LIDIANNE KELLY NASCIMENTO RODRIGUES DE AGUIAR LOPES[1]
(orientadora)
RESUMO: Este artigo analisa acerca da aplicação do venire contra factum proprium , princípio que traduz a proibição do comportamento contraditório e tem como objetivo demonstrar sua incidência no caso de extinção do mandato dos vereadores do município de Açailândia/MA na eleição da mesa diretora em 2021, bem como a sua aplicação em decorrência dos preceitos trazidos pelo princípio da segurança jurídica aos atos da Administração Pública. Preenchendo os pressupostos necessários para incidência de regras principiológicas, quais sejam: um comportamento inicial, a criação de uma legítima expectativa, um comportamento contraditório ao inicialmente adotado e o prejuízo decorrente da confiança despertada na manutenção coerente dos comportamentos. Utilizou-se a pesquisa documental com estudo de caso. Como resultado alcançado, verificou-se a incidência do venire contra factum proprium.
Palavras–Chave: Venire contra factum proprium. Administração Pública. Proibição.
ABSTRACT: This work discusses the application of the venire contra factum proprium - principle of prohibition of contradictory behavior - and aims to show its incidence in the case of extinction of the mandate of the councilors of the municipality of Açailândia - MA in the election of the board of directors in 2021 and demonstrate the its application as a result of the dictates brought by the principle of legal certainty to acts of the Public Administration. It also makes reference to the necessary assumptions for the incidence of the principled rule, which are; an initial behavior, the creation of a legitimate expectation, a behavior contradictory to the one initially adopted and the damage resulting from the confidence aroused in the coherent maintenance of the behaviors. Finally, we discuss the factual and legal situation that took place in Açailândia, analyzing the application of the venire contra factum proprium based on decisions rendered on the case.
Keywords: Venire contra factum proprium. Public administration. Prohibitio.
1 INTRODUÇÃO
O Direito sempre exerceu um papel de norteador das relações da sociedade, regendo verdadeiras regras de conduta aos entes públicos e privados, que devem ser tomadas a fim de obter uma melhor convivência em sociedade. Desta forma, o ordenamento jurídico tem o dever de estabelecer regras para a convivência da coletividade, que estejam de acordo com as mudanças sociais, fazendo uso de normas indicativas e assegurando a segurança jurídica
O venire contra factum proprium surge com um subprincípio do princípio da segurança jurídica, que busca concretizar a estabilidade das relações jurídicas efetivadas dentro da legalidade, e proporcionar a pacificação social em todos os âmbitos do direito, pois destina-se ao combate à incoerência e à deslealdade, garantindo-se a segurança jurídica e a confiança das relações jurídicas respaldadas na boa-fé objetiva.
Atina-se daí, a importância do tema escolhido. qual seja: Venire contra factum proprium e a sua aplicação no caso de extinção do mandato dos vereadores do município de Açailândia - Maranhão. O objetivo geral deste trabalho foi verificar a incidência do venire contra factum proprium aos atos da Administração, especialmente ao caso envolvendo a Câmara Municipal de Açailândia/MA. Os objetivos específicos consistiram em realizar uma análise do ramo do Direito Administrativo, analisando seu regime jurídico e princípios. Bem como discorrer sobre o princípio da segurança jurídica e a sua aplicação à Administração Pública e por fim, no fazer uma análise do princípio do venire contra factum proprium, correlacionando-o com o episódio acontecido na Câmara de Vereadores de Açailândia, verificando a sua incidência ao caso concreto e o atendimento dos requisitos doutrinários.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e exploratória e documental que visa produzir conhecimentos para investigações futuras e para a aplicação prática dos preceitos discutidos. O referencial teórico foi construído com base nas contribuições das obras de Alexandre Mazza, Reinaldo Couto e também com base em documentos processuais e legais versam sobre os fatos discutidos neste trabalho.
