RESUMO: O presente artigo tem como objetivo a abordagem do princípio da confidencialidade na mediação. É crescente a importância dos meios alternativos de solução de litígios nos ordenamentos jurídicos, isto porque o processo tradicional, regulado por um regramento cheio de fases e recursos, revelou-se moroso e ineficiente na função precípua da jurisdição; de pacificação social. Nesse contexto, surgem os meios alternativos de solução de litígios, como a mediação, a conciliação, os Julgados de Paz, que têm entres seus princípios o da confidencialidade. O princípio em tela merece atenção, isto porque se contrapõe ao modelo tradicional, que tem a publicidade de seus atos como regra. De início, serão abordadas as legislações, brasileira e portuguesa sobre o tema. Em seguida, passa-se a análise do princípio em si, com suas especificidades, como as pessoas que são atingidas por tal dever, às exceções ao princípio em comento, além das consequências pela sua violação. Por fim, com o estudo mais aprofundado sobre a confidencialidade e suas nuances, será feita a análise se tal princípio de fato protege as partes envolvidas em um litígio e se é suficiente a garantir ambiente propício para revelação de segredos que permitam as partes, agora desarmadas, conciliarem-se.
Palavras Chave: Mediação. Confidencialidade. Confiança.
Sumário: 1. Introdução. 2. Princípio da Confidencialidade; 3. Pessoas atingidas pelo dever de confidencialidade; 4. Exceções à confidencialidade; 5. Consequências da violação; 6. Conclusão; 7. Referências Bibliográficas; 8. Legislação.
1.Introdução
Os meios alternativos ou adequados de solução de controvérsias positivados nas Leis 29/2013, de 19 de abril em Portugal e 13.140, de 26 de junho de 2015 no Brasil revelam uma importância dada pela ciência processual à efetividade da jurisdição.
Ainda que as realidades sejam distintas, isto porque no Brasil a população ultrapassa a marca dos 200 milhões de habitantes,[1] certo é que a jurisdição tradicional, ou seja, aquela em que o processo não seria um fim em si mesmo, mas instrumento para assegurar direitos, com regras e processamento previstos pelos tradicionais Códigos de Processo Civil, revelou-se inapta ou, ao menos, morosa a solucionar os litígios de uma sociedade que evolui e está em constante mutação.
Nesse cenário, cresce a importância dada aos meios alternativos de resolução de litígios, como a arbitragem, a mediação, a conciliação, a negociação e os julgados de paz. Isto se deve, pois, por estes meios, garante-se ao cidadão uma resposta mais célere, prestigiando o acesso à justiça.
Os meios alternativos de solução de conflitos, justamente por terem como escopo a solução da controvérsia célere e efetiva, têm regramentos e princípios próprios, entre eles a oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca do consenso, boa-fé, voluntariedade, independência, competência e responsabilidade, além do princípio objeto do presente artigo: a confidencialidade.
Tanto o diploma português como o brasileiro preveem expressamente a confidencialidade como princípio orientador da mediação e, sem pretender esgotar o tema, a abordagem do princípio em tela é justamente a oposição ao clássico paradigma do processo civil, que, ao contrário, tem a publicidade como princípio orientador.
Segue-se a abordagem do conceito de confidencialidade; com sua consagração legal, a determinação de seu âmbito subjetivo, delimitando àqueles que têm o dever de observância da confidencialidade; suas exceções, e o porque destas, tendo em vista que o princípio da confidencialidade assume especial relevo ao permitir que as partes, adotando uma postura de cooperação, criem ambiente de confiança entre elas, com a revelação de conteúdo sigiloso.
Em seguida, por ser o sigilo um dever, necessário se faz breve referência quanto as sanções previstas pelo seu descumprimento.
A abordagem de cada aspecto que envolve o princípio da confidencialidade será realizada fazendo-se um paralelo entre as legislações brasileira e portuguesa, com seus pontos similares e diferenças, razão pela qual não se abrirá tópico específico para a legislação de cada país, com o objetivo final de responder se de fato o princípio da confidencialidade garante às partes envolvidas em um litígio, ambiente de confiança adequada proteção às partes e do eventual conteúdo revelado.
