PEDRO MANOEL CALLADO MORAES
(Orientador)
RESUMO: O presente trabalho visa demonstrar a violação dos direitos humanos durante a abordagem policial, mais especificamente o uso dos meios de tortura e a constante preocupação da polícia militar do Estado de São Paulo com a formação adequada de seus agentes. Faz-se uma abordagem histórica quanto ao surgimento dos direitos humanos, da antiguidade aos dias atuais. Após descreve-se os direitos humanos no Brasil como um enfoque na legalidade dos meios e aparatos a serem utilizados contra a violação dos direitos humanos e a dignidade das pessoas. Finalizando, demonstra-se preocupação da Polícia Militar do Estado de São Paulo desde a formação até a atuação de seus agentes de segurança, seguindo os preceitos legais e orientadores da conduta policial.
Palavras-chave: Abordagem policial. Direitos Humanos. Formação.
ABSTRACT: The present work aims to demonstrate the violation of human rights during the police approach, more specifically the use of the means of torture and the constant concern of the military police of the State of São Paulo with the adequate training of its agents. A historical approach is made to the emergence of human rights, from antiquity to the present day. Afterwards, human rights in Brazil are described as a focus on the legality of the means and devices to be used against the violation of human rights and the dignity of people. Finally, the concern of the Military Police of the State of São Paulo is demonstrated, from training to the performance of its security agents, following the legal precepts and guidelines for police conduct.
Keywords: Police approach. Human Rights. Formation.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I – INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. EVOLUÇÃO HISTÓRICA. DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS. CONVENÇÃO CONTRA A TORTURA E TRATAMENTOS OU PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES . CAPÍTULO II - DIREITOS HUMANOS NO BRASIL. A CONSTITUIÇAO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 E A SEGURANÇA PÚBLICA. SEGURANÇA PÚBLICA. LEI DE COMBATE À TORTURA: ABORDAGEM HISTORICA E OUTROS ASPECTOS. CAPÍTULO III - A ABORDAGEM POLICIAL: DA FORMAÇÃO A ATUAÇÃO. DIREITOS HUMANOS E A ATIVIDADE POLICIAL. A FORMAÇÃO DO POLICIAL MILITAR. REQUISITOS DA ABORDAGEM. CONSIDERAÇÃO FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
Desde algum tempo o mundo vem se despertando para as questões de violação dos direitos humanos, mais especificamente após a 2ª Guerra Mundial e o surgimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Neste sentido, procurou-se reconhecer a dignidade da pessoa humana em vários aspectos, entre eles a violação dos direitos humanos durante a abordagem policial, mais especificamente a questão da tortura.
Cabe salientar que na formulação deste trabalho acadêmico adotou-se como método de abordagem o dedutivo. Como técnica de pesquisa foi utilizada, fundamentalmente, a bibliografia e documentos, onde, para conseguirmos obter um resultado final, perpassamos por alguns marcos teóricos intermediários, analisando a legislação vigente e doutrinas pertinentes ao tema.
O objetivo geral da pesquisa é demonstrar que a atividade policial possui suas peculiaridades quanto ao uso da força, mas que não permite ao agente público violar os direitos humanos e utilizar-se de técnicas de torturas para obter êxito nas abordagens policiais. Já os objetivos específicos são de ratificar que a não violação aos direitos humanos deve ser observada em todas as circunstâncias durante a abordagem da polícia. Logo, deve-se realizar uma análise no uso das técnicas de abordagem no âmbito da segurança pública e, desta forma, demonstrar que a tortura é uma conduta que viola os direitos humanos, relatando assim, que os procedimentos operacionais proferidos pela Polícia Militar do Estado de São Paulo e a observância na pirâmide do escalonamento da força devem ser seguidos na íntegra para que possamos evitar abordagens violentas e sem observação aos direitos humanos.
Cabe salientar que o presente trabalho monográfico é dividido em três capítulos: No Capítulo I, verifica-se a internacionalização dos direitos humanos, bem como o papel da Organização das Nações Unidas na internacionalização destes mesmos direitos. Desta feita, são delimitados os principais órgãos que compõem a ONU, como o Conselho de Segurança, a Assembleia Geral, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela, a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado. Dando continuidade na pesquisa, aborda-se as cinco dimensões dos direitos humanos, a declaração universal dos direitos humanos, o Pacto San José da Costa Rica, bem como os principais tratados e convenções inerentes aos direitos humanos e os respeitos a dignidade das pessoas.
Já no Capítulo II, tem-se como meta demonstrar os direitos humanos no Brasil, efetuando uma abordagem propedêutica do Artigo 144 da Constituição Federal de 1988, visando nortear os órgãos que fazem parte da segurança pública. Faz-se ainda, verificação da Lei 9.455/97 (Lei de tortura) e com a necessidade na complementação deste Capítulo, descreve-se o código de conduta para os funcionários responsáveis pela aplicação da lei. Além disso, no Capítulo III vislumbra-se uma abordagem ao ensino da atividade policial, demonstrando desde a formação até a atuação policial. Logo se delimita o contraponto entre a atividade policial e os direitos humanos, bem como o programa nacional dos Direitos Humanos, a matriz curricular nacional e a preocupação da Polícia Militar do Estado de São Paulo com o ensino. Cabe frisar que a pesquisa demonstra o amparo legal para a realização da abordagem policial, com visão aos procedimentos operacionais padrão da Polícia Militar do Estado de São Paulo, a pirâmide do escalonamento do uso da força e, por fim, a Súmula Vinculante nº 11/STF, que versa sobre o uso legal das algemas.
CAPÍTULO I – INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
A evolução histórica são fatos sucessivos que aconteceram durante milhares de anos que trouxeram ganhos e conquistas para os direitos humanos. São fatos de extrema importância, merecendo salientar que os preceitos de direitos humanos foram adquiridos durante os últimos três milênios da civilização, sem se ignorar a necessidade de voltar ao ano de 2040 A.C para analisarmos o Código de Ur-Nammu.
Aquele Código de foi criado na Suméria, conhecida por ser uma terra sem lei, não civilizada, uma terra onde todos resolviam seus próprios problemas da forma que quisessem, sem qualquer intervenção estatal. Desta feita, surgiu o princípio da reparabilidade dos danos morais.
