DEISY SANGLARD DE SOUSA[1]
(orientadora)
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo compreender a responsabilidade civil do Estado na garantia de medidas protetivas nos casos de violência doméstica. Sabe-se que mesmo que a vítima busque a justiça, pedindo a medida de segurança, ainda assim são comuns os casos de violência doméstica com ocorrências gravíssimas, levando até ao óbito as vítimas. As medidas protetivas são mecanismos criados pela lei para coibir a violência de gênero e claro, evitar que o agressor cause maiores danos à vítima no aspecto psicológico, físico e sexual. Nesse sentido, a eficácia na aplicação da medida torna-se essencial para que a vítima tenha garantido o direito à liberdade, à segurança e à vida, uma vez que a inércia do Poder Público podem afetar a mulher agredida no momento de buscar seus direitos fundamentais, seja pelo sentimento de descrédito nas instituições, seja por medo de represálias pelo denunciado. A violência contra a mulher amplia-se de diversas formas, desde agressão verbal à violência física, causando sofrimento a vítima e consequentemente aos familiares e pessoas próximas. Em relação aos aspectos metodológicos, destaca-se a pesquisa bibliográfica por meio de livros e artigos de autores renomados e especialistas na temática abordada. É fato que há ainda uma grande quantidade de mulheres vítimas de violência que não denunciam o companheiro ou acabam desistindo e, desprotegidas, estão a mercê de outras agressões.
Palavras-chaves: Responsabilidade Civil. Estado. Medida protetiva. Violência doméstica.
ABSTRACT: This work aims to understand the civil responsibility of the State in guaranteeing protective measures in cases of domestic violence. It is known that even if the victim seeks justice, asking for the security measure, cases of domestic violence with very serious occurrences are still common, leading to the death of victims. Protective measures are mechanisms created by law to curb gender violence and, of course, prevent the aggressor from causing greater damage to the victim in the psychological, physical and sexual aspects. In this sense, the effectiveness in the application of the measure becomes essential for the victim to have guaranteed the right to freedom, security and life, since the inertia of the Public Power can affect the abused woman at the time of seeking her fundamental rights. , either because of the feeling of discredit in the institutions, or because of fear of reprisals by the accused. Violence against women expands in several ways, from verbal aggression to physical violence, causing suffering to the victim and consequently to family members and close people. Regarding the methodological aspects, we highlight the bibliographic research through books and articles by renowned authors and specialists in the subject addressed. It is a fact that there are still a large number of women victims of violence who do not report their partner or end up giving up and, unprotected, are at the mercy of other aggressions.
Keywords: Civil Liability. State. Protective measure. Domestic violence.
1 INTRODUÇÃO
São muitos os desafios para o enfrentamento da violência contra mulher, em decorrência da falta de articulação dos serviços públicos e rede de atendimento, como a não atuação devida do Poder Público, órgãos e profissionais envolvidos no desenvolvimento desse trabalho, para garantir proteção às vítimas.
O desconhecimento da lei de proteção pelas vítimas e, o eventual envolvimento destas com o agressor acaba criando o temor ao denunciar, isto é, a complexidade dos casos de violência contra as mulheres tem gerado crescimento de ocorrências de violência doméstica em todas as regiões do país, elevando os riscos de feminicídio após a primeira denúncia no qual os agressores desrespeitam as medidas protetivas impostas pela Justiça.
A violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado. De acordo com Art. 7º da Lei n.º 11.340, “configura violência contra a mulher e qualquer ação ou omissão, baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Portanto, a violência doméstica é compreendida como uma espécie da violência de gênero.
Nesse contexto, o presente artigo apresenta como problemática: “Se existe responsabilidade civil do Estado na garantia de medidas protetivas nos casos de violência doméstica?” Dentre as justificativas para o questionamento, percebe-se que a violência contra a mulher continua a ocorrer diariamente em praticamente todas as regiões do país. Na maioria das vezes camuflada a agressão tem deixado um estigma de dor, impunidade e principalmente de falta de segurança acerca das garantias que devem ser oferecidas as vítimas. O estudo sobre este tema é de grande relevância no cenário atual já que os índices de violência têm crescido a cada dia.
A partir do momento que cresce a violência contra a mulher em praticamente todas as regiões do Brasil, fica evidenciado que as medidas protetivas são desrespeitadas pelos ex-companheiros e mais vítimas surgem mesmo após a primeira denúncia. Cabe ao Estado ser responsabilizado civilmente, visto que não consegue aplicar na prática o que está prescrito de forma clara na legislação.
Considera-se pertinente este trabalho que tem como objetivo geral compreender a responsabilidade civil do Estado na garantia de medidas protetivas nos casos de violência doméstica. A partir disso, destacam-se como objetivos específicos: apresentação de um histórico da Lei Maria da Penha e seus mecanismos de proteção, assim como também, os tipos de violência contra a mulher. Identificação de medidas protetivas aplicadas nos casos de violência doméstica, bem como a dificuldade de garanti-las na prática de forma eficiente. Por último, a dimensão sobre a responsabilidade civil do Estado diante da ineficácia da aplicação das medidas protetivas nos casos de violência doméstica.
Em relação à metodologia, trata-se de uma revisão bibliográfica por meio de livros e artigos de autores especialistas na temática abordada. Assim, foram visitados sites de pesquisa como Scielo, Biblioteca Virtual e portais do Governo Federal como o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Utilizou-se os seguintes descritores: Responsabilidade Civil, Estado, medida protetiva e violência doméstica.
2 EVOLUÇÃO DOS ESPAÇOS OCUPADOS PELA MULHER NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Historicamente, as mulheres lutam pelo reconhecimento como sujeitos de direito em decorrência das condições estruturais e econômicas. A organização familiar foi regida por décadas pelas prerrogativas do patriarcalismo, cuja característica central é o homem como pilar exclusivo sobre as pessoas do seu grupo familiar.
