RESUMO: O artigo se propõe a demonstrar a concepção da função social e os mecanismos extrajudiciais para solucionar os conflitos empresariais de modo a concretizar a função social da empresa. É feito um apanhado geral acerca das soluções mais convencionais e das que geralmente não são listadas como tais, mas que também proporcionam um resultado extrajudicial que põe fim ao conflito empresarial. Finalmente, é apresentado de forma breve o projeto que visa desjudicializar a execução como uma forma de proporcionar mais uma alternativa extrajudicial para a solução de conflitos empresariais, trazendo mais efetividade às demandas por acesso à justiça em seu sentido amplo.
ABSTRACT: The article proposes to demonstrate the conception of the social function and the extrajudicial mechanisms to solve business conflicts in order to concretize the social function of the company. A general overview is made of the more conventional solutions and those that are generally not listed as such, but which also provide an extrajudicial result that puts an end to the business conflict. Finally, the project that aims to dejudicialize execution is presented in a brief way as a scheme to provide another extrajudicial alternative for the solution of business conflicts, bringing more effectiveness to the demands for access to justice in its broad sense.
PALAVRAS-CHAVE: conflitos, empresa, função social, soluções extrajudiciais.
KEYWORDS: conflicts, business, social function, extrajudicial mechanisms.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A função social da empresa. 2. As Soluções extrajudiciais para conflitos empresariais – ferramentas de concretização da função social da empresa. 2.1. Mediação e Conciliação. 2.2. Arbitragem. 3. Novos métodos de solução extrajudicial dos conflitos empresariais. 3.1. Protesto. 3.2. Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 3.3. Desjudicialização da execução. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
A função social da empresa é um princípio que permeia toda a leitura sobre os regramentos jurídicos das relações empresariais, conforme a doutrina majoritária. Nesse artigo, será exposto um apanhado acerca desse princípio, que foi positivado de forma indireta em apenas na Lei das Sociedades Anônimas – Lei Federal nº 6.404/1976 e na Lei de Recuperação de Empresas – Lei Federal nº 11.101/2005, mas que é definido pela doutrina e identificado nos mais diversos institutos do direito empresarial.
A observância da função social da empresa deve ser protegida e para tal mister são listados mecanismos de solução extrajudicial de conflitos, alternativas mais céleres, eficazes e baratas para garantir que a empresa prossiga com suas atividades e garanta o exercício de seus direitos.
No primeiro capítulo, serão apresentadas as formas já consagradas de soluções extrajudiciais dos conflitos empresariais, quais sejam, a mediação, conciliação e arbitragem. Sobre elas, já se debruçaram diversos estudiosos e sua missão de proporcionar o encerramento dos conflitos, especialmente contratuais, é objeto de relevância ainda maior no contexto de crise econômica vivido como consequência da pandemia de Covid19.
No segundo capítulo, o trabalho se voltará à explicação de soluções extrajudiciais pouco enxergadas como tais. É o caso do Protesto Extrajudicial, que recentemente permite até mesmo a negociação, na sede do Tabelionato de Protesto, das dívidas protestadas, em clara medida de conciliação e mediação do Tabelião para recuperar créditos inadimplidos.
Além do Protesto, será abordada a Recuperação Extrajudicial, mecanismo que também possibilita máxima efetividade quando bem explorado pela empresa em crise que conseguirá negociar com seus credores sem os custos e a exposição de um processo judicial. Quanto à Recuperação de empresas, também merece destaque os recentes acréscimos legislativos que prestigiam, sobremaneira, as soluções extrajudiciais.
Por fim, apresenta a provável novidade legislativa: a desjudicialização da execução como a mais nova forma de buscar uma solução extrajudicial dos conflitos empresariais decorrentes da execução de dívidas. O projeto de lei, que segue em tramitação, se promulgado, proporcionará o descongestionamento do poder judiciário ao outorgar essa atribuição para os Tabeliães de Protesto e possibilitar de forma concreta a garantia da função social da empresa que busca a solução extrajudicial de seus conflitos.
1.A função social da empresa
A constitucionalização do Direito Privado é experimentada pelos mais diversos ramos dessa ciência, desde o Século XX. Trata-se de um fenômeno pós-positivista que atrela a necessidade de observância e moldagem da leitura dos institutos privados à vinculação suprema da Constituição Federal.
No Brasil, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, notadamente analítica, é o parâmetro para a interpretação de todo o ordenamento que a ela se submete, dentre eles, o Direito Empresarial.
Dentre as maiores marcas dessa abordagem está a função social da empresa. Isso porque, a Constituição trouxe em seu texto algumas diretivas quanto à atividade empresarial e mesmo não dispondo expressamente sobre a obrigatória observância da função social da empresa, essa é a leitura inevitável de todo o sistema.
No rol de garantias fundamentais consta o direito de propriedade, condicionado ao atendimento de sua função social (art. 5º, XXII). Em se tratando da propriedade de uma atividade ou estabelecimento empresarial, por consentâneo, sua observância é fundamental.
Ademais, no art. 170, está previsto que a economia deve ter como fundamento a valorização do trabalho e a livre iniciativa com a finalidade de garantir, a todos, uma existência digna embasada na justiça social e observando os princípios da função social da propriedade, aqui observada em seu sentido lato.
Apesar da ausência de previsão expressa no texto constitucional, há referências à função social da empresa nas Leis Federais nº 6.404, de 1976 e 11.101, de 2005, respectivamente:
Art. 116. [...]. Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve legalmente respeitar e atender.