2.Princípio da Confidencialidade
O Princípio da confidencialidade teve sua primeira consagração legal em Portugal na Lei dos Julgados de Paz. Na versão original do art. 52, as partes tinham que subscrever, previamente, um acordo de mediação e, por meio dele, assumir que a mediação tem caráter confidencial[2]. Já nessa disposição, em seu último item, constava o impedimento do mediador, que não poderia ser testemunha em qualquer causa que oponha os mediados, ainda que não diretamente relacionada com o objeto da mediação.
Além do citado artigo, a Lei que prevê sobre os Julgados de Paz, sua organização, competência e funcionamento em seu art. 22 traz como dever dos juízes de paz e dos mediadores, o dever de sigilo, salientando que não cabe a tais figuras emitir declarações ou comentários sobre os processos que lhe são distribuídos, somente ressalvando o dever de sigilo para casos que além de não estarem cobertos pelo segredo de justiça, o acesso à informação legítimo o afaste.
Por tais disposições verifica-se a amplitude dada ao princípio da confidencialidade nos Julgados de Paz. Deveria ser observado não somente pelo mediador, mas pelas partes que deveriam assumir o caráter confidencial do acordo, isto tudo para que a confiança entre as partes pudesse ser estabelecida.
Também na União Europeia sentiu-se a necessidade de estabelecer um conjunto de regras para regular a mediação de conflitos. A Diretiva 2008/52/CE surgiu visando a regulação da mediação para conflitos transfronteiriços em matéria civil e comercial.
Seguindo a Diretiva 2008/52/CE, Portugal editou a Lei 29/2009, de 29 de setembro que foi responsável por aditar artigos do Código de Processo Civil[3] trazendo em seu sumário, inclusive, que tal lei procede à transposição da Diretiva Europeia.
Como a transposição ainda era tímida, adveio a Lei 29/2013 de 19 de abril, que estabelece os princípios gerais aplicáveis à mediação realizada em Portugal, sendo um deles o princípio da confidencialidade, bem como os regimes jurídicos da mediação civil e comercial, dos mediadores e da mediação pública.
De forma muito transparente a referida Lei traz uma série de definições, como o que se entende por mediação[4], além das definições dos princípios aplicáveis a mediação. São eles: princípio da voluntariedade, princípio da confidencialidade, princípio da igualdade e da imparcialidade, princípio da independência, princípio da competência e da responsabilidade e, finalmente, o princípio da executoriedade.
Como dito, o presente artigo não tem a pretensão de esgotar todo o conteúdo legislativo e a importância de cada princípio na solução alternativa de litígios, razão pela qual será abordado somente o princípio da confidencialidade.
A Lei 29/2013 de 19 de abril traz para o âmbito do Direito Português expressamente em seu art. 5º as diretivas do princípio da confidencialidade.[5]
Antes desse diploma a Lei dos Julgados da Paz já previa alguns princípios que deveriam ser observados, entre eles o referido princípio da confidencialidade (conferir o art. 52).
O art. 5º dispõe que o procedimento de mediação tem natureza confidencial e que o mediador de conflitos deve manter sob sigilo todas as informações de que tenha conhecimento durante o processo.
Em que pese a natureza confidencial da mediação que deve ser privilegiada, certo é que o próprio artigo excepciona tal dever por razões de ordem pública, especificadamente em situações que envolvam a proteção do superior interesse da criança; a integridade física ou psíquica de qualquer pessoa ou quando necessário para execução do acordo obtido com a mediação.
Três meses após a edição da Lei em comento, em 31 de julho de 2013, é publicada a Lei 54/2013, que altera substancialmente a Lei de Julgados de Paz, e embora revogue o artigo 52 – visto que a confidencialidade foi tratada pela Lei 29/2013, de 19 de abril – passa a atribuir mais competências a estes Tribunais, o que demonstra a preferência do Legislador aos meios alternativos, alargando a oferta dos serviços junto do cidadão.[6]
Note-se que a Lei 29/2013, de 19 de abril consagra especificadamente cada um dos princípios inerentes à mediação, condensando-os em um único diploma o que anteriormente estava previsto, mas de forma esparsa por diversos diplomas – com a edição da Lei foi revogado o artigo 249°-C do Código de Processo Civil.
