RESUMO: O Auxílio Reclusão é um benefício de caráter previdenciário que visa suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado que esteja recluso da sociedade em decorrência de algum ato infrator. O tema gera inúmeros embates, tanto por sua atual disposição ser considerada, em alguns pontos, inconstitucional, como por ser mal visto por grande parcela da sociedade. Este último fato é decorrente de décadas de estigmatização da população carcerária no Brasil e toda desinformação amparada, muitas vezes, por instrumentos midiáticos. Assim sendo, o artigo apresenta como objetivo a realização de uma abordagem acerca da maioria das polêmicas que envolvem a inclusão do Auxílio Reclusão na legislação brasileira, bem como a importância da elucidação das suas reais características e requisitos perante à sociedade. Para tanto, contamos com uma metodologia qualitativa, dedutiva e bibliográfica, dividindo o trabalho, basicamente, em três seções. Por fim, foi possível concluir a necessidade da disposição de mais conteúdos que tratem das reais características do auxílio em questão, principalmente em veículos de comunicação, a fim de que haja um pleno incentivo da utilização do senso crítico popular. Desse modo, poderemos vislumbrar o maior entendimento de que o assunto tem os devidos aparatos e requisitos legais, sendo indispensável no cenário brasileiro.
Palavras-chave: Benefício Previdenciário. Estigmatização. População carcerária.
ABSTRACT: The Auxílio Reclusão is a social security benefit that aims to meet the basic needs of the insured person's dependents who are incarcerated from society as a result of an infringing act. The theme generates numerous conflicts both because its current disposition is considered unconstitutional in some points and because it is frowned upon by a large portion of society. This last fact is due to decades of stigmatization of the prison population in Brazil and all misinformation supported often by media instruments. Therefore the article aims to carry out an approach to the majority of controversies involving the inclusion of Auxílio Reclusão in Brazilian legislation as well as the importance of elucidating its real characteristics and requirements before society. For that we have a qualitative, deductive and bibliographical methodology dividing the work in three sections basically. Finally it was possible to conclude that there is a need to provide more content that addresses the real characteristics of aid, especially in the media in order to fully encourage the use of popular critical sense. In this way we will be able to glimpse a greater understanding that the matter has the proper apparatus and legal requirements being indispensable in the Brazilian scenario.
Keywords: Prison population. Social Security Benefit. Stigmatization.
1 INTRODUÇÃO
O Auxílio Reclusão é um benefício financeiro criado para que os dependentes do segurado de baixa renda que esteja preso tenham um amparo perante sua retirada da sociedade. Tal ferramenta é usada para que a família do indivíduo recluso não fique repentinamente desprovida de ajuda a partir da ausência deste, principalmente se ele for o único provedor da renda da casa.
Semelhante ao ocorrido na Pensão por Morte, os indivíduos que têm direito ao auxílio aqui abordado são chamados de dependentes. Para receber essa denominação, obrigatoriamente, eles precisam depender economicamente do segurado recluso para conseguir se sustentar. Assim sendo, é nítida a importância desse contexto, à medida em que passa a atender às necessidades básicas desses cidadãos que ficam à deriva, como maneira de reduzir os prejuízos à sua qualidade de vida.
Contudo, o Auxílio Reclusão refere-se a um tema que acende uma polêmica social evidente, decorrente, muitas vezes, do desconhecimento do seu real sentido. Em discussões equivocadas, muitos sugerem que o amparo serviria de incentivo a práticas criminais, principalmente porque acredita-se que o valor é destinado ao próprio recluso. Assim sendo, o principal objetivo do presente artigo é realizar uma abordagem acerca da maioria das polêmicas que envolvem a inclusão do Auxílio Reclusão na legislação brasileira, bem como a importância da elucidação das suas reais características e requisitos perante à sociedade.
A fim de se alcançar o esperado, o artigo seguirá uma metodologia qualitativa, dedutiva e bibliográfica. Na definição de Richardson (2012, p.79-80), a pesquisa qualitativa refere-se “a busca por uma compreensão detalhada dos significados e características situacionais dos fenômenos”, tendo caráter exploratório. Triviños (1987) ainda complementa que:
A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta dos dados e o pesquisador como instrumento chave; é descritiva; os pesquisadores qualitativos estão preocupados com o processo e não simplesmente com os resultados e o produto; os pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente; o significado é a preocupação essencial na abordagem qualitativa (TRIVIÑOS, 1987, p. 128-132).