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
No tocante à previsão mais recente, trazida na Lei Federal nº 11.101/2005, a função social da empresa está intimamente atrelada à sua preservação e ao estímulo à atividade econômica. Não por acaso, a função social se enquadra como segundo objetivo, atrás da preservação da empresa, mostrando uma verdadeira escada, em que a função social está condicionada ao cumprimento do primeiro princípio, qual seja, de manutenção da empresa e somente após o cumprimento de ambas, viria a análise da importância de estimular a atividade econômica.
Esse estímulo decorre de um cânone constitucional inscrito no artigo 3º, incisos II e III, que definem como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Aqui se reflete também a concretização de princípios como a justiça social e o pleno emprego (art. 170, II e VIII).
Ainda acerca da previsão do art. 47 da Lei de Recuperação de Empresas e Falência (Lei Federal nº 11.101/2005), Mamede com suas palavras, ensina a necessidade de compatibilização de diversos interesses envolvidos na recuperação ou falência da empresa. Demonstra que o princípio da preservação da empresa é um pressuposto para examinar a observância da função social, mas aquele não se sobrepõe a este:
“Embora a recuperação da empresa possa atender, sim, aos interesses – e direitos patrimoniais – do devedor ou da sociedade empresária, não é essa a finalidade da recuperação judicial da empresa: não se defere a recuperação para a manutenção dos direitos do empresário ou da sociedade empresária (nem, menos, para os sócios e administradores desta)”[1].
Numa análise global do nosso ordenamento jurídico, ainda que não haja a previsão expressa do princípio da função social da empresa, este encontra-se enraizado no princípio da função social da propriedade. Nas palavras do Min. Eros Roberto Grau, a função social
“[...] incidindo pronunciadamente sobre a propriedade dos bens de produção, é que se realiza a função social da propriedade. Por isso se expressa, em regra, já que os bens de produção são postos em dinamismo, no capitalismo, em regime de empresa, como função social da empresa.”[2]
Diante do contexto em que estamos inseridos, de constitucionalização do direito privado, é inegável que a empresa também deve observar sua função social, enquanto um conjunto de prerrogativas e sujeições relacionadas ao exercício da propriedade, às suas relações contratuais e trabalhistas e seus compromissos ético-sociais enquanto agente inserido na realidade jurídica do país.
O estudo desse princípio remonta ao ensaio de Fábio Konder Comparato, o primeiro a se dedicar ao estudo do tema, fazendo restar claro que a Constituição Federal, ao proteger a propriedade privada, condicionada à observância de sua função social, o fez não somente na acepção da propriedade como um imóvel, mas também da propriedade (ou do poder de controle) dos bens de produção, aqui atrelados à atividade empresarial. Em suas palavras:
“A relação de propriedade de bens de produção transmuda-se, quando eles se inserem numa organização empresarial, em poder de controle, isto é, na prerrogativa de comando e direção da empresa como um todo, compreendendo pessoas e bens”[3]
Ao dissertar sobre o tema, Comparato alude à doutrina italiana para demonstrar que a par da falta de previsão expressa, o conceito da função social da empresa permeia toda sua essência:
“A função social da empresa – que suponho já estivesse embrionariamente postulada na contribuição de Courcelle-Seneuil, na afirmação da função social do comerciante, do proprietário e do capitalista – aparece indiretamente no art. 42 da Constituição Italiana: “É livre a iniciativa econômica privada. Não pode, todavia, desenvolver-se em contraste com a utilidade social ou de modo a causar dano à segurança, à liberdade, à dignidade humana. A lei determina os programas e os meios de fiscalização destinados à direção e coordenação da atividade econômica, pública e privada, para fins sociais” Nele resulta consagrada, em sua integralidade – o segundo inciso da disposição autorizando a imposição de limites negativos e o terceiro a imposição de limites positivos à iniciativa econômica – a função social da iniciativa econômica, portanto a função social da empresa. O princípio está também consagrado no direito positivo brasileiro. O art. 154 e o parágrafo único do art. 116 da Lei 6.404/76 referem, de modo expresso, respectivamente, a função social da empresa e a função social da companhia. O princípio da função social da propriedade ganha substancialidade precisamente quando aplicado à propriedade dos bens de produção, ou seja, na disciplina jurídica da propriedade de tais bens, implementada sob compromisso com a sua destinação. A propriedade sobre a qual os efeitos do princípio são refletidos com maior grau de intensidade é justamente a propriedade, em dinamismo, dos bens de produção. Na verdade, ao nos referirmos à função social dos bens de produção em dinamismo, estamos a aludir à função social da empresa.”[4]
Completando os estudos que se debruçaram na doutrina italiana, fonte do Direito Empresarial brasileiro, o professor Manoel Pereira Calças ministra:
“Na medida em que a empresa tem relevante função social, já que gera riqueza econômica, cria empregos e rendas e, desta forma, contribui para o crescimento e desenvolvimento socioeconômico do País, deve ser preservada sempre que for possível. O princípio da preservação da empresa que, há muito tempo é aplicado pela jurisprudência de nossos tribunais, tem fundamento constitucional, haja vista que nossa Constituição Federal, ao regular a ordem econômica, impõe a observância dos postulados da função social da propriedade (art. 170, III), vale dizer, dos meios de produção ou em outras palavras: função social da empresa. O mesmo dispositivo constitucional estabelece o princípio da busca pelo pleno emprego (inciso VIII), o que só poderá ser atingido se as empresas forem preservadas.
(...)
