ADEMIR GASQUES SANCHES
(orientador)
RESUMO: O presente artigo visa analisar de forma sistemática aliada a tecnologia e ao ordenamento jurídico a manipulação de dados ilegalmente coletados e o reflexo que causam na sociedade de forma global, bem como o seu armazenamento. O objetivo é analisar o impacto da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e identificar os problemas causados pela coleta ilegal e manipuladora de dados pessoais em contraposição com nossos direitos e garantias fundamentais. Para tais considerações será abordada a Lei nº 13.709/2018, que após um longo período de vacatio legis entrou em vigo em agosto de 2020, bem como o direito fundamental à privacidade, sendo imprescindível manter uma ligação direta com a Constituição Federal de 1988, no rol dos direitos fundamentais consagrados nesse ordenamento maior.
Palavras-chave: Proteção de Dados; Direito; Tecnologia; Transparência; Privacidade; LGPD.
ABSTRACT: This article aims to analyze the systematic way, combined with technology and the legal system, of the manipulation of illegally collected data and the impact they have on society globally, as well as its storage. The objective is to analyze the impact of the General Data Protection Law (LGPD) and identify the problems caused by the illegal and manipulative collection of personal data in opposition to our fundamental law and guarantees. For such considerations, Law nº. 13.709/2018 will be addressed, which after a long period of vacatio legis came into force in August 2020, as well as the fundamental right to privacy, being essential to maintain a direct link with the Federal Constitution of 1988, in the list of fundamental law enshrined in this higher order.
Keywords: Data Protection; Law; Technology; Transparency; Privacy; LGPD.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceitos. 2.1. Direito e Tecnologia. 2.2. Proteção de Dados. 2.3. Privacidade. 2.4. Transparência. 2.5. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD. 3. Conclusão. 4. Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
O avanço da tecnologia possibilitou novas oportunidades de comunicação, interação, mercadológicas dentre outras, atualmente, grande parte da população está interligada através da internet, seja pelas mídias sociais, ou por tantos outros meios de comunicação.
Na maior parte do tempo fornecemos dados, até mesmo involuntariamente, sem a devida percepção, fornecemos e produzimos dados, eles são armazenados muitas vezes de forma ilegal ou incorreta e são distribuídos, manipulados ou até mesmo vendidos.
Com o consumo e produção incessante de dados pessoais impulsionado pela tecnologia vemos surgir uma problemática na manipulação desses dados, normalmente o usuário tem suas informações vulneráveis em diversas plataformas, nas redes sociais, nos aplicativos de banco, ou como por exemplo, ao comprar produtos em uma farmácia e terem seu CPF associado à sua compra, criando vínculos com o produto consumido ou serviço utilizado. A partir da coleta esquematizada de dados, grandes mercados aproveitam e abusam dessas informações que o usuário sequer imagina por onde circulam.
Com o avanço e disseminação da tecnologia intensificada pela internet, tornou-se comum o seu uso continuo e incessante, muitos benefícios foram trazidos ao avanço da humanidade, porém com eles surgem também as problemáticas, visto que fazem parte da evolução de qualquer sociedade. Nesse sentido viu-se necessária a positivação de normas jurídicas para a regularização no uso dessas ferramentas.
Diante dessa problemática surgiu de forma mais recente em nosso ordenamento jurídico a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD - Lei nº 13.709), publicada em 14 de agosto de 2018. Sendo esta, com redação dada pela Lei nº 13.853, de 2019.
Essa grande aposta do Estado para regulamentar e garantir o respeito à privacidade, pretende acabar com o mercado dos dados pessoais coletados para as mais variadas finalidades sem a autorização do usuário. Sua redação regula esse relevante tema impactando na vida de pessoas naturais e pessoas jurídicas de direito privado, conforme disposto em seu artigo 1º.
Necessário se faz lembrar das garantias já elencadas pela Constituição Federal de 1988, na qual em seu artigo 5º, inciso X, tem previsão garantida quanto à privacidade, sendo esta aliada ao princípio da exclusividade, garantindo o direito da personalidade, alicerçado no Código Civil Brasileiro bem como na Constituição Federal.