O trabalho será, portanto, seccionado em três partes. A primeira fará referência ao contexto histórico do aparecimento do Auxílio Reclusão no direito brasileiro. A segunda, contará com a disposição das discussões bibliográficas acerca da aplicabilidade atual de tal ferramenta. E, por fim, teremos a exposição dos questionamentos preconceituosos elencados por vários estratos da sociedade, atrelados a possíveis soluções para o real esclarecimento do tema.
2 DA INTRODUÇÃO E EVOLUÇÃO DO AUXÍLIO RECLUSÃO NO DIREITO BRASILEIRO
Diferente do que normalmente se acredita, o Auxílio Reclusão não é um benefício que emergiu recentemente na legislação brasileira. Apesar de estar previsto na nossa atual Constituição, no art. 201-IV, a discussão acerca da proteção familiar do infrator apareceu pela primeira vez na composição previdenciária brasileira no artigo 63 do Decreto número 22.872, de 29 de junho de 1933. Este acabou por estabelecer o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos:
Art. 63. O associado que não tendo família houver sido demitido do serviço da empresa, por falta grave, ou condenado por sentença definitiva que resulte perda do emprego, e preencher todas as condições exigidas neste decreto para a aposentadoria, poderá requerê-la, mas esta só lhe será concedida com metade das vantagens pecuniárias a que teria direito se não houvesse incorrido em penalidade. Parágrafo Único. Caso o associado esteja cumprindo pena de prisão, e tiver família sob sua exclusiva dependência econômica, a importância da aposentadoria a que se refere este artigo será paga ao representante legal de sua família, enquanto perdurar a situação de encarcerado (BRASIL, 1933).
A palavra “associado” no trecho supracitado refere-se aos segurados da Previdência Social, que, conforme abordam Castro e Lazzari (2009, p. 175), relacionam-se a pessoas físicas que desempenham atividade remunerada. Tal atividade pode ser de caráter efetivo ou eventual, estando, ainda, atribuída a uma natureza urbana ou rural, tendo (ou não) um vínculo empregatício. Um segurado pode ser definido também por um indivíduo que se filia de forma facultativa e espontânea à Previdência Social, contribuindo para o custeio das prestações sem estar vinculado obrigatoriamente ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS ou a outro regime previdenciário qualquer (CASTRO; LAZZARI, 2009, p. 175)
Seguindo a linha temporal sobre a evolução da inserção do Auxílio Reclusão no sistema legislativo brasileiro, o Decreto número 54 pertencente a setembro de 1934, também tratou sobre o assunto em seu artigo 67:
Art. 67. Caso o associado esteja preso, por motivo de processo ou cumprimento de pena, e tenha beneficiário sob sua exclusiva dependência econômica, achando-se seus vencimentos suspensos, será concedida aos seus beneficiários, enquanto perdurar essa situação, pensão correspondente à metade da aposentadoria por invalidez a que teria direito, na ocasião da prisão (BRASIL, 1934).
Outras inovações acerca do benefício ficaram visíveis com a promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), de 26 de junho de 1960, bem como afirma Catana (2008, p. 74). Considerada por muitos como a mais importante lei previdenciária brasileira, a norma “unificou e uniformizou os dispositivos infraconstitucionais relativos à Previdência Social, consolidando os benefícios a todos os trabalhadores urbanos, mantendo a exclusão dos trabalhadores rurais” (FRANCO et al., p. 4). Foi a partir dela que a expressão “Auxílio Reclusão” foi usada pela primeira vez na descrição legislativa, estando o artigo 43 disposta da seguinte forma:
Art. 43. Aos beneficiários do segurado, detento ou recluso, que não perceba qualquer espécie de remuneração da empresa, e que houver realizado no mínimo 12 (doze) contribuições mensais, a previdência social prestará auxílio-reclusão na forma dos arts. 37, 38, 39 e 40, desta lei. § 1.º O processo de auxílio-reclusão será instruído com certidão do despacho da prisão preventiva ou sentença condenatória. § 2.º O pagamento da pensão será mantido enquanto durar a reclusão ou detenção do segurado o que será comprovado por meio de atestados trimestrais firmados por autoridade competente (BRASIL, 1960).