Na senda da velha lição de Alberto Asquini, em seu clássico trabalho sobre os perfis da empresa como um fenômeno poliédrico, não se pode confundir o empresário ou a sociedade empresária (perfil subjetivo) com a atividade empresarial ou organização produtiva (perfil funcional), nem com o estabelecimento empresarial (perfil objetivo ou patrimonial). Nesta linha, busca-se preservar a empresa como atividade, mesmo que haja a falência do empresário ou da sociedade empresária, alienando-a a outro empresário ou promovendo o trespasse ou o arrendamento do estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados, conforme previsão do art. 50, VIII e X, da Lei de Recuperação de Empresas e Falências”.[5]
Por fim, e não menos importante, Fábio Ulhôa Coelho, resume de forma objetiva que o cumprimento da função social da empresa será satisfatório quando houver criação de empregos, pagamento de tributos, geração de riqueza, contribuição para o desenvolvimento econômico, social e cultural do entorno, adoção de práticas sustentáveis e respeito aos direitos dos consumidores[6].
Sem prejuízo do apanhado acerca da constitucionalização do Direito Empresarial e a previsão infraconstitucional do dever de observância da função social da empresa, cumpre ressaltar que o Código Civil de 2002, o qual trouxe as principais regras do Direito de Empresa, tem como princípios norteadores a socialidade, eticidade e operabilidade, os quais também dialogam intimamente com a função social da empresa.
Todos esses reflexos e intervenções demonstram um reconhecimento de que as relações comerciais não se exaurem nos interesses diretamente envolvidos, possuindo reflexos coletivos e sociais.
2.As Soluções extrajudiciais para conflitos empresariais – ferramentas de concretização da função social da empresa
Nosso ordenamento jurídico prevê diversos meios alternativos de resolução de conflitos. Os mais facilmente identificados são a conciliação, mediação e arbitragem.
Dentre as soluções extrajudiciais para conflitos empresariais também há que se citar alguns existentes até a mais tempo, como o protesto, outros mais recentes como a Recuperação Extrajudicial e, por fim, uma inovação legislativa que está por vir, qual seja, a desjudicialização da execução.
Todos esses mecanismos consistem em estratégias para reduzir a litigiosidade e que devem ser acompanhadas de uma formação cultural de paz na solução dos conflitos.
As questões empresariais conflituosas envolvem, geralmente, uma situação de crise e inadimplência do empresário ou sociedade empresária, com caráter, portanto, eminentemente patrimonial e disponível. De modo que toda a tratativa e solução comporta a extrajudicialização.
Em relação às vias mais conhecidas, o acrônimo mais conhecido para identificá-las como Meios Extrajudiciais de Solução de Conflitos é MESC. Todavia, o mais adequado como padronização internacional é Meios Alternativos de Resolução de Litígios (MARL) ou ainda por ADR - Alternative Dispute Resolution, os quais
“designam os procedimentos extrajudiciais, conduzidos por um terceiro neutro, tendentes a encontrar uma solução adequada para o conflito de interesses entre partes capazes. Podem aparecer no âmbito de processos judiciais, quando assegurados pelo tribunal ou confiados por este a um terceiro (“ADR judicial”), ou decorrer de convenção firmada entre as partes (“ADR convencional”)[7].
A designação MARL, lato sensu, abrange a arbitragem. Todavia, a Comissão das Comunidades Europeias, em 2002, ao publicar o green book sobre os modos alternativos de resolução dos litígios em matéria civil e comercial, excluiu a arbitragem propriamente dita, por se destinar à solução contenciosa de litígios:
“A arbitragem é, de fato, um modo de resolução de conflitos que é mais equiparado aos procedimentos jurisdicionais do que aos modos alternativos na medida em que a decisão arbitral se destina a substituir a decisão judicial. A arbitragem é muito regulamentada, tanto a nível dos Estados-partes como a nível internacional, com a Convenção de Nova Iorque de 1958 sobre o Reconhecimento e a Execução de sentenças arbitrais estrangeiras http://www.uncitral.org/fr-index.htm, ou ainda, no quadro do Conselho da Europa, a Convenção Europeia de 1996 que estabelece uma lei uniforma em matéria de arbitragem http://conventions.coe.int/Treaty/FR/Cadreprincipal.htm”[8]
Ressalta-se, por fim, que a efetividade de todos os meios adequados de resolução de conflitos eram realizados sob a forma presencial. Todavia, com o avanço da tecnologia na última década, e, por último, a pandemia de Covid-19 que assola o mundo todo, tem sido cada vez mais comum o uso da estratégia conhecida como Online dispute resolution – ODR.
Como reforço ao protagonismo dos ODR no cenário empresarial, antes mesmo da pandemia, há que se destacar o estabelecimento de diretrizes pela UNCITRAL – Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional e órgão subsidiário da Assembleia Geral que publicou em 2017 um documento sobre o tema, denominado “Technical Notes on Online Dispute Resolution”.
Os ODR podem ocorrer tanto nas formas já conhecidas como a mediação, conciliação e arbitragem, como também numa autocomposição sem a presença de um terceiro, ou ainda, mediada por um algoritmo. Consiste em uma gama de sites, plataformas e profissionais especializados em resolução de conflitos de forma online.
Esses sistemas inteligentes comportam, portanto, a solução de conflitos surgidos na internet ou fora dela, dando respostas mais rápidas e satisfatórias a diferentes tipos de conflitos empresariais, desde a relação com consumidores até as trabalhistas, por se tratar de uma tecnologia acessível e adaptável.
Há estratégias de ODR sendo usadas no âmbito do Poder Judiciário, mesmo antes da pandemia, como é o caso das audiências por videoconferência, nos mais variados estágios do andamento processual e o uso de aplicativos próprios como o JTE, desenvolvido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região ou habituais como o “Whatsapp” para estabelecer o diálogo entre as partes interessadas no processo, para buscar uma solução mais eficaz.
