realização das sessões, possíveis alterações na mobília e nos guichês de atendimento.
De todos, entretanto, o ponto mais polêmico do Provimento encontra-se na remuneração do delegatário para atuar como conciliador ou mediador. O artigo 36 prevê que os emolumentos devidos por cada sessão de até 60 (sessenta) minutos será equivalente ao menor valor cobrado na lavratura de escritura pública sem valor econômico. Para tanto, será necessário consultar a tabela de emolumentos extrajudiciais publicada pelo respectivo tribunal estadual.
O citado dispositivo estatui:
Art. 36. Enquanto não editadas, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, normas específicas relativas aos emolumentos, observadas as diretrizes previstas pela Lei n. 10.169, de 29 de dezembro de 2000, aplicar-se-á às conciliações e às mediações extrajudiciais a tabela referente ao menor valor cobrado na lavratura de escritura pública sem valor econômico[17].
Caso a sessão inicialmente designada não venha a ser realizada, será restituído às partes o valor equivalente a 75% (setenta e cinco por cento) dos emolumentos percebidos, ressalvando-se as despesas de notificação (art. 38). Os emolumentos decorrentes da mediação serão pagos diretamente ao cartório extrajudicial (art. 28 da Lei nº 8.935/1994).
Independentemente do valor discutido, o preço a ser pago pelas partes dependerá exclusivamente da quantidade de horas empregadas nas sessões de conciliação/mediação. Dada a natureza jurídica de tributo dos emolumentos, sua criação somente pode se dar mediante a edição de lei estadual. Entretanto, até o presente momento, não se tem conhecimento de qualquer iniciativa legislativa nesse sentido.
Ao discorrer sobre a matéria, Ygor Ramos Pinheiro[18] entende que:
[...] o critério de cobrança deve ser com valor econômico (escritura pública com valor econômico), pois o mediador ou conciliador atuará na tentativa de se chegar a um acordo sobre direito patrimonial representativo de certo montante, o que leva à necessidade de adequada remuneração, além de levar em consideração o risco a que se submete. (...) O risco enfrentado, o preparo exigido e o custo demandado, quando comparados à remuneração ajustada pelo CNJ, vem tirando de tabeliães o interesse em qualificar-se e a seus prepostos, tendo em vista o baixo número de cadastros efetuados desde a edição do provimento. Talvez uma revisão na questão da remuneração pudesse fazer com que mais notários cadastrem-se e, assim, todo o potencial de diminuir o número de demandas que chegam no Poder Judiciário seja alcançado.
Com efeito, o critério de cobrança adotado pelo Conselho Nacional de Justiça não estimula a prática da conciliação e mediação nas serventias extrajudiciais. Além do investimento no preparo intelectual do próprio delegatário ou de preposto, também se afigura necessário o dispêndio de recursos em infraestrutura, bem como a responsabilidade civil assumida durante a prática desses procedimentos.
No Estado de São Paulo, por exemplo, apenas duas[19] serventias extrajudiciais manifestaram interesse em aderir aos serviços. Uma revisão na forma de remuneração poderia incentivar a realização de tais procedimentos pelos delegatários, contribuindo, sensivelmente, para a diminuição de demandas no Poder Judiciário.
Os cartórios brasileiros, consoante já afirmado acima, passaram a participar ativamente do movimento de desjudicialização de forma assertiva, econômica e eficiente, contribuindo para o acesso à justiça de forma mais efetiva e célere. Dúvidas não restam, portanto, que poderiam contribuir demasiadamente para difundir a mediação e conciliação como meios consensuais de resolução de conflitos.
Entretanto, a ausência de uma remuneração atrativa inviabiliza sua aplicação prática, uma vez que os investimentos a serem demandados são incompatíveis com o retorno financeiro previsto no Provimento, fato a impedir que esses serviços sejam colocados à disposição da sociedade brasileira.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após detida análise do Provimento nº 67/2018 editado pelo Conselho Nacional de Justiça, pode-se concluir que dita regulamentação possui diversas questões que dificultam a aplicação prática da mediação e da conciliação pelas serventias extrajudiciais.
Ao delimitar a atuação dos delegatários às atribuições de seus cartórios, o Provimento cria grande empecilho para sua concretização, atuando inclusive negativamente no direito de livre escolha da serventia pelos usuários.
Além disso, ao estabelecer como parâmetro para cobrança o menor valor de uma escritura pública sem valor econômico, o Provimento torna esses procedimentos de pouca atratividade financeira. Não podemos olvidar que para o acesso à população indiscutivelmente há necessidade de adesão das pequenas serventias, nos municípios longínquos, o que somente se conseguirá tornando a atividade no mínimo economicamente viável.
Isto porque, muitas serventias brasileiras são deficitárias e encontram-se vagas, de modo que a implementação desses serviços revela-se um investimento difícil de ser concretizado.
Conclui-se, portanto, que se faz premente uma revisão da normatização do assunto para que esses métodos consensuais de resolução de conflitos possam efetivamente ser realizados pelos cartórios brasileiros, questão que se mostra necessária e urgente, pois transcende as políticas públicas envolvendo as serventias, diante da magnitude de seus benefícios para a população e, porque não, dos reflexos que serão percebidos no congestionamento judicial.
