DEISY SANGLARD DE SOUSA[1]
(orientadora)
RESUMO: O presente artigo científico possui o objetivo de analisar o erro médico na esfera da responsabilidade civil, diante do contexto da vulnerabilidade médica no exercício profissional. Observa-se que os médicos estão cada vez mais expostos a situações que podem resultar em ações judiciais e ser ou não responsabilizados por seus atos, tendo em vista o seu compromisso em resguardar a saúde alheia. Em virtude disso, surge a seguinte problemática: qual os critérios utilizados para apontar a responsabilidade civil dos médicos mediante erro? A proposta empregada para tanto, possui natureza qualitativa e revisão bibliográfica, visto que o trabalho foi fundamentado suplementarmente mediante consultas a livros, artigos de revistas especializadas e publicadas na internet, além do exame necessário da legislação pertinente. Assim, ao longo do desenvolvimento deste estudo, firmou-se o entendimento de que a responsabilidade do médico restará configurada somente se comprovado o agir negligente, imprudente ou imperito no desempenho de sua atividade profissional. Eventuais responsabilidades que venham a cair sobre o profissional se mostram injustas e desumanas, uma vez que existem situações em que o médico, mesmo se tratando da vida, não terá concorrido para o fato danoso causado ao paciente. Portanto, revela-se fundamental que as normas protetivas à pessoa do consumidor sejam aplicadas, levando em consideração as particularidades de cada caso concreto e em concordância com os valores constitucionais.
Palavras-Chave: Erro médico. Responsabilidade Civil. Vulnerabilidade médica. Subjetividade. Imprevisibilidade.
Abstract: This scientific article aims to analyze medical error in the sphere of civil liability, in the context of medical vulnerability in professional practice. It is observed that doctors are increasingly exposed to situations that can result in lawsuits and be held responsible or not for their actions, in view of their commitment to protecting the health of others. As a result, the following problem arises: what is the precept used to point out physicians' civil liability for errors? To answer it, the objective is to analyze this theme, in order to verify the vulnerability of health professionals. The proposal used for this purpose has a qualitative and bibliographic nature, since the work was supplemented by consulting books, articles from specialized magazines and published on the internet, in addition to the necessary examination of the relevant legislation. Thus, throughout the development of the work, the understanding was established that the physician's responsibility will remain configured only if the negligent, reckless or imperfect act in the performance of his professional activity is proven. Any responsibilities that may fall on the professional are shown to be unfair and inhumane, since there are situations in which the doctor, even when dealing with life, will not have contributed to the harmful fact caused to the patient. Therefore, it is essential that the protective rules for the consumer are applied, taking into account the particularities of each specific case and in accordance with constitutional values.
Keywords: Medical error. Civil responsability. Medical vulnerability. Subjectivity. Unpredictability.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo possui o objetivo de analisar o erro médico na esfera da responsabilidade civil, diante do contexto da vulnerabilidade médica no exercício profissional. Nesse sentido, as mudanças sociais, as relações usuais que estão inseridas dentro do convívio médico-paciente, por meio do progresso científico e o avanço da medicina, corroboram com a possibilidade do médico incorrer em erro, gerando uma demanda de ações indenizatórias em virtude do principal bem jurídico tutelado no ordenamento brasileiro: a vida humana.
Vê-se, dessa forma, que os médicos estão cada vez mais expostos a situações que podem resultar em ações judiciais, e ser ou não responsabilizado por seus atos, tendo em vista o seu compromisso em resguardar a saúde alheia. Por essa razão, evidencia-se um movimento expressivo de demandas judiciais impetradas por pacientes contra os médicos no Brasil, as quais também envolvem os hospitais e o próprio Estado.
Nesse sentido, surge a seguinte problemática: qual o preceito utilizado para apontar a responsabilidade civil dos médicos, mediante erro? Vale dizer ainda que alguns autores e estudiosos notam a escassez da abordagem de tal assunto, considerando que as obras escritas existentes não tiveram tanto enfoque na relação jurídica, mas médica. Denota-se, portanto, que a discussão no país em relação à vulnerabilidade do médico e a sua responsabilidade na esfera civil em caso de erro, ainda é inexpressiva.
Portanto, objetiva-se analisar a temática do erro médico para fins de responsabilidade civil, com o intuito de verificar a vulnerabilidade dos profissionais de saúde, por não se tratar de uma ciência exata, razão pelo qual este deve ser responsabilizado de acordo com os seus verdadeiros atos. Assim, ressalta-se que o paciente não é o único capaz de se encontrar em situação de vulnerabilidade, visto que há obstáculos que a aleatoriedade e abstração inerentes ao organismo humano são capazes. Ou seja, a vulnerabilidade dos médicos, também merece ser revisada, uma vez que, não há legislação que especifique tal ato.
A discussão em questão torna-se pertinente, como forma de trazer uma notoriedade maior para tal temática, buscando-se agregar ainda mais a esse debate que tem crescido significativamente, em virtude do movimento excessivo de demandas judiciais sobre o assunto. Por consequência disso e apreço pela temática que envolve a Medicina, é que se justifica o interesse na busca por aprofundar-se nesse tema.