No Brasil, dentre as soluções extrajudiciais por meio dos ODR há que citar-se as ferramentas estatais como a plataforma “consumidor.gov.br” e alternativas independentes, como as câmaras arbitragem que atuam de forma virtual e empresas (ex.: “reclameaqui.com.br” e espaço de atendimento mediado em sites como o “mercadolivre.com.br”) ou escritórios de advogados especializados, que são chamados de legaltechs ou lawtechs.
Essas ferramentas de ODR são uma via muito oportuna para que se atinja a função social da empresa, na construção de uma relação de credibilidade entre compradores e vendedores, diminuindo o risco das transações comerciais e o custo de conflitos que poderiam até culminar em processos judiciais caso não fosse buscada uma solução rápida junto ao consumidor.
Nesse contexto de imposição do isolamento social, é possível perceber a tendência crescente da virtualização da solução de conflitos. O uso de tecnologias para facilitar o diálogo acelera a aproximação das partes em busca de uma solução extrajudicial ou até mesmo processual. Todos esses recursos consolidam as soluções extrajudiciais como mecanismo efetivo de realização da função social da empresa, ao passo que otimiza sua atividade, diminui os índices de litigância e aumenta a legitimidade social das soluções obtidas.
2.1 Mediação e Conciliação
A mediação e conciliação são os métodos mais conhecidos para se obter uma decisão em acordo, cujos conceitos se diferenciam especialmente pelo grau de intervenção da “terceira parte” no conflito.
Na mediação, há uma conduta de distanciamento da terceira parte, que se esforça para que os interessados obtenham a solução de forma autônoma, se valendo de estímulos para restabelecer o diálogo entre os agentes.
A conciliação, por sua vez, admite uma intervenção mais propositiva pela “terceira parte”, que adentra o conflito e sugere alternativas para sua solução, participa ativamente do processo de construção da solução.
A abordagem mais adequada para solucionar o conflito dependerá de diversos elementos, dentre eles, a existência de uma prévia relação entre as partes e a perspectiva de seu restabelecimento e manutenção.
Os procedimentos de autocomposição, são comportados pelas mais diversas esferas judiciais e extrajudiciais. A mediação e a conciliação são estratégias que podem ser desenvolvidas pelo Poder Judiciário (na justiça comum, federal ou trabalhista[9]), Câmaras de Arbitragem e, mais recentemente, Serviços notariais e de registro do Brasil[10].
O art. 16 do Código de Processo Civil autoriza às partes, ainda que em processo judicial ou arbitral em curso, submeterem-se à mediação, caso em que se suspende o respectivo processo por prazo suficiente para a solução consensual do litígio. A mediação pode ser antecedente e até incidente no processo.
Por certo, atendendo à finalidade de composição dos interesses, é facultada qualquer forma de composição dos interesses, como enunciado na I Jornada de Prevenção e Solução de Litígios na afirmação número 81:
“A conciliação, a arbitragem e a mediação, previstas em lei, não excluem outras formas de resolução de conflitos que decorram da autonomia privada, desde que o objeto seja lícito e as partes sejam capazes”.
Nas soluções extrajudiciais para conflitos empresariais, ganha mais protagonismo a estratégia mediadora, por sua conduta de aproximação das partes conflituosas para a facilitação do diálogo entre elas e a construção coletiva, dialógica e autônoma da solução pelas partes.
Oportuno colacionar um excerto da obra do professor Carlos Eduardo Vasconcelos, o qual leciona que a mediação é
“método dialogal de solução ou transformações de conflitos interpessoais em que os mediandos escolhem ou aceitam terceiro(s) mediador(es), com aptidão para conduzir o processo e facilitar o diálogo, a começar pela apresentações, explicações e compromissos iniciais, sequenciando com narrativas e escutas alternadas dos mediandos, recontextualizações e resumos do(s) mediador(es), com vistas a se construir a compreensão das vivências afetivas e materiais da disputa, migrar das posições antagônicas para a identificação dos interesses e necessidades comuns e para o entendimento sobre as alternativas mais consistentes, de modo que, havendo consenso, seja concretizado acordo.” [11]
O trabalho do mediador como terceiro independente e facilitador para compor interesses comuns, diminui assimetrias e empodera os agentes jurídicos a buscar soluções criativas com ganhos mútuos, podendo até chegar a sanar conflitos não aparentes, exercendo papel catalisador para que o plano de recuperação reflita o consenso dos envolvidos e possa ser cumprido de forma pacífica, com benefícios de economia, efetividade e celeridade.
Para as soluções de conflitos no âmbito empresarial, além das vantagens comuns à alternativa consensual, Diego Faleck lista como vantagens da mediação empresarial:
“drástica redução de custos; solução rápida das disputas, com economia de tempo; redução dos custos diretos e indiretos de resolução de conflitos; gasto reduzido de executivos e gerentes internos da Empresa; redução do desgaste de relacionamentos importantes para a Empresa; minimização de incertezas quanto aos resultados; e, mesmo quando a Mediação não gera um acordo imediatamente, sua utilização propicia vantagens para as partes, como: a melhor compreensão da disputa e o estreitamento de pontos que posteriormente serão submetidos à Arbitragem ou ao Poder Judiciário”.
A mediação de conflitos empresariais já permeia a realidade jurídica do Brasil há alguns anos e foi objeto de precedentes marcantes no país. Um caso concreto marcante foi o julgamento de relatoria o eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marco Buzzi que reconheceu a possibilidade de procedimentos de mediação dentro da recuperação judicial como forma de otimizar seu andamento.[12] Contemporânea a essa questão, o STJ também reconheceu a possibilidade da mediação tratar o conflito entre os sócios (Conflito de Competência n. 148.728/RJ).