No Brasil, assim como ocorreu nas terras lusitanas, houve forte valorização dos denominados meios adequados de solução de controvérsias, isto porque, a conflituosidade de uma sociedade cada dia mais plural e diversificada, revelou um Poder Judiciário ineficiente a atender tantas demandas.
Existiu uma primeira tentativa com o Projeto de Lei n° 4.827/98, proposto pela Deputada Zulaiê Cobra e arquivado.
Já no ano de 2010 o Conselho Nacional de Justiça, considerando que o direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal do Brasil além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à ordem jurídica justa, bem como que a conciliação e mediação são instrumentos efetivos de pacificação social[7], editou a resolução nº 125.
Na citada resolução, em seu anexo, veio a previsão em seu art. 1º, §1º, o princípio da confidencialidade, estabelecendo o dever de sigilo sobre todas as informações obtidas na sessão, com exceção de autorização em sentido contrário das partes ou em caso de violação à ordem pública ou as leis vigentes.
No mesmo parágrafo, há o impedimento em relação ao mediador quanto a ser testemunha em processo e de que em nenhuma hipótese pode ser advogado de qualquer das partes, ao que muito se assemelha as disposições previstas no Direito Português e na Diretiva Europeia.
Seguindo a resolução, no ano de 2015 o Brasil editou as Leis 13.105 de 16 de março de 2015 – Novo Código de Processo Civil – e a Lei 13.140, de 26 de junho de 2015 – que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, ambas com disposições expressas valorizando e, inclusive, impondo como fase obrigatória no processo civil, a promoção da conciliação, da mediação e de outros métodos de solução consensual de conflitos.[8]
Com efeito, o CPC traz uma seção específica para tratar dos conciliadores e mediadores judiciais (artigos 165 a 175). Por essas disposições diferencia as atuações dos mediadores e conciliadores de acordo com a prévia existência ou não de vínculo entre as partes e a postura do terceiro. Vale dizer, o conciliador atuará nos litígios em que não houver vínculo anterior entre as partes, o que lhe dá liberdade, inclusive de sugerir soluções para desavença, ao passo que o mediador atua naqueles casos em que há vínculo entre as partes, restringindo-se ao auxílio aos interessados para compreender o conflito em que inseridos, para que as partes, por si próprias, cheguem a uma solução consensual.[9]
Em seguida, no art. 166, o Código de Processo Civil já elenca os princípios informadores da conciliação e da mediação, sendo um deles o da confidencialidade e prevê expressamente nos parágrafos que se seguem que a confidencialidade se estende a todas as informações produzidas no curso do processo, cujo teor não poderá ser utilizado para outro fim que não a conciliação em sentido amplo. Em razão do dever de sigilo, mediadores e conciliadores não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos dos procedimentos adequados de solução de controvérsias.
O princípio da confidencialidade também vem expresso na Lei 13.140/2015, que dispõe sobre a autocomposição no âmbito da Administração Pública e, à semelhança da Lei Portuguesa 29/2013 de 19 de abril, também traz a definição de mediação[10].
O princípio da confidencialidade ganha uma seção própria, com conceito, a quem o dever de confidencialidade se aplica, além de suas exceções (artigos 30 e 31).
Como se observa, tanto o Código de Processo Civil, como a Lei 13.140/2015, preveem a importância de a atividade ser conduzida por mediador profissional, imparcial e equidistante do conflito[11], podendo ser qualquer profissional, não existindo exclusividade para advogados ou psicólogos, ao contrário, há previsão expressa de que poderá funcionar como mediador qualquer pessoa capaz que tenha confiança das partes e seja capacitada[12].
3.Pessoas atingidas pelo princípio da confidencialidade
Em que pese o processo deva gozar de ampla publicidade, certo é que em matéria de mediação a confidencialidade assume fator de garantia da funcionalidade do instituto.
Como visto, tanto no Direito Português, como no Brasileiro, há expressa previsão pelo dever de confidencialidade para os mediadores e conciliadores. Contudo, tal dever não fica a eles adstrito.