Com o advento de certas leis pode-se dizer que superamos alguns obstáculos diante desta vasta realidade violenta que nos consome a cada dia. Temos que nos unir em prol desta questão de direitos universais e juntos corroborarmos nesta causa nefasta. Ao realizar este projeto hipoteticamente tentaremos suprir aqui neste assunto supra referido um enorme abrir de olhos desta população que é altamente machista que ao ver de muitos tentam atingir o escopo de se sobressair vitorioso e lutar sempre por um direito que se adquire desde nascituro (CABRAL, 2004, p.27).
Os movimentos sociais organizados pelas mulheres para o avanço das conquistas sociais estão relacionados com a intimidade e o reconhecimento face ao outro, o que faz com que se articulem para solucionar cada vez melhor os vários tipos de violência contra a mulher. O advento do século XXI e da globalização dos meios de comunicação social proporcionaram um avanço no contexto familiar, quando mulheres passam a se posicionar sobre essa desigualdade demonstrando que tem capacidade, competência, criatividade tanto quanto o homem, na maneira de encarar as dificuldades e desafios (CAMPOS, 2008).
Partindo, também, para outros momentos históricos, encontramos inúmeras desigualdades entre homens e mulheres, tais como também aos Jogos Olímpicos na Grécia Antiga, que não podiam ser vistos pelas mulheres, pois esse espetáculo era reservado aos homens, que possuíam a capacidade de apreciar o belo, ou seja, o corpo dos atletas, que competiam sem nenhuma veste, isto é, nus. Fato que denota à antiguidade já a desvalorização e exclusão das mulheres na sociedade.
É impossível determinar o momento a partir do qual a mulher foi relegada a uma posição de inferioridade com relação ao homem, já que desde os primórdios existe a figura do primata arrastando sua fêmea pelos cabelos, após conseguir vencer sua resistência, obviamente, mediante uma pancada na cabeça (CABRAL, 2004, p.28).
Na sequência, a Igreja e o Estado determinaram o casamento como um ato indissolúvel como forma de garantir a ordem social, impedindo que os laços constituídos se rompessem, punindo principalmente mulheres que ousassem se separar com o banimento social, pois os homens praticamente não era penalizados em razão da posição que ocupavam. Desta forma, a mulher era considerada incapaz de seguir sua própria vida, estando em posição de inferioridade, quando na verdade não possuía mais condições de permanecer.
Sempre colocada como propriedade do homem, a mulher foi literalmente usada para gerar filhos e suprir as necessidades biológicas masculinas, podendo para tanto ser capturada, raptada, comprada, trocada ou recebida como uma recompensa. Por muitos séculos foi tido como reserva do homem (RAO, 1991).
Com o Cristianismo, a mulher ainda mantida em posição inferior, começou a ser vista como uma criação condicionada à vontade do homem. Somente a partir do século XVII encontra-se alguma documentação importante sobre as mulheres no Brasil. Nessa fase histórica, de base patriarcal, o homem figurava-se cada vez mais egocêntrico, o centro político da sociedade e constituía uma força que se antepunha ao Estado. Entre eles havia uma igreja, atuando como uma espécie de intermediária, principalmente através das mulheres que militavam na religião como forma de compensar sua inferioridade social (RAO, 1991).
A única virtude da mulher neste contexto encontrava-se em sua virgindade, que também compreendia a honra da família desta, e portanto, era guardada pelo patriarca como um bem valioso, tornando-se uma funcionária do lar, onde não corria o risco de perder sua “virtude”.
Analisando pela dimensão econômica, observou-se que na classe alta da sociedade brasileira do século XVII, as mulheres eram mantidas em reclusão, sendo sustentadas por seus maridos, fato que não se dava na classe média e baixa da sociedade patriarcal, onde as mulheres pobres não podiam ser reclusas, pois, muitas vezes sustentavam a casa como costureiras, lojistas, lavadeiras e outras profissões, além da prostituição (RAO, 1991).
A sociedade, em constante mutação e sempre com novas tendências comportamentais, ficou sem respaldo jurídico para solucionar os novos conflitos que surgiam, passando a depender da adaptação dos preceitos jurídicos, adaptações realizadas pelos juízes e juristas formadores de jurisprudências. A conquista por um espaço na sociedade pelas mulheres brasileiras era apenas questão de tempo. O que demorou séculos para acontecer, agora é comum, isto é, a mulher ingressa em setores onde apenas homens comandavam. Até mesmo um Ministério das Mulheres[2] foi criado para garantir ainda mais seus direitos e também uma de fortalecer a classe feminina.
Obviamente, que a evolução dos direitos das mulheres não pararam por aí. Dentre eles, cita-se o primeiro tratado internacional dos direitos das mulheres, pois a sua discussão permitiu a promulgação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Disciminação contra a Mulher (CEDAW), em 1979, pela ONU. A Convenção é considerado um marco na história dos direitos das mulheres. No Brasil, pode-se citar a Lei maria da Penha promulga em 7 de agosto de 2006.
3.1 Tipificação da violência
Há uma preocupação do legislador não somente em definir a violência doméstica e familiar, bem como especificar suas formas, até porque, no âmbito do Direito Penal regem os princípios da taxatividade e da legalidade, sede em que não se admitem conceitos vagos.
Ainda assim, o rol trazido pela Lei não é exaustivo, pois o art. 7.º utiliza a expressão “entre outras”. Portanto, não se trata de numerus clausus, podendo haver o reconhecimento de ações outras que configurem violência doméstica e familiar contra a mulher. As ações fora do elenco legal podem gerar a adoção de medidas protetivas no âmbito civil, mas não em sede de Direito Penal, pela falta de tipicidade (DIAS, 2015, p.46).