Ainda sobre a aplicabilidade da conciliação e mediação na Recuperação Judicial e Falência, há que se destacar a inclusão promovida pela Lei Federal nº 14.112/2020, que consolidou na legislação o incentivo à conciliação e mediação em todos os graus de jurisdição, de forma antecedente ou incidente nos processos, fazendo prevalecer a autonomia privada ao passo que impõe como dever (não como faculdade) do juiz homologar o acordo obtido por meio de conciliação ou mediação, desde que observados os parâmetros legais.
Essas ferramentas ganham um protagonismo especial nos conflitos empresariais contemporâneos, diante do enfrentamento de uma crise econômica decorrente da crise sanitária mundial, gerada pela pandemia de Covid19. Por consistirem de soluções mais rápidas e baratas, são as melhores alternativas à recuperação durante essa crise, que gerou mudanças profundas no funcionamento de estabelecimentos empresariais, dificuldades de abastecimento, suspensão e até fechamento de diversas empresas.
Em 04 de maio de 2020, em Webinar promovido pela Câmara de Comércio Brasil Canadá – CCBC[13], mencionando pesquisa empírica, a Professora Renata Maciel, foi abordado que as empresas estão procurando primeiro o judiciário do que a pessoa física, os processos estão chegando primeiro nas Varas Empresariais. Se presumiu um aumento de 20 a 30% das demandas com base no Covid-19, especialmente lidando com causas discutindo locação, construção, revisão dos pagamentos lato senso (fornecimento), contratos com cláusulas de pagamento fixo.
Prevendo o impacto da crise mundial no Poder Judiciário, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio de sua Corregedoria Geral de Justiça criou dois projetos-piloto de mediação pré-processual para questões empresariais na Grande São Paulo.
O primeiro, voltado para demandas de competência das varas de Direito empresarial, foi instituído pelo Provimento CG nº 11/20. O outro surgiu a partir do Provimento nº 19/20 para tratar de demandas da área de Falências e Recuperações Judiciais. Ambos almejam estabelecer um diálogo entre as partes, na busca de um acordo que evite o ajuizamento de ação.
Dentre as justificativas do Provimento CG nº 11/20 chama atenção a preocupação em se evitar a judicialização em massa, uma vez que essa sobredemanda seria inviável em qualquer circunstância e ainda pior num momento que afeta até mesmo o funcionamento do Poder Judiciário. Confira-se a sensibilidade da Corte em sua justificativa:
“Considerando o impacto da pandemia de Covid-19 nas atividades empresariais de produção e circulação de bens e serviços, a desencadear uma série de consequências negativas para a economia, como, por exemplo, perda de postos de trabalho, inadimplemento de obrigações contratadas e redução da arrecadação de tributos”.
Seguindo o mesmo raciocínio, o Provimento CG nº 19/20 destaca a situação ainda mais calamitosa para as atividades econômicas em suas justificativas:
“Considerando o impacto da pandemia de Covid-19 nas atividades econômicas, a desencadear uma série de consequências negativas para a economia, com a necessidade de esforços de renegociação de contratos e repactuação de dívidas (prazos, encargos e parcelas) com relação a muitos fornecedores;
Considerando a tendência de aumento expressivo dos pedidos de recuperação judicial e extrajudicial e também de falências, apontando para inevitável judicialização da crise econômica decorrente da pandemia da COVID-19, trazendo, assim, receio de prejuízo e comprometimento da adequada tutela jurisdicional em razão do enorme e inesperado aumento de volume de ações que serão distribuídos, sobretudo na área concursal;”
Em ambos os procedimentos, o requerimento é formulado por e-mail, encaminhando as informações relativas ao conflito, conforme constante nos provimentos regulamentadores. Recebida a solicitação, será designada, em até 07 (sete) dias uma audiência de conciliação (nas Varas Empresariais) ou uma audiência preparatória (nas Varas de Recuperação Judicial e Falências), ambas no formato virtual, pela plataforma Teams.
A conciliação e mediação pré-processuais para disputas empresariais é direcionado aos empresários, sociedades empresárias e demais agentes econômicos envolvidos em negócios jurídicos relacionados à produção e circulação de bens e serviços, cujas demandas estejam relacionadas às consequências da pandemia de Covid-19.
Para participar, basta enviar uma solicitação ao e-mail “[email protected]”, com o pedido e a causa de pedir, constando a qualificação completa das partes, documentos pessoais e/ou atos constitutivos da parte-autora, e-mails de contato e documentos essenciais ao conhecimento da demanda.
Já a mediação de apoio à renegociação de obrigações na área de Falências e Recuperações Judiciais, regulamentada pelo Provimento CG nº 19/2020, é destinada a empresários e sociedades empresárias, incluindo as individuais, de micro, pequeno e médio porte (MEI, ME e EPP) para tratar de questões decorrentes dos efeitos da Covid-19, buscando atenuar os efeitos da pandemia em contratos empresariais e demandas societárias diretamente relacionadas à crise instalada.
Nesse caso, há um formulário para ser preenchido e enviado ao e-mail “[email protected]”. É necessário identificar os interessados e o objeto da negociação, bem como anexar ao e-mail procuração contendo poderes específicos para transigir, documento pessoal da requerente, se pessoa natural, ou dos atos constitutivos, se pessoa física.
Esse projeto-piloto valoriza a via pré-processual de autocomposição e complementas as vias já existentes, em reforço ao conhecido sistema “multiportas”. É uma forma eficiente de lidar com a crise ao valorizar o poder judiciário como vetor de segurança jurídica, previsibilidade, estabilidade do mercado e força vinculante dos contratos.
Os Tribunais de Justiça do Estado do Paraná e do Rio de Janeiro também apresentaram ferramentas semelhantes para enfrentamento da crise judiciária prevista como consequência das disputas empresariais decorrentes dos efeitos da Covid-19.