É preciso analisar o período histórico com atenção para que possamos entender as atuais classificações dos direitos humanos. Já na antiguidade, acerca do surgimento do desenvolvimento dos direitos humanos com a tomada do Império Romano pelos povos bárbaros. É necessário destacar que, inicialmente, não existia nenhuma previsão normativa para regular a vida das pessoas em sociedade, de maneira que cada pessoa defendia os seus interesses da forma que melhor lhe favorecesse. Assim sendo, a desproporcionalidade se mostrava como uma característica patente. No entanto, devido a necessidade de regulamentar a conduta das pessoas em sociedade, surgiram também normas com esse intuíto, como o Código de Hamurabi e a Lei das Doze Tábuas.
Alexandre de Moraes, em seu curso de Direto Constitucional destaca:
A origem dos direitos individuais do homem pode ser apontada no antigo Egito e na Mesopotâmia, no terceiro milênio A.C. onde já eram previstos alguns mecanismos para proteção individual em relação ao estado. O Código de Hamurabi talvez seja a primeira codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em relação aos governantes. (Moraes, 2000. p.24)
Por isso, cabe frisar que o Código de Hamurabi foi elaborado para regular a vida em sociedade nas cidades babilônicas. Antes disso não havia regra de convivência naquela sociedade para que pudesse ser predeterminado aos seus integrantes conduta a ser cumprido. Desta forma, verificou-se que o Código de Hamurabi conta com penas cruéis, infamantes, desumanas e até sansão mortal era largamente empregada. A pena capital não raramente era aplicada em série de eventos.
O Código de Hamurabi fazia a divisão em três classes: 1° classe awelum (filho do homem), onde eram aplicadas penas pecuniárias. Já a 2° classe mushkenum (cidadão livre), era uma classe intermediária, cujos integrantes, se violassem as normas, ora teriam penas reparatórias pecuniárias, ora teriam penas capitais, dependendo da gravidade da infração. Por fim, a 3° classe wardum (escravos marcados) poderiam ter a propriedade, mas suas penas nunca eram pecuniárias e, se violassem as normas, as penas seriam cruéis: morte ou mutilação. A pena de morte era largamente aplicada, seja na fogueira, na forca, por afogamento ou empalação. A mutilação era infligida de acordo com a natureza da ofensa.
Para entendermos que com tais penas há certa proteção dos direitos humanos é necessário compreender que antes disso não tínhamos nenhum tipo de sanção para quem cometesse qualquer crime, ex: a partir do Código de Hamurabi, quem furtava perdia uma mão, quem furtava pela segunda vez perdia a outra mão, vejamos então que havia certa proteção aos direitos humanos.
Já na idade média, apesar de ser considerado o período da história mais obscuro, foi nele o momento que mais se desenvolveu a proteção dos direitos humanos. Diante disso, cabe salientar e destacar que nesta época que tivemos o surgimento da Magna Carta na Inglaterra, em 1215.
A referida Magna Carta foi em consequência de uma sucessão de erros por parte do Rei João, a ponto de levar os Barões ingleses a se revoltarem e imporem limites ao poder real. Havia naquela época uma contenda entre a igreja, monarquia e a nobreza, entre o Papa Inocêncio III e o Rei João Sem Terra, onde a nobreza estava insatisfeita. Diante disso, os Barões obrigam o Rei João Sem Terra a ceder direitos: é o fim do absolutismo, o rei não possuía mais o poder absoluto. Com isso, o rei ficou sem prestígio, inclusive com a igreja. Portanto, os Barões revoltados invadiram Londres e o Rei João Sem Terra, para continuar no poder, foi obrigado a assinar o histórico documento, que é a Magna Carta.
Em alguns artigos da Magna Carta, fica claro que alguns princípios estão explícitos no decorrer do texto: princípio do devido processo legal, da supremacia da justiça, onde nenhum ser humano seria impedido do direito à justiça bem como ser julgado de acordo com a lei.
A magna carta de 1215 foi um marco limitador para os monarcas da época, pois eles detinham o poder, e com a vigência deste ordenamento foram restringidos os poderes monárquicos, a partir deste momento os detentores do poder também tinham que seguir o que preceituava a lei, especialmente o Rei que assinou a magna carta. Foi desta forma que o povo conseguiu impedir o exercício do poder absoluto, antes “O Rei era a Lei”, a partir da magna carta ele deveria obedecer à lei e não mais seria ele a própria lei. (COMPARATO. 2010. P. 92)
Em 1776 criou-se à declaração da independência dos Estados Unidos da América, a qual foi escrita por Thomas Jefferson em 1776. Ela trouxe importante marco teórico com a previsão dos direitos naturais, com destaque para sua reconhecida influência iluminista. Esta declaração foi criada pelas treze colônias que estavam sendo invadidas pelos ingleses. Estes estavam se aproveitando da América do Norte com aumento excessivo de impostos para pagar prejuízos das guerras por eles em que se envolviam. Cabe salientar que os ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade tiveram grande importância na confecção da Declaração da Independência dos Estados Unidos da América.
Em 26 de agosto de 1789 foi proclamada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na qual foram abordados os seguintes temas: o respeito pela dignidade das pessoas, a liberdade e a igualdade dos cidadãos perante a lei, o direito à propriedade individual, o direito de resistência à opressão política, a liberdade de pensamento e opinião e o início da laicidade dos Estados. Cabe salientar que tais pontos abordados serviram de parâmetro para outras constituições. Foi então criada a Constituição Francesa, que também trouxe uma abordagem bastante significativa a determinados temas, entre eles a igualdade jurídica entre os indivíduos, livre comércio, fim dos privilégios do clero e da nobreza, proibição de greves, liberdade de crenças, separação do Estado e da igreja e, principalmente, a separação dos poderes em executivo, legislativo e judiciário.
Outro marco histórico importante, mas desastroso, foi à segunda guerra mundial, pois foi onde surgiram vários tratados, os principais serão abordados ainda neste capítulo. Ainda em 1945 na cidade de São Francisco, realizou-se uma conferência para criação da Organização das Nações Unidas -ONU.
DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS
A observância da evolução dos direitos humanos é de suma importância para que possamos entender os momentos históricos em que os direitos humanos fundamentais foram, em tese, concretizados. Segundo Hoffmann (2009, p.32):
Importante registrar que os direitos humanos não se sucedem nem são substituídos, entretanto a divisão dos direitos em gerações trata-se da trajetória evolutiva e não de sucessão. Os direitos são complementares uns aos outros e as gerações não se sucedem com exclusão.
Cabe frisar que hoje em dia a maioria dos doutrinadores não utiliza mais a nomenclatura de “Gerações” de Direitos Humanos, mas sim “Dimensões” de Direitos Humanos.
Primeira Dimensão – Liberdade: Os direitos humanos de primeira dimensão, via de regra, visam proteger o indivíduo do poder do Estado. São os direitos que surgiram logo após a revolução dos iluministas, mais precisamente após a Revolução Francesa em 1789. Foi quando contestou-se o poder estatal em detrimento ao poder individual. Tais direitos são também denominados como direitos civis e políticos, correspondendo em grande parte, por um prisma histórico, a uma fase inaugural do constitucionalismo no ocidente. Fase por excelência de predomínio do apogeu dos direitos individuais. Tais direitos são gerados por um pensamento de luta e oposição ao poder absoluto do Estado, fato que já se consolidou pela sua universalidade formal, de tal sorte que, nesta altura do ambiente histórico, não há nenhuma constituição que não a reconheça programaticamente em toda sua extensão e plenitude.
O importante é compreender o verdadeiro sentido da ideologia liberal. Não é no sentido econômico de neoliberalismo, mas de se garantir ou de se buscar a liberdade do indivíduo frente ao domínio do Estado, fazer com que a sociedade tivesse liberdade para agir da maneira como ela bem entendesse, respeitados, é claro, determinados limites legais frente a atuação do Estado.
Desta forma é feita a limitação do poder do Estado, dando ênfase as liberdades individuais. Foi um marco na destruição ao absolutismo estatal. São direitos de cunho negativo para que o Estado não interfira no particular. Foi a positivação dos direitos de liberdade, fato este reconhecido e respeitado pelo Estado.
Diante disso, Hoffmann (2009, p.33) nos instrui que:
Na violação do Direito Natural do Estado, não há defesa possível, a não ser a resistência, por meio de pressão à ordem constitucional pelo ente maior. Essa conscientização de que os direitos são conquistados e não outorgados pelo governante, gerou a ampliação dos direitos fundamentais, os quais ultrapassam a esfera do natural para chegar aos direitos políticos.
Podemos concluir que a primeira dimensão dos direitos humanos teve como inspiração os ideais da Revolução Francesa bem como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Pode-se concluir, ainda, que um dos objetivos era a preservação da vida e da liberdade, onde o titular desse direito era o indivíduo, o homem na sua mais essência singularidade.
Segunda Dimensão – Igualdade: Essa dimensão dos direitos humanos surgiu logo após a Revolução Industrial. Esses direitos dominam a preocupação jurídica do século XX, da mesma forma que os direitos de primeira geração dominaram no século XIX. São direitos de segunda dimensão os direitos sociais e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividade introduzido no constitucionalismo das distintas formas de estado social. Esses direitos surgiram abraçados ao direito de igualdade do qual não se pode separar.
Os direitos de segunda dimensão visam à igualdade entre as pessoas e os povos, são os direitos sociais, econômicos e culturais que eclodiram logo após a Primeira Guerra Mundial de 1914, tendo como base histórica ainda o Tratado de Versalhes e a Constituição Mexicana da mesma época.
Nesta linha de pensamento Moraes (2007, p.202) define os direitos sociais:
Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado social de direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando a concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático (...)
Os direitos sociais são expressos pela própria necessidade humana. O ser humano deve sempre estar imbuído da coletividade. Para tanto, necessita de um ambiente livre, justo e igual em direito e deveres, fatos estes preponderante acarretam a dignidade da pessoa humana.
Terceira Dimensão – Fraternidade: Após a Segunda Grande Guerra, levando em consideração as dificuldades e as conquistas das gerações anteriores, uma nova perspectiva e novos direitos passaram a surgir, direitos que até então não eram tratados como prioridades, que são os direitos de fraternidade e da solidariedade. São direitos difusos, tanto que o período de positivação desses direitos foi muito semelhante ao de inserir os direitos humanos em uma visão coletiva. É sabido que dentre os aspectos mais preponderantes dos direitos de terceira dimensão, temos a paz, a autodeterminação dos povos, o desenvolvimento, o meio ambiente, a qualidade de vida e o patrimônio histórico e cultural.
Hoffmann (2009, p.34) descreve:
Na terceira geração dos direitos, cujo postulado é a fraternidade, eleva a abrangência para alcançar novos rumos em sua titularidade: a humanidade. Os direitos de terceira geração não se assentam em apenas um indivíduo, mas na coletividade. Parte-se, ainda, de uma visão individual: a igualdade real de cada um, merecedora de proteção do Estado – direito a educação, ao pleno emprego, à segurança etc.
Temos um ambiente de coletividade onde cada membro da sociedade deve “fazer a sua parte”, para que todos tenham os mesmos direitos e possam gozar das mesmas riquezas e das mesmas benesses inerentes a vida humana.
Quarta Dimensão – Democracia, Informação, Pluralismo e Biodireito: A quarta dimensão dos direitos humanos é mais que apenas uma variante dos direitos humanos de primeira, segunda e terceira dimensão. O bem da verdade é a expansão da liberdade, do entendimento e da tolerância às individualidades, de respeito à evolução do desenvolvimento histórico dos direitos humanos fundamentais e ao biodireito.
A quarta dimensão dos direitos humanos ainda é um tema moderno e que não conta com muitos doutrinadores, mas cabe a nós refletir e discutir o assunto, pois esta dimensão é de extrema relevância para entendermos os direitos humanos e suas diferentes facetas. Essa dimensão de direitos humanos trata na verdade dos direitos ligados ao pluralismo, a democracia e ao biodireito. Logo temos direito a diferença, à informação, a pluralidade e o respeito aos menos favorecidos, as minorias e as pesquisas na área do biodireito e da genética humana.