Ainda que, com base no disposto até aqui, seja notório o fato do Auxílio Reclusão estar atrelado ao contexto legislativo brasileiro há tempos, a referida ferramenta teve uma recepção constitucional efetiva somente em 1988, sofrendo alteração pela Emenda Constitucional número 20, realizada em 15 de dezembro de 1998. Tal modificação promoveu a limitação da concessão somente aos dependentes dos segurados que possuam baixa renda (CATANA, 2008, p. 75). Ademais, vale ressaltar que a norma infraconstitucional que concretizou a delimitação do tema está prevista no artigo 80 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, a qual esclarece que o auxílio-reclusão apresenta as mesmas condições da pensão por morte:
Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço. Parágrafo único. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário (BRASIL, 1991).
Como dito anteriormente, em 1998 ficou evidenciada a criação de um novo requisito para concessão do auxílio, direcionando o seu recebimento apenas àqueles que fossem de baixa renda. Conforme aponta Da Silva (2016, p. 31), tal modificação representa um processo de inovação das políticas sociais na última década, especialmente da Previdência Social. A principal decorrência dessas mudanças, é, sem dúvidas, o aumento da seletividade na prestação de benefícios e a consequente perda de direitos sociais. Desse modo, houve modificação da natureza do Auxílio Reclusão, promovendo a perda da sua característica de seguro social, e aproximando-o de um benefício assistencial (DA SILVA, 2016, p. 32). É possível perceber essa ocorrência na disposição do artigo 201, que faz os seguintes apontamentos:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: [...] IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda (BRASIL, 1998).
Mais recentemente, a Medida Provisória n. 871/19 (chamada de “pente fino”) foi um marco transformador do Plano de Custeio e Organização da Seguridade Social (Lei n. 8.212/91) e da Lei de Planos e Benefícios da Previdência Social (Lei n. 8.213/91), sendo responsável por modificar algumas características de concessão de benefícios como auxílio-doença, salário maternidade, pensão por morte e auxílio reclusão (FRANCO et al. 2019, p. 6). Em relação a este último, assim como seguem apontando os mesmos autores, anteriormente, o auxílio não dependia de carência, sendo pago pela Previdência ao dependente contanto que o segurado não recebesse remuneração da empresa ou estivesse provido de auxílio-doença, aposentadoria ou de abono de permanência em trabalho. Contudo, o advento da medida delimitou seu pagamento somente no caso do segurado se apresentar em regime fechado, tendo realizado 24 (vinte e quatro) contribuições mensais no período que anteceder a prisão (FRANCO et al. 2019, p. 11).
Desse modo, bem como ressalta Correia e Correia (2002, p. 282), o Auxílio Reclusão passou a ser indevido ao segurado recluso em regime semiaberto:
[...] há que se ressaltar que o evento que determina a concessão do benefício é a exclusão do segurado do convívio social, mediante o cerceamento de seu direito de liberdade, em vista do cometimento de delito, passando assim a ser inviável o exercício por sua parte de qualquer atividade remunerada, [...] (CORREIA; CORREIA, 2002, p. 282).
3 DAS DISCUSSÕES ACERCA DA ATUAL DISPOSIÇÃO DO AUXÍLIO RECLUSÃO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Como já visto, a previsão constitucional do Auxílio Reclusão se evidencia no art. 201, IV, que acaba por abordar a obrigatoriedade de renda específica para seu recebimento. Os valores considerados, determinantes de tal limitação, foram substituídos e normatizados pelo § 1º do art. 116 do Decreto n. 3.048/99, conforme ressalta Santos (2021, p. 50), com redação elaborada a partir do Decreto n. 10.410/2020, descrito da seguinte forma:
Art. 116 [...] § 1º Para fins de concessão do benefício de que trata este artigo, considera-se segurado de baixa renda aquele que tenha renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 1.425,56 (um mil quatrocentos e vinte e cinco reais e cinquenta e seis centavos), corrigidos pelos mesmos índices de reajuste aplicados aos benefícios do RGPS, calculada com base na média aritmética simples dos salários de contribuição apurados no período dos doze meses anteriores ao mês do recolhimento à prisão. (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020) (BRASIL, Decreto n. 3.048, 2020).