A redação do número 1 do artigo 5º da Lei 29/2013 de 19 de abril determina que o mediador está vinculado a um dever de sigilo, o que também pode ser observado no §2º do artigo 166 do Código de Processo Civil Brasileiro, que de forma mais abrangente, impõe tal dever não só ao mediador e conciliador, mas aos membros de suas equipes.
Contudo, não resulta claro se para além dos mediadores e conciliadores, além dos membros de suas equipes quem mais poderá também estar sujeito ao dever de confidencialidade.
Note-se que em seu artigo 7º a Diretiva Europeia faz referência não só ao mediador, mas a quaisquer pessoas envolvidas na administração do processo de mediação o dever de confidencialidade. De acordo com esta redação, o dever de confidencialidade se estende para além do mediador/conciliador e das partes envolvidas.
À evidência que tal disposição é abrangente, e assim não poderia deixar de ser, pois a Diretiva estabelece um mínimo a ser observado pelos Estados-Membros, não impedindo que cada um destes edite normas mais específicas e de acordo com as especificidades de cada um.
Tal é reforçado pelo número 2 do artigo 7º da Diretiva, que prevê a possibilidade dos Estados-Membros aplicarem medidas mais rigorosas na proteção a confidencialidade na mediação.
Ainda que o art. 5º da Lei 29/2013 não seja específico quanto às pessoas atingidas pelo princípio da confidencialidade, o artigo 16, ao determinar o procedimento a ser seguido, estabelece que o protocolo de mediação é assinado pelas partes e pelo mediador, que declararão o respeito ao princípio da confidencialidade (número 3, item d).
Destaca-se que o princípio da confidencialidade, embora estabeleça que seja a medição confidencial, não determina que o procedimento seja secreto, razão pela qual tanto no diploma brasileiro como no luso, há exceções ao princípio.
Assim, resulta claro que para além do mediador, as partes se encontram subordinadas ao dever da confidencialidade. Dever este que não só é imposto legalmente, consoante artigo 5º, mas reforçado por uma fonte contratual, com a assinatura do protocolo.
E quanto aos advogados? Estariam eles também subordinados ao dever de confidencialidade?
O artigo 18 é cristalino ao prever que as partes podem comparecer pessoalmente ou fazer-se representar, podendo ser acompanhadas por advogados, advogados estagiários ou solicitadores, além da previsão, inclusive, de acompanhamento das partes por outros técnicos cuja presença considerem necessária – desde que não haja oposição da outra parte.
E arremata no item 3, que todos os intervenientes no procedimento de mediação ficam sujeitos ao princípio da confidencialidade.
Com efeito, ainda que o artigo 5º tenha sido tímido quanto a disposição do dever de sigilo, o fazendo somente ao mediador, certo é que tratou das partes e de qualquer interveniente – nesse ponto a semelhança do que ocorre no Direito Brasileiro – de forma destacada e a não pairar dúvidas de que todos intervenientes também estão sujeitos ao dever de confidencialidade.[13]
No Direito Brasileiro a disposição expressa veio com a Lei de Mediação nº 13.140/2015, ao dispor no §1º do artigo 30 que o dever de confidencialidade não só cabe ao mediador, mas às partes, a seus prepostos, advogados, assessores técnicos e outras pessoas de sua confiança que tenham participado do procedimento de mediação, seja diretamente ou indiretamente.
Assim, e não poderia ser diferente, o princípio da confidencialidade alcança todas as partes envolvidas na mediação, trazendo inegável segurança àqueles que, visando construir uma solução negociada, revelem conteúdos sigilosos, os quais em um processo judicial, poderiam certamente comprometê-los.
4.Exceções à Confidencialidade
A mediação e conciliação, como meios alternativos, ou adequados de solução de controvérsias tem na voluntariedade e na confidencialidade características que a diferem do processo civil jurisdicionado.
A confidencialidade tem como objetivo primeiro criar entre as partes em litígio um ambiente de confiança, sem receio de que eventuais fatos revelados ou expostos possam ser utilizados em seu prejuízo.
No Brasil, a denominada Lei de Mediação (13.140/2015), por tratar da mediação também no âmbito da administração pública, embora traga o princípio da confidencialidade como regra; sua utilização não pode ser admitida como forma de ilidir a transparência e a impessoalidade[14] que norteiam o uso da res pública.