É preciso compreender que os direitos humanos encontram-se em um infindável estado de descoberta e desenvolvimento. Vimos ao logo da história diversos momentos que o Estado abstevesse das discriminações e arbitrariedades, bem como criou mecanismos de proteção e afirmação dessas minorias. Não podemos deixar que essas conquistas de direitos sejam minoradas. Os direitos humanos de quarta dimensão são de fundamental importância na abertura de novos paradigmas normativos de proteção e respeito á dignidade da pessoa humana.
Quinta Dimensão – Direito à Paz: Paulo Bonavides segue a linha de direito a paz. Contudo, como a quinta dimensão ainda é algo novo, não temos como descrevê-la com clareza e extrema delimitação. Mas cabe salientar que o direito à paz é um dos notáveis progressos da defesa dos direitos humanos fundamentais. A paz é algo que todas as nações buscam, sejam elas de grande ou pequeno porte, é um direito imanente. A quinta dimensão dos direitos humanos vem coroar um espírito humanístico, de busca pela dignidade jurídica que ecoa no reconhecimento universal do ser humano com ente fundamental na composição do mundo. Conforme Bonavides (2008, p.83): “o direito à paz é concebido ao pé da letra qual direito imanente à vida, sendo condição indispensável ao progresso de todas as nações, grandes e pequenas, em todas as esferas”.
A busca pela paz pode nos trazer algumas dificuldades, é preciso lutar por ela e transformar a convivência em sociedade possível, mas, para isso, temos que respeitar uns aos outros com suas diferenças; é preciso respeito a dignidade no âmbito individual para que possamos nos dar o luxo de termos uma sociedade mundial livre, justa e igualitária, para que desta forma todos nós consigamos viver em paz e em harmonia.
Portanto, a paz é nossa e jamais podemos deixá-la escapar. Devemos processar e julgar os autores das guerras, os quais, pois por si sós, são verdadeiros violadores dos direitos humanos, mais especificamente dos direitos humanos de quinta geração.
CONVENÇÃO CONTRA A TORTURA E TRATAMENTOS OU PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES
Para existência da tortura, segundo este tratado, é essencial que exista a prática de atos que produzam dor ou sofrimento a uma pessoa, também é necessário que verifiquemos adequadamente o objetivo da conduta do agente, e, por fim, mas não menos importante, exige-se a presença do funcionário público. É plenamente possível ampliar a aplicabilidade da norma, já que o próprio Art. 1º em sua parte final, autoriza que os Estados o façam. No entanto, ainda que não houvesse autorização explícita do tratado internacional, seria possível ao Estado Brasileiro, por exemplo, extrair um dos requisitos para alcance da norma. Nesta hipótese, devemos aplicar a regra geral inerente aos direitos humanos.
A convenção traz uma divisão em três partes, a primeira aborda o sujeito passivo e ativo da tortura e tem em seu Art. 1º:
Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimento agudos, físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infringidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, por sua instigação ou com seu consentimento ou aquiescência.
A segunda parte trata da formação e atuação dos comitês contra tortura, no que diz respeito aos membros integrantes, duração dos mandatos e ainda da emissão dos relatórios. Já a terceira parte, cuida da adesão dos Estados à convenção. Portanto, é um diploma normativo importante na proteção dos direitos humanos e regulador dos atos pertinentes aos agentes públicos, que visa, também, disponibilizar provas aos outros Estados membros para que desta forma possam avocar para si a legalidade do direito de punição dos infratores.
CAPÍTULO II - DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 E A SEGURANÇA PÚBLICA
Tema bastante amplo, mas que merece uma reflexão mais aprofundada dada a sua importância na composição e respeito aos direitos humanos, bem como a manutenção da dignidade da pessoa humana. A Constituição Federal de 1988 estabelece no artigo 144 que: “A segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio público (...)”.
A Ordem Pública tem como objetivo a busca do bem estar social, ou seja, pode-se dizer que é a própria segurança em todos os seus aspectos, posto que o Estado-social busca em seu fim a realização do bem comum, e atingindo esse objetivo consequentemente mantêm essa ordem pública.
Diante dos pontos abordados acima, julgamos importante também conceituar o segundo tipo ao qual o caput do artigo 144 da CF/88 se refere, que é a incolumidade.
Logo, Felix Teixeira (2009. p. 53) entende-se por incólume:
A manutenção do estado de conversação, sem dano ou sofrimento, seja ele material ou moral. [..]. Desta forma entende-se que incolumidade pública é a conservação do status quo do indivíduo, bem material, imaterial, pessoal – objetivo ou subjetivo, ou qualquer outra hipótese em que o Estado seja sujeito desta relação.
Diante do exposto, entende-se que é essencial mantermos o status quo, que por vezes necessitamos do poder do Estado para mantermos os bens em conservação, sem dano ou sem sofrimento.
A Constituição Federal de 1988, mais precisamente no art. 144, no texto constitucional está descrito que:
A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - policiais civis;
V – policiais militares e corpos de bombeiros.
É desta forma que o texto constitucional delimita e organiza as instituições que compõem o sistema de segurança pública, desta forma, não podemos nos furtar em relacionar o Art. 144 com o previsto no §7º do mesmo artigo 144 da CF/88, a lei disciplinar, sua organização e funcionamento de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, essa lista é taxativa, não podendo o legislador ampliar as hipóteses ou os órgãos que compõem o sistema de segurança pública. Isso só pode ser mudado através de emenda à Constituição, por isso não se considera as guardas municipais como órgão que fazem parte da segurança pública.
O sistema de segurança pública é dividido entre polícia ostensiva, que executa o serviço de prevenção, e a polícia judiciária, que realiza a repressão. A polícia ostensiva tem como foco o patrulhamento que visa uma atuação antes da ocorrência do fato delituoso. Ela utiliza fardamentos, viaturas e armamento de forma ostensiva, ou demostrando seus equipamentos, para que desta forma iniba a ocorrência dos crimes.
Agora se a polícia ostensiva não consegue inibir a prática de um crime e se aquele delito ocorre, entra em cena a polícia judiciária ou repressiva, que, por sua vez, atua após o cometimento dos crimes. Tem como função principal apurar as infrações penais. Depois que aconteceu aquele crime a polícia judiciária vai instaurar um inquérito policial pelo delegado de polícia, que terá que colher indícios de autoria e materialidade do delito.