Fica evidente que a estrutura do artigo mencionado foi dada através da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, impondo séria limitação ao benefício, tornando-o acessível somente àqueles que possuíssem baixa renda, e sendo determinante para o início de inúmeros debates (SANTOS, 2021, p. 45). É justamente fazendo referência a tal ponto que a polêmica que rege as discussões sobre o benefício do Auxílio Reclusão se inicia, a partir dos apontamentos presentes na exposição de inúmeros autores.
A exemplo, considerando tal limitação, Santos (2012, p. 324) argumenta que o Regime Geral de Previdência Social não faz jus à sua característica contribuitiva, complementando que não se trata de um tratamento adequado a um Estado que, em teoria, busca garantir direitos fundamentais (SANTOS, 2012, p. 324). De forma mais enfática, Pierdoná (2008) aponta que o critério de baixa renda vai na contramão dos princípios constitucionais. Isso porque todo trabalhador que realiza contribuição para a previdência, assim como seus dependentes, deve ter o direito de dispor de toda proteção que esta possa promover, uma vez que o objetivo da instituição é agir ao seu favor em caso de incapacidade laboral, prisão ou morte. Desse modo, complementa que excluir uma parcela dos dependentes da proteção previdenciária coloca em risco o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento (PIERDONÁ, 2008, p. 8070).
Outra violação observada pela autora seria em relação ao princípio da personalidade da pena, no qual se considera que a responsabilidade penal do condenado é individual, não se transmitindo a terceiros, e ao princípio da isonomia. Assim sendo, não existiria fundamento no ordenamento jurídico que justificasse a limitação de renda imposta pela EC nº 20/98, ao mesmo passo que o Estado apresenta como dever fundamental a garantia da proteção familiar, independentemente de sua renda (PIERDONÁ, 2008, p. 8071). Seguindo esse princípio, diversos juristas chegam a apontar a EC n. 20/98 como um retrocesso responsável por distanciar a população de seus direitos, tratando com insatisfação o fato de ainda se apresentar vigente e não ter sido declarada inconstitucional (SANTOS, 2021, p. 45). Nesse contexto, Alcântara e Agostinho (2020, p. 85) ainda acrescentam:
Em outras palavras, em momento anterior à Emenda Constitucional 20, a concessão dos benefícios de auxílio-reclusão era quase inexistente. Nestes termos, limitar um benefício que era concedido à menos 1% dos segurados, sob o argumento de combater o aumento das despesas é, indiscutivelmente, falacioso. [...]
Em síntese, percebe-se uma contínua dilapidação da proteção social aos dependentes do segurado recluso, tendo em vista que todas as modificações constitucionais sobre o tema, reiteradamente, vêm reduzindo o acesso, valor e legitimados ao gozo do benefício (ALCÂNTARA; AGOSTINHO, 2020, p. 85).
Dada toda rigidez atrelada ao critério da baixa renda, bem como as críticas bibliográficas dispostas sobre o tema, a questão já vem sendo flexibilizada por alguns Tribunais e pelo Superior Tribunal de Justiça, que tem se mostrado favoráveis à concessão do auxílio-reclusão ainda que a renda do segurado preso ultrapasse, de modo irrisório, o limite legal (SANTOS, 2021, p. 207). A nível de exemplificação, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região entende que:
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. AUXÍLIO-RECLUSÃO. REQUISITOS ATENDIDOS. CRITÉRIO DE BAIXA RENDA. FLEXIBILIZAÇÃO DO CRITÉRIO ECONÔMICO. POSSIBILIDADE. TERMO INICIAL. CONSECTÁRIOS LEGAIS DA CONDENAÇÃO. PRECEDENTES DO STF (TEMA 810) E STJ (TEMA 905). CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 1. Para a concessão do benefício de auxílio-reclusão, faz-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: a) efetivo recolhimento à prisão; b) demonstração da qualidade de segurado do preso; c) condição de dependente de quem objetiva o benefício; d) prova de que o segurado não está recebendo remuneração de empresa ou em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou abono de permanência em serviço; e) comprovação de baixa renda, para benefícios concedidos a partir da Emenda Constitucional nº 20/98. 2. No que diz respeito ao requisito relacionado à baixa renda, é de ver-se que, a partir do julgamento do RE n. 587.365/SC, pelo Supremo Tribunal Federal, restou consolidado nesta Corte o entendimento de que é a renda do segurado preso que deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do benefício, e não a de seus dependentes. 3. O requisito econômico pode ser relativizado, tal como a jurisprudência deste Tribunal já adotou em relação ao benefício assistencial, a fim de garantir uma vida digna daqueles que dependem do segurado e se encontram, abruptamente, desprovidos de qualquer renda. Precedentes do STJ e desta Corte. 4. Preenchidos os requisitos legais, é devido o benefício de auxílio-reclusão. 5. Critérios de correção monetária e juros de mora conforme decisão do STF no RE nº 870.947/SE (Tema 810) e do STJ no REsp nº 1.492.221/PR (Tema 905). 6. Confirmada a sentença no mérito, majora-se a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% sobre o montante das parcelas vencidas (Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF/4ª Região), consideradas as variáveis dos incisos I a IV do § 2º e o § 11, ambos do artigo 85 do CPC. (BRASIL, TRF-4, 2021).
