LIDIANNE KELLY NASCIMENTO RODRIGUES DE AGUIAR LOPES[1]
(orientadora)
RESUMO: O meio ambiente ecologicamente equilibrado ganhou proteção constitucional expressa no artigo 225, caput da CRFB/88, como um direito de todos e dever do Estado e da coletividade na sua proteção, como também previu no artigo 170, VI, a proteção do meio ambiente a partir dos princípios da ordem econômica e social. Ocorre que há muito o homem não consegue alinhar as suas necessidades à proteção ambiental, o que gera com sua ação, várias formas de degradação ao meio ambiente e com a exploração de minério não é diferente. Tendo em vista que o atual Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, sancionou o Decreto de n◦ 10.966/2022, que não apenas muda a nomenclatura do garimpo para mineração artesanal, como também cria o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mape) elegendo a região amazônica como centro de exploração, o presente artigo tem como problema analisar quais os possíveis impactos na saúde dos trabalhadores como no meio ambiente, tendo em vista que os efeitos práticos da exploração de minerais se dão para além da degradação ambiental. Como resultados verificou-se que o estímulo da exploração minerária prejudica tanto o ambiente quanto a própria população
Palavras–Chave: Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado; Exploração Mineral; Impactos Socioambientais.
ABSTRACT: The ecologically balanced environment gained constitutional protection expressed in article 225, caput of CRFB/88, right of all and duty of the State and collectivity in its protection. Considering the need to align sustainable development and environmental protection, the 1988 Constitution provided in article 170, VI, the protection of the environment within the principles of the economic and social order. It happens that man has not been able to align his needs with environmental protection for a long time, which generates with his action, various forms of degradation to the environment and with the exploitation of ore it is no different. Therefore, the current President of the Republic, Jair Messias Bolsonaro, recently sanctioned Decree No. Small Scale (Pro-Mape) choosing the Amazon region as the center of exploration. The practical effects of mineral exploration go beyond environmental degradation, putting the health of thousands of people at risk. As a result, it was found that the stimulus of mining exploitation harms both the environment and the population itself.
Keywords: Ecologically Balanced Environment; Mineral Exploration; Social and Environmental Impacts.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. 2.1 Meio ambiente e a proteção internacional. 2.2 A proteção na Constituição da República de 1988 do meio ambiente. 3 AS ATIVIDADES EXPLORADORAS DE MINÉRIO. 3.1 As condições rudimentares da saúde dos trabalhadores nas atividades de exploração de minério. 3.2 A necessidade de proteção e defesa do meio ambiente. 4 O GARIMPO NO BRASIL. 4.1 Perspectivas e desafios de regulação da prática garimpeira. 3 CONCLUSÃO.
Os meios de produção dependem de recursos para o produtor final, contudo, a extração exacerbada desses recursos gera impactos na fauna e flora e, consequentemente, na população humana, como exemplo clássico o aquecimento global em decorrência de grandes desmatamentos.
Com isso, existem várias legislações que tencionam impedir a ocorrência de grandes impactos ambientais, exigindo assim planos para funcionamento e meios de compensação. Ademais, cada forma de exploração gera um nível de impacto que deve ser sanado, mitigado ou compensado para o funcionamento de qualquer atividade que tenha potencial para degradar o meio ambiente.
A garimpagem é uma das principais atividades causadoras de degradação ambiental, provocando externalidades ambientais positivas, como a geração de empregos e o aumento da renda nacional. E negativas, como impactos irreversíveis, uma vez que um ecossistema é completamente destruído, podendo acarretar a extinção de diversas espécies de animais e vegetações.
Nesta perspectiva, o presente artigo estabeleceu como objetivo geral a compreensão dos impactos da mineração na saúde dos trabalhadores e no meio ambiente. Para tanto foi utilizado a pesquisa documental, através de leis e decretos, com utilização bibliográfica da literatura sobre o tema.
A pesquisa para a construção desse trabalho foi documental, de caráter exploratório, com a utilização de vasta bibliografia sobre o tema. Esse tipo de metodologia busca explicar e colocar em discussão um tema com base em referências teóricas, além de procurar conhecer e analisar conteúdos científicos sobre o referido assunto.
Deste modo, este trabalho está dividido em três tópicos centrais, sendo o cerne do trabalho, neles é desenvolvido o assunto por meio de material bibliográfico e documental, iniciando a abordagem com a inserção do direito ambiental na agenda governamental a partir de meados do século XX, bem como perpassando pelos impactos das atividades exploradoras de minério na saúde dos trabalhadores e no meio ambiente, finalizando com os análise da prática garimpeira.