Além das sequelas decorrentes do reconhecimento do delito como violência doméstica, como o aumento da pena (CP, art,. 61, II, f ), sujeita-se o réu às demais vicissitudes que impõe a Lei Maria da Penha. Assim, mesmo que o crime possa ser reconhecido como de pequeno potencial ofensivo, a ação não tramita nas Varas dos Juizados Especiais Criminais – JECrims, mas nas Varas Criminais, enquanto não instalados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – JVDFMs. No entanto, não faz jus o réu às benesses da Lei dos Juizados Especiais.
A partir do momento que compreende-se a Lei Maria da Penha como mecanismo legal que combate violência doméstica e familiar contra a mulher, tal violência pode ser tipificada da seguinte forma:
3.1.1 Violência física
Conforme a Lei n.º 11.340/2006, em seu art. 7.º, inc. I: “a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.” Ainda que a agressão não deixe marcas aparentes, o uso da força física que ofenda o corpo ou a saúde da mulher constitui vis corporalis, expressão que define a violência física.
A integridade física e a saúde corporal são protegidas juridicamente pela lei penal (CP, art. 129). A violência doméstica já configurava forma qualificada de lesões corporais, foi inserida no Código Penal em 2004, com o acréscimo do § 9.º ao art. 129 do CP: “Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”. A Lei Maria da Penha altera a pena desse delito: de 6 meses a um ano, a pena passou de 3 meses para 3 anos.
Ainda que não tenha havido mudança na descrição do tipo penal, ocorreu a ampliação do seu âmbito de abrangência. Como foi dilatado o conceito de família, albergando também as unidades domésticas e as relações de afeto, a expressão “relações domésticas” constante do tipo penal passa a ter uma nova leitura (DIAS, 2015, p.47). Não só a lesão dolosa, também a lesão culposa constitui violência física, pois nenhuma distinção é feita pela lei sobre a intenção do agressor.
3.1.2 Violência psicológica
Fica evidenciado na Lei n.º 11.340/2006, no art. 7.º, inc. II: “a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar as suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e autodeterminação.”
Trata-se de previsão que não estava contida na legislação pátria, mas a violência psicológica foi incorporada ao conceito de violência contra mulher na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica, conhecida como Convenção de Belém do Pará. É a proteção da auto-estima e da saúde psicológica. Consiste na agressão emocional (tão ou mais grave que a física). O comportamento típico se dá quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima, demonstrando prazer quando vê o outro se sentir amedrontado, inferiorizado e diminuído, configurando a vis compulsiva (DIAS, 2015, p.48).
A violência psicológica encontra forte alicerce nas relações desiguais de poder entre os sexos. É frequente, mas nem sempre denunciada. A vítima muitas vezes nem se dá conta que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos, são violência e devem ser denunciados. Para a configuração do dano psicológico não é necessária a elaboração de laudo técnico ou realização de perícia. Reconhecida pelo juiz sua ocorrência, cabível a concessão de medida protetiva de urgência. Praticado algum delito mediante violência psicológica, a majoração da pena se impõe (CP, art. 61, II, f ).
3.1.3 Violência sexual
A Lei n.º 11.340, em seu artigo 7.º, III: “a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.”
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica – chamada Convenção de Belém do Pará – reconheceu a violência sexual como violência contra mulher. Ainda assim, houve uma certa resistência da doutrina e da jurisprudência em admitir a possibilidade da ocorrência de violência sexual nos vínculos familiares. A tendência sempre foi identificar o exercício da sexualidade como um dos deveres do casamento, a legitimar a insistência do homem, como se eu estivesse ele a exercer um direito (DIAS, 2015, p.49).
O Código Penal é mais severo com relação aos crimes perpetrados com o abuso da autoridade decorrente de relações domésticas. Assim, reconhece como circunstâncias que sempre agravam a pena o fato de o crime ter sido praticado (CP, art. 61, II, e ): “contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge”; e (CP, art. 61, II, f ): “com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.” A Lei Maria da Penha inseriu neste dispositivo legal mais uma hipótese: “com violência contra a mulher na forma da lei específica”. Com este acréscimo, assim ficou redigido o dispositivo (CP, art. 61, II, f ): “com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com a violência contra a mulher na forma da lei específica.”
Todos os delitos, se cometidos no âmbito das relações domésticas, familiares ou de afeto constituem violência doméstica, e o agente submete-se à Lei Maria da Penha. Mesmo o delito de assédio sexual, que está ligado às relações de trabalho, pode constituir violência doméstica quando, além do vínculo afetivo familiar, a vítima trabalha para o agressor.
A lei penal, além de definir o crime e estabelecer pena à prática de cada um dos crimes sexuais, determina que a pena seja aumentada da metade quando (CP, art. 226, II): “o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.” As hipóteses previstas na Lei Maria da Penha como configuradoras de violência sexual tem um espectro bem maior. Porém, o legislador não teve o cuidado de ampliar as hipóteses em que reconhece que os crimes sexuais configuram violência doméstica. Com o advento da Lei Maria da Penha, foram estabelecidos novos contornos à violência sexual. Indispensável que a remissão à violência doméstica fosse acrescentada também à majorante, como foi feito com o art. 61, II, f. Em face do descuido da lei, a violência sexual cometida no âmbito doméstico enseja o aumento da pena por incidência da agravante genérica (CP, art. 61, II, f ), mas não é uma majorante dos crimes sexuais (CP, art. 226, II) (DIAS, 2015, p.49).
Os delitos sexuais são identificados pela lei como de ação privada, a depender de representação da vítima. No entanto, quando o crime é perpetrado com abuso do poder familiar, por padrasto, tutor ou curador, a ação é pública incondicionada.
A segunda parte do inciso III do art. 7.º da Lei Maria da Penha enfoca a sexualidade sob o aspecto do exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. Trata-se de violência que traz diversas consequências à saúde da mulher. A própria Lei assegura à vítima acesso aos serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodependência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis (art. 9º, § 3.º).