Embora essencial, o princípio da confidencialidade não é absoluto e sequer pode ser confundido com sigilo.
O artigo 30 da Lei em comento, ao prever a confidencialidade, permite que as partes, de comum acordo, renunciem a tal dever. Além da renúncia pelas próprias partes, são exceções a confidencialidade o fato de ser exigida a divulgação por lei ou quando a publicidade for necessária para o cumprimento do acordo obtido.
Ressalva o §2º do artigo 30 que a prova apresentada em desacordo com o disposto no artigo não será admitida em processo arbitral ou judicial. Tal dispositivo reforça o ambiente que o legislador pretende criar àqueles que de fato pretendem a solução consensual do litígio.
Finalmente, os parágrafos 3º e 4º apresentam mais duas exceções: não está abarcada pela regra da confidencialidade a informação relativa à ocorrência de crime de ação pública, além de tal regra não afastar o dever de as partes prestarem informação à administração tributária.
À semelhança do Brasil, o princípio da confidencialidade em Portugal também não é absoluto.
Seguindo a Diretiva Europeia 2008/52/CE[15], o artigo 5º da Lei 29/2013, de 19 de abril, ao dispor sobre a confidencialidade, em seu item 3, prevê exceções. Assim, identificam-se enquanto exceções “razões de ordem pública, nomeadamente para assegurar a proteção do superior interesse da criança, quando esteja em causa a proteção da integridade física ou psíquica de qualquer pessoa, ou quando tal seja necessário para efeitos de aplicação ou execução de acordo por via da mediação, na estrita medida do que, em concreto, se revelar necessário para a proteção dos referidos interesses”.
É certo que ainda que os dois diplomas – Brasileiro e Português – tragam exceções à confidencialidade, o direito brasileiro dá carta branca às partes quanto à sua obrigatoriedade, pois não só prevê como exceções eventual disposição legal em lei diversa e para o caso de cumprimento do acordo obtido pela mediação, como permite as partes, desde que o façam expressamente, afastar a imposição do sigilo. Cláusula aberta que não encontra equivalência no Direito Português e, por sua abrangência, pode comprometer o ambiente de confiança prestigiado e estimulado pelo legislador.
5.Consequências da Violação
Como visto ao longo do presente artigo, a confidencialidade na mediação é um dever, com fundamento legal, mas também decorrente da convenção das partes. Como dever, sua inobservância gera sanções.
No Direito Português, a Lei 29/2013 prevê em seu Capítulo V (Sistemas Públicos de Mediação), Secção III, a fiscalização do exercício da atividade de mediação.
Note-se a particularidade de que a previsão que passaremos a análise diz respeito a fiscalização no âmbito da mediação exercida por sistemas públicos e não no âmbito da mediação privada.
No artigo 43 fica estabelecido que a fiscalização compete às entidades gestoras dos sistemas públicos de mediação, que podem ser impulsionadas por queixa ou reclamação apresentada contra os mediadores, ou por iniciativa própria, no exercício de supervisão contínua a que são obrigadas a realizar. No item 2, do artigo em comento, estabelece que realizada a fiscalização e, à evidência, ouvido o mediador, o dirigente emite sua decisão fundamentando-a e com indicação da medida a ser aplicada ao mediador, a depender da gravidado do ato.
Em seguida, o artigo 44 elenca as medidas possíveis de aplicação pelo dirigente máximo da entidade gestora do sistema público de mediação. Sendo elas: repreensão; suspensão das listas e exclusão das listas. E no n° 2, vai além, ao prever que no caso de violação ao dever de confidencialidade pelo mediador se subsumir ao artigo 195 do Código Penal[16], a entidade gestara do sistema público de mediação participa a infração às entidades competentes.
No direito brasileiro, também há sanções a violação ao dever de confidencialidade. Contudo, não há capítulo ou secção específicas. O artigo 173 do Código de Processo Civil determina que será excluído do cadastro de conciliadores e mediadores aquele que: agir com dolo ou culpa na condução da conciliação ou da mediação sob sua responsabilidade, além de prever a mesma sanção àqueles que violarem os deveres decorrentes dos parágrafos do artigo 166, entre eles, o dever de confidencialidade (expresso no §1º do artigo 166).