Para tanto, a proposta empregada para desenvolver este estudo possui natureza qualitativa, a qual descreve uma relação entre o objetivo e os resultados que não podem ser interpretadas por meio de números (FERNANDES, 2018). Nesse raciocínio, a problemática do erro médico para fins de responsabilidade civil, trata-se de uma ciência subjetiva em que os atos do médico se tornam temerosos no exercício de sua profissão, motivo pelo qual torna-se imprescindível uma análise sobre tal temática, a fim de estabelecer conceitos conclusivos.
Ainda, no que se refere ao levantamento de dados da pesquisa, esclarecemos que o trabalho foi fundamentado suplementarmente mediante consultas a livros, artigos de revistas especializadas e publicadas na internet e jornais, além do exame necessário da legislação pertinente. Desse modo, destaca-se a pesquisa bibliográfica, a qual possui a finalidade de obter resultados baseados em materiais já publicados, como em livros, periódicos, fotos, documentos, cartas etc. (FONTELLES, 2017).
Ademais, faz-se necessário compreender, inicialmente, as noções introdutórias acerca do instituto da responsabilidade civil no ordenamento brasileiro, para que em seguida, seja possível discutir os aspectos específicos da responsabilidade civil médica, bem como, analisar a vulnerabilidade dos profissionais da saúde em casos concretos à luz do entendimento jurisprudencial pátrio.
2 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ACERCA DO INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Observa-se que em nome da própria sobrevivência, o homem necessita viver em sociedade por tratar-se de um ser social. Desde tempos remotos, a criação de laços sociais com a finalidade de melhorar a condição de vida é uma característica inerente à natureza humana. Evidencia-se que essa necessidade persiste até os dias atuais, razão pelo qual a discussão de direitos e obrigações que decorrem destas relações, torna-se imprescindível, uma vez que, a convivência humana pode ser, muitas vezes, conflituosa, o que resulta inevitavelmente na ocorrência de danos.
Dessa forma, compreende-se que o direito reprime quaisquer contrariedades que intervenham no ordenamento jurídico, devendo ser responsabilizado civilmente todo indivíduo que infringe um dever jurídico prévio, seja essa obrigação contratual, dos princípios que fundamentam o Direito ou em virtude da lei. A partir do momento em que há o rompimento do equilíbrio jurídico-econômico pré-existente entre as partes, surge desta relação jurídica o dever de reparar, com o propósito de recuperar o estado original do negócio contratual (in integrum).
Nesse sentido, na hipótese de duas pessoas celebrarem um negócio em que uma possui a obrigação de prestar um determinado serviço mediante remuneração, nasce desta relação, direitos e obrigações entre ambas as partes. Deixando uma das partes de honrar o seu dever, surge a obrigatoriedade de assumir a responsabilidade dos prejuízos decorrentes do seu inadimplemento. Sob outra perspectiva, se um indivíduo contraria uma obrigação imposta por lei, este será responsabilizado civilmente por seus atos, a fim de reparar o prejuízo causado a quem veio a lesar (GAGLIANO; FILHO 2019).
Tal reparação não se confunde com sanção criminal, a qual decorre da imputabilidade criminal e produz a aplicação de pena prevista em lei, na medida em que a responsabilidade civil se limita ao infortúnio a ser apurado. Em síntese, afirma-se que a reparação civil é um dever indenizatório que todo indivíduo possui, quando este causar prejuízo a outrem em decorrência de um nexo causal, seja por meio de ação ou omissão, com o objetivo de retornar a situação ao status quo ante (TARTUCE, 2017).
O instituto da responsabilidade civil fundamenta-se no artigo 186 do Código Civil de 2002 e pode surgir tanto em face de um descumprimento obrigacional, como pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou ainda, por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida (TARTUCE, 2017). Vale dizer, portanto, que sua natureza se classifica em dois preceitos doutrinários: contratual e extracontratual, sendo, portanto, fonte de obrigações que podem gerar dano material ou extramaterial a ser reparado.
Na responsabilidade contratual, o dever indenizatório origina-se a partir da violação de um dever previsto contratualmente. Desse modo, o artigo 1.056 do Código Civil estabelece que: “Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos” (BRASIL, 2002). Verifica-se, dessa forma, que as obrigações oriundas do contrato devem ser devidamente cumpridas pelas partes. Caso contrário, extingue-se a relação contratual e consequentemente, surge o dever do contratante inadimplente em reparar os prejuízos causados a outrem.
No que se refere a responsabilidade extracontratual, temos que a responsabilidade não se relaciona com a pré-existência de um dever contratual, nem com uma conduta culposa que violou uma obrigação advinda desta relação. E sim de um comportamento reprovado socialmente, conforme o disposto no artigo 186 do Código civil, que assim prevê: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano” (BRASIL, 2002).