Em 2020, conforme o Indicador de Falências e Recuperação Judicial da Serasa Experian, entre janeiro e dezembro de 2020, houve uma queda de 15% nos pedidos de recuperação judicial, tendo sido um total de 1.179 requerimentos ante os 1.387 de 2019. Os pedidos de falência caíram ainda mais, sendo 31,4% de queda, foram protocolizados 1.417 pedidos de janeiro a dezembro de 2019 e 972 requerimentos durante o ano todo de 2020.
O economista da Serasa Experian, Luiz Rabi trata da importância do mercado de crédito para a recuperação econômica do segundo semestre de 2020 e seu protagonismo na retomada contínua em 2021 e observa que
“com a facilitação de prazos feita pelos credores, os juros mais baixos e as novas linhas de crédito disponibilizadas, os donos de negócios recorreram menos à recuperação judicial, que já é naturalmente o último recurso das empresas com dificuldades financeiras”[14].
Essa é a tendência de solucionar os conflitos de forma mais célere e discreto, menos onerosa e focada na manutenção ou resgate do relacionamento entre os agentes.
Os bancos também têm interesses ao abreviar a solução da dívida. Um deles é liberar o valor provisionado no Banco Central. Ao emprestar dinheiro, o banco é obrigado a provisionar no BC um percentual que pode chegar a 100% da quantia, conforme a classificação do crédito. Assim, a negociação aquece o mercado financeiro.
De todos os lados que se examina, a conciliação e, principalmente, a mediação empresarial é muito proveitosa à solução extrajudicial dos conflitos, garantindo redução de custos, celeridade no processo de composição e privacidade às partes. É, portanto, mais um instrumento que fortalece a função social da empresa.
2.2. Arbitragem
A arbitragem assim como as outras ferramentas, também é um método de solução extrajudicial de conflitos empresariais, uma vez que foge da jurisdição estatal.
Inobstante a falta de caráter estatal, a arbitragem tem natureza jurídica de jurisdição, uma vez que sua marca principal é a heterocomposição, a existência de um terceiro que “diz o direito”, que tem a atribuição de decidir o litígio que a ele foi submetido. A diferença é que o terceiro apto a decidir a causa foi eleito para tal função pela vontade das partes.
No mister de atender à função social da empresa, essa solução extrajudicial pode contemplar até mesmo algumas questões afetas à crise econômica instalada.
Luciano Timm, Secretário Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em evento realizado pela CCBC[15] sobre a pandemia destacou que “A empresa é um feixe de contratos. Colocando em risco os contratos, a própria empresa tem sua existência colocada em risco”. Por isso, a soma de esforços deve ser sempre no sentido da preservação dos contratos, do prestígio à atividade empresarial.
O processo de falência não pode se submeter à arbitragem, ainda que haja cláusula compromissória nesse sentido, por se tratar de questão afeta exclusivamente à jurisdição estatal.
No entanto, não se exclui a possibilidade de “convivência harmônica das duas jurisdições – arbitral e estatal – desde que respeitadas as competências correspondentes, que ostentam natureza absoluta”[16].
Assim, a arbitragem pode ser utilizada em momento anterior à decretação da falência, para formação do título executivo judicial (sentença arbitral) que fundamentará o pedido de falência. Nesse sentido, destaca-se o enunciado 6 da primeira Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios:
“O processamento da recuperação judicial ou a decretação da falência não autoriza o administrador judicial a recusar a eficácia da convenção de arbitragem, não impede a instauração do procedimento arbitral, nem o suspende.”
À exceção dos créditos fiscais e trabalhistas (menores que duas vezes o teto remuneratório do INSS), todos os demais créditos sujeitos à recuperação judicial podem ser submetidos à arbitragem em caso de litígio entre o devedor e credor, por se tratar de direitos patrimoniais e disponíveis.
Com o advento da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), passou a ser permitida a arbitragem no âmbito das relações do trabalho, desde que o emprego tenha remuneração mensal superior a duas vezes o teto dos benefícios do INSS, conforme art. 507-A da CLT.
A arbitragem é uma ferramenta contratual eficaz para sanar conflitos empresariais cuja solução autocompositiva não foi possível. Há Câmaras, inclusive, que trabalham com medidas de incentivo à solução pacífica do litígio.
A Câmara de Comércio Brasil Canadá – CCBC tem uma política de desconto em que se eleita a cláusula compromissória no contrato, mas as partes conseguirem resolver o conflito na fase de mediação, é dado um desconto de 50% por ter evitado a instalação do julgamento arbitral.
Essa abordagem dialógica entre as diversas ferramentas de solução extrajudicial dos conflitos empresariais é, certamente, a mais proveitosa à permanência da empresa e consagração de sua função social.
3.Novos métodos de solução extrajudicial dos conflitos empresariais
3.1 Protesto
Afora dos métodos tradicionalmente identificados como alternativos à solução dos conflitos empresariais, há que se mencionar outros artifícios que podem ser usados pelas empresas para possibilitar a efetivação de seus direitos sem a necessidade de um pronunciamento judicial.
É o caso do protesto como forma de recuperação de crédito e da possibilidade de negociação extrajudicial e incentivo à quitação de dívidas protestadas, implementada pelo Provimento do Conselho Nacional de Justiça – CNJ nº 72 de 27 de junho de 2018.
O protesto é um procedimento já conhecido pela sua eficiência e celeridade na recuperação do crédito sem custos para o credor, uma vez que foi estipulado pelo Provimento nº 86, de 29 de agosto de 2019, o pagamento postergado de emolumentos, acréscimos legais e demais despesas, devidos pela apresentação de títulos ou outros documentos de dívida.