Este artigo visa analisar as normativas existentes aplicadas a sociedade atual, bem como identificar os impactos causados pela implantação da LGPD, trazendo a análise dos posicionamentos mais recentes do Poder Judiciário frente a aplicação desta nova lei. A metodologia adotada compreende na pesquisa de jurisprudências, doutrinas e pesquisa bibliográfica, bem como a pesquisa em sites e artigos na internet, trazendo necessariamente os devidos dados para formular e apresentar a discussão em evidência.
2 CONCEITOS
2.1 Direito e Tecnologia
A princípio é necessário que tenhamos um estudo acerca da história geral para entendermos a cultura atual. Comparada com outras ciências a Ciência da Computação é muito recente, podemos apontar como um marco inicial a Segunda Guerra Mundial, quando efetivamente construíram os primeiros computadores digitais. O avanço da computação foi exponencial, abrindo-se em um grande leque de tecnologias, conceitos, ideias, transformando-se em uma figura quase irreconhecível.
A evolução tecnológica apresenta-se abrupta, através de saltos descontínuos, cedendo a um imediatismo, caindo facilmente ao utilitarismo, focando em determinados produtos, como por exemplo, linguagens, banco de dados, sistemas e aplicativos.
O banco de dados é uma ferramenta que possibilita a sistematização de volumes de informações que podem ser gigantescos, e que atualmente teve seu potencial exponencialmente incrementado com o advento da informação.
Para Silberschatz (2006, p.1),
Um sistema de banco de dados (DBMS) é uma coleção de dados inter-relacionados e um conjunto de programas para acessar esses dados. A coleção de dados, normalmente chamada de banco de dados, contém informações relevantes a uma empresa.
Para Date (2004, p.35),
Um sistema de banco de dados é basicamente apenas um sistema computadorizado de manutenção de registros. O banco de dados, por si só, pode ser considerado como o equivalente eletrônico de um armário de arquivamento; ou seja, ele é um repositório ou recipiente para uma coleção de arquivos de dados computadorizados.
Ainda, para Navathe (2005, p.4),
Um banco de dados é uma coleção de dados relacionados. Com dados, queremos dizer fatos conhecidos que podem ser registrados e possuem significado implícito. De forma direta e simples, podemos dizer que um banco de dados é uma coleção de dados. Já um dado, por sua vez, é um fato que deve ser armazenado, ou seja, persistido e que tem um significado implícito.
Em sua acepção fundamental, os bancos de dados são, um conjunto de informações estruturado de acordo com uma determinada lógica, que busca promover o máximo de proveito a partir de um sistema organizado de informações. É milenar a prática de coleta sistematizada de informações por alguma modalidade de censo populacional como meio de gerar proveito, sendo utilizado como instrumento de muita serventia para governantes de qualquer época.
O progresso sempre esteve presente em uma sociedade em desenvolvimento, e o avanço da tecnologia tem mostrado cada vez mais o progresso de uma geração. Nesse sentido segundo César (2020, p.52):
O fato de que o progresso tenha transformado a técnica de um simples instrumento a um fim em si mesma foi preocupação de alguns dos filósofos da Escola de Frankfurt. A técnica teria se tornado, ela própria, um sujeito impessoal, capaz de impor sua lógica inerente à sociedade, constituindo-se assim em um simulacro da vontade: a “vontade da técnica”, perdendo assim definitivamente seu caráter instrumental e neutro.
A tecnologia, potente e onipresente, propõe questões e exige respostas do jurista. Os reflexos dessa dinâmica são imediatos para o direito, pois esse deve se mostrar apto a responder à novidade proposta pela tecnologia com a reafirmação de seu valor fundamental – a pessoa humana – ao mesmo tempo que fornece a segurança necessária para que haja a previsibilidade e segurança devidas para a viabilidade das estruturas econômicas.