Para tanto, este trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro capítulo introduz o conceito de Direito Administrativo,bem como discorre sobre os princípios que regem a Administração Pública, com enfoque especial ao princípio da segurança jurídica. Em seguida, no segundo capítulo, faz-se uma abordagem dogmática empenhada em discutir o princípio do venire contra factum e sua a aplicação no âmbito da Administração Pública. Por fim, discorre-se sobre a situação fática ocorrida na Câmara de Vereadores de Açailândia em 2021, buscando avaliar a aplicabilidade do venire contra factum proprium ao caso concreto.
Como resultado, concluiu-se que encontram-se presentes os requisitos do venire contra factum proprium, sendo possível a sua incidência, pois restaram demonstrados as condutas contraditórias, que feriram gravemente a confiança dos partícipes da relação jurídica analisada.
2 A FUNÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO NO CAMPO DA POLÍTICA
Inicialmente, para que se possa compreender o objeto deste trabalho, é impreterível que se compreenda o que é o Direito Administrativo e como ele se revela na política. Sendo assim, o conceito doutrinário de Direito Administrativo descrito nas palavras de Couto:
Tem‐se que o Direito Administrativo é o conjunto de normas – regras e princípios – de direito público que regem as relações internas da Administração Pública e as relações externas que são travadas entre ela e os administrados, sob um regime jurídico diferenciado, para a satisfação do interesse público. (COUTO, 2020, p.46)
Deste modo, pode-se compreender que o Direito Administrativo tem como campo de estudo e atuação o direito público, ramo regido pelo conjunto de regras e princípios que determinam a atividade de seus agentes na gestão da coisa pública.
Ademais, nota-se a partir deste conceito que os interesses envolvendo a atuação do Poder Público são fundamentalmente opostos aqueles que norteiam as atividades desenvolvidas pelos particulares. Nesse sentido, a primeira ideia é aquela, segundo a qual toda a atividade desenvolvida pelo Poder Público tem por objetivo alcançar os interesses de primários, ou melhor dizendo, os da coletividade.
Dito isto, destaca-se que os agentes públicos deverão seguir um regime jurídico diferenciado, ou seja, um conjunto de regras e princípios que vinculam suas ações. Esses princípios são importantes pois proporcionam a observância da legalidade, da coerência e da harmonia a todo ordenamento jurídico buscando eliminar lacunas, além de aparentes contradições, de modo a garantir segurança jurídica.
Segundo Couto (2020, p.46) "pode se dizer, em síntese, que os princípios surgem como parâmetros para a interpretação do conteúdo das demais regras jurídicas, apontando as diretrizes que devem ser seguidas pelos aplicadores da lei.”
2.1 Princípios que regem a Administração Pública
Os princípios que regem Administração Pública estão previsto no artigo 37 da Constituição da República de 1988, vejamos:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte (...) (BRASIL,1988).
Segundo esse artigo, depreende-se que toda a Administração Pública, seja ela direta ou indireta, de todos os Poderes, deverá observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Trata-se, no entanto, de um rol exemplificativo, pois outros artigos constitucionais e até mesmo outras normas infraconstitucionais que trazem em seu bojo outros princípios a serem seguidos, como é possível verificar no artigo 2º da Lei n. 9.784/99, que disciplina o processo administrativo federal:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. (BRASIL,1999)
Diante disso, nota-se que os princípios que regem a Administração Pública são diversos, e que topograficamente podem estar dentro e fora da Constituição, ou até contidos implicitamente, conquanto, para melhor compreensão deste trabalho, analisar-se-á mais especificamente o Princípio da Segurança Jurídica, que servirá como base para compreensão da temática escolhida.
2. 2 Princípio da segurança jurídica
Como acima mencionado, em todas as suas atuações a Administração Pública deverá seguir os ditames preestabelecidos pelo regime jurídico administrativo, o que em outras palavras significa dizer que esta deverá agir conforme os princípios e regras administrativas, priorizando o interesse público.
Agir impessoalmente, conforme o interesse da coletividade, assegurando a legalidade e os fins adequados, nem sempre pode ser uma tarefa fácil, tendo em vista a propensa falibilidade humana, corruptibilidade, etc.