Já a Lei 13.140/2015 que dispõe mais especificadamente sobre a mediação, traz disposições sobre a confidencialidade e suas exceções em seção própria, mas é lacunosa quanto as sanções aplicáveis ao mediador e conciliador que a desrespeitam, cuidando somente de equiparar, para os efeitos da legislação penal, a figura do mediador/conciliador e todos aqueles que assessoram no procedimento de mediação, quando do exercício de tal atividade, ao servidor público[17]
6.Conclusão
É inegável a importância dos meios alternativos de solução dos conflitos, que encontraram na morosidade do sistema judicial e na volatilidade de sociedades que evoluem em velocidade não acompanhada por suas leis, especial atenção dos legisladores, com edição de Leis específicas e rol próprio de princípios.
São tidos como garantidores de uma justiça célere e eficiente, com a promoção de uma solução dialogada e construída pelas partes, o que, à evidência, resulta na verdadeira pacificação social.
O princípio da confidencialidade, até por se opor a publicidade exigida nos processos judiciais, revela-se essencial para esse modelo de justiça negociada e de fato merece atenção do legislador – como bem observado pelos diplomas citados – para permitir ambiente de confiança entre as partes em litígio.
Assim, os diplomas brasileiro e português se preocuparam em delimitar o princípio da confidencialidade, determinando quem são as pessoas atingidas pelo dever de sigilo, alcançando não somente as partes, como seus advogados e todos àqueles que de qualquer forma estejam envolvidos na mediação; suas exceções, como questões de ordem pública, para garantir a execução do acordo, além da proteção de interesses das crianças e adolescentes e integridade física e psíquica de qualquer pessoa. E, finalmente, o sistema de fiscalização e as sanções aplicáveis pela inobservância do princípio da confidencialidade.
Em suma, a confidencialidade, como princípio orientador da mediação, tem como escopo primeiro criar ambiente propício às partes e intervenientes para que de fato sintam que a revelação de conteúdos delicados e sigilosos não vão ser usados em seu prejuízo em um processo jurisdicional futuro, permitindo que as partes em conflito se desarmem na busca de uma solução negociada e que, à evidência, encontra maior probabilidade de ser executada voluntariamente.
Ainda que se possa eventualmente indagar-se se sua abrangência não poderia afetar uma decisão justa pelo judiciário – nos casos em que infrutífera a mediação – tendo em vista que os conteúdos revelados não poderiam ser usados contra as partes e, portanto, o Juiz julgaria alheio a certas provas importantes ou, quiçá determinantes para o deslinde do feito, certo é que suas vantagens se sobrepõe as desvantagens, pois garante ao cidadão outro meio de solucionar suas controvérsias, mais célere, efetivo, negociado, em respeito a duração razoável do processo.
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_________ LEI Nº 13.140, DE 26 DE JUNHO DE 2015: Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm. Acesso em 23-02-2022.
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_______DIRETIVA 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Maio de 2008. Dispõe sobre certos aspectos da mediação em matéria civil e comercial. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32008L0052. Acesso em 23-02-2022.
[1] Disponível em: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/. Acesso em: 23-02-2022.
[2] Lei nº 78/2001, de 13 de julho versão desatualizada, disponível pelo link http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_busca_art_velho.php?nid=724&artigonum=724A0052&n_versao=1&so_miolo=. Acesso em: 23-02-2022.
[3] Os artigos 249A, 249B e 249C que previa expressamente a confidencialidade.
[4] Art. 2º, item a) mediação: a forma de resolução alternativa de litígios, realizada por entidades públicas ou privadas, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo de assistência de um mediador de conflitos;
[5] Art. 5º
1 - O procedimento de mediação tem natureza confidencial, devendo o mediador de conflitos manter sob sigilo todas as informações de que tenha conhecimento no âmbito do procedimento de mediação, delas não podendo fazer uso em proveito próprio ou de outrem.
2 - As informações prestadas a título confidencial ao mediador de conflitos por uma das partes não podem ser comunicadas, sem o seu consentimento, às restantes partes envolvidas no procedimento.