Tais providências objetivam evitar a gravidez indesejada decorrente de relação sexual não consentida. Aliás, a Lei 9.263/1996, a Lei do Planejamento Familiar, assegura o acesso à contracepção pelo Sistema Único de Saúde. A vítima precisa ter acesso não só ao medicamento que se popularizou como “pílula do dia seguinte”, como ao aborto que é permitido, quando a gravidez resulta de estupro. Porém, todos sabem da dificuldade de comprovar que se trata de violência sexual quando existe um vínculo de convivência entre o abusador e a vítima (DIAS, 2015, p.51).
De qualquer forma, para a interrupção da gravidez que decorreu de violência sexual não é necessária autorização judicial, até porque se trata de exercício de direito assegurado na lei que não impõe essa condição. Ainda que não tenha intenção de mover ação penal contra o seu algoz, deve a vítima proceder ao registro da ocorrência, e com tal documento comparecer à rede hospitalar pública. No entanto, em face da resistência dos hospitais realizarem o procedimento, acabam as vítimas tendo que se socorrer da Justiça.
3.1.4 Violência patrimonial
Art. 7º da Lei n.º 11.340, inc. IV: “a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
A partir da nova definição de violência doméstica, assim reconhecida também a violência patrimonial, não se aplicam as imunidades absolutas ou relativas dos arts. 181 e 182 do Código Penal quando a vítima é mulher e mantém com o autor da infração vínculo de natureza familiar.
Não há mais como admitir o injustificável afastamento da pena ao infrator que pratica um crime contra sua cônjuge ou companheira, ou, ainda, alguma parente do sexo feminino. Aliás, o Estatuto do Idoso, além de dispensar a representação, expressamente prevê a não aplicação desta excludente da criminalidade quando a vítima tiver mais de 60 anos (DIAS, 2015, p.52).
A Lei Maria da Penha reconhece como violência patrimonial o ato de “subtrair” objetos da mulher, o que nada mais é do que simplesmente furtar. Assim, se subtrair para si coisa alheia móvel configura o delito de furto, quando a vítima é mulher com quem o agente mantém relação de ordem efetiva, não se pode mais reconhecer a possibilidade de isenção da pena. O mesmo se diga com relação à apropriação indébita e ao delito de dano.
É violência patrimonial “apropriar” e “destruir”, os mesmos verbos utilizados pela lei penal pra configurar tais crimes. Perpetrados contra a mulher, dentro de um contexto de ordem familiar, o crime não desaparece e nem fica sujeito à representação. Além de tais condutas constituírem crimes, se praticados contra a mulher com que o agente mantém vínculo familiar ou afetivo, ocorre o agravamento da pena (CP, art. 61, II, f).
Não é necessário que o encargo alimentar esteja fixado judicialmente. Mesmo durante a vida em comum, deixar de pagar pensão e os meios de assegurar a subsistência da esposa ou da companheira, que não tem meios de prover a própria subsistência, além de violência doméstica, o homem pratica o crime de abandono material.
3.1.5 Violência moral
Art. 7.º da Lei n.º 11.340/2006, V: “a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”
A violência moral encontra proteção penal nos delitos contra a honra: calúnia, difamação e injúria. São denominados delitos que protegem a honra, mas, cometidos em decorrência de vínculo de natureza familiar ou afetiva, configuram violência moral. Na calúnia, o fato atribuído pelo ofensor à vítima é definido como crime; na injúria não há atribuição de fato determinado. A calúnia e a difamação atingem a honra objetiva; a injúria atinge a honra subjetiva. A calúnia e a difamação consumam-se quando terceiros tomam conhecimento da imputação; a injúria consuma-se quando o próprio ofendido toma conhecimento da imputação (DIAS, 2015, p.54).
Estes delitos, quando são perpetrados contra a mulher no âmbito da relação familiar ou afetiva, devem ser reconhecidos como violência doméstica, impondo-se o agravamento da pena (CP, art. 61, II, f ). De um modo geral são concomitantes à violência psicológica.
4 MEDIDAS DE PROTEÇÃO DE URGÊNCIA E SUA APLICAÇÃO: DILEMAS E DESAFIOS
Outro avanço contido na Lei Maria da Penha diz respeito às medidas protetivas. Trata-se de uma forma de coibir agressões de qualquer um dos tipos de violência vivenciado pelo gênero feminino. Poderá a vítima solicitar a medida ao Ministério Público ou autoridade policial, que irá direcionar o pedido ao Judiciário.
Ademais, pelo caráter de urgência, a lei prevê que a autoridade judicial deverá decidir sobre o pedido (liminar) no prazo de 48 horas após o protocolo, independe de audiência das partes e da manifestação do Ministério Público, ou seja, a decisão tem caráter liminar. Frisando que após a concessão das medidas protetivas é que o agressor é comunicado, passando a estar obrigado desde sua intimação.
Conforme os artigos 22 a 24 da Lei n.º 11.340/2006, são dois tipos de medidas protetivas de urgência. Aquelas que obrigam o agressor a não praticar determinadas condutas e as medidas que são direcionadas à mulher e seus filhos, visando protegê-los. Salienta-se que, com a proibição do agressor manter qualquer tipo de contato com a agredida, cumulando para filhos e testemunhas, veda-se também o contato por qualquer uma das redes sociais.
Considera-se o artigo 22 da referida lei que estabelece um rol de medidas protetivas de urgência que o juiz ou juíza pode determinar, tais como: proibição ou restrição do uso de arma por parte do agressor, afastamento do agressor da casa, proibição do agressor de se aproximar da mulher agredida, restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, obrigatoriedade da prestação de alimentos provisórios, restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor, proibição de venda ou aluguel de imóvel da família sem autorização judicial, dpósito de valores correspondentes aos danos causados pelo agressor e etc. Além disso, a Lei n. 13.641/2018 altera dispositivos da Lei n. 11.340/2006, tornando crime o descumprimento de medidas protetivas de urgência expedidas em razão de violência doméstica (CAMPOS, 2011).