Em matéria de prova, tanto na responsabilidade contratual como na extracontratual, a vítima deve comprovar todos os elementos existentes da responsabilidade civil para que seja reconhecido seu direito à indenização. Dentre eles, destacam-se a conduta (ação ou omissão), nexo de causalidade e dano, as quais demonstram-se indispensáveis para serem discutidas, conforme a exposição a seguir.
2.1 Pressupostos do dever de indenizar
A responsabilidade civil configura-se por meio dos seus elementos, os quais denominam-se pela doutrina, como pressupostos do dever de indenizar, requisitos primordiais para que este instituto tenha existência e eficácia jurídica. Dentre eles, destacam-se a conduta ou ato humano, nexo de causalidade e dano. Nesse caso, o agente do dano deverá indenizar a vítima sem a necessidade de comprovar a sua culpa (responsabilidade civil objetiva).
Assim, cumpre esclarecer que não há entendimento uníssono quanto à classificação da culpa, por ser considerada um elemento acidental. Diante disso, cabe observar o seguinte entendimento:
Embora mencionada no referido dispositivo de lei por meio das expressões “ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência”, a culpa (em sentido lato, abrangente do dolo) não é, em nosso entendimento, pressuposto geral da responsabilidade civil, sobretudo no novo Código, considerando a existência de outra espécie de responsabilidade, que prescinde desse elemento subjetivo para a sua configuração (a responsabilidade objetiva) (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 70).
Vale destacar que a culpa caracteriza somente a responsabilidade civil subjetiva, a qual se concretiza por meio da hipótese em que o agente causador do dano age de forma culposa ou dolosamente. Esta concepção tradicional difere-se da teoria do risco, a qual se relaciona com a responsabilidade civil objetiva, em que a ação praticada pelo agente (seja culposa ou dolosa), não é requisito necessário para a existência do dever de indenizar. Dessa forma, esta obrigação, surge independentemente do comportamento do agente que praticou o dano.
De acordo com esta teoria, a partir do momento em que há a possibilidade do indivíduo causar dano para terceiros por meio do exercício de sua atividade, surge a obrigação de reparar este dano, mesmo que o seu comportamento seja isento de culpa. Assim, comprovado a causalidade entre a relação de risco da atividade exercida pelo agente e o dano contra a vítima, nasce o dever indenizatório pelo agente causador do dano. Realizadas tais considerações, analisar-se-á o primeiro elemento do dever de indenizar, no que diz respeito a conduta humana.
A conduta ou ato humano refere-se à ação comissiva ou omissiva, ilícita ou lícita, voluntária e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado (DINIZ, 2021, p. 196). A ação será comissiva quando o ato praticado não deveria ser efetivado e será omissivo quando a obrigação deixa de ser cumprida. Em sequência, o ato poderá ser considerado lícito ou ilícito e ainda, voluntário, controlável pela vontade.
A voluntariedade refere-se ao discernimento do agente causador do dano em relação ao ato praticado, que pode ocorrer tanto subjetivamente como objetivamente, visto que, ambas hipóteses são possibilidades do agente agir conforme a sua livre capacidade e autodeterminação. A imputabilidade, por sua vez, relaciona-se ao autor do dano, em que se atribui a responsabilidade com base em alguma ação praticada por este indivíduo (VENOSA, 2021). Assim, a sanidade mental e a maturidade são pressupostos da imputabilidade. Resta-se demonstrada, dessa forma, a conduta como requisito caracterizador da responsabilidade civil.
Em continuidade, o segundo pressuposto a ser estudado trata-se do nexo de causalidade, liame responsável por unir o dano e a conduta que o provocou. Compreende-se que o dever indenizatório só existe a partir da relação entre a conduta praticada e o dano causado à vítima em virtude de uma omissão culposa. Nesse sentido, somente o dano e um suposto ofensor não caracteriza a responsabilidade civil, faz-se necessário que haja um motivo pelo qual o dano foi realizado.
O nexo causal, refere-se, portanto, à definição de algo que “não é jurídico; que decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado” (CAVALIERI FILHO, 2021, p. 52). Verifica-se, dessa maneira, a importância de comprovar a existência de um dano efetivo, que pode ter sido ocasionado pelo agente por voluntariedade, negligência ou imprudência.
Destaca-se ainda, o dano, elemento que abrange diversas modalidades para serem discutidas. Em virtude disso, inclina-se a sua pertinência quanto à perspectiva médica, o qual configura-se como ponto de partida para esta temática, uma vez que este pressuposto é responsável por gerar o dever de indenizar. Sem dano, não há o que se discutir acerca da responsabilidade civil. Conforme a doutrina majoritária, os danos médicos podem ser classificados como estéticos, patrimoniais e morais.