Por isso a segurança jurídica mostra-se fundamental, eis que possibilita que a Administração Pública se mantenha organizada, fluída e dentro da legalidade. Nessa esteira, Mazza conceitua segurança jurídica como:
Um fundamento geral do ordenamento, sendo aplicável a todos os ramos do Direito. Seu conteúdo volta-se à garantia de estabilidade, ordem, paz social e previsibilidade das atuações estatais. Alinha-se à finalidade primeira da ordem jurídica que é propiciar segurança e estabilidade no convívio social, evitando mudanças abruptas, sobressaltos e surpresas decorrentes de ações governamentais. (MAZZA, 2021.p.86).
De acordo com a doutrina de Mazza compreende-se que o princípio da segurança jurídica trata da garantia da estabilidade, podendo ser aplicada a todos os ramos do ordenamento jurídico brasileiro, trazendo segurança no convívio social, político e administrativo, evitando assim mudanças inesperadas ou surpresas decorrentes de ações governamentais.
O que torna esse princípio muito importante, pois a segurança faz parte da vida humana, sendo necessária para que o ser humano possa planejar e conduzir sua vida, sendo este princípio um verdadeiro elemento constitutivo do Estado de Direito.
Ademais, segundo Queiroz, verifica-se que a função primordial da segurança jurídica é justamente restringir a atuação estatal, que tem seus limites fixados na própria Constituição e legislação infraconstitucional, de forma a se garantir a estabilidade e a paz social. Ou seja, a supremacia da Constituição Federal vai funcionar como único meio de assegurar aos cidadãos a certeza da tutela da segurança e da justiça como valores máximos da organização da sociedade (QUEIROZ, 2014)
Para além disso, até o Supremo Tribunal Federal, em julgamento no Mandado de Segurança nº 24268, reconheceu que a segurança jurídica é também princípio constitucional na posição de subprincípio do Estado de Direito:
Mandado de Segurança. 2. Cancelamento de pensão especial pelo Tribunal de Contas da União. Ausência de comprovação da adoção por instrumento jurídico adequado. Pensão concedida há vinte anos. 3. Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação no processo. 4. Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e de informação, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica. 7. Aplicação do princípio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos administrativos que não se pode estender indefinidamente. Poder anulatório sujeito a prazo razoável. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 8. Distinção entre atuação administrativa que independe da audiência do interessado e decisão que, unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência da garantia do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao processo administrativo. 9. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica. Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10. Mandado de Segurança deferido para determinar observância do princípio do contraditório e da ampla defesa (CF art. 5º LV) (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 24268,Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília. DF. 02 de Fevereiro de 2004).
Segundo o Ministro Relator deste julgado, Gilmar Mendes, o princípio da segurança consagra que uma confiança despertada de um modo imputável deve ser mantida quando efetivamente se creu nela, sendo considerada como subprincípio do Estado de Direito, assumindo um valor único no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria ideia de justiça material. (STF - MS:24268, Relator: Ministro GILMAR MENDES, Data de Julgamento:02/02/2004, Data da Publicação: 10/02/2004).
Porém, é importante destacar que respeitar a estabilidade das relações jurídicas não significa que a interpretação não possa mudar, isso seria impossível, pois o Direito muda com muita frequência, sendo este fruto das mudanças e evoluções sociais. O que defende-se nesse princípio é que deve-se respeitar determinados direitos e casos já decididos com base em interpretação anterior, considerada válida diante das circunstâncias do momento em que foi adotada.
Um bom exemplo disso é o previsto na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que dispõe que devem ser protegidas situações jurídicas previamente constituídas, em respeito ao princípio da segurança jurídica, exigindo regime de transição quando a decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, imponha novo dever ou novo condicionamento de direito.(BRASIL,1942)
Com o mesmo efeito de proteger o princípio da segurança jurídica, o artigo 24 da mesma lei determina que:
Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.
Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. (BRASIL, 1942).