2 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
De acordo com Thomé (2015), as discussões acerca da relação homem e natureza que foram realizadas ao decorrer do tempo sempre foram bem dicotômicas, posto que traziam como concepção ética, ora o antropocentrismo, exaltando o homem como o centro da relação, onde a natureza tem a exclusiva função de satisfazê-lo.
O que se observa é que com a evolução do estado e consequentemente das questões que são postas à ele, como instrumento de tutela, o que se inclui o meio ambiente, o ordenamento jurídico brasileiro passou a proteger não só a capacidade e aproveitamento dos recursos naturais, coadunando na teoria do antropocentrismo utilitarista, como também a capacidade puramente ecológica, que vai ao encontro do antropocentrismo alargado.
O que nos faz pensar que o homem se tornou sensível às questões ambientais, o que levou o legislador a garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado de modo expresso no texto constitucional de 1988, como o direito de todos, se reportando à qualidade de vida, enquanto valor imaterial da coletividade.
Seguindo essa perspectiva, o ordenamento jurídico brasileiro, segundo Oliveira (2017), adota a ideia do antropocentrismo alargado, onde que o ser humano reconhece a fauna e flora como meios necessários para a garantia de sua sobrevivência e vida digna, uma vez que o meio ambiente fornece toda a matéria para a evolução e qualidade de vida. Inclusive, tal posicionamento é do Superior Tribunal de Justiça, na qual transcreve-se:
(...) com base na doutrina Cunhal Sendin, trabalha com o conceito do antropocentrismo alargado ou moderado, objetivando a tutela do ambiente independentemente da sua utilidade direta ou benefícios ao homem ao considerar a preservação da capacidade funcional do patrimônio natural com ideais éticos de colaboração e interação homem-natureza.(...)
(STJ - REsp: 1797175 SP 2018/0031230-0, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 21/03/2019, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/03/2019)
Para Leite (2007, p. 137), esta concepção:
(...) centra a preservação ambiental na garantia da dignidade do próprio ser humano”, Sujeição de Direitos, Meio Ambiente e Antropocentrismo Alargado constituindo-se em modelo alargado justamente porque esta proteção ambiental é necessária para a “sobrevivência da própria espécie humana.
Reconhecida a importância do meio ambiente, a preocupação dos Estados soberanos foi fundamental para a realização de Conferências principalmente na segunda no cenário pós II Guerra Mundial. Alguns marcos teóricos foram importantes, dentre elas o Clube de Roma, a Conferência de Estocolmo sobre o Ambiente Humano das Nações Unidas.
Após muitas divergências e discussões em 1987, foi publicado o Relatório Brundtland, documento conhecido como Nosso Futuro Comum disseminando a ideia de desenvolvimento sustentável, fruto de um relatório elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, pela Assembleia das Nações Unidas.
Este Relatório elenca uma série de dados, dentre os quais, indica quais países do terceiro mundo são mais pobres. Em contrapartida, evidenciou o excesso no consumo dos países de primeiro mundo, identificando a possível causa que impediam a realização de um desenvolvimento igualitário no mundo, que gera uma crise ambiental sem precedentes.
O desenvolvimento sustentável tem como pilar o equilíbrio do crescimento econômico, a preservação ambiental e a equidade social. Não havendo o equilíbrio entre este tripé, não há que se falar em desenvolvimento sustentável.
2.1 Meio ambiente e a proteção internacional
Diante do quadro alarmante de degradação ambiental gerado principalmente após o advento da Revolução Industrial, o assunto meio ambiente, em meados do século XX, passou a fazer parte da agenda internacional.
Segundo Pott e Estrela (2017, p. 272) “foram necessários quase três séculos desde a Revolução Industrial, para a questão ambiental começar a ser encarada como problema e não mais como mal necessário ao progresso”.