Outra questão que tem sido pauta em meio aos embates apresentados pelo assunto aqui disposto é o termo conhecido por período da graça. Previsto no art. 15 da Lei 8.213/91, o período da graça define os períodos de duração nos quais o segurado usufruirá da qualidade de segurado, embora não esteja contribuindo para com a Previdência (SANTOS, 2021, p. 51). Em outras palavras, bem como leciona Alcântara e Agostinho (2020, p. 205), “ele se trata do lapso temporal durante o qual, ainda que não tenha o segurado vertido as contribuições devidas, faz jus, ele ou seus dependentes, a todos os benefícios e serviços da Previdência Social.”
Em teoria, tendo em vista as decisões administrativas proferidas pelo
INSS, de Oliveira (2018, p. 22) assevera que para o indivíduo preso no período da graça, deveria ser considerada a renda que o segurado teria na época em que estava desempenhando sua atividade remunerada. Contudo, tratando como insensata tal premissa, o Superior Tribunal de Justiça adotou por meio do Recurso Repetitivo REsp 1.485.417-MS, um entendimento diverso para o contexto: “Para a concessão de auxílio-reclusão (art. 80 da Lei n. 8.213/1991), o critério de aferição de renda do segurado que não exerce atividade laboral remunerada no momento do recolhimento à prisão é a ausência de renda, e não o último salário de contribuição” (BRASIL, STJ, 2017).
Portanto, fica claro que tais divergências, conforme segue apontando de Oliveira (2018, p. 22), sugerem que alguns pontos referentes ao Auxílio Reclusão demandam ponderações, principalmente aqueles atrelados à sua limitação de renda. Até mesmo porque tais caracteres acabam por fazê-lo se distanciar de algumas garantias constitucionais primordiais.
4 DO ESTIGMA SOCIAL ATRELADO AO AUXÍLIO E AO SEU BENEFICIÁRIO
Primordialmente, a fim de se elucidar o conceito “estigma” sabe-se que o dicionário Michaelis (2021, p. 1) o trata como sendo o ato de acusar de ação infame, ao mesmo passo da realização de julgamento ou parecer desonroso, em relação a algo ou alguém. Concomitantemente, Lopes (2019) realiza a seguinte observação a respeito do tema:
O conceito de estigma dialoga com o conceito de rótulo. O rótulo advém de um processo de rotulação social, ligada a uma reação socialmente construída, um tipo de estereótipo, como ponderou-se anteriormente; estigma, assim como o rótulo, também é uma marca. Contudo, ele pode demarcar características que vão além dessa reação, é algo mais profundo, como uma cicatriz (LOPES, 2019, p. 90).
No nosso país, seguindo o apontamento de Santos (2021), a população carcerária é um exemplo de grupo amplamente atingido pelo estigma social atribuído a todos os presidiários. Atualmente, tal realidade é acompanhada até mesmo de um sentimento de ódio explícito em relação a esses indivíduos, promovendo repúdio a qualquer outra questão que lhes estejam associadas (SANTOS, 2021, p. 59). Alguns autores, como Schilling e Miyashiro (2008), ainda identificam mais uma problemática frente a essa realidade, ao observarem que “o estigma que pressupomos cercar os presidiários se estende para além do indivíduo encarcerado, passando para as pessoas que se relacionam diretamente com eles, seus familiares ou amigos, o que permite à sociedade considerá-los uma só pessoa” (SCHILLING; MIYASHIRO, 2008, p. 248).