Assim observa-se que a lei almeja a uniformidade de entendimento na aplicação das normas em todos os ramos do direito público, respeitando-se sempre a segurança jurídica, impondo assim a vedação do venire contra factum proprium, que proíbe que a Administração Pública adote comportamento contraditório com postura anteriormente por ela assumida, princípio que será melhor explanado a seguir.
3 VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
Segundo Silva, a expressão "venire contra factum proprium'' traduz o exercício de uma posição de contradição com um comportamento assumido anteriormente pelo exercente. (SILVA,2020, p.25). Isso significa que não é lícito se valer de um direito em contradição com sua conduta anterior, quando esta, interpretada objetivamente, nos termos da lei, dos bons costumes ou da boa-fé, leva à conclusão de que esta posição deveria ser mantida.
Já para Ramos, o venire contra factum proprium “destina-se ao combate à incoerência e à deslealdade, garantindo-se a segurança jurídica e a confiança das relações jurídicas respaldadas na boa-fé objetiva”.(RAMOS,2017,p.66).
Assim compreende que o venire contra factum proprium surge com um subprincípio do princípio da segurança jurídica, de modo a concretizar a estabilidade das relações jurídicas efetivadas dentro da legalidade e proporcionar a pacificação social em todos os ramos do direito. Diante disso, este artigo busca responder a seguinte pergunta: seria o venire contra factum proprium aplicado à Administração Pública?
3.1 A aplicação do venire contra factum proprium na Administração Pública
Como já citado, o venire contra factum proprium decorre do princípio da segurança jurídica, e tem como principal função a proibição de condutas contraditórias nas relações jurídicas, garantindo-se a estabilização das situações com base na boa-fé. A partir disso, questiona-se a possibilidade e em quais condições se aplicaria esse instituto à Administração Pública, tendo em vista a condição especial do direito público no ordenamento jurídico.
Fundado na doutrina, obtém-se a resposta que o venire contra factum proprium é plenamente aplicável no campo do direito administrativo, e tem por objetivo principal evitar atuações contraditórias e desleais nas relações jurídico-administrativas, com violação aos princípios da proteção da confiança legítima, segurança jurídica e boa-fé. (OLIVEIRA, 2018, p.104)
Neste contexto, Mazza dispõe que a vedação do venire contra factum proprium trata-se de uma teoria que tutela a confiança do particular e a coerência dos atos públicos, pois seria deslealdade com a contraparte criar uma aparência legal dos seus atos e posteriormente quebrar a confiança com atos contraditórios (MAZZA, 2021, p.100).
Para além disso, para que haja a aplicação desta teoria, deverão ser observados alguns requisitos, quais sejam:
1) identidade de partes e unidade de situação jurídica (exige-se que existam uma conduta prévia e uma pretensão posterior emanada da mesma Administração diante da mesma contraparte em uma única relação jurídica);
2) a conduta prévia deve ser válida e apta a suscitar a confiança da contraparte (conduta deliberada, juridicamente relevante e plenamente eficaz);
3) a conduta e a pretensão posterior devem ser contraditórias
4) inexistência de norma autorizando a contradição.(MAZZA,2021, p.100).
Dessa forma compreende-se que a aplicação da teoria da proibição do venire pressupõe a identidade de partes e unidade de uma situação jurídica, ou seja, deve-se ter existido uma conduta prévia e uma pretensão anterior feita pela Administração pública. Bem como também, exige-se que a conduta anterior deve ser válida e apta a ascender a confiança da outra parte.
Diante disso, observa-se que o venire contra factum proprium atinge diretamente o dever acessório da confiança porque infere uma perspectiva contratual, mediante condutas direcionadas para uma determinada finalidade e, posteriormente, atua de forma contraditória afetando a perspectiva que a parte contratante mantinha na avença.
Portanto, observa-se que o direito é regulador das relações, sejam elas privadas ou públicas, e como a sociedade vive em transformação, é preciso fazer a implementação de regras para a proteção aos direitos, baseando-se na boa-fé objetiva e segurança jurídica.