À priori, o dano estético remete-se à toda ofensa causada à funcionalidade habitual do corpo humano, sob a perspectiva fisiológica e/ou anatômica, como as doenças, a invalidez temporária ou permanente e a morte. Esta definição não abrange os danos morais, mentais ou materiais, embora possam ocorrer em conjunto com os danos físicos ao indivíduo, ou em consequência destes. Em razão disso, esta modalidade de dano é um dos que assumem maior discussão, uma vez que um pequeno erro é capaz de causar consequências irreversíveis à um paciente.
O dano patrimonial, em geral, decorre da despesa médica causada por outros tipos de danos existentes, inclusive o estético, o qual abrange exames, tratamentos, lucros cessantes, medicamentos, entre outros. Na situação em que o paciente vem à óbito, considera-se a possibilidade dos familiares serem indenizados pelos gastos hospitalares em face das tentativas de reverter o erro médico causado.
Os danos morais, por sua vez, relacionam-se aos sentimentos de dor, tristeza e angústia causada à vítima em decorrência do dano ocasionado, que podem, muitas vezes, ser devastadores. Dessa forma, esta modalidade ampara os direitos fundamentais do indivíduo, que envolvem a sua integridade moral e honra. Admite-se plenamente a possibilidade do dano moral ser indenizado, visto que, há previsão constitucional acerca da reparação civil do dano moral constatado no artigo 5º, incisos V e X, de modo a evidenciar:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...) (BRASIL, 1988).
À vista disso, temos o caso em que o dano moral foi reconhecido jurisprudencialmente a partir do exame de sangue apresentado positivamente para o vírus da AIDS, sendo que o resultado na verdade, era incorreto, visto que o paciente não possuía tal enfermidade. Este fato fora constatado tardiamente, razão pelo qual houve grande padecimento por parte do paciente enquanto a dúvida perdurava-se, gerando o direito indenizatório (BRASIL, 2012).
3 A RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO E A VULNERABILIDADE DO PROFISSIONA DA SAÚDE
A responsabilidade civil por erro médico é uma das hipóteses do instituto da responsabilidade civil estabelecida tanto de forma contratual como extracontratual. Indeniza-se a vítima que por meio do tratamento médico sofra um dano e comprove a culpa do profissional de saúde. Trata-se, dessa forma, da responsabilidade civil subjetiva em que a culpa é considerada como pressuposto do dever de indenizar para que seja caracterizada a obrigação de reparar civilmente.
Dessa forma, reitera-se que o profissional de saúde possui o dever de reparar um prejuízo causado a alguém em decorrência do seu exercício profissional, pelo meio que comprove sua conduta e culpa. A reparação ocorrerá mediante indenização patrimonial, em que o valor será calculado com base na análise dos danos causados ao paciente. O elemento culpa será verificado em sentido amplo, com a ausência da vontade ou pretensão do agente em praticar o dano à vítima, mas que em razão de negligência, imprudência ou imperícia cometa o ato danoso ou ainda uma conduta omissiva.
Assim, pode-se afirmar que a culpa stricto sensu deriva-se da falta de zelo e cuidado do profissional que sem a intenção de cometer um erro, pratica um ato ilícito. No mesmo sentido, caracteriza-se a negligência, quando o profissional age com falta de cuidado e atenção ou deixa de praticar um ato ou não fornece o serviço médico necessário ao paciente, causando-lhe um dano.
Configura-se, desse modo, por meio da omissão, inércia, indolência e passividade do profissional, que deixa de observar seus deveres e obrigações no exercício de sua profissão, descumprindo o que preceitua os princípios éticos que norteiam a Medicina (GAGLIANO; FILHO, 2019).
A imperícia, por sua vez, caracteriza-se pelo despreparo profissional, a falta de conhecimento e experiência prática para exercer a profissão médica. A ausência de conhecimento técnico da Medicina pode resultar nas hipóteses em que o médico cirurgião, por exemplo, corte, equivocadamente, veias, nervos e músculos sem a possibilidade de serem suturados novamente (PEDROSA, 2014).
Assim também ocorre no caso em que o médico obstetra em um parto cesariano, corta a bexiga ou outro órgão da mulher puérpera, causando danos irreversíveis a saúde dos pacientes. Portanto, considera-se imperito, todo profissional que não possui a experiência, capacidade e conhecimento necessários para exercer a sua profissão.
Por fim, a imprudência, refere-se a falta de cautela, moderação ou precaução por parte do profissional. Ao agir perigosamente, o médico estará assumindo a possibilidade de causar danos ao paciente, tipificando, dessa maneira, a culpa comissiva. Desse modo, é imprudente o médico anestesista que decide realizar duas cirurgias simultaneamente, ou ainda, o obstetra que realiza o parto sem as ferramentas necessárias para esse procedimento médico.
Diferencia-se da imperícia na hipótese em que um médico cirurgião realiza uma operação sem esterilizar os instrumentos cirúrgicos necessários, pela falta de conhecimento dos riscos de infecção, sendo considerado, dessa forma, como imperito. Caso tenha conhecimento e mesmo assim escolha realizar a operação, será considerado imprudente (CAVALIERI FILHO, 2021). Depreende-se, portanto, que a responsabilidade civil médica possui três pressupostos: a conduta culposa do agente (que pode ocorrer por meio da negligência, imperícia ou imprudência do profissional), o dano e a causalidade entre dano e o tipo da conduta praticada.