Por isso, em geral, a polícia judiciária não trabalha uniformizada, não trabalha com viaturas caracterizadas. Esses policiais trabalham com roupas civis (normais) para poderem realizar as investigações.
LEI DE COMBATE À TORTURA: ABORDAGEM HISTÓRICA E OUTROS ASPECTOS
A lei de combate à tortura foi criada após intensas reações sociais aos excessos no uso da força e exageros policiais. Cabe salientar que essa lei é uma norma relativamente nova pois foi concebida apenas em 1997 com o objetivo de coibir o uso abusivo da força policial por agentes despreparados e que não condizem com os poderes legais a eles constituídos.
Gonçalves (2014, p. 25) cita:
A criminalização da tortura é recentemente não apenas no Brasil, mas em vários países europeus que integram o sistema romano-germânico. A Constituição Federal Brasileira, de 5 de outubro de 1988, em seu Art. 5º, inciso III dispõe: ”ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, reproduzindo assim dispositivos dos tratados internacionais de direitos humanos. Já no inciso XLIII do mesmo artigo, afirma que a prática da tortura, entre outros crimes, é insuscetível de graça e anistia. Nesta esteira, em 1997, a tortura foi tipificada no Brasil, por meio da Lei 9455/97. Pela referida lei, vários tipos de condutas que importem sofrimento físico e psíquico são consideradas tortura.
Cabe esclarecer que, em 2005, houve uma visita do Comitê Internacional para combate a tortura da ONU no Brasil e foi esse comitê que deu origem a um relatório que disse aquilo que todos nós já sabíamos: existe tortura no Estado Brasileiro. Será que a lei é a forma mais eficaz de combater a tortura? Será que a nossa lei está adequada ou necessita de adequações?
Cabe salientar que esta visita só pôde ser possível após uma grave denúncia perante a ONU em 2002, dizendo que o Brasil praticava tortura, sobretudo no sistema prisional. Após a visita, chegou-se a conclusão que estava estampada de forma rotineira a tortura no sistema penitenciário brasileiro.
O problema é que o relatório foi emitido somente em 2006 e a Lei de Tortura é de 1997. Diante disso, podemos concluir que a lei de tortura é uma lei evidentemente sub-aplicada. Por isso, é razoável que se admita que a Lei de Tortura é uma Lei que possui uma cifra oculta de crimes não apurados. Os casos de tortura que chegam ao judiciário são infinitamente menores em comparação com o número de casos que realmente existem.
É oportuno frisar que a lei de combate à tortura diverge da orientação da Convenção Interamericana de Combate a Tortura porque existe uma convenção que deu origem ao Comitê de Combate a Tortura, assinada pelo Brasil em 1989, que já no artigo 1º trás uma definição do que seja tortura.
Conforme o artigo 1º, da aludida Convenção:
Para fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa à fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência.
Nessa definição está claro que a tortura deve ser uma imposição de sofrimento praticada por agentes públicos. Isso da ideia de que a tortura só pede ser praticada por agente do Estado. Portanto, no âmbito da citada Convenção não há tortura praticada por particulares, por mais que haja sofrimento, físico ou mental.
O problema é que o Brasil, na Lei Nº 9.455 de 1997, divergiu, indo na contramão da orientação da convenção interamericana de combate á tortura. No Brasil, ao contrário do que acontece na Convenção Interamericana, define que a tortura não é um crime próprio de funcionário público. A tortura, então, no Brasil, pode ser praticada por qualquer pessoa, basta estar dentro dos modelos de torturas descritos na Lei. Cabe salientar, que a tortura não é ocasionar qualquer tipo de sofrimento. A tortura do ponto de vista jurídico não pode ser confundida com a tortura coloquial, de maneira que a tortura é um tipo que tem elemento muito específico. Na verdade, podemos dividir tortura em quatro tipos básicos:
O primeiro tipo de tortura é impor a alguém sofrimento intenso físico ou mental, com o objetivo de obter confissão ou informação, obter ação ou omissão criminosa, por motivo de preconceito de raça ou de religião. De acordo com Gonçalves (2014. p. 63) em sua brilhante obra descreve:
Existe uma relação estreita entre a tortura-prova e a pretensão de se encontrar a verdade por meio da confissão do acusado. Tal relação aparece de forma muito evidente na construção histórica do sistema processual penal inquisitório e, consequentemente, na elevação da confissão a categoria de prova conclusiva sobre os fatos delituosos investigados.
O segundo tipo de tortura exige uma relação entre o sujeito ativo e passivo, que é submeter pessoa sobre a qual se tem guarda ou autoridade a intenso sofrimento físico ou mental como forma de castigo. Esse tipo de tortura é muito comum no âmbito familiar, onde se percebe uma “escadinha da violência”, que é uma espécie de aumento gradativo da violência doméstica. Inicialmente, a violência começa com gritos e discussões, mas em um curto espaço de tempo passamos a presenciar tapas e socos, até chegarmos a atitudes mais extremas, que é a morte de um dos envolvidos, muitas vezes filho e/ou esposa.
O terceiro tipo é impor ao preso ou ao submetido à medida de segurança, uma medida gravosa não prevista em lei. Nesse caso a lei nem exige o sofrimento físico ou mental, mas podemos concluir que não tem como admitir tortura que não cause sofrimento, seria uma espécie de coerência legal.
Conforme Gonçalves (2002, p.97):
A tortura tem semelhança com outros crimes, como maus tratos e lesão corporal, por exemplo, mas possui o elemento normativo do tipo, consistente na necessidade que a vítima seja submetida a intenso sofrimento, sendo, portanto, de aplicação em situações extremas.
O quarto tipo é a tortura por omissão, onde aqueles que podem evitar ou têm o dever de apurar e não o fazem, incorrem no mesmo crime.