Principalmente no que tange à Administração Pública, que administra os bens públicos e deve observância a todo regime jurídico administrativo e valores morais e éticos, sendo-lhes vedado, como acima exposto, a adoção de comportamentos contraditórios.
Nessa esteira, discorre-se a seguir sobre o caso de extinção do mandato dos vereadores do município de Açailândia - MA na eleição da mesa diretora em 2021, analisando-se o cabimento do venire contra factum proprium.
4 O CASO DE EXTINÇÃO DO MANDATO DOS VEREADORES DO MUNICÍPIO DE AÇAILÂNDIA-MA
A Câmara Municipal de Açailândia (MA) é atualmente composta por 17 vereadores, e vem sendo dirigida pelo Vereador Feliberg Melo de Sousa. Na eleição de 2020, para mais da metade dos assentos da casa, foram eleitos vereadores de primeiro mandato, representantes dos mais diversos segmentos sociais da cidade.
O episódio que ensejou a produção deste trabalho iniciou-se quando em Dezembro, a Câmara Municipal, sob a presidência do vereador Josibeliano Chagas Farias, também chamado de Ceará, editou a Resolução nº02/2020. Essa resolução trata sobre a mudança no horário da sessão solene de posse dos vereadores, prefeito e vice-prefeito municipal eleitos e diplomados em 2020, bem como edita as regras de acesso ao público tendo em vista a prevenção à infecção e a propagação do COVID-19, respeitando as orientações da OMS, sendo promulgada em 16 de Dezembro de 2020.
Em conta disso, ficou acertado que a sessão solene dos Vereadores, Prefeito e Vice aconteceria dia 01/01/2021 às 00h30min. Legalmente realizada a referida eleição, A Câmara Municipal deu posse à maioria dos integrantes às 00 horas e 30 minutos do dia 1º, porém 07 (sete) vereadores em conjunto com o Vereador Ceará resolveram fazer uma nova sessão às 10 horas da manhã do dia 1º, na qual a minoria dos integrantes da Câmara tomou posse novamente e “elegeu” uma outra mesa diretora, desta vez presidida pelo vereador Ceará.
Ou seja, o Vereador Ceará organizou uma nova sessão de posse, mesmo já tendo sido regularmente realizada de acordo com a resolução interna da Câmara dos Vereadores, para ilicitamente se declarar novamente presidente, com apoio da minoria dos integrantes da casa e além disso extinguiu e cassou sumariamente os mandatos da maioria dos integrantes da Câmara – que tinham realizado a sessão às 00 horas e 30 minutos.
Quando instada sobre a situação narrada, a Justiça da Comarca de Açailândia (MA) a negou todas as tentativas do vereador Ceará e seu grupo, reconhecendo a sessão da Câmara Municipal realizada pela maioria dos integrantes às 00 hora e 30 minutos do dia 1º, conforme a manifestação judiciosa contida nos autos nº 0800002-80.2021.8.10.0022.
A seu turno, o Vereador Ceará e alguns vereadores opuseram o Agravo de Instrumento nº 0800294-34.2021.8.10.0000, alegando a invalidade da eleição da mesa diretora da Câmara Municipal de Açailândia, realizada em 01/01/2021 às 00h30min, visto que essa sessão foi realizada em descumprimento ao Regimento Interno da Câmara Legislativa, mais precisamente no que tange aos artigos 5º e 9º, in verbis:
Art. 5º - A Câmara Municipal instalar-se-á em sessão preparatória em 1º de janeiro do primeiro ano da legislatura, às 10:00 horas, solenemente, independente de número, sob a Presidência do Vereador mais votado dentre os presentes, que designará dois Vereadores de Partidos diferentes para ocuparem os lugares de Secretários. Em seguida, proceder-se-á ao recebimento dos diplomas e das declarações de bens.
§ 1º - Havendo empate entre os dois ou mais vereadores, o mais idoso entre os presentes assumirá a Presidência.