Os bancos de dados que possuem dados pessoais, proporcionam uma definição de poderes e direitos a respeito das informações pessoais e, por consequência sobre a própria pessoa. O que faz com que o estatuto jurídico desses dados se torne um dos pontos centrais, é o aumento de pessoas que podem ter acesso mais detalhado e preciso a um conjunto de informações sobre terceiros.
2.2 Proteção de Dados
A princípio precisamos identificar os dados que são relevantes para este trabalho. Diante disso é importante levantarmos a definição por Doneda (2011, p.93):
Determinada informação pode possuir um vínculo objetivo com uma pessoa, revelando algo sobre ela. Este vínculo significa que a informação se refere às características ou ações desta pessoa, que podem ser atribuídas a ela em conformidade à lei, como no caso do nome civil ou do domicílio, ou então que são informações provenientes de seus atos, como os dados referentes ao seu consumo, informações referentes às suas manifestações, como sobre opiniões que manifesta e tantas outras. É importante estabelecer esse vínculo objetivo, pois ele afasta outras categorias de informações que, embora também possam ter alguma relação com uma pessoa, não seriam propriamente informações pessoais: as opiniões alheias sobre esta pessoa, por exemplo, a princípio não possuem esse vínculo objeto; também a produção intelectual de uma pessoa, em si considerada, não é por si informação pessoal (embora o fato de sua autoria o seja).
Nesse sentido podemos consentir com Pierre Catala, que identifica uma informação pessoal quando o objeto da informação é a própria pessoa (1983, p. 20):
Mesmo que a pessoa em questão não seja a “autora” da informação, no sentido de sua concepção, ela é a titular legítima de seus elementos. Seu vínculo com o indivíduo é por demais estreito para que pudesse ser de outra forma. Quando o objeto dos dados é um sujeito de direito, a informação é um atributo da personalidade.
É importante destacarmos as palavras “dados” e “informações”. Tem-se por conceito que os dados são fatos brutos, isolados em uma forma primária, já as informações dizem respeito a um agrupamento de dados organizados, formando sentido entre si, gerando novas informações e conhecimentos.
Segundo Doneda (2011, p.94), o dado apresenta conotação mais primitiva e fragmentada, ou seja, uma informação em seu estado potencial, antes de ser transmitida. “O dado estaria associado a uma espécie de “pré-informação”, anterior à interpretação e ao processo de elaboração.”.
Ainda a respeito da informação de acordo com Doneda (2011, p.94):
A informação, por sua vez, alude a algo além da representação contida no dado, chegando ao limiar da cognição. Sem aludir ao seu significado ou conteúdo em si, na informação já se pressupõe uma fase inicial de depuração de seu conteúdo – daí que a informação carrega também um sentido instrumental, no sentido da redução de um estado de incerteza.
A doutrina não trata estes dois termos – dado e informação – indistintamente, ou então, procede a uma diferenciação algo empírica que merece ao menos ser ressaltada.
A informação pessoal está ligada de forma direta à privacidade que relaciona um maior grau de privacidade à menor crescimento de informações pessoais e vice-versa. Dessa forma é possível tomarmos consciência de como a proteção das informações pessoais passou a encontrar guarida em nosso ordenamento jurídico: como um desdobramento da tutela do direito à privacidade.
Quando pensamos em dados comumente lembramos nos dados digitais, aqueles que estão armazenados na rede mundial de computadores, em servidores, ou armazenados por empresas das quais geralmente consumimos produtos e/ou serviços. No entanto os dados e informações protegidos são até mesmo aqueles que ainda não saíram do papel, ou seja, está no cadastro de um prontuário médico, na caderneta de uma loja, em uma duplicata do mercado do bairro, ou uma folha contendo suas informações mais sistematizadas e até mesmo naquele rascunho que alguém anotou para enviar apenas um orçamento.
Para os fins da Lei Geral de Proteção de Dados pessoais, nos termos do artigo 5º, inciso I, considera-se dado pessoal a informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável.