3.1 A vulnerabilidade do profissional da saúde em casos concretos
Sabe-se que a atividade médica possui características de complexidade, imprevisibilidade e subjetividade, razão pelo qual não se pode deixar de observar que, apesar do paciente ser considerado um consumidor e, portanto, o polo vulnerável da relação estabelecida com o profissional da saúde, dadas as peculiaridades de cada caso, os médicos também podem apresentar a condição de vulnerabilidade frente à algumas situações específicas.
Nesse sentido, tendo em vista que por via de regra atribui-se ao paciente a exigência de demonstrar a culpa do profissional para fazer jus ao direito ressarcitório, e ainda que, na maior parte dos casos, essa incumbência seja árdua, faz-se necessário considerar da mesma forma, a impossibilidade do médico obter sucesso em todos os tratamentos que desenvolve, isso porque, mesmo diante de quadros patológicos idênticos, o organismo humano se revela distinto em cada um de nós.
Assim, ainda que um mesmo tratamento seja empregado a pessoas que apresentem os mesmos sintomas, isso não é garantia de que ambas responderão de maneira idêntica e positiva – esse fato, não raro, é difícil de ser compreendido pelo paciente que restou prejudicado, motivo pelo qual o número de ações indenizatórias contra médicos aumenta a cada ano de forma espantosa.
Diante disso, dado o contexto de subjetividade que envolve o organismo humano e suas diferentes reações, se faz relevante, ao presente estudo, a análise concreta de um caso no qual se possa verificar a questão ora suscitada, de modo a tornar a referida problemática mais factível. Veja-se, então, a seguinte ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CIRURGIA DE LAQUEADURA DE TROMPAS. GRAVIDEZ POSTERIOR. ERRO MÉDICO. NÃO CONFIGURADO. NÃO COMPROVAÇÃO. ATO ILÍCITO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. 1 - A responsabilidade civil do médico é subjetiva e possui como pressupostos o ato ilícito, a ocorrência do dano, o nexo de causalidade e a culpa. 2 - Não restando comprovado ter o médico agido com culpa, isto é, com negligência, imperícia ou imprudência, não se há de falar em dever de indenizar. 3 - Na realização da cirurgia de laqueadura de trompas, considerando se tratar de obrigação de meio e não de resultado, a gravidez posterior não configura erro médico. 4 - Demonstrado nos autos a inocorrência de erro médico, resta afastada a presença de qualquer tipo de omissão, negligência, imprudência ou imperícia que pudesse justificar a imposição do dever de indenizar. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.
(TJ-GO - 01922567020188090051, Relator: Des(a). JEOVA SARDINHA DE MORAES, Data de Julgamento: 03/08/2020, Goiânia - 24ª Vara Cível e Arbitragem, Data de Publicação: DJ de 03/08/2020) (GOIÁS, 2020).
Na situação apresentada, a autora da presente ação atribuiu a gravidez indesejada após uma cirurgia de laqueadura de trompas como erro médico. Alega ainda, não ter sido advertida sobre os riscos de reversibilidade do método contraceptivo e a possibilidade de uma nova gestação. Ao sentenciar, a juíza singular julgou improcedente os pedidos iniciais, ao argumento de que não foi comprovado dolo, culpa ou qualquer ato ilícito capaz de ensejar reparação por parte da ré.
Insatisfeita com a referida prestação jurisdicional a parte autora interpôs recurso apelatório, aduzindo que a médica apelada, deixou de orientá-la quanto à impossibilidade de insucesso no procedimento de laqueadura; e que a julgadora monocrática não levou em consideração a necessidade de inversão do ônus da prova, vez que a autora figura na parte hipossuficiente e vulnerável da relação. No entanto, seguiu sem apresentar quaisquer fatos comprobatórios capaz de demonstrar que a médica agiu com culpa, isto é, negligência, imperícia e imprudência ou ainda, ato ilícito.
Partindo da situação ocorrida no caso trazido, evidencia-se que os médicos são expostos constantemente a barreiras irrefutáveis - as diferentes reações e características próprias de cada organismo - impossibilitando que os infortúnios decorrentes da subjetividade que as características fisiológicas de cada ser humano apresentam sejam considerados má prática médica.
Compreende-se que a cirurgia de laqueaduras de trompas trata-se de uma obrigação de meio em que caberá ao paciente, demonstrar que o médico não agiu com a diligência esperada, visto que o mero insucesso do resultado não é rotulado como inadimplemento, sendo necessária a prova da culpa para ter direito a reparação, o qual não se revelou em oportuno no caso apresentado.