5 REFERÊNCIAS
ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. v. 1. 5. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
BARBOSA E SILVA, Erica. Conciliação e mediação nas serventias extrajudiciais. In: TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 5. ed. São Paulo: Método, 2019.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Manual de Mediação Judicial. 2016. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/07/f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2022
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em 16 jan. 2022.
BRASIL. Lei n. 13.140, de 26 de junho de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm>. Acesso em 16 jan. 2022.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento 67, de 26 de março de 2018. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atosadm?documento=3415>. Acesso em 16 de jan. 2022.
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PINHEIRO, Ygor Ramos Cunha. Arbitragem Notarial. Salvador: Juspodivm, 2020. In: EL DEBS, Martha. Legislação Notarial e de Registros Públicos comentada. 4. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2020.
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WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e meios consensuais de solução de conflitos. In: ALMEIDA, Rafael Alves de; ALMEIDA, Tânia; CRESPO, Mariana Hernandez (Orgs.). Tribunal Multiportas: investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. p. 89.
[1]Juiz do Trabalho Substituto, bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Licenciado em Letras pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Anhanguera, especialista em Direito Notarial e Registral pelo Instituto Damásio de Direito e mestrando pela Escola Paulista de Direito.
[2] STIGERT, Ludmila (org.). A efetividade da mediação para além da teoria. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva, 2017.
[3] ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. v. 1. 5. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 47.
[4] “A mediação pode ser definida como uma negociação facilitada ou catalisada por um terceiro. Alguns autores preferem definições mais completas sugerindo que a mediação um processo autocompositivo segundo o qual as partes em disputa são auxiliadas por uma terceira parte neutra ao conflito ou por um painel de pessoas sem interesse na causa, para se chegar a uma composição.” (BRASIL. Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Manual de Mediação Judicial. 2016. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/07/f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54.pdf>. p. 20. Acesso em: 16 jan. 2022.
[5] “A conciliação pode ser definida como um processo autocompositivo breve no qual as partes ou os interessados são auxiliados por um terceiro, neutro ao conflito, ou por um painel de pessoas sem interesse na causa, para assisti‑las, por meio de técnicas adequadas, a chegar a uma solução ou a um acordo”. Op. Cit. p. 21.
[6] WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e meios consensuais de solução de conflitos. In: ALMEIDA, Rafael Alves de; ALMEIDA, Tânia; CRESPO, Mariana Hernandez (Orgs.). Tribunal Multiportas: investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. p. 89.
[7] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em 16 jan. 2022.
[8] Art. 42. Aplica-se esta Lei, no que couber, às outras formas consensuais de resolução de conflitos, tais como mediações comunitárias e escolares, e àquelas levadas a efeito nas serventias extrajudiciais, desde que no âmbito de suas competências.
[9] TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 5. ed. São Paulo: Método, 2019. p. 97.
[10] LAMANAUSKAS, Milton Fernando; PEDROSO, Regina. Direito Notarial e Registral atual. 2. ed. São Paulo: Método, 2015. p. 87.
[11] Art. 2º Os procedimentos de conciliação e mediação nos serviços notariais e de registro serão facultativos e deverão observar os requisitos previstos neste provimento, sem prejuízo do disposto na Lei n. 13.140/2015.
[12] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento 67, de 26 de março de 2018. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atosadm?documento=3415>. Acesso em 16 de jan. 2022.
[13] BARBOSA E SILVA, Erica. Conciliação e mediação nas serventias extrajudiciais. In: TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 5. ed. São Paulo: Método, 2019. p. 319.
[14] TJSP. Provimento CGJ nº 17/2013, autoriza e implementa a mediação e a conciliação extrajudicial no Estado de São Paulo. Disponível em: <https://www.kollemata.com.br/mediacao-e-conciliacao-serventias-extrajudiciais-autorizacao-provimento-cg-17-2013.html>. Acesso em: 16 jan. 2022.
[15] Disponível em:http://registrociviludi.com.br/2017/12/18/cnj-servico-conheca-os-tipos-de-cartorios-existentes-no-brasil/. Acesso em: 16 jan. 2022.
[16] Dados extraídos do Portal Justiça Aberta do CNJ, no primeiro semestre de 2020, revela que 32,3% das serventias extrajudiciais no país têm faturamento semestral bruto inferior a R$100.000,00. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/corregedoria/justiça_aberta/?>. Acesso em: 16 jan. 2022.
[17] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento 67, de 26 de março de 2018. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atosadm?documento=3415>. Acesso em 16 de jan. 2022.
[18] PINHEIRO, Ygor Ramos Cunha. Arbitragem Notarial. Salvador: Juspodivm, 2020. In: EL DEBS, Martha. Legislação Notarial e de Registros Públicos comentada. 4. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2020. p. 43.
[19] Dados disponíveis em <https://www.tjsp.jus.br/Conciliacao/cartoriosextrajudiciais>. Acesso em 16 jan. 2022.
Especialista em Direito Notarial e Registral e em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera. Mestrando em Direito pela Escola Paulista de Direito (EPD). Titular do 2º Tabelião de Notas e de Protesto de Presidente Prudente/SP.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
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