Conforme a Lei nº 9.455/97, Lei da Tortura: “Art. 1º, § 2º, aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos”. Da mesma maneira, Gonçalves (2013, p.100): esclarece-nos:
Somente será aplicável aquele que tem o dever jurídico de apurar a conduta delituosa e não o faz. Como tal dever jurídico incumbe às autoridades policiais e seus agentes, torna-se evidente a impossibilidade de aplicação do aumento do §4º, I, da lei (crime cometido por agente público), já que isso constituiria bis in idem.
Podemos concluir que o crime de tortura é um tipo penal equiparado a hediondo e de efeito automático, onde o efeito da condenação no crime de tortura é a perda do cargo ou função pública, bastando apenas que o crime tenha alguma relação com o cargo ou função pública. Por isso e diante da sua importância jurídica, vê-se na obrigação de citar a Lei 9.455/97 que se encontra anexa ao trabalho.
CAPÍTULO III - A ABORDAGEM POLICIAL: DA FORMAÇÃO A ATUAÇÃO.
DIREITOS HUMANOS E A ATIVIDADE POLICIAL
A atividade policial possui suas peculiaridades. O policial exerce suas funções durante vinte e quatro horas por dia. Ele é um garantidor da lei. Então, mesmo de folga, quando ele presencia uma infração penal, tem o dever legal de agir. Não o fazendo responde por omissão ou até mesmo prevaricação, dependendo do caso. Cabe salientar a importância do trabalho em conjunto dos órgãos que compõem a segurança pública. Essa cooperação institucional é um legado que vem sendo desenvolvido pelos agentes de segurança e que tem produzido bons resultados.
É importante percebermos que o contexto social onde se cria o aparato policial influencia diretamente na maneira pela qual os agentes encarregados pela aplicação da lei o fazem. Não existe uma “violência legalizada”. A força legítima deve ser exercida somente em caso de extrema necessidade. Não podemos admitir a violência policial em uma abordagem corriqueira. O policial é preparado para preservar e manter a ordem pública mesmo com o risco da própria vida, porém isso não lhes dá o direito de violar a dignidade humana, nem os direitos humanos.
Conforme relata em sua obra, Gonçalves (2014. p.283) ainda destaca:
Não se pode negar que a sociedade legitima a violência contra os potencialmente criminosos por sentimento de vingança e por um mecanismo de identificação apenas com as vítimas. A partir do momento em que os indivíduos se comprometem a abandonar, em parte, seus desejos mais íntimos em nome da ética, da consciência coletiva ou do receio da punição, a vontade da vingança emana com toda a força contra aqueles que supostamente se permitiram infringir as normas de convivência e civilidade, bem como os valores compartilhados pela maioria.
Atualmente, temos uma sociedade que ao mesmo tempo em que solicita a presença policial através do policiamento ostensivo, também critica e reprime essas mesmas ações. O povo não aceita mais uma polícia truculenta, despreparada e sem embasamento legal nas suas ações.
Como descreve Hoffmann, o relacionamento humano e o preparo técnico profissional são fundamentais para que a atividade policial seja realizada sem intercorrências, sem violência e principalmente, respeito aos direitos humanos. Apesar de haver conflito de interesse na atividade policial, não se admite que agentes policiais atuem fora do que preceitua a lei.
Já Hoffmann (2009, p.283) descreve:
Atividade Policial é o TRABALHO, ou seja, é toda prestação de serviço à comunidade em geral, voltado à Segurança Pública, à proteção individual, coletiva, do patrimônio público e particular, dos valores morais, éticos e de auxílio à comunidade, que a instituição policial realiza diretamente ou indiretamente, através de seus agentes, dentro dos princípios e fundamentos policiais básicos e dos limites legais e morais aceitos pela comunidade.
Além disso, Balestreri (2003, p. 22-36) traz algumas considerações relevantes para prática policial:
[...] CIDADANIA, DIMENSÃO PRIMEIRA- O policial é antes de tudo um cidadão, e na cidadania deve nutrir sua razão de ser. Irmana-se assim, a todos os membros da comunidade.
[...] CIDADÃO QUALIFICADO PELO SERVIÇO- O operador da Segurança Pública, contudo um cidadão qualificado pelo serviço. Emblematiza o Estado, em seu contato mais direto com a população.
[...] RIGOR VERSUS VIOLÊNCIA: O uso legítimo da força não se confunde, contudo, com truculência.
[...] ÉTICA CORPORATIVA VERSUS ÉTICA CIDADÃ- Essa consciência da própria importância moral e simbólica obriga o policial a abdicar de qualquer lógica corporativista.
[...] A FORMAÇÃO DOS POLICIAIS- A superação desses desvios poder-se-ia realizar, ao menos em parte, pelo estabelecimento de um ―núcleo comum de conteúdos e metodologias na formação de todas as polícias constitucionalmente previstas, que privilegiasse a formação do juízo moral, as ciências humanísticas e a tecnologia como contraponto de eficácia à incompetência da força bruta.
Não obstante, temos uma polícia atuante, que respeita os direitos humanos e muito bem preparada. Por isso, temos que refletir sobre as más atuações, principalmente as individuais, pois a coletividade tem sido muito bem preparada ao longo dos anos, claro que no meio de tantos agentes de segurança podemos ter alguns que destoam da legalidade. A estes, usa-se a força da lei.
Cabe salientar que, além do Ministério Público, que é o órgão externo de fiscalização e responsável pela inspeção dos agentes responsáveis pela aplicação da lei, temos órgãos internos, como a corregedoria, que monitoram e acompanham todas as atividades policiais. São organismos que devem atuar sempre em nome da sociedade e em defesa dos interesses da coletividade.
A FORMAÇÃO DO POLICIAL MILITAR
Ao longo dos anos, a formação dos policiais vem sendo aperfeiçoada com diversas medidas tomadas pelos órgãos de ensino da atividade policial. Dentre elas a de observação nos aparatos de ensino proferidos pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. É muito importante frisar a preocupação e interesse da Polícia Militar do Estado de São Paulo em formar bem seus policiais, em poder oferecer a eles um ensino de qualidade. Isso posto, entendemos que muito ainda precisa ser feito, mas já houve um grande avanço na institucionalização do ensino policial. Hoje temos uma polícia mais humanizada, integrada a comunidade, na busca incansável ao respeito e a dignidade humana durante suas atividades.