Dessa forma, responsabilizar o médico a obrigação de resultado na referida situação, e por consequência a culpa presumida, não condiz com a proteção inserida na Constituição Federal acerca da dignidade da pessoa humana, visto que as chances do profissional da saúde em se retratar perante a lide se tornariam praticamente nulas. Depreende-se, portanto, que:
Entender que a obrigação do médico como resultado em regra geral, é julgá-lo como Deus. Responsabilizar um médico pelas reações orgânicas de um corpo humano é extremar sua responsabilidade, ignorando a falibilidade da própria medicina e do próprio profissional que pode contar exclusivamente com seu conhecimento técnico. Sendo, ainda, uma afronta ao próprio diploma do CDC, que determina que a responsabilidade do profissional liberal será apurada mediante verificação de culpa (BERNARDES, 2015).
Nesse viés, a interpretação dos referidos dispositivos legais deve se fundamentar em conformidade com os princípios constitucionais, com a eticidade e boa-fé apresentados pelo Código Civil de 2002. Assim, ainda de acordo com a autora supracitada, pela álea da atividade médica não é justo e nem ético atribuir ao médico a presunção de culpa, visto que este deve ser responsável pelo que depender dele exclusivamente e não pelas respostas do organismo do paciente ou pelas limitações naturais da medicina (BERNARDES, 2015).
Em outro caso a ser analisado, observa-se a cirurgia de emergência, situação imprevisível que sujeita o médico a desemprenhar sua função da melhor forma que lhe será permitida de acordo com a urgência e as condições do local de atendimento do momento. É o caso de uma intervenção médica, correta tecnicamente, quando necessária no momento em que ocorreu e o paciente não estava em condições de manifestar seu consentimento.
Eis a transcrição de uma emenda no qual, durante uma cirurgia de urgência, os médicos viram a necessidade de retirar o rim esquerdo do paciente, sem consentimento do mesmo ou de algum representante:
DANOS MORAIS - Inocorrência - Erro médico - Provas, suficiente a demonstrar que o autor foi submetido a cirurgia de emergência com intervenção adequada ao caso concreto - Rim esquerdo do paciente que se encontrava comprometido, que justificou sua retirada - Alegação de que não foi informado que da intervenção cirúrgica, resultou, inclusive, da retirada de seu rim esquerdo, não traduz nexo causal a amparar a pretensão indenizatória formulada - Dor moral não configurada - Desatendida a regra do artigo 333,1, do CPC - Procedência da ação - Inadmissibilidade - Sentença mantida - Recurso improvido. CPC.
(TJ-SP – AC: 994.04.078821-0, Relator: Salles Rossi, Data de julgamento: 14/04/2010, 8ª Câmara de direito Privado, data de publicação: 22/04/2010) (SÃO PAULO, 2010).
No caso supracitado, devido um traumatismo decorrente de queda, o paciente teria sido internado. No correr da cirurgia, a equipe médica identificou intenso sangramento proveniente do rim esquerdo que tentou salvar mediante suturas, porém a única medida cabível mostrou ser a retirada do rim. O paciente veio a pleitear demanda indenizatória por não ter consentido com determinado procedimento, ainda que a retirada do órgão tenha sido efetuada com sucesso e em prol de sua saúde.
Em transcrição de parte do voto condutor:
(...) A lamentável necessidade da cirurgia, culminando com a retirada de seu rim esquerdo, não pode ser imputada como erro, tendo sido realizados todos os procedimentos que estavam ao alcance do quadro clínico do apelante. Em que pese à resistência oposta pelos autores, ficou cabalmente demonstrado, que o evento só ocorreu porque o apelante apresentou histórico de traumatismo por queda [...]. Assim, a retirada do rim esquerdo não se mostrou equivocada, mas ao contrário, necessária. [...] Destarte, as provas, são uníssonas a demonstrar que o autor foi submetido a cirurgia de emergência com intervenção adequada ao caso concreto. (grifou-se) (SÃO PAULO, 2010).
Como observado nas razões do Magistrado, apesar de não ter havido consentimento informado, não há como detectar erro médico em situações como houve no caso supracitado, uma vez que existem situações de emergência que requerem que medidas igualmente urgentes sejam tomadas pelos profissionais de saúde, as quais, muitas vezes, a demora pode representar danos irreversíveis à vida do paciente.
O erro de diagnóstico demonstra-se outro fator importante nesse contexto. Como já considerado, a ciência não possui todas as respostas necessárias à cura da enfermidade que acomete o paciente ou, ainda, um diagnóstico infalível. Dito isso, em se tratando de diagnósticos, o médico somente será responsabilizado em situações nas quais restaria caracterizado seu agir culposo - atuar com displicência, pressa ou sem cuidados, exames e informações necessários. Cabe analisar como a responsabilidade dos médicos envolvidos em tais casos vêm sendo apreciado pela jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. ERRO DE DIAGNÓSTICO E NEGLIGÊNCIA MÉDICA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. PLEITO OBJETIVANDO A REFORMA DA SENTENÇA COM A CONSEQUENTE CONDENAÇÃO DA PARTE DEMANDADA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. [...] A requerente defende a ocorrência de erro no resultado dos exames realizados no laboratório demandado, bem como, sustenta a negligência do médico que lhe prestou atendimento. Alega que a conduta da parte requerida retardou o diagnóstico de sua doença (câncer no colo uterino), agravando o seu estado de saúde. A perícia médica judicial atestou a ausência de imprudência e/ou negligência na conduta adotada pela parte demandada. Culpa não configurada. Outrossim, a falha da prestação de serviço do laboratório não foi demonstrada. A responsabilidade do médico e do laboratório não foram reconhecidas. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJ-SC – AC: 00105257720118240045 Palhoça 0010525-77.2011.8.24.0045, Relator: Denise Volpato, Data de julgamento: 28/08/2018, Sexta Câmera de Direito Civil) (SANTA CATARINA, 2018).