Tem-se, portanto, o protesto, como mais um meio de solução extrajudicial de conflitos empresariais, voltado especialmente à inadimplência de contratos como um meio eficaz de garantir a recuperação de créditos e, com sim, reafirmar a permanência da empresa no exercício de sua função social.
3.2 Lei de Recuperação de Empresas e Falência
A Lei Federal nº 11.101/2005 inaugurou um novo paradigma quanto às formas de recuperação de empresas, especialmente ao introduzir em nosso sistema jurídico a Recuperação Extrajudicial. Esse instituto cujo rito se processa de forma desjudicializada, é uma solução de conflitos empresariais que provavelmente tem a menor aplicabilidade prática. As razões para o seu pouco uso fogem a esse estudo que se propõe mais enxuto.
Fundada nos princípios da autonomia privada e da livre iniciativa, a solução construída pela negociação entre devedor e seus credores para solução da crise econômica e financeira da empresa, sem intervenção do poder judiciário é a mais desejável.
Enquanto a recuperação judicial exige conhecimento técnico mais especializado e altos custos, sendo uma alternativa mais viável para grandes empresas, a recuperação extrajudicial consiste numa negociação paritária e franca com os credores, que pode ser facilmente aplicada a todos os portes de atividades empresariais que apresentem um plano sólido para sair da crise.
A mediação, abordagem usada na Recuperação Extrajudicial, é a melhor forma de se estabelecer um diálogo transparente para a construção de uma solução que permita a renegociação de dívidas antes que se atinja a completa inviabilidade da empresa.
Inobstante a pertinência da Recuperação Extrajudicial, não é só ela que se vale das soluções extrajudiciais. Conforme outrora exposto, a Recuperação Judicial e a Falência já se valiam também da mediação e conciliação, com base em precedentes dos Tribunais superiores, agora reforçados pelas novas disposições da Lei Federal nº 11.101/2005, que em seus artigos 20-A a 20-D.
A conciliação e mediação, antecedente ou incidente ao processo de recuperação judicial ou falência, valoriza a autonomia privada e garante uma alternativa mais próxima da construção coletiva entre as partes. Dentre as previsões, merece destaque o artigo 20-C que prevê o dever do juiz de homologar o acordo obtido por meio de conciliação ou de mediação, cujas sessões poderão ser realizadas por meio virtual proporcionado pelos Cejusc ou câmaras especializadas.
Definitivamente há diversos instrumentos possíveis para que empresas em crise se valham de alternativas extrajudiciais para solução de seus conflitos e garantam assim a sua permanência no mercado e a observância de sua função social como agente econômico, empregador, consumidor e fornecedor de bens e serviços.
3.3 Desjudicialização da execução
Além das vias já existentes para a solução extrajudicial, merece menção honrosa o projeto de lei que vira desjudicializar a execução civil de dívidas. Tramitam no Congresso o Projeto de Lei nº 6.204/2019 para permitir a desjudicialização da execução civil, já mais avançado, e o Projeto de Lei nº 4.257/2019 que prevê a possibilidade de arbitragem tributária e desjudicialização da execução fiscal.
Conforme o relatório Justiça em números de 2020 (ano-base 2019)[17]:
“A execução fiscal continua se apresentando como responsável por grande parte do acervo e da morosidade da justiça. O tempo médio de uma execução judicial ou de um título executivo extrajudicial que não contenha a execução fiscal é de 3 anos e 3 meses. Na execução fiscal, o tempo é de 8 anos. Na taxa de congestionamento o impacto é de 26,5 pontos percentuais, reduzindo de 86,9% para 60,4%.”
De um modo geral, houve queda no número de processos judiciais em tramitação, mas os altos índices são em decorrência do alto volume de execuções civis e fiscais. No Estado de São Paulo[18], o acervo de execuções em tramitação ainda é preocupante, há 54,5% mais casos de execução do que processos de conhecimento. Ou seja, é preciso resolver as execuções em tramitação, ainda que o ingresso de novas ações tenha diminuído.
A maior parte dos processos de execução é composta pelas execuções fiscais, que representam 70% do estoque em execução. Esses processos são os principais responsáveis pela alta taxa de congestionamento do Poder Judiciário, representando aproximadamente 39% do total de casos pendentes e congestionamento de 85% em 2019. A execução consome mais de 60% do acervo.
A extrajudicialização de diversos procedimentos já se mostrou uma alternativa de sucesso para descongestionar o poder judiciário com uma abordagem técnica resolutiva, inclusiva, participativa e eficiente[19].
Essa é uma tendência global, acompanhada pelo Brasil, que foi formalizada pelo Programa Mundial de Desenvolvimento Sustentável, liderado pela Organização das Nações Unidas – ONU, ao definir objetivos e metas a serem cumpridas até 2030, conhecida como Agenda 2030, a qual foi aderida pelo Brasil.
A agenda foi dividida em 17 objetivos de desenvolvimento sustentável – ODS. O ODS 16 é a “paz, justiça e instituições eficazes”.[20] Dentre as metas, três estão relacionadas ao tema das Alternativa Dispute Resolution – ADR, quais sejam[21]: a) promoção do Estado de Direito por intermédio da garantia igual e para todos do acesso à justiça, aqui concebido de forma ampla (meta 16.3); b) desenvolvimento de instituições eficazes, responsáveis e transparentes (meta 16.6); c) garantia da tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis (meta 16.7).
A desjudicialização da execução civil se enquadra em mais uma medida para garantir institutos eficazes para a solução de conflitos empresariais que prescindem de um pronunciamento jurisdicional em sua essência.