Já para os casos de medida protetiva de urgência para auxílio e amparo das vítimas, têm-se os artigos 23 e 24. Nessa perspectiva, é tácita a tentativa do Poder Público de proteção da mulher, adequando-se ao que determina a Constituição Federal no § 8º do artigo 226, quando determina sanções mais rígidas e formas de prestar assistência e proteção a quem sofre violência doméstica.
No mesmo sentido, outro acréscimo à legislação é a Lei n.º 13.641/2018, a qual alterou a Lei Maria da Penha incluindo o artigo 24-A, tornando crime o descumprimento das medidas protetivas de urgências dos artigos 22 a 24 da Lei 11.340/2006. Tal inovação legal pôs fim a divergência no Judiciário, vez que apesar de outros entendimentos, o STJ havia julgado anos atrás que o descumprimento de medidas protetivas de urgência não caracterizava crime de desobediência. Agora, para reforçar tal análise, traz-se decisão posterior à Lei n.º 13.641/2018 do próprio STJ:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL. AMEAÇA. LEI MARIA DA PENHA. PRISÃO PREVENTIVA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA ANTERIORMENTE DECRETADA. REITERAÇÃO. NECESSIDADE DE GARANTIR A INTEGRIDADE DA VÍTIMA. IMPOSSIBILIDADE DE PROGNOSE QUANTO À EVENTUAL APLICAÇÃO DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. RECURSO DESPROVIDO.
1.A privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico (art. 5º, LXI, LXV e LXVI, da CF). Assim, a medida, embora possível, deve estar embasada em decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da CF), que demonstre a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Exige-se, ainda, na linha perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a decisão esteja pautada em motivação concreta, vedadas considerações abstratas sobre a gravidade do crime.
2.Conforme se extrai do auto de prisão em flagrante, a vítima já havia sido agredida em ocasião pretérita aos fatos (ação penal 000106-45.2017.8.12.0037), com imposição de medidas protetivas, as quais foram descumpridas pelo paciente. Tais fatos demonstram sua periculosidade e a possibilidade de reiteração na prática do delito de violência contra a mulher, cuja proteção, nesse momento, é prioritária. Precedentes.
3.Não é possível a realização de uma prognose objetiva em relação à futura pena a ser aplicada ao recorrente no caso de eventual condenação, em razão, principalmente, da existência de outro processo contra o paciente pela prática de delito praticado contra a mesma vítima, no contexto da lei Maria da Penha, além dos elementos fáticos e probatórios a serem analisados pelo juízo sentenciante.
4.A presença de circunstâncias pessoais favoráveis não tem o condão de garantir a revogação da prisão se há nos autos elementos hábeis a justificar a imposição da segregação cautelar, como na hipótese.
5.Recurso ordinário desprovido.
(STJ – RHC 97.315/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 24/05/2018, DJe 01/06/2018)
Expõe-se, ainda, que em tal crime há possiblidade de concurso de pessoas e o partícipe incorreria nas penas do artigo 24-A quando, por exemplo, no caso de conhecedor da decisão que deferiu a medida protetiva de urgência, que proíbe qualquer contato entre o agressor e a vítima, este age enviando uma correspondência do agente para a ofendida (STJ, 2018).
Outrossim, o crime pode ocorrer ainda em sua modalidade tentada. Tal fenômeno ocorreria quando, como no exemplo acima, uma terceira pessoa interceptar a carta ou ler a mensagem e, após, acionar a polícia.
Vale a pena ressaltar alguns pontos da Lei Maria da Penha, como o que está contido no enunciado 536 do STJ, que diz: “A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha” (STJ. 3ª Seção. Aprovada em 10 de junho de 2015, Dje 15/06/2015).
Assim, confirma-se a impossibilidade de aplicação dos benefícios da lei dos juizados especiais a este crime, em face dos institutos despenalizadores serem absolutamente incompatíveis com a Lei n.º 11.340/2006. Nesse sentido, aduz Guilherme de Souza Nucci (2016, p.52):
Onde se lê crimes, leia-se, em verdade, infração penal, o que permite abranger a contravenção penal. Ilustrando, se vias de fato (art. 21, Lei de Contravenções Penais) forem cometidas contra a mulher, no âmbito doméstico, cuida-se de contravenção penal não sujeita à Lei 9.099/95, pois esse é o escopo da Lei n.º 11.340/2006.
Outro ponto importante é tentativa de aplicação do “princípio da bagatela”, quando a vítima, mesmo após representar criminalmente, solicitar medidas protetivas, retoma o relacionamento com o agressor. Alegando que o Estado não pode impor sua vontade na relação doméstica das partes.
Contudo, mesmo após quase dezesseis anos da criação da Lei Maria da Penha, ainda com constantes embates para sua aplicação no dia a dia das vítimas que deveriam ver-se protegidas, é possível observar diversos pontos passíveis de evolução.
Nesse interim, destaca-se sobretudo a evolução no que se refere ao trabalho de informação e conscientização oferecido para a sociedade, acesso das vítimas às formas de denúncia, e ainda, de punição dos agentes agressores. Destaca-se também que tão importante quanto a aplicação da lei e seu fortalecimento, é que esta também possua métodos e previsões para conscientizar, incluindo aqueles que cometem violência doméstica. Assim como desenvolver políticas educacionais e públicas nesse sentido que alcance o maior número de sujeitos.
A mera criminalização da conduta não garante a efetividade da norma. Assim como ainda que tenha sua aplicabilidade números e índices interessantes, não se torna suficiente para atingir e finalidade, qual seja, resguardar mulheres de violências sofridas.