Esse contexto fez com que a proteção do meio ambiente permanecesse por muito tempo ligada a uma visão antropocêntrica e utilitarista, estritamente vinculada a fatores econômicos e de abrangência local. As normas eram criadas para regulamentar situações emergenciais ou catastróficas, envolvendo, especialmente, questões transfronteiriças, de onde se verifica não haver uma preocupação prévia a ocorrência desse tipo de situação. (OLIVEIRA, 2010, p. 1)
Na década de 1940, começou a mudar esta percepção, havendo o reconhecimento do meio ambiente como um direito fundamental, derivado da Declaração de Estocolmo, 1972. Nesse sentido, após uma década, a mentalidade mundial não se restringiu apenas ao espaço geográfico, uma vez que os problemas ambientais se tornaram notórios ao público e ao estado, a qual visaram ainda mais combater a poluição ambiental e seus efeitos. (LIRA, 2016)
Para entender esta mudança de mentalidade e abertura das discussões em nível internacional sobre a importância do meio ambiente, há que se levar em consideração o contexto marcado pós-guerra, a esperança na diplomacia para resolver grandes questões, a valorização dos Direitos Humanos, a democracia nas relações internacionais e, somado a tudo isso, a clara demonstração dos efeitos nocivos do mal uso dos recursos naturais, com os acúmulos de resíduos, a poluição do ar e os constantes desastres ambientais com efeitos catastróficos.
Nesse momento histórico, a questão ambiental tornou-se pauta imperativa nas agendas políticas do mundo todo, uma das principais preocupações dos recém implantados Estados Democráticos de Direito.
2.2 A proteção na Constituição da República de 1988 do meio ambiente
O Brasil no decurso da sua história como País criou inúmeras leis relacionadas a proteção do meio ambiente. Inicialmente, essas normativas eram focadas em apenas orientar, organizar e fiscalizar a utilização dos recursos naturais. Posteriormente, tinham o intuito de conciliar interesses locais e regionais e, ao mesmo tempo, coordenar as demandas das empresas privadas, nacionais e estrangeiras.
Contudo, essa proteção ganhou outro nível a partir da Constituição de 1988. A referida Constituição, em seu artigo 225, conferiu status de garantia constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerando-o requisito essencial para que todos os indivíduos integrantes da sociedade pudessem desfrutar de uma vida minimamente digna, impondo ao Poder Público e a coletividade o dever de defendê-lo.
CRFB/88, Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de 5efende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988)
Assim sendo, a proteção do meio ambiente tornou-se matéria de ordem constitucional, com um capítulo dedicado a temática, além de outros dispositivos em partes diversas do texto constitucional com referência a questão ambiental. Destarte, as normas infraconstitucionais relacionadas ao meio ambiente também se tornaram melhores, pois passaram a tomar como base o apregoado na lei maior.
Por mais que não esteja elencado no rol do artigo 5º da Constituição Federal, que trata dos direitos e garantias fundamentais, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é considerado como direito subjetivo de cada um, portanto, como direito fundamental (MORAES, 2001).
Os direitos fundamentais são o conjunto de direitos mais importantes em uma comunidade de pessoas, reconhecidos por uma ordem constitucional. Diante da inestimável importância relacionada à concretização da dignidade da pessoa humana, tais direitos assumem, na doutrina jurídica, um patamar cimeiro de prioridades para a consolidação das reivindicações sociais e para uma construção evolutiva do Direito como um todo.
Portanto, a preservação ambiental é dever do Poder Público e de toda coletividade, ou seja, o Estado deve proteger o meio ambiente, mas não sozinho, a sociedade também deve se engajar nesse papel, pois as consequências negativas do mal uso dos recursos naturais influenciará negativamente a vida de todos, da presente e das futuras gerações.
Tal importância a Carta Magna atribuiu ao meio ambiente que a preservação dos recursos naturais vai ser um dos critérios utilizados pelo legislador para definir a função social da propriedade.
A função social consiste na utilização da propriedade, urbana ou rural, em consonância com os objetivos sociais de uma determinada cidade. A função social impõe limites ao direito de propriedade, para garantir que o exercício deste direito não seja prejudicial ao bem coletivo. Isto significa que uma propriedade rural ou urbana não deve atender apenas aos interesses de seu proprietário, mas também ao interesse da sociedade. (GOMES; MORAES, 2019, p. 1)
A Constituição de 1988 declarou no artigo 5°, Inciso XXIII que “a propriedade deverá atender sua função social”, ou seja, o proprietário deve usufruir de seu direito de propriedade dentro de determinados limites, seguindo certos critérios, para que não venha prejudicar a coletividade.
3 AS ATIVIDADES EXPLORADORAS DE MINÉRIO
A mineração elencada no artigo 177, inciso V, da CRFB/88 e em outras legislações esparsas, como o Decreto nº 9.406, de 12 de junho de 2018, indicam que o minério é monopólio da União e o desenvolvimento das técnicas de mineração deve ter como fundamento o interesse nacional e a utilidade pública.