O caso apresentado trata-se de ação indenizatória em razão de erro de diagnóstico e negligência médica, que teriam impedido a descoberta da enfermidade da autora e o consequente início de tratamento, agravando seu estado clínico. Sentenciado o feito, o Magistrado de primeiro grau verificou a ausência de irregularidade nos atendimentos, exames e diagnósticos prestados pela parte requerida à autora, julgando improcedentes os pedidos formulados na exordial.
Em suas razões recursais, a autora defende a culpa da parte demandada pelo diagnóstico tardio da sua doença (câncer no colo do útero), e o consequente retardamento do tratamento da sua enfermidade, asseverando ter a conduta da parte requerida agravado o seu estado de saúde. Fundamenta sua pretensão indenizatória (danos materiais e morais) ao argumento de ter sido vítima de erro médico praticado pela parte apelada, consubstanciado no atendimento negligenciado que lhe foi prestado.
Esclarecido isso, extrai-se incontroverso aos autos, o fato da requerente ter sido atendida no posto de saúde do SUS pelo médico demandado, apresentando quadro clínico de dor abdominal, sem qualquer intercorrência de sangramento vaginal ou indícios da enfermidade (art. 374, II e III, do CPC). Na ocasião, o requerido; após examinar a barriga da autora e analisar os exames apresentados (colposcopia e ultrassom do abdômen) teria constatado apenas a presença de gases em seu abdômen, receitando o uso de medicamentos para a referida enfermidade.
A prova documental (exames, prontuários, receituários médicos, fichas de internação e tratamentos dispensados durante a internação hospitalar) carreada aos autos, serviu somente para demonstrar a ocorrência de uma única consulta médica havida entre as partes, e a posterior (cerca de um mês após a referida consulta) descoberta da enfermidade, sendo impossível extrair eventual conduta culposa por parte do médico demandado, em razão da paciente não ter apresentado quaisquer sintomas da doença na época do diagnóstico, tendo em vista que todos os exames foram realizados corretamente. A prova pericial, por sua vez, é sólida no sentido de não ter havido culpa do profissional pelos danos aventados pela autora.
A essa altura, mediante a grande importância do diagnóstico no tratamento de qualquer patologia, destaca-se a vulnerabilidade médica mediante do mesmo. A diagnose é o que define a conduta – durante procedimento médico ou determinado tratamento - que o profissional deverá escolher. Há de se levar em conta que, ainda que o médico tenha interpretado de maneira correta as informações do exame diagnóstico, existe a falibilidade humana e a imprecisão da própria ciência.
Assim, seja pelas limitações impostas pela ciência no caso de diagnósticos e tratamentos, seja pelas particularidades de cada patologia e as diferentes reações de cada organismo/paciente, ou ainda, pelas diversas situações nas quais os médicos se vêem obrigados a agir com urgência, ainda que determinado paciente não tenha consentido expressamente com alguma intervenção cirúrgica ou procedimento, tem-se que estes profissionais, não raro, também apresentam condição de vulnerabilidade frente à inúmeras situações as quais o dia-a-dia da atividade médica lhes submetem, apesar de serem considerados fornecedores de serviços e, portanto, o polo presumidamente mais forte da relação que é estabelecida para com os seus pacientes – consumidores, vulneráveis por essência.
Não se quer, no presente estudo, defender a tese de que todo e qualquer erro médico é escusável, ao contrário disso, entende-se que o profissional deverá ser duramente responsabilizado toda vez que atuar com culpa no desempenho de sua atividade, haja vista estar sendo negligente, imprudente e/ou imperito ao lidar com o bem jurídico mais importante: a vida. No entanto, ainda que se esteja a tratar da vida, há casos nos quais os médicos não terão concorrido, de forma alguma, para o evento danoso causado ao paciente, de modo que eventual responsabilidade que venha a recair sobre este profissional se mostra injusta e, inclusive, desumana.