Não mais é vedada a permissão de fiança pela autoridade policial nos crimes relacionados, a intenção do legislador foi retirar o crime do art. 24-A da esfera das infrações de menor potencial ofensivo, como ocorre com as demais infrações penais referentes à violência doméstica e familiar contra a mulher. Cabe ao juiz analisar o cabimento da fiança e esclarecer a gravidade do que o legislador atribui ao delito.
Conforme o disposto no § 2º do art. 24-A, em situações de prisão em flagrante somente a autoridade judicial pode conceder fiança. Corresponde a uma limitação em relação ao que dispõe o Código de Processo Penal. O § 3º do art. 24-A explica que a caracterização do crime de desobediência não prejudica a aplicação das demais sanções cabíveis em decorrência do descumprimento das medidas protetivas, inclusive as com caráter civil e restritivas de direito.
Ainda, as medidas protetivas podem progressivamente evoluir até a decretação da prisão preventiva. É comum observar situações em que as mulheres vítimas de violência têm decretada em seu favor uma medida, mas na realidade, o agressor acaba ignorando a ordem judicial. Nos dias de hoje, além das consequências processuais que podem surgir com o descumprimento da medida, há também o crime específico dessa ação que garantirá a punição do agressor reincidente.
5 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DIANTE DA INEFICÁCIA PARA GARANTIR AS MEDIDAS PROTETIVAS
É comum encontrarmos no noticiário da TV ou mesmo em sites na internet ou redes sociais histórias acerca de mulheres vítimas de violência doméstica mesmo após terem conseguido as chamadas medidas acautelatória de urgência, expressas no artigo 22 e seguintes, cuja finalidade é estagnar a violência doméstica e familiar contra a mulher com mecanismos eficientes que possam imobilizar a ação do infrator antes que o pior aconteça. Infelizmente, a realidade está bem diferente do que preconiza a teoria da legislação.
É notório que mesmo após a denúncia e obtendo as medidas de proteção, as mulheres ainda correm sérios riscos de serem assassinadas ou pelo menos agredidas novamente, já que não é praticamente impossível evitar o agressor aparecer de repente e não há como aguardar a chegada da autoridade policial. Portanto, a mulher está quase sempre sozinha nessa luta pela vida. O estado tem muitas responsabilidade e o seu aparato é insuficiente para atender todas as usuárias de forma plena e satisfatória.
Conforme dados do Ministério da Saúde, as taxas de homicídio feminino tiveram um pequeno decréscimo no primeiro ano de vigência da Lei Maria da Penha (2006), mas voltaram a crescer rapidamente, chegando em 2010 aos patamares de 1996, isto é, de 5 homicídios a cada 100 mil mulheres (BRASIL, 2016).
Fica claro que as regras, leis e normas que combater a violência doméstica contra a mulher foram estabelecidas pela Lei Maria da Penha (2006) que provocou redução considerável, mas tal redução não foi sustentada, tendo atingido índices altíssimos nos anos seguintes.
Uma das grandes novidades foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher – JVDFMs, com competência cível e criminal, outro ponto importante é que foi devolvida à autoridade policial a prerrogativa investigatória, cabendo-lhe instalar o inquérito. A Lei proíbe a aplicação de pena pecuniária, multa ou a entrega de cesta básica e permite a prisão preventiva do ofensor, também permite que o juiz determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. Além de que o juiz deve adotar medidas que façam cessar a violência, como determinar o afastamento do agressor do lar e impedi-lo que se aproxime da vítima (SOUZA, 2015, p.23).
A responsabilidade civil do estado consiste em reparar economicamente os danos causados a terceiros na área patrimonial ou moral, cuja obrigação estatal tem sido cada vez mais ampliada para garantir os direitos constitucionais garantidos pelos cidadãos. Essa forma de compensação não apenas inclui atos ilegais do Estado, mas também busca compensação por atos lícitos das autoridades do Estado e por omissão, desde que esse seja um fato prejudicial para a vítima e o elo entre o ato ou omissão do Estado e comprovou o dano.
A responsabilidade financeira do Estado por compensação pode ser em termos de proteção e responsabilidade do estado pela violência contra as mulheres nos vários ramos. O problema central a ser explicado é a violação de um direito fundamental, garantido pela constituição federal de 1988 (OLIVEIRA, 2011).
Isso significa que a segurança como fator de responsabilidade do Estado deve ser amplamente monitorada e garantida pelos órgãos de gestão, uma vez que é uma tarefa definida normativamente. No entanto, quais seriam os limites da unidade federal para a intervenção e proteção desses direitos na família - violência doméstica - e também social - violência no trabalho, na rua e similares (GUERRA, 2010, p.58).
No que diz respeito à responsabilidade civil do Estado, deve-se notar que a obrigação de fazer as pazes decorre do fato de que nenhuma ação é tomada para evitar violações da lei por várias razões, não apenas nos casos em que nenhuma medida de redução é aplicada. O não cumprimento de uma ação preventiva prejudica a comunidade, neste caso as mulheres que sofrem violência devido à inoperabilidade do estado, razão pela qual o estado fará reparações no campo civil (OLIVEIRA, 2011).
O artigo 5, caput, da constituição federal de 1988 fornece segurança como um direito fundamental de todos os cidadãos. Portanto, é óbvio que a boa administração está vinculada à garantia desse direito. Atos que violam a proteção da vida devem, portanto, ser reparados pelo Estado, uma vez que não basta criar mecanismos, mas implementá-los para solucionar o problema.
5.1 Teoria da responsabilidade subjetiva
A teoria subjetiva aponta que o elemento culpa compõe, em regra, um dos aspectos necessários para a responsabilidade civil. No Código Civil, pode-se percebê-la lendo o artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente”.
Seguindo orientações de Maria Helena Diniz, o ato ilícito, presente no artigo supracitado, compreende o comportamento humano contrário às normas jurídicas e que infringe direito subjetivo de outrem, gerando dano patrimonial e/ou moral, estabelecendo-se o dever de repará-lo, nos termos dos arts. 927 e 944 do Código Civil (DINIZ, 2009).