E, conforme visto, o meio ambiente elencado no artigo 225, CRFB/88, deve ser protegido por todos, em caráter erga omnes, onde tanto o poder público e a coletividade se encaixam como guardiões do meio ambiente. (BRASIL, 1988)
Com a extração de minérios, há de se notar um extremo desequilíbrio do tripé da sustentabilidade sendo o aspecto do ramo econômico, financeiro e ambiental, portanto terá que ser analisado os benefícios e malefícios socioambientais das atividades minerarias e a proteção ambiental.
3.1 As condições rudimentares da saúde dos trabalhadores nas atividades de exploração de minério
O meio ambiente do trabalho é de extrema importância para a saúde do trabalhador, pois além de ser nele que o indivíduo passa grande parte de seu tempo, a Constituição de 1988 o protegeu no artigo 200, VIII.
O meio ambiente do trabalho é conceituado por Padilha como sendo:
(...) o habitat laboral onde o ser humano trabalhador passa a maior parte de sua vida produtiva provendo o necessário para sua sobrevivência e desenvolvimento por meio do exercício de uma atividade laborativa, abrange a segurança e saúde dos trabalhadores, protegendo-os contra todas as formas de degradação e/ou poluição geradas no ambiente do trabalho (PADILHA, 2011, p. 232.)
Destarte, resta comprovado que a não preservação e o não cuidado com o meio ambiente do trabalho tem impacto negativo na vida do trabalhador, já que o mesmo é essencial à sadia qualidade de vida. Essa compreensão advém da necessidade de que o ser humano além de ter direito a uma vida digna em todos os aspectos, seja respeitado, tenha um trabalho decente.
De acordo com o art. 7º, inciso XXII da Constituição de 1988:
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. (BRASIL, 1988).
O artigo supracitado corrobora o direito do trabalhador em ter um meio ambiente do trabalho protegido, configurando-se obrigação do Poder Público e dos empregadores a sua proteção, para prevenção de danos à saúde, bem como, a reparação em caso de não ofertarem esse direito.
Deste modo, conforme Oliveira “o ambiente de trabalho saudável é direito do trabalhador e dever do empregador, razão pela qual o empregado não pode estar exposto a riscos passíveis de eliminação ou atenuação e que possam comprometer seu bem-estar físico, mental ou social” (OLIVEIRA, 2007, p. 119).
No setor da mineração, as condições de trabalho são consideradas precárias, haja vista, o ambiente insalubre e a jornada extensiva em que estes trabalhadores são submetidos. Conforme Melek et al (2017, p.110):
Os trabalhadores relataram sobre o cotidiano de suas atividades e associam o trabalho na mineração como um trabalho pesado e penoso, que exige força física constante. Para alguns deles, a percepção sobre o trabalho além da exigência física, perpassa os aspectos relacionados à demanda excessiva de atividades a serem cumpridas. Percebem o risco como algo permanentemente presente, gerando tensão e constante atenção, pois a possibilidade de ocorrerem acidentes fatais persiste continuamente, por conta da queda das rochas após as explosões.
Embora a legislação trabalhista assegure em seu artigo 293 que a “duração normal do trabalho efetivo para os empregados em minas no subsolo não excederá de 6 (seis) horas diárias ou de 36 (trinta e seis) semanais”, a falta de fiscalização mais ativa e frequente dos órgãos responsáveis faz com que essa a carga horária efetiva seja muito maior.
Além disso, ainda existem o problema da garimpagem clandestina, onde nem o verniz da legalidade encobre a rotina extenuante de trabalho e os perigos inerentes à área. De acordo com dados levantados pelo sítio eletrônico Clima.info “O garimpo ilegal se intensificou nos últimos anos, beneficiado pela queda na fiscalização ambiental e pela alta no preço internacional do ouro durante a pandemia”, correspondendo atualmente a quase 20% das exportações de ouro do Brasil.
Esta jornada extensiva de trabalho do minerador, pode representar perigos reais de acidentes, ocasionados pelo cansaço, falta de atenção e estrese. Em um estudo de caso realizado por Melek et al (2017) revela que os próprios mineradores já concebem a ocorrência de acidentes durante a mineração como algo rotineiro. Além do perigo de acidentes, existem outros não menos preocupantes, como o da exposição a produtos químicos e o desenvolvimento de doenças posteriores.