Assim, não se pode deixar de considerar que, ainda que vigore uma legislação protetiva à pessoa do consumidor (paciente), tais normas deverão ser aplicadas levando em conta as peculiaridades de cada caso concreto e em consonância com os valores constitucionais eleitos pelo constituinte como diretrizes irrefutáveis do nosso ordenamento jurídico (hermenêutica tópico-sistemática), sem deixar de considerar, portanto, que os médicos, apesar de fornecedores, e acima dessa classificação, são seres humanos e, como todos os outros seres humanos, sujeitos à falhas que lhes são imprevisíveis e métodos que poderão ser falhos – o que os torna, assim como seus pacientes, vulneráveis e, por assim dizer, vítimas de determinadas situações que só a própria realidade, em seu curso natural e surpreendente, é capaz de criar.
4 CONCLUSÃO
O presente artigo científico teve por escopo analisar o instituto da responsabilidade civil decorrente do erro médico. Sabe-se que o ordenamento jurídico brasileiro estabelece que o agente causador do dano possui o dever de indenizar, desde que preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, o Código de Defesa do Consumidor reforça este entendimento jurídico, ao regulamentar as relações de consumo.
Nesse sentido, como regra geral, entendeu-se que a responsabilidade civil nas relações consumeristas será objetiva – a reparação do dano dar-se-á ainda que não reste comprovada a culpa do agente – mas que, como exceção à esta regra, está a figura dos profissionais liberais, os quais, de acordo com a previsão constante no parágrafo 4º do artigo 14 do CDC, responderão subjetivamente pelos danos causados, de modo a ser a culpa o elemento central para que se configure o dever ressarcitório.
Desta feita, uma vez considerado que os médicos, na maior parte dos casos, atuam na condição de profissionais liberais, firmou-se entendimento que a sua responsabilidade restará configurada somente se comprovado o agir negligente, imprudente ou imperito no desempenho de sua atividade profissional. No entanto, não obstante tal compreensão, consignou-se que, porquanto a atividade médica fosse empresarial – caso dos hospitais, por exemplo – a responsabilidade permaneceria regida sob a ótica objetiva, configurada a partir do dano e independentemente de culpa.
Diante disso, observa-se que a análise do erro médico é deveras complicada aos operadores do Direito, uma vez que demandas indenizatórias têm tido grande expansão, ainda que muitas pessoas não busquem seus direitos e não exijam a reparação devida pelo dano sofrido. Os juízes baseiam suas decisões em provas apresentadas aos autos, tais como depoimentos profissional e testemunhal.
Nesse sentido, os profissionais de saúde, não raro, apresentam condições de vulnerabilidade perante incontáveis situações do dia a dia, seja pelas particularidades de cada doença e distintas reações de cada paciente, seja pelas limitações impostas pela ciência no caso de tratamentos e diagnósticos, ou ainda, seja pelas diversas situações urgentes onde os médicos se encontram.
Não se objetiva, no presente estudo, defender a premissa de que todo e qualquer erro médico é escusável. Entende-se que o profissional deverá ser severamente penalizado quando atuar com culpa no desempenhar de sua atividade, uma vez que está agindo com negligência, imprudência e/ou imperícia frente ao bem jurídico mais importante: a vida. Contudo, eventuais responsabilidades que venham a cair sobre o profissional se mostram injustas e desumanas, uma vez que existem situações em que o médico, mesmo se tratando da vida, não terá concorrido para o fato danoso causado ao paciente.
Assim sendo, é relevante considerar que as normas protetivas à pessoa do consumidor deverão ser aplicadas levando em consideração as particularidades de cada caso concreto e em concordância com os valores constitucionais. Conclui-se, portanto, que os médicos, apesar de fornecedores, são seres humanos sujeitos a falhas imprevisíveis e a métodos que poderão ter defeitos. São, assim como seus pacientes, pessoas vulneráveis e vítimas de determinados acontecimentos que apenas a própria realidade, em seu caminho natural e abrupto, é capaz de criar.
Dito isso, o presente estudo alcança o objetivo ao qual incialmente se propôs: a percepção de que a problemática do erro médico – questão tão recorrente nos dias atuais –, só poderá ser apreciada de forma sensata quando, sem perder de vista a condição de vulnerabilidade que sempre será ostentada pelos pacientes, entender-se que o médico, em determinadas situações, poderá ser igualmente vulnerável e impotente, e que tal condição de fragilidade, quando existir, só poderá ser constatada mediante a análise individual das particularidades que cada situação concreta irá envolver.
Cumpre salientar, portanto, que o presente artigo científico teve por objetivo promover uma reflexão acerca do tema escolhido, dada a sua importância e recorrência nos dias de hoje, sem que, contudo, visasse o exaurimento dos tópicos aqui abordados.
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[1] Professora orientadora. Advogada, Mestra em educação – PPGFOPRED - UFMA. Professora universitária especialista em Direito Público e Ciências penais pela Unisul.
Acadêmica do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão – UNISULMA/IESMA. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, ANA LAURA GAMA. Responsabilidade civil por erro médico: Uma análise jurídica da vulnerabilidade do profissional de saúde Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 maio 2022, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58332/responsabilidade-civil-por-erro-mdico-uma-anlise-jurdica-da-vulnerabilidade-do-profissional-de-sade. Acesso em: 22 nov 2024.
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