§ 2º - Os Vereadores presente, regularmente diplomados, serão empossados, após a leitura do compromisso, pelo Presidente, nos seguintes termos:(...)
(...)Art. 9º - Com exceção da eleição no primeiro dia da legislatura, que se dará em sessão preparatória logo após a respectiva posse dos Vereadores, a eleição para renovação da Mesa proceder-se-á obrigatoriamente na última sessão ordinária da sessão legislativa, em horário regimental, empossando-se os eleitos em 1º janeiro do ano subsequente, obedecidos os critérios para eleição da Mesa ou preenchimento de vaga nela, previstos neste Regimento. (...)
Como visto acima, o Regimento Interno da Câmara diverge do texto da Resolução pois prevê que a sessão de posse se dará em 1º de janeiro do primeiro ano da legislatura, às 10:00 horas, e o Vereador Ceará utilizou isso como fundamento na propositura do seu Agravo Interno.
O que configura uma postura contraditória, pois ele mesmo participou da edição da Resolução que mudou os horários, porém como não obteve sucesso em se tornar novamente presidente, tentou burlar o procedimento, tentando anular atos legalmente consolidados, alegando que a referida Resolução descumpria o Regimento Interno da Câmara.
Não obstante, declara ainda mais, que em virtude da manifesta ofensa ao princípio da legalidade da primeira eleição, foi realizada uma nova eleição que resultou na sua condução para compor a mesa diretora.
Foi concedida a tutela provisória de natureza antecipada aos agravantes, em decisão prolatada pelo desembargador Luiz Gonzaga Almeida Filho em 14 de Janeiro de 2021. De modo que ficaram suspensos os efeitos da eleição para o biênio 2021/2022 no âmbito da Câmara Municipal de Açailândia/MA, ocorrida em 01/01/2021, às 00h30min, bem como reconheceu a validade da eleição ocorrida em 01/01/2021, às 10h00, assim assegurando a investidura da mesa diretora eleita nesta sessão legislativa.
Após isso, os Vereadores que perderam seus mandatos opuseram uma Suspensão de Liminar e de Sentença nº 2021/0030002-4 perante o Superior Tribunal de Justiça, a fim de conseguirem a suspensão dos efeitos da decisão do Desembargador Luiz Gonzaga Almeida Filho, prolatada no Agravo de Instrumento acima citado. E assim lograram êxito, pois o Ministro Presidente do STJ deferiu a suspensão dos efeitos do Agravo de Instrumento nº 0800294-34.2021.8.10.0000, até o trânsito em julgado das decisões em trâmite, restabelecendo o mandato dos requerentes. Por fim, esclarece-se que todas as causas ainda encontram-se em curso.
5 CONCLUSÃO
Analisou-se o Direito Administrativo como o ramo que determina as regras de conduta e conduz uma das principais atuações dos gestores na área do direito público, determinando princípios a serem observados por todos os agentes públicos no exercício de sua atividade e na gestão da coisa pública.
Além disso, foi possível compreender que os princípios que regem a Administração Pública estão previstos na Constituição da República de 1988, mas podem topograficamente estarem contidos implicitamente e dispostos nas normas infraconstitucionais.
Em relação aos princípios, houve um destaque proposital ao princípio da segurança jurídica, pois trata-se de princípio fundamental do ordenamento jurídico brasileiro, aplicável a todos os ramos do Direito, que prima pela garantia de estabilidade, ordem, paz social e previsibilidade das atuações estatais.
Posteriormente, discorreu-se sobre o venire contra factum proprium, que estabelece uma proibição ao exercício de uma posição de contradição com um comportamento assumido anteriormente pelo exercente, prezando a estabilidade daquilo que foi pactuado segundo a lei e os bons costumes vigentes.
O intuito de percorrer todo esse caminho pauta-se na necessidade de se verificar se o venire contra factum proprium poder ser aplicado à Administração Pública, em especial na ocasião narrada no último capítulo, caso que resultou na extinção do mandato dos vereadores do município de Açailândia - MA na eleição da mesa diretora em 2020.