A proteção de dados surge para a garantia de princípios relacionados à privacidade, quando ela passa a ser vista em uma ótica mais abrangente. A primeira lei direcionada ao tema foi criada na Alemanha na década de 70, em meio ao avanço da computação e da indústria nos países mais desenvolvidos. Essa também seria a primeira vez que o conceito de proteção de dados seria introduzido no cenário jurídico da Alemanha. Apesar disso, a legislação foi finalizada e implementada em 1978, dizendo a respeito de como as informações de seus cidadãos poderiam ser utilizadas e exportadas.
2.3 Privacidade
A privacidade está intimamente ligada com aquilo que somos, temos, queremos, e com aquilo que queremos que outras pessoas saibam de nós.
Um ponto fixo nesse processo preserva uma constante referência objetiva a uma disciplina para os dados pessoais, que manteve o nexo de continuidade com a disciplina da privacidade, da qual é uma espécie de herdeira, atualizando-a e impondo características próprias.
Para termos um melhor julgamento do problema, é necessário que os interesses sejam considerados pelo operador do direito com aquilo que representam e não pelo que é visível – a violação da privacidade. Esta vinculação do tratamento de dados pessoais foi caracterizada pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ainda em decisão de 1995:
A inserção de dados pessoais do cidadão em bancos de informações tem se constituído em uma das preocupações do Estado moderno, onde o uso da informática e a possibilidade de controle unificado das diversas atividades da pessoa, nas múltiplas situações de vida, permitem o conhecimento de sua conduta pública e privada, até nos mínimos detalhes, podendo chegar à devassa de atos pessoais, invadindo área que deveria ficar restrita à sua intimidade; ao mesmo tempo, o cidadão objeto dessa indiscriminada colheita de informações, muitas vezes, sequer sabe da existência de tal atividade, ou não dispõe de eficazes meios para conhecer o seu resultado, retificá-lo ou cancelá-lo. E assim como o conjunto dessas informações pode ser usado para fins lícitos, públicos e privados, na prevenção ou repressão de delitos, ou habilitando o particular a celebrar contratos com pleno conhecimento de causa, também pode servir, ao Estado ou ao particular, para alcançar fins contrários à moral ou ao Direito, como instrumento de perseguição política ou opressão econômica. A importância do tema cresce de ponto quando se observa o número imenso de atos da vida humana praticados através da mídia eletrônica ou registrados nos disquetes de computador.
A defesa de sua inviolabilidade remete a privacidade, garantia essa conhecida pela Constituição e por leis esparsas. É comum verificarmos a preocupação na defesa do foro íntimo do indivíduo, onde o ser humano constrói a si mesmo e gera sua personalidade única.
A Constituição Federal traz, em seu artigo 5º, inciso X:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...)
Atualmente a proteção de dados foi consagrada como um direito individual inserido no artigo 5º, inciso LXXIX da Constituição Federal, que foi incluído recentemente pela Emenda Constitucional nº 115, de 2022:
LXXIX - é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.
O Código Civil, em seu artigo 21, diz que:
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
Além disso, o Brasil trata do direito à privacidade no Marco Civil da Internet e na Lei Geral de Proteção de Dados. Vemos então, no Marcos Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), em seu artigo 3º, inciso II, a proteção à privacidade, dentre outros princípios:
Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:
I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;
II - proteção da privacidade;
III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei;
IV - preservação e garantia da neutralidade de rede;
V - preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;
VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;
VII - preservação da natureza participativa da rede;
VIII - liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei.
Parágrafo único. Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (g.n)
A lei também é explicita quanto à proteção do direito à privacidade, disposto no artigo 7º, trazendo direitos que asseguram a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, bem como o sigilo das comunicações privadas armazenadas.
É comum que estejamos ainda mais expostos frente as redes sociais, sites de pesquisas, dentre outros, nos quais indiretamente autorizamos para que estes definhem com nossa personalidade e individualidade, armazenando pesquisas realizadas e preferências de produtos, que futuramente serão utilizadas em uma propaganda de marketing, por exemplo.