A reponsabilidade subjetiva fundamenta-se no elemento subjetivo, na intenção do agente. Para sua caracterização, depende-se da comprovação de quatro elementos: a conduta estatal; o dano, condição indispensável para que a indenização não gere enriquecimento ilícito; o nexo de causalidade entre a conduta e o dano; e o elemento subjetivo, a culpa ou dolo do agente. Esses elementos são indispensáveis e devem ser considerados de forma cumulativa, gerando a ausência de qualquer um deles, a exclusão da responsabilidade
A responsabilidade subjetiva é baseada justamente no elemento subjetivo, na intenção do agente. Sua caracterização, depende que quatro elementos sejam comprovados: Conduta do estado; Dano, um requisito essencial para que a compensação não cause enriquecimento ilegal; Nexo causal entre conduta e dano; Elemento subjetivo, culpa ou dolo do agente. Tais elementos são vitais e devem ser visualizados cumulativamente, a ausência de um desses elementos leva à exclusão de responsabilidade (MARINELA, 2016).
5.2 Responsabilidade objetiva do Estado
A Teoria objetiva, também conhecida como teoria da responsabilidade sem culpa ou teoria publicista, existe desde 1947 e perpetua até os dias atuais. “A teoria objetiva foi reconhecida desde a Constituição Federal de 1946 e é adotada até os dias de hoje” (MARINELA, 2016).
A teoria da responsabilidade objetivo fundamenta-se na noção de “risco administrativo”, não necessitando comprovar culpa ou dolo do agente público. Para Carvalho (2017) os elementos que caracterizam a responsabilidade objetiva são:
a) Conduta (lícita ou ilícita) – praticada por um agente público, atuando nessa qualidade;
b) Dano – causado a um bem protegido pelo ordenamento jurídico, ainda que exclusivamente moral;
c) Nexo de causalidade, ou a demonstração de que a conduta do agente foi preponderante e determinante para a ocorrência do evento danoso ensejador da responsabilidade”.
Sendo assim, a responsabilidade objetiva é norma no Brasil, todavia, doutrina e jurisprudência acolhem ser possível conciliá-la com a responsabilidade subjetiva, nos casos decorrentes de atos omissivos (MARINELA, 2016).
5.3 Responsabilidade estatal no direito positivo brasileiro
É notório que há bastante tempo o Brasil enfrenta problemas na segurança pública, com destaque para os presídios superlotados, falta de controle das fronteiras, tráfico de drogas, armas, animas e outros. No entanto, destaca-se aqui neste trabalho, a responsabilidade civil do Estado diante da ineficácia para garantir as medidas protetivas nos casos de violência doméstica.
Diariamente, em diferentes regiões do país, mulheres são violentadas, agredidas e assassinadas por seus ex-companheiros, em algumas situações, já deferida as medidas de proteção após a denúncia oficializada. No entanto, não foi suficiente para garantir o direito à vida e preservar a dignidade humana.
Na visão de Gasparini (2012, p.1122) responsabilidade civil do Estado pode ser conceituada como sendo “a obrigação que se lhe atribui de recompor os danos causados a terceiros em razão de comportamento unilateral comissivo ou omissivo, legítimo ou ilegítimo, material ou jurídico, que lhe seja imputável”.
Salienta-se que a compreensão doutrinária e jurídica de responsabilidade estatal no direito positivo brasileiro é muito diferente. Nos deparamos com casos semelhantes, nos quais são observados parâmetros divergentes para a caracterização da obrigação de indenização estatal.
Compreende-se que as teorias subjetiva e objetiva, adotadas pelo Código Civil de 2002, seguindo a técnica legislativa, o modelo de responsabilidade civil, prevalecendo, as visões jurisprudenciais e doutrinárias pela necessidade de demonstração, em regra, da culpa genérica.
No entanto, nota-se que há uma tendência a reconhecer a exata responsabilidade do Estado por omissões. E sobre o tema investigado, obviamente que há omissão do Estado que não consegue aplicar na prática de forma efetiva, as medidas protetivas nos casos de violência doméstica. Portanto, o ente público é responsável pelos crimes cometidos por companheiros agressores que não deveriam sequer se aproximar da vítima, muitas vezes a ex-mulher ou namorada que não quis mais continuar a relação.
Essa falta de controle e constante casos de feminicídios em todos o Brasil por mulheres após as denúncias, e após serem beneficiadas pelas medidas protetivas apenas confirma a infraestrutura precária que passa a segurança pública, pois é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, conforme previsto na Constituição Federal.
5.4 Alterações recentes da Lei Maria da Penha
Nos últimos anos, a Lei Maria da Penha passou por algumas mudanças, somente em 2019, seis normas. Entre os exemplos, a Lei nº 13.827/19 permitiu a adoção de medidas protetivas de urgência e o afastamento do agressor do lar pelo delegado. O mesmo dispositivo determinou ainda que o registro da medida protetiva de urgência seja feito em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Dando continuidade, a Lei n.º 13.836/19 tornou obrigatório informar quando a mulher vítima de agressão doméstica ou familiar é pessoa com deficiência. Cita-se também a responsabilidade do agressor pelo ressarcimento dos serviços prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no atendimento às vítimas de violência doméstica e familiar e aos dispositivos de segurança por elas utilizados (BRASIL, 2022).
O portal do Governo Federal informou que em outubro de 2019, as Leis nº 13.882/19 e 13.880/19 abrangeram que a garantia de matrícula dos dependentes da mulher vítima de violência doméstica e familiar em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio; e a apreensão de arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica. Entre os dispositivos, antecipou a competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento ou dissolução de união estável. A norma instituiu a prioridade de tramitação dos procedimentos judiciais em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar. Em 2020, a Lei nº 13.984/20 estabeleceu obrigatoriedade referente ao agressor, que deve frequentar centros de educação e reabilitação e fazer acompanhamento psicossocial.