3.2 A necessidade de proteção e defesa do meio ambiente
Toda atividade econômica tem como finalidade imediata produzir bens de consumo e serviço para satisfazer as necessidades humanas. Contudo, durante o transcurso da produção são gerados determinados impactos sobre a sociedade, que podem afetá-la de modo positivo ou negativo. Tais impactos são chamados de “externalidades”.
Nery (2014, p. 2) conceitua externalidade, como sendo “o impacto, não precificado pelo mercado, de uma atividade em terceiros que não decidem sobre ela.” Esse conceito é corroborado por Rosen (2015, p. 73) que descreve externalidade como “a atividade de uma entidade (uma pessoa ou empresa) que afeta diretamente o bem-estar de outra de uma maneira que está fora do mecanismo de mercado”.
Exemplos de externalidades positivas: a melhoria da produção de mel por parte de um apicultor como resultado do acréscimo de flores plantadas por um floricultor próximo; a implantação de obras de infraestrutura pela sojicultura para beneficiar e transportar seus produtos acaba provocando o “efeito-arraste”, que consiste na atração de outras atividades e/ou investimentos para a região (BRUM; DALFOVO; BENFICA, 2011).
Exemplos de externalidades negativas: a perda ou redução dos biomas e da biodiversidade das áreas afetadas pela expansão da monocultura da soja; o aumento de pessoas com doenças respiratórias advindas da poluição das fábricas. Nesse sentido, o Estado vem cada vez mais atuando, articulando ações no intuito de proteger os direitos fundamentais, minimizando as externalidades negativas.
A garimpagem é uma das principais geradoras de impactos ambientais, gerando externalidades ambientais positivas, como a geração de empregos e o aumento da renda nacional. E negativas, como impactos irreversíveis, uma vez que um ecossistema é completamente destruído, causando muitas das vezes a extinção de diversas espécies de animais e vegetações.
Embora, traga como mote o apoio a dois pilares do tripé do desenvolvimento sustentável, sendo eles: o meio econômico e o sociocultural. O desenvolvimento sustentável não ocorre de fato, os impactos não são mitigados, devido, principalmente, a falta de uma atuação governamental mais incisiva.
A mineralização, além de remanejar todo um nicho ecológico, ainda interfere por meio da poluição no meio biogeoquímico, onde diversos resíduos são espalhados pelo ar, pelo solo e pela água, causando grande prejuízo ambiental. Em se falando de responsabilidade, aquele que causa danos ao meio ambiente, tem responsabilidade objetiva, ou seja, não é necessário a comprovação de culpa ou dolo, pois é dever daquele que lucra da atividade responder pelo seu risco.
E além do mais, a responsabilidade é solidária, em virtude da teoria do risco integral do poluidor/pagador (WEDY, 2018). A responsabilidade objetiva obriga a reparação ambiental, apesar do dano causado não ser reparável totalmente, por isso são necessários diversos estudos em todas as etapas e períodos da exploração. Sendo estudado o solo, a vegetação, os animais.
O Garimpo no Brasil é uma prática que remonta ao período colonial, mais precisamente o século XVIII, com a exploração aurífera nas regiões que hoje compreende os estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.
No Brasil contemporâneo a mineração rende opiniões diversas, posto que sua importância econômica contrasta com os impactos socioambientais produzidos.
A Constituição da República de 1988 para autorizar a exploração dos recursos minerais, devido sua preocupação ambiental, exige diversos trâmites, envolvendo planos de estudos antes, durante e depois da implantação, além de autorizações estatais, licenciamentos, entre outros. E, além disso, obriga a reparação do meio ambiente degradado em virtude da atividade de mineração.
No entanto, é pouco efetivada a mitigação dos impactos produzidos por esse setor, ou por se tratar de danos irreversíveis, ou por outros fatores de ordem administrativa, como a falta de fiscalização efetiva.
4.1 Perspectivas e desafios de regulação da prática garimpeira
O Brasil vem implementando legislações a fim de regulamentar e regular a prática garimpeira em seu território, buscado dessa forma reduzir os efeitos negativos no ambiente e, por conseguinte, na sociedade. No quadro abaixo, algumas dessas normativas:
Legislação Específica de Mineração anterior a Promulgação da Constituição Federal de 1988
Decreto-Lei nº 1.985/1940 Código de Minas |
Este Código define os direitos sobre as jazidas e minas, estabelece o regime do seu aproveitamento e regula a intervenção do Estado na indústria de mineração, bem como a fiscalização das empresas que utilizam matéria prima mineral |
Decreto-