A atual questão acerca da privacidade é a observação do fato que os avanços tecnológicos são razão para consideração jurídica, já que eles podem vir a apresentar alguma forma de perigo à privacidade do indivíduo.
2.4 Transparência
Holzner e Holzner (2006, p.25), definem “Transparência” como o fluxo aberto de informações, dependendo do acesso à informação presumidamente verdadeira que é detida pelas autoridades.
Neste trabalho temos como objetivo geral informar o público a proteger-se contra ações arbitrárias, bem como a orientação centrada no usuário, dando um papel específico ao governo, a fim de criar informações adaptáveis, atualizadas e personalizadas, para redução dos riscos e falhas dos serviços.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais no artigo 6º, inciso VI, determina:
Art. 6º As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios: (...)
VI - transparência: garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial; (...)
A transparência aponta para algoritmos opacos que facilitam práticas abusivas, discriminatórias e monopolísticas, de complexa identificação, negativamente influenciando em garantias fundamentais, criando uma assimetria entre indivíduos e organizações públicas ou privadas.
Muitas vezes a falta de transparência ou publicidade ainda aponta para outros problemas, como o comércio de dados pessoais, nos quais sistemas com termos de uso ou privacidade propositalmente complexos e extensos, levam o cidadão a desinformação, permitindo um “falso” aceite, sem a devida noção, como por exemplo, uma cláusula de uso irrestrito dos dados. Outro problema são as solicitações de dados por oportunistas, onde dados são coletados com nenhum vínculo com o serviço prestado, destinando ao comércio de dados, alegando que o titular aceitou o compartilhamento por espontânea vontade.
Dessa forma a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) estipulou requisitos com foco no público que será atingido, com transparência e concisão, devendo abrir informações acerca dos procedimentos que serão realizados, caracterizando o direito de saber.
2.5 Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD
Antes de adentrarmos nos principais pontos da LGPD precisamos explorar a história das normas que a antecederam, suas origens e quais foram as inspirações para chegarem finalmente na Lei Geral de Proteção de Dados.
Conforme o desenvolvimento de técnicas e ferramentas mais aprimorado para coleta e processamento de dados, além das brechas que foram surgindo na segurança e circulação desordenada de dados por pessoas com interesses dos mais diversos, que muitas vezes causaram incidentes, até mesmo internacionais, expondo assim a necessidade na criação de um sistema positivado de normas que pudessem assegurar maior aplicação a proteção dos dados e a privacidade dos cidadãos.
Um dos casos mais representativo talvez seja o ocorrido com o Facebook, formando um caminho emblemático acerca da política de privacidade em sites da Internet, dando ensejo a discussão de como os países estavam aptos a suprir possíveis usos indevidos dos dados pessoais.
Com todos os acontecimentos em escala global, deu-se início na União Europeia à discussão e aprovação da General Data Protection Regulation (GDPR), que busca alcançar todas as necessidades atuais tratando de dados sensíveis.
A GDPR vem servir como uma lei de cunho coercitivo mais abrangente que incorpora noções modernas a respeito da captação e circulação de dados para cidadãos europeus que usam a internet. Segundo Lemos (2007):
A GDPR pretende proteger residentes da comunidade europeia de casos como o da Cambridge Analytica que veio à tona em março e envolveu a exposição de 87 milhões de usuários do Facebook. A regulação foi desenhada para ter efeito ‘viral’. Uma vez que uma empresa passa a cumprir seus requisitos começa a exigir que outras da cadeia cumpram também.
Diante desse contexto, em 2018 com a implementação da GDPR, deu-se efeito amplo a internet, criando um efeito cascata, fazendo com que os sites e prestadores de serviço adequassem a norma.
Nesse sentido, a GDPR impulsionou na criação de uma legislação nacional “que tratasse de proteção dos dados pessoais com uma maior abrangência do que aquela apresentada pelo Marco Civil da Internet, aprofundando a questão e criando parâmetros mais alinhados com os padrões internacionais.” (BEZERRA, 2019, p.31).