Em 2021, foi sancionada a Lei nº 14.188/21, que incluiu a existência da violência psicológica como item para o afastamento do lar. Foram publicadas três normas diretamente relacionadas à Lei Maria da Penha. Entre elas, a Lei nº 14.132/21, que inclui artigo no Código Penal (CP) para tipificar os crimes de perseguição (stalking), e a Lei nº 14.149/21, que institui o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, com o intuito de prevenir feminicídios. A Lei n° 14.164/21 altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para incluir conteúdo sobre a prevenção à violência contra a mulher nos currículos da educação básica, além de instituir a Semana Escolar de Combate à violência contra a Mulher, a ser celebrada todos os anos no mês de março (BRASIL, 2022).
Mais recentemente, em decisão inédita, “a sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a Lei Maria da Penha pode ser aplicada para mulheres transexuais. Foi a primeira vez que a questão foi julgada pelo tribunal e serve de precedente para que outras instâncias da Justiça sigam esse entendimento”, Falcão e Vivas (2022, p.2).
É relevante destacar que diversos projetos de lei tramitam no Congresso Nacional com a finalidade de promover diversas emendas à Lei Maria da Penha. A Lei 11.340/2006 é uma das conquistas da luta das mulheres por maiores benefícios, garantias e proteção. É sempre importante falar sobre sua história, mudanças e aplicação para entender que é uma das maiores, senão a maior, lei de proteção à mulher em território brasileiro e não é por acaso que é considerada pela Organização das Nações Unidas – ONU como uma das três melhores leis do mundo que visam proteger as mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei n.º 11.340/2006 – chamada Maria da Penha foi criada no intuito de resgatar a cidadania feminina que por muito tempo esteve prejudicada devido a impunidade de décadas e décadas num país que não permitia que a mulher ocupasse o lugar que ela merece e conquista a cada dia.
No geral, a lei possibilita mecanismos para reduzir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Ninguém duvida que será difícil tirá-la do papel, transformá-la em uma lei efetiva. Para isso o intérprete precisa se inteirar ao máximo do seu conteúdo e se deixar encantar com a forma atenta de como a vítima passou a ser protegida. Este é o único caminho para assegurar efetividade à nova legislação: minimizar os severos índices que a violência doméstica atingiu.
Não se pode negar que no início a lei foi recebida com desconfiança, visto que foi alvo de duras críticas é muitas vezes rotulada como inconveniente e inconstitucional. Na maioria dos homens, existe uma tendência para não qualificá-la. Agora, de acordo com a nova lei, a vítima será ouvida, sempre estará acompanhada de defensor e receberá proteção não só da autoridade policial, mas da própria Justiça que, de forma imediata, deverá adotar medidas protetivas de urgência.
Evidente que para a justiça agir e todo processo que investiga determinada violência doméstica seja concluído com êxito, é necessário que a vítima compareça à delegacia da mulher, bem como, realize o exame de corpo e delito no Instituto Médico Legal, porém, constata-se que muitas vezes a mulher não dá continuidade a denúncia contra o companheiro e acaba por desistir e, consequentemente, sofre agressões ainda maiores e fica com medo de denunciar novamente.
É inadmissível que a mulher conviva com um marido que não a respeite e a ameace diariamente, e até mesmo os filhos correm risco de sofrer lesões sérias e abalos psicológicos que serão lembrados por toda a vida. Um aspecto positivo observado, é que as mulheres estão conscientes da importância de denunciar seus companheiros, portanto, o número de denúncias nos últimos anos aumentou consideravelmente.
Portanto, as autoridades públicas devem tomar as medidas necessárias para fornecer apoio adequado às vítimas e implementar medidas para combater a violência doméstica, a fim de garantir o exercício pleno da cidadania e o reconhecimento dos direitos humanos por meio de medidas para fortalecer o vínculo entre as vítimas. Prepare-os para evitar a violência em casa.
Enquanto a lei é aplicada, as autoridades não podem acelerar a resposta da polícia a incidentes e proteger as mulheres vítimas de violência doméstica. Dessa forma, a Lei n.º 11.340/06 mostra eficácia e competência, mas se não for aplicada bem, cria impunidade, e isso não se deve à falta de lei, mas à falta de implementação. Cabe, portanto, às autoridades competentes implementar adequadamente a lei de proteção das mulheres vítimas de violência doméstica.
Portanto, acredita-se que o objetivo foi alcançado e a problemática respondida, pois não pretende-se em hipótese alguma esgotar o tema, mas sim torná-lo mais discutido por acadêmicos de Direito, professores, sociedade em geral e claro, as mulheres que não conhecem seus direitos previsto na legislação brasileira e as medidas protetivas que lhe são ofertadas pela Justiça.
REFERÊNCIAS
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RAO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. Vol. 1, São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 1991.
[1] Advogada; Professora Mestra em Educação pela PPGFOPRED – UFMA; Especialista em Ciências Penais e Direito Público – Unisul. E-mail: [email protected]
[2] Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos é um dos Ministérios que compõem o gabinete executivo do Governo Federal. Instituído pelo ex-presidente Fernando Henrique em 1997 e extinto em 2016, após a posse de Michel Temer e recriado em 2017 pelo mesmo, desta vez sob o nome de Ministério dos Direitos Humanos. No Governo Bolsonaro, a pasta foi transformada em Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, englobando as políticas indígenas.
Graduando em Direito pela Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão (UNISULMA)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Honney de Mello. Responsabilidade civil do Estado na garantia de medidas protetivas nos casos de violência doméstica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 abr 2022, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58243/responsabilidade-civil-do-estado-na-garantia-de-medidas-protetivas-nos-casos-de-violncia-domstica. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Danilo Eduardo de Souza
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