3 - O dever de confidencialidade sobre a informação respeitante ao conteúdo da mediação só pode cessar por razões de ordem pública, nomeadamente para assegurar a proteção do superior interesse da criança, quando esteja em causa a proteção da integridade física ou psíquica de qualquer pessoa, ou quando tal seja necessário para efeitos de aplicação ou execução do acordo obtido por via da mediação, na estrita medida do que, em concreto, se revelar necessário para a proteção dos referidos interesses.
4 - Exceto nas situações previstas no número anterior ou no que diz respeito ao acordo obtido, o conteúdo das sessões de mediação não pode ser valorado em tribunal ou em sede de arbitragem.
[6] ALVES, Helena, A Resolução Alternativa de Litígios em Portugal: Retrospectiva Histórico-Política, Revista Luso-Brasileira de Direito Do Consumo, vol. VI, n.22, Junho de 2016. p.61.
[7]Disponível em : http://www.crpsp.org.br/interjustica/pdfs/outros/Resolucao-CNJ-125_2010.pdf. Acesso em: 23-02-2022.
[8] Essa promoção, sempre que possível, pela solução consensual de conflitos já vem prevista no art. 3º, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil de 2015, revelando a intenção do legislador de que tais meios alternativos devem ser estimulados pelos operadores do direito, membros do Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, pois as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução de seus litígios (§4º), rompendo o antigo paradigma que revelou-se ineficiente frente a litigiosidade crescente de uma população cada vez mais exigente e ciente de seus direitos.
[9] Art.165, §§ 2º e 3º do Código Processual Civil Brasileiro
[10] Dispõe a Lei 13.140/2015 em seu art. 1º, parágrafo único: “Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem o poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver solução consensuais para controvérsia”.
[11] DE PINHO, Humberto Dalla Bernardina; MAZZOLA, Marcelo, Manual de Mediação e Arbitragem, Ed. Saraiva, 2019. p. 38.
[12] Art. 9º da Lei 13.140/2015. A propósito conferir o enunciado CJF n. 47: “A menção à capacitação do mediador extrajudicial, prevista no art. 9º da Lei 13.140/2015, indica que ele deve ter experiência, vocação, confiança dos envolvidos e aptidão para mediar, bem como conhecimento dos fundamentos da mediação, não bastando formação em outras áreas do saber que guardem relação com o mérito do conflito”.
[13] Artigo 18º da Lei 29/2013: imposição legal ao dever de confidencialidade a todos intervenientes do procedimento (item 3).
[14] DE PINHO, Humberto Dalla Bernardina; MAZZOLA, Marcelo, Manual de Mediação e Arbitragem, Ed. Saraiva, 2019. p. 164.
[15] A Diretiva Europeia também não ignorou a possibilidade das informações decorrentes da mediação, tendo em vista a peculiaridade de certas situações, serem reveladas, e trouxe como exceções a confidencialidade nos itens a) e b) do número 1 do artigo 7º, as razões imperiosas de ordem pública do Estado-Membro, em especial para assegurar o proteção do interesse das crianças ou evitar que sejam lesadas as integridades física e psíquica de uma pessoa e caso a divulgação do conteúdo obtido na mediação seja necessária para execução do acordo – exceções que foram reproduzidas pelo Direito Português.
[16] Artigo 195º. Violação de Segredo. Quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego profissão ou arte é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
[17] Artigo 8° da Lei 13.140/2015. Ao fazer essa equiparação, ainda que a lei não traga sanções específicas ao mediador e conciliador, certo é que o responsabiliza de forma mais gravosa, isto porque a legislação penal brasileira tem capítulo específico com a tipificação de condutas que somente podem ser praticados por servidor público, vale dizer, exigem condição especial do sujeito ativo do delito.
Promotor de Justiça do Estado de São Paulo desde 2012. Doutorando em Direito pela FADISP. Mestre em Direito pela UNIMAR. Ex-Delegado de Polícia do Estado de Minas Gerais-PCMG-2009.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, DANIEL MAGALHAES ALBUQUERQUE. O princípio da confidencialidade na mediação – uma abordagem entre Brasil e Portugal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 fev 2024, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58118/o-princpio-da-confidencialidade-na-mediao-uma-abordagem-entre-brasil-e-portugal. Acesso em: 22 nov 2024.
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