Conforme Santos (2013, p. 13) destaca que:
Diante de uma visão constitucional e consequente mudança nas diretrizes de atuação das policias militares, é importante salientar que estas mudanças se iniciam passando necessariamente pela formação do profissional de Segurança Pública, incluindo o policial militar. A filosofia que o regime militar estabeleceu no território brasileiro marcou profundamente as gerações que sucederam aquele ato. As Policias Militares e Civis dos Estados foram o braço armado da elite que passou a comandar os país com punhos de ferro. Em decorrência os acontecimentos de 1964 passaram a formar seus membros com a cartilha dos militares do exército. Alguns conceitos da época ficaram impregnados ao ponto de influenciar até hoje as noções de policiamento dos Estados.
Aos poucos a atuação policial vem sendo moldada, com uma atuação mais voltada ao respeito à dignidade humana e proteção das pessoas. Mas, isso não é algo que acontece em curto prazo, pois existe uma cultura muito forte de uma polícia repressiva. Precisamos modificar esta cultura. Atualmente, temos centro de formações policiais mais focados nos direitos humanos, em programas de policiamento comunitário, enfim, o foco do ensino atual é muito diferente do ensino da década passada, mas é claro que muito ainda precisa ser feito.
Toda abordagem policial deve, impreterivelmente, seguir o que preceitua o manual de técnica de polícia ostensiva criado por sua instituição de ensino. O Manual de Técnica de Polícia Ostensiva da Polícia Militar de Santa Catarina (2014, p. 54) destaca:
Requisitos da abordagem: Como uma ação de força, a abordagem deve atender aos requisitos preconizados para o uso da força:
Legalidade: A abordagem nesta situação é legal?
Necessidade: A abordagem nesta situação é necessária?
Proporcionalidade: A técnica de abordagem nesta situação é proporcional à situação?
Conveniência: A abordagem nesta situação é conveniente em relação ao momento e ao local da intervenção policial?
Diante da importância de tais requisitos, cabe destacá-los: Legalidade: É importante frisar que a legalidade fica tipificada quando o agente público age com observância estrita da lei, é ter como princípio o dever de agir com preceitos jurídicos fundamentais.
A Constituição Federal em seu artigo 37, e nos artigos 5º, II e XXXV, e 84, IV, preceitua que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Portanto, o constituinte afirmou com veemência que o agente público só pode agir com extrema observância da lei. Agir fora do aparato legal é absorver para si uma responsabilidade que cabe apenas ao Estado. Por isso devem ter muito cuidado e cumprir apenas o que a lei determina, visando assim ter uma atuação legal e restrita à norma.
Necessidade: É importante observar as circunstâncias da abordagem, como e quando efetuá-la e com o mínimo de constrangimento ao cidadão abordado. A necessidade da abordagem também perpassa pela segurança do policial, que deve sempre observar todos os requisitos da abordagem em conjunto.
Toda ação policial deve ser guiada pela técnica, onde se tem como meta, além do atendimento da ocorrência, a preservação e o respeito à vida e a dignidade humana. Agir de acordo com a necessidade é saber quando e como agir. Diante disso, a observância aos procedimentos legais e convenientes para o momento é fundamental para minimizar erros.
Proporcionalidade: A análise da situação fática é fundamental para o bom desempenho da abordagem policial. Por isso o agente público responsável pela aplicação da lei deve fazer o uso da força proporcional aos meios existentes e possíveis de serem usados durante a atividade policial. É preciso estar a todo tempo observando a pirâmide do emprego da força e o aparato de equipamento a serem utilizados durante as abordagens policiais. Seguir os meios proporcionais é necessário para que o policial no decorrer de suas atividades possa atuar com domínio para oferecer aos cidadãos um atendimento de qualidade e com respeito aos direitos humanos fundamentais.
Conveniência: Este é mais um dos requisitos exigidos pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, onde todos os policiais devem seguir e ter como meta para que possam, desta forma, realizar abordagens legais, seguras e com eficiência.
Cabe salientar, que cada policial é responsável individual e coletivo por seus atos, sejam eles por ação ou omissão. Por isso, saber o momento certo para efetuar uma abordagem é fundamental para o sucesso da mesma. Como exemplo, podemos citar as abordagens realizadas durante grandes eventos, onde temos uma enorme aglomeração de pessoas, situação em que deve o policial observar ser oportuna ou não sua intervenção, se é conveniente ou não realizar a abordagem naquele momento, em meio ao público, ou se possível for, aguardar uma ocasião mais adequada e segura.
É perceptível que os ideais revolucionários dos direitos humanos eclodiram com advento da segunda guerra mundial, com as atrocidades cometidas por diversos idealizadores morais como Adolf Hitler. Houve, então, a positivação de diversos direitos. Desta feita, surgiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Logo após, o mundo revelou a necessidade de criação de um órgão competente e com credibilidade. E isso foi concretizado pela criação da Organização das Nações Unidas – ONU. Cabe salientar, que a ONU tem hoje uma missão de extrema importância para a manutenção da ordem pública no âmbito mundial, principalmente pela intervenção nos conflitos entre nações com atuação específica do seu Conselho de Segurança.
Notou-se também a necessidade de ratificação de alguns direitos inerentes a pessoa humana, os quais foram proferidos em diversos Tratados e Convenções, como a Convenção Contra a Tortura e Tratamento ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes e a Convenção Americana dos Direitos Humanos, também conhecida como Pacto San José da Costa Rica.
Cabe reforçar que devido ao surgimento de diversas teorias e conceitos a respeitos dos direitos humanos, vários doutrinadores os separaram em dimensões. Essa divisão de direitos é apenas doutrinária porque não há como tratá-los desta forma. Os direitos humanos a bem da verdade se complementam, nunca se separam.
Na Constituição Brasileira de 1988, os direitos humanos são tratados como direitos fundamentais, como se verifica no Artigo 5º com a preocupação do legislador com os direitos e garantias dos seres humanos e os abusos proferidos pelo Estado Brasileiro. Já no Artigo 144 de nossa Lei Maior localizamos a segurança pública. Em ambos dispositivos constitucionais há orientação sobre os direitos fundamentais das pessoas, com destaque para a importância correta da aplicação da lei, bem como a eficiência no zelo das técnicas de polícia ostensiva, evitando assim que os agentes encarregados pela segurança pública desrespeitem a dignidade da pessoa humana. Cabe reforçar que no Artigo 4º da mesma Constituição estão explícitos os preceitos que o Estado Brasileiro tem de obedecer nas relações internacionais, como a prevalência dos direitos humanos, a independência nacional, a autodeterminação dos povos, a defesa da paz, entre outros.