Para isso, constatou-se que o venire contra factum proprium atinge diretamente o dever acessório da confiança porque infere uma perspectiva contratual, mediante condutas direcionadas para uma determinada finalidade e, posteriormente, atua de forma contraditória afetando a perspectiva que a parte contratante mantinha na avença e que para sua aplicação deveriam ser observados alguns requisitos, quais sejam: a identidade de partes e unidade de situação jurídica; a conduta prévia deve ser válida e apta a suscitar a confiança da contraparte; a conduta e a pretensão posterior devem ser contraditórias e a inexistência de norma autorizando a contradição.
No fatídico ocorrido na cidade de Açailândia - MA observa-se a presença de todos os requisitos. Primeiramente há a identidade de partes e unidade de situação jurídica, pois trata-se de Vereadores da Câmara Legislativa da cidade de Açailândia/MA, todos regularmente eleitos em 2020, unidos pela situação jurídica de estarem participando da sessão solene de posse e eleição da mesa diretora.
Quanto ao segundo requisito - conduta prévia válida e apta a suscitar a confiança da contraparte - nota-se que esteve presente também, pois como narrado anteriormente, a sessão de posse e eleição da mesa diretora se deu regularmente em 01/01/2021, às 00h30min conforme previa a Resolução nº02/2020, promulgada pela mesa diretora da Câmara Legislativa de Açailândia em 16 de Dezembro de 2020.
No que tange ao terceiro requisito, exige-se uma conduta e a pretensão posterior contraditórias. Requisito também alcançado pela situação narrada, tendo em vista que após não conseguir ser eleito para a mesa diretora, prontamente o grupo de vereadores coordenados pelo Vereador Ceará inicia uma nova sessão de posse e eleição da mesa diretora às 10h00 do dia 01/01/2021, justamente na tentativa de burlar a sessão anterior realizada, fazendo uma nova votação com os vereadores presentes, elegendo membro da mesa diretora, posteriormente extinguindo o mandato dos vereadores faltantes, e ainda utilizando-se do argumento que a primeira sessão não foi válida pois a Resolução nº02/2020 contrariava o Regimento Interno da Câmara Legislativa.
Pondo fim aos requisitos, exige-se a inexistência de norma autorizando a contradição. Apesar das alegações do Vereador Ceará, este requisito também encontra-se atingido, pois a Resolução que exigia que a sessão acontecesse às 00h30mim era plenamente válida, promulgada a poucos dias e além disso, consta ao final que esta “entraria em vigor na data de sua publicação, sendo revogadas todas as disposições em contrário”. Ou seja, inexiste norma autorizando a ação contraditória do Vereador Ceará e demais vereadores.
Portanto, encontram-se presentes todos os requisitos doutrinários para aplicação do venire contra factum proprium, e conclui-se que cabe sim a aplicação deste princípio contra os atos do Vereador Ceará e dos demais vereadores, pois a situação fática demonstra clara tentativa de burlar o Estado Democrático de Direito, a boa-fé, a segurança jurídica e os trâmites legais, com o intuito de manter-se na presidência da Câmara Legislativa de Açailândia.
Resta-se nítido que o direito é regulador das relações, sejam elas privadas ou públicas, e como a sociedade vive em transformação é preciso fazer a implementação de regras para a proteção e a efetivação dos direitos que a duras penas foram conquistados.
REFERÊNCIAS
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[1] Orientadora. Doutora e Mestre em Direito. Coordenadora do Grupo de Estudos Direitos Fundamentais e Novos Direitos. IESMA-UNISULMA. E-mail:[email protected]
Administrador. Bacharelando em Direito pela Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão – Unisulma.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PITOMBEIRA, José Ribamar Nascimento. Venire contra factum proprium: o caso de extinção do mandato dos vereadores do município de Açailândia - MA Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 maio 2022, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58275/venire-contra-factum-proprium-o-caso-de-extino-do-mandato-dos-vereadores-do-municpio-de-aailndia-ma. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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