Mauro Cappelletti, ao redimensionar a concepção de “acesso à justiça”, traçou um rumo denominado de justiça participativa e coexistencial aquela que fundamentou um novo CPC com ênfase na extrajudicialização e nas técnicas de autocomposição.
O primeiro procedimento que tirou a atuação do Estado-juiz em questões civis foi a Lei Federal nº 10.931/2004, há mais de 16 (dezesseis) anos, que instituiu a retificação do registro imobiliário realizada diretamente na serventia de Registro de Imóveis.
Em seguida, diversas outras atribuições foram outorgadas aos serviços extrajudiciais, tais como: inventário, separação e divórcio (Lei Federal nº 11.441/07), da retificação de registro civil (Lei Federal nº 13.484/17) e da usucapião instituída pelo Código de 2015 (art. 1.071). Todas são exercidas com altos índices de efetividade.
O objetivo é proporcionar aos jurisdicionados um eficiente mecanismo de realização das pretensões voltadas à satisfazer rapidamente os créditos representados por dívidas líquidas, certas e exigíveis, de modo mais barato e célere, com vistas a reduzir o número de demandas que tramitam no Poder Judiciário, correspondendo a 17% de todo o acervo, conforme dados do Justiça em números, divulgado em 2020 (ano-base 2019).
A via extrajudicial, se promulgada a lei, será mais econômica não só para a população, como também para os cofres públicos, que são sobrecarregados com a quantidade excessiva de Execuções Civis submetidas à jurisdição estatal.
A atividade executiva já é desjudicializada em diversos países. Na França, a função é exercida pelo hussier; na Alemanha, pelo gerichtsvollzieher; em Portugal, pelo solicitador de execução; na Itália, pelo agenti di esecuzione; na Suécia, pelo kronofogde; e na Espanha, pelo secretário judicial. No Brasil, o Projeto de Lei prevê que a função executiva será outorgada aos Tabeliães de Protesto.
Essa será mais uma via de solução extrajudicial dos conflitos empresariais que trata uma prestação efetiva de acesso à justiça para concretização da função social da empresa.
CONCLUSÃO
Pelo estudo dos instrumentos de soluções extrajudiciais de conflitos, é possível perceber o esforço de todo o ordenamento jurídico para proporcionar, de forma desjudicializada, a máxima efetividade ao exercício da função social da empresa.
No contexto de crise econômica que deve perdurar por alguns anos, as soluções extrajudiciais se mostram ainda mais importantes para garantir o funcionamento da empresa como agente social e econômico. É preciso lançar mão dos instrumentos já consagrados como métodos extrajudiciais, em sua forma tradicional ou online, bem como de outras ferramentas extrajudiciais para solucionar conflitos e dificuldades contratuais das empresas, como o protesto, a recuperação extrajudicial, o uso da conciliação e mediação na recuperação judicial e falência e, futuramente, a execução civil em sua forma desjudicializada.
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[1] MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: Falência e Recuperação de Empresas. 2. Ed. São Paulo: atlas, 2008, v. 4, p. 161
[2] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
[3] COMPARATO, Fábio Konder. Função social de propriedade dos bens de produção. Tratado de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 135.
[5] CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. Novação Recuperacional. Revista do Advogado, ano XXIX, n. 105, set. 2009.
[8] Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52002DC0196&from=PT>. Acesso em: 17 abr. 2021.
[9] Merece destaque em matéria o ato nº 168/16 do TST que instituiu a mediação e a conciliação pré-processual em dissídios coletivos e a Resolução nº 174/16 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho que criou os Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Disputas no âmbito da justiça do trabalho.
[10] Acerca do permissivo de sessões de mediação e conciliação pelos Serviços Notariais e de Registro do Brasil confira-se o Provimento do Conselho Nacional de Justiça nº 67, de 26/03/2018.
[11] VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas. São Paulo: Editora Método, 2014, p.54
[12] Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/520221506/pedido-de-tutela-provisoria-tp-1049-rj-2017-0284959-6>. Acesso: 21 abr. 2021.
[13] Webinar: Covid 19 e a Imprevisão. Os impactos contratuais no Direito brasileiro. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=BOEZHer6RSU>. Acesso: 25 abr. 2021.
[14] Disponível em: <https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/noticias/recuperacao-judicial-tem-queda-de-15-em-2020-revela-serasa-experian/>. Acesso em 17 abr. 2021.
[15] CCBC – Câmara de Comércio Brasil-Canadá. Webinar: Economia em tempos de pandemia e seus reflexos empresariais. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=4Gg7XNiJCz4>. Acesso: 08 mai. 2021.
[17] Relatório Justiça em Números 2020. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf>. Acesso: 07 abr. 2021.
[18] Disponível em: <https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shResumoDespFT>. Acesso: 07 abr. 2021.
[19] Migalhas: Desjudicialização da execução civil. Joel Dias Figueiredo Júnior. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/330308/desjudicializacao-da-execucao-civil>. Acesso: 27 abr. 2021.
[20] Disponível em: <http://www.agenda2030.org.br/sobre/#:~:text=A%20Agenda%202030%20%C3%A9%20um,dentro%20dos%20limites%20do%20planeta>. Acesso: 03 mai. 2021.
Tabeliã de Notas e de Protesto de Letras e Títulos em Auriflama, São Paulo. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Especialista em Direito Processual Civil pelo Damásio Educacional e em Direito Notarial e Registral pela Universidade Cândido Mendes – RJ, Mestranda pela Escola Paulista de Direito – EPD em Soluções Extrajudiciais de Conflitos Empresariais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Talita Delfino Mangussi e. Função social da empresa e soluções extrajudiciais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 abr 2022, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58193/funo-social-da-empresa-e-solues-extrajudiciais. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
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