Com isso o legislativo se viu pressionado a produzir uma norma que tratasse do assunto, resultando assim na criação da Lei nº 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Segundo Cots e Oliveira (2019, p.48):
O objetivo da LGPD é o de “proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade natural”. O verbo “proteger” diz muito sobre a forma como o legislador enxergou o titular dos dados, ou seja, em posição desigual em relação aos responsáveis pelo tratamento de dados, ficando patente sua vulnerabilidade.
A lei que está em vigor desde o dia 18 de setembro de 2020, traz em seu artigo 1º, sua utilidade e finalidade, aplicando-se aos dados de pessoas naturais e jurídicas independentemente de sua natureza. É importante destacar que o intuito da proteção está no resguardo dos direitos fundamentais, bem como da privacidade para o “livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”. Ainda segundo Cots e Oliveira (2019, p.48):
Ao proteger os seres humanos e um dos seus direitos fundamentais, que é a privacidade, está-se protegendo um ser único e complexo, totalmente suscetível às condições do ambiente, e que depende de condições adequadas para que seu desenvolvimento se dê de maneira completa e mais ampla possível.
Destaca-se a definição dada ao dado pessoal, considerando mais do que uma informação, foi adotado nesse caso uma interpretação extensiva de que o dado trata de uma informação pessoal que distingue o indivíduo de um determinado grupo fazendo com que ele seja identificável. Temos como exemplo, a compra de uma pessoa, sendo como um dado pessoa, mesmo que não corresponda a algo direto da personalidade da pessoa, por ser um dado criado a partir de impressões que não dependem totalmente da personalidade do agente. Ao contrário do ideal político, que se trata de um dado sensível, derivando diretamente da alma do indivíduo, criando conceitos a partir de suas experiências, reflexões e conhecimentos, constituindo parte de sua personalidade.
No âmbito da LGPD, o tratamento dos dados pessoais pode ser realizado por dois agentes de tratamento: controlador e operador, dos quais caracterizou sendo, o controlador a pessoa natural ou jurídica, de direito público e privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais. Já o operador é denominado pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome do controlador.
Tem-se por tratamento toda operação realizada com dados pessoais, num rol bem abrangente do artigo 5º, inciso X, da LGPD, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração.
Com o intuito de assegurar a aplicação da Lei, criou-se então a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão da administração pública federal, integrante da Presidência da República, que fiscaliza a observância da norma, aplica sanções administrativas, e fica incumbida de promover na população o conhecimento das normas e das políticas públicas sobre proteção de dados pessoais e das medidas de segurança, além de outras medidas elencadas exaustivamente no rol do artigo 55-J da LGPD.
O não cumprimento das determinações estabelecidas pela LGPD pode resultar em sanções administrativas aplicadas pela ANPD – Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
Sanções estas, que estão distribuídas no Capítulo VIII, Seção I – Das Sanções Administrativas, e tem como previsão legal, dentre outras, advertência, multa simples, de até 2% (dois por cento) do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, limitado, no total, a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) por infração, multa diária, publicização da infração, bloqueio de dados pessoais e a eliminação dos dados a que se refere a infração.
Conforme disposto no artigo 17 da referida lei: “Toda pessoa natural tem assegurada a titularidade de seus dados pessoais e garantidos os direitos fundamentais de liberdade, de intimidade e de privacidade”.
A LGPD traz alguns princípios que devem ser respeitados no tratamento de dados pessoais, como: finalidade, necessidade, não discriminação e segurança. Isto significa que a instituição precisa seguir algumas determinações. Em resumo, os dados pessoais só podem ser coletados com o consentimento do titular, que precisa ser informado da finalidade da coleta. É do titular o direito de acesso aos dados coletados, assim como a solicitação de correção de informações, de exclusão, de portabilidade ou de revogação do consentimento.
Com isso a LGPD, busca garantir o respeito à privacidade e acabar com o mercado de dados pessoais para os mais diversos fins sem a autorização do usuário. No seu texto amplia as informações sobre a indivíduo que merece sigilo. Os dados pessoais e dados sensíveis são uma parcela da individualidade de uma pessoa sendo estas informações que irão diferenciar e manter um ser como único.