Tendo em vista todas essas questões, e tomando como base outra abordagem de Santos (2021, p. 60), não é necessário muito esforço para concluir o quanto o Auxílio Reclusão é comumente mal visto por grande parcela social. Isso porque, embora se trate de um benefício de natureza previdenciária e não de benefício assistencial, exigindo o cumprimento de rigorosos requisitos para a sua obtenção, a essência do conceito é ignorada, sendo considerada, meramente, uma proteção a alguém que não a merece: um criminoso (SANTOS, 2021, p. 57).
Infelizmente, fontes midiáticas acabam por auxiliar na promoção da desinformação, como elencado por Mendes e Martins (2019, p. 115), ao considerarem que “costumeiramente, circulam pela internet, através das redes sociais, blogs, sites falsas informações e lamentáveis comentários depreciativos acerca do auxílio-reclusão. Para dar uma ênfase bem negativa, muitos chamam o benefício previdenciário de ‘bolsa-bandido’” (MENDES; MARTINS, 2019, p. 115). Essas informações falsas muitas vezes difundidas na internet, como relembra Santos (2021, p. 57), podem ser atreladas a um conceito que popularmente conhecemos por “fake news”, e é justamente a esse respeito que Teixeira et al. (2019) faz a seguinte referência:
As notícias falsas ressurgiram com o advento das redes sociais, encontrando novo e poderoso espaço de circulação, promovendo a volta do sensacionalismo de uma forma otimizada, fato que acarreta diversos malefícios à sociedade, já que por muitas vezes para propagar suas ideias faz vítimas inocentes, que sofrem com seus efeitos por longos e árduos anos, senão por toda a vida (TEIXEIRA et al., 2019, p. 4).
Paralelamente, já convivemos muito com a promoção de campanhas seletivas pelos meios de comunicação, com a produção de estereótipos de fatos e de crimes, bem como começa a apontar Shecaria (1996, p. 16). Nas últimas décadas, seguindo os apontamentos do autor, nota-se que projetos como “tolerância zero” e a campanha “da lei e da ordem” se resumiram a apontar as características cruéis de bandidos, bem como da impunidade, já que, em teoria, a “polícia prende e do juiz solta”, fazendo referência até mesmo aos menores infratores que entrariam e sairiam da sua reclusão graças ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Desse modo, foi sendo perpetuada a ideia de que o mal funcionamento do aparelho estatal estaria apenas atribuído a leis “benevolentes”, que só garantiriam direitos humanos aos bandidos (SHECARIA, 1996, p. 16).
Fica evidenciada, dessa forma, o estabelecimento de uma opinião popular deturpada, amparada por uma mídia segregadora que leva à estigmatização daqueles que estão reclusos da sociedade por um estado de ideologia estritamente punitiva, que ignora problemas estruturais (DA SILVA, 2016, p. 41). Dessa forma, o Auxílio Reclusão tem se mostrado um meio de propagação de ódio contra o segurado recluso e seus dependentes, que se apresentam, querendo ou não, em situação de vulnerabilidade (SANTOS, 2021, p. 57).
Frente a tal cenário, Santos (2021, p. 57) segue sua abordagem apontando o quanto se faz indispensável a obtenção da informação por meio de fontes seguras e comprometidas com a verdade, visto que o tema está relacionado a sobrevivência de núcleos familiares inteiros que podem ficar completamente desamparados em decorrência do advento da prisão para com seu provedor principal. Campos et al. (2019) apresenta o mesmo argumento ao apontar:
Destarte, o benefício previdenciário do auxílio reclusão, embora seja bastante discutido e controvertido socialmente, se mostra como um meio de sobrevivência para os dependentes do segurado do INSS de baixa renda, os quais não tem a possibilidade de se manter economicamente sem ajuda deste auxílio. Tal benefício se mostra não só como um auxílio à renda mensal dos dependentes, mas o único valor que os mesmos vão ter acesso, tem, portanto, uma natureza falimentar, pois serve para a subsistência das pessoas envolvidas (CAMPOS et al., 2019, p. 11).