Para evitar qualquer tipo de abuso por parte dos agentes de segurança, foi criada a Lei Nº 9.455/97, a conhecida lei de tortura. É sabido que essa lei foi criada a partir de reações sociais por violação e abuso no uso da força policial. O problema é que muitos casos de tortura não chegam ao conhecimento do judiciário, pois as pessoas torturadas se sentem intimidadas a não procurar seus direitos. Para reforçar este aparato legal, a ONU criou o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela aplicação da Lei, ou seja, mais um instrumento de controle a ser aplicado aos agentes de segurança.
Diante dos fatos e com intuito de aprimoramento do efetivo policial, a Polícia Militar do Estado de São Paulo instituiu uma base curricular com diversas disciplinas, entre elas as de criminologia aplicada à segurança pública, direitos humanos, ética e cidadania. Entendendo não ser suficiente, a Polícia Militar de São Paulo implantou uma normativa chamada de procedimentos operacionais padrão. Esses procedimentos visam padronizar os procedimentos policiais durante suas atividades.
Para dirimir toda e qualquer dúvida quanto à aplicação dos procedimentos, o Manual de Técnica de Polícia Ostensiva da PMSC/2014 positivou um instrumento conhecido Pirâmide do Escalonamento do Uso da Força, com o objetivo de fazer com que os policiais utilizem a força policial de acordo com a necessidade, ou mesmo o uso correto da força, sempre visando a manutenção da sua vida ou de terceiros.
No mesmo entendimento, buscando a regulamentação sobre o respeito aos direitos humanos e uso correto dos meios adequado durante as abordagens policiais, o Supremo Tribunal Federal instituiu Súmula Vinculante nº 11, que regula a utilização adequada das algemas. É imprescindível entendermos que não podemos nos furtar em criar meios de controle e fiscalização do poder do Estado perante a sociedade, bem como minimizar os meios coercitivos empregados incorretamente pelo Estado.
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2009
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica. Porto Alegre: livraria do advogado, 1997.
ARRUDA JÚNIOR, Edmundo Lima de; BARBOSA Leila Carioni. Direitos Humanos e Desenvolvimento. Florianópolis: OAB/SC, 2005.
BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Direitos Humanos: coisa de polícia. Passo Fundo: Berthier, 2003.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
BULOS, UadiLammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva 2007MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES Luiz Flávio. Criminologia 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos.Vol VII. Ed Saraiva. Rio de janeiro, 2010.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. 1ª ed. Moderna: São Paulo, 2004.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.
DOS SANTOS, Leonardo Fernandes. Artigo: Quarta Geração/Dimensão Dos Direitos Fundamentais: Pluralismo, Democracia E O Direito De Ser Diferente. Maringá, 2011.
FERRI, Enrico. Princípios de Direito criminal. Trad. De Paolo Capitânio. 2º ed. Campinas: Booksseler, 1998.
GOLDSTEIN, Herman. Policiando uma sociedade livre. Coleção Polícia e Sociedade. São Paulo: Edusp. 2003.
GONÇALVES, Vanessa Chiari. Tortura e Cultura Policial no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.
GONÇALVES, Victor E. Rios. Crimes Hediondos, Tóxicos, Terrorismo, Tortura. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 97.
GONÇALVES, Victor E. Rios. Legislação Penal Especial. 10ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 222.
GRECO, Rogério. Atividade Policial. 3ªed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.
HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do Direito Penal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2005.
HOFFMANN, Marco Aurélio. Direitos humanos na formação do soldado de Santa Catarina. Florianópolis, SC: CAO, 2009. p.27.
_____Lei 12. 037, de 1º de outubro de 2009. Dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado.
_____Lei 4.898 de 09 de dezembro de1965. Lei do crime de abuso de autoridade.
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 14º Ed., São Paulo: Saraiva, 2010.
LIMA, João Cavalim de. Atividade policial e o confronto armado. Curitiba: Juruá, 2007.
MARCINEIRO, Nazareno. Introdução ao estudo da segurança pública. 3. ed. rev. e atual. Palhoça: Unisul Virtual, 2005.
MIRABETE, Julio Fabrrini; FABRRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Atlas,2005.
PINC. Tânia. Abordagem Policial: avaliação do desempenho operacional frente à nova dinâmica dos padrões procedimentais. http://www.usp.br/nupes/abordagem_policial_tania_pinc.pdf>. Acesso em 25 de abr. de 2014.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional.14.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
PITOMBO, Sérgio Marcos. Emprego de algemas – notas em prol de sua regulamentação. São Paulo: Revista dos tribunais, 1985.
QUEIROZ, Renato da Silva. Não vi e não gostei: O fenômeno do preconceito. São Paulo, 1995.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 16ªed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2009.
ROSA, Aurélio José Pelozato, GOMES Jr, Carlos Alberto de Araújo, NICHNING, Cássio Ricardo, Silva, José Carlito. Manual de Técnicas de Polícia Ostensiva da PMSC. 3ª ed. Florianópolis, 2014.
SILVA, José Afonso da Curso de Direito Constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2007.
SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Programa Nacional de Direitos Humanos – 3. Brasília: SEDH/PR, 2010.
VIEIRA, Jair Lot. Código de Hamurabi. 3ª ed. São Paulo: Edipro 2011
Bacharelando do curso de Direito pela Universidade Brasil – Campus Fernandópolis
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DORES, Gabriel Silva das. A violação dos direitos humanos na abordagem policial: a questão da tortura Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 abr 2022, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58232/a-violao-dos-direitos-humanos-na-abordagem-policial-a-questo-da-tortura. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: FELIPE GARDIN RECHE DE FARIAS
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Andrea Kessler Gonçalves Volcov
Por: Lívia Batista Sales Carneiro
Precisa estar logado para fazer comentários.