3 CONCLUSÃO
A proteção de dados é um assunto que gera muita polêmica com repercussão na sociedade em geral. Atualmente a maioria dos indivíduos possuem seus dados pessoais fragilizados por meio de dispositivos tecnológicos.
Este artigo visou dar uma roupagem ao tema, a fim de levantar diversos aspectos em questão, despertando o leitor para circunstâncias que talvez não pudessem ser discernidas sem uma pesquisa esquematizada.
É preciso dar um amplo debate sem paradoxos ou teorias conspiratórias, analisando o problema sobre diversos aspectos, não só o legalista, mas também os fatores de ordem tecnológica.
O tema em questão ainda não está pacificado, não temos ainda um apanhado de jurisprudências ou doutrinadores que trabalham esse assunto. Por ser ainda um aspecto pouco despertado nas relações sociais, faz-se necessárias pesquisas nesse sentido que busquem despertar na sociedade a curiosidade levando à uma profunda reflexão.
Insta salientar que a população em geral ainda não conhece a tipificação e os direitos concedidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), por isso, na prática, muitas vezes as atitudes ilegais de determinados indivíduos, organizações criminosas e empresas, acabam passando despercebidas.
O presente artigo apresenta grande relevância social, visto a quantidade de pessoas que são atingidas pelo processamento e manipulação de dados de forma ilegal tornando-se vulneráveis, ferindo princípios constitucionais e dispositivos do Código Civil, como por exemplo, o direito a personalidade e a liberdade. Faz-se necessária a efetiva implantação da LGPD, de forma a coibir atitudes que desabonem a dignidade da pessoa, protegendo a intimidade.
Além disso, tornam-se cada vez mais necessárias políticas públicas que conscientizem a sociedade para que possam fornecer seus dados pessoais cientes de onde realmente serão armazenados, bem como a forma que serão utilizados.
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEZERRA, André L. M.; A lei 13.709/18 e os Novos Desafios da Proteção de Dados Pessoais e Identidade. Recife, 2019.
BRASIL. Ministério da Segurança Pública. Lei n.º 13.709/2018. Lei Geral de Proteção de Dados, de 14 de agosto de 2018. Dispõe sobre a proteção de dados pessoais. Brasília: MJSP, 2018.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 22.337/RS. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Diário da Justiça, Brasília, DF, 20 mar. 1995.
CATALA, Pierre. Ebauche d’une théorie juridique de l’information. Informatica e Dirito, ano 9, p. 20, 1983.
COTS, M., & OLIVEIRA, R. (2019). Lei geral de proteção de dados pessoais comentada. São Paulo: Thomson Reuters Brasil.
DATE, C. J. (2004) Introdução a sistemas de banco de dados. Tradução de: Daniel Vieira. 8. ed. Corpus, Rio de Janeiro.
Holzner, B., Holzner, L. (2006) "Transparency in Global Change: The Vanguard of the Open Society". Universidade de Pittsburgh, EUA.
LEMOS, R. Artigo: Internet brasileira precisa de marco regulatório civil. Disponível em UOL: <https://tecnologia.uol.com.br/ultnot/2007/05/22/ult4213u98.jhtm>. Acesso em: 27 abr. 2021.
SILBERSCHATZ, Abraham; Sistema de banco de dados. Tradução de Daniel Vieira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
Tecnóloga em Sistemas para Internet pela FATEC em Jales e Acadêmica do Curso de Graduação em Direito da Universidade Brasil – Campus Fernandópolis. Estagiária no Ministério Público Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FURLANETTO, Ana Paula Vieira. O impacto da LGPD na sociedade e os problemas causados pela coleta ilegal e manipuladora de dados pessoais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 abr 2022, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58200/o-impacto-da-lgpd-na-sociedade-e-os-problemas-causados-pela-coleta-ilegal-e-manipuladora-de-dados-pessoais. Acesso em: 22 nov 2024.
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