A mesma linha de pensamento é defendia por Christ (2019), ao relembrar que “cabe ressaltar, que o pagamento do auxílio tem como objetivo possibilitar a sobrevivência da família, na ausência do segurado, garantindo dessa maneira o mínimo de dignidade.” (CHRIST, 2019, p. 20).
Assim sendo, não há dúvidas sobre como se mostra infundada a concepção de que o Auxílio Reclusão seria um benefício “injusto” ou “indevido”, e que isso demandaria sua estigmatização ou extinção, uma vez que todas as disposições que regem a sua aplicabilidade decorrem da própria lei (SANTOS, 2021, p. 60). Vale lembrar o art. 3, III, da CRFB/88, que aponta o objetivo de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.”
Vislumbrando um real esclarecimento do tema, Brisola e Bezerra (2018, p. 3329) tratam sobre um caminho para superar informações falsas, e, consequentemente, abandonar falsos preceitos. Tal abordagem estaria relacionada a um exercício de maior ativação do senso crítico popular:
A partir do senso de dúvida despertado pelo pensamento crítico, os indivíduos tendem a desconfiar mais das informações e verificar seu grau de veracidade antes de compartilhar. Essa simples desconfiança, mesmo que sem tempo hábil de analisar todo o volume de informação recebida, já pode frear substancialmente a proliferação das fake news e colocar em xeque o montante de desinformação a que estamos sujeitos (BRISOLA, BEZERRA, 2018, p. 3329).
Ao final dessa seção, diferente do que a maioria do senso comum imagina, e parafraseando Santos (2021, p. 63), fica claro o quanto o auxílio-reclusão é um benefício previdenciário legítimo, de fundamentação legal totalmente válida, que responde à finalidade pela qual foi instituído.
5 CONCLUSÃO
Por fim, resta-nos a conclusão de que o Auxílio Reclusão é uma ferramenta que promoveu muitas discussões polêmicas, tanto no ordenamento jurídico, quanto a nível popular. Levando o primeiro âmbito em consideração, fica evidente que muitos doutrinadores consideram a limitação referente à obrigatoriedade da baixa renda uma questão que foge às disposições constitucionais, indo contra direitos fundamentais, como o princípio da universalidade, personalidade e isonomia.
Por outro lado, a problemática referente à estigmatização da população carcerária e, consequentemente, do benefício em questão, acaba sendo um alerta às influências midiáticas e de informações distantes da realidade às quais o senso comum se vê constantemente exposto. É possível observar isso nas inúmeras “fake news” espalhadas principalmente pela internet, e pelas tantas campanhas já expostas por outros veículos de comunicação que se tornaram contribuintes inegáveis para a estereotipagem do contexto.
Desse modo, torna-se indispensável levar-se em consideração possíveis medidas de mitigação. A primeira poderia estar relacionada a uma maior atenção ao texto legislativo que delimita o Auxílio Reclusão, para que a sua possível inconstitucionalidade seja revista, uma vez que o benefício tem uma característica previdenciária, e não assistencialista. Ademais, a disponibilidade de mais conteúdos esclarecedores sobre o tema são fundamentais, especialmente pelos veículos de comunicação. Em tempos onde o fluxo de informações (nem sempre verídicas) chega com muita facilidade à população, é preciso incentivar o seu pensamento crítico, já que a ferramenta tem aparato legal e é, muitas vezes, fundamental para a subsistência de muitas famílias que perdem, ao menos momentaneamente, seu principal provedor de renda.
6 REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960. Dispõe sobre a Lei Orgânica da Previdência Social. Brasília, 1991.
BRASIL. Decreto nº 22.872, de 29 de junho de 1933. Cria o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, regula o seu funcionamento e dá outras providências. Diário Oficial da União, Seção 1, p. 12917, 1933.
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Graduando no curso de Bacharelado em Direito pela Universidade Brasil, Campus de Fernandópolis/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Locidio Eduardo Novaes de Paula. Auxílio reclusão: a perplexidade e desinformação da população acerca desse benefício Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 abr 2022, 04:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58259/auxlio-recluso-a-perplexidade-e-desinformao-da-populao-acerca-desse-benefcio. Acesso em: 22 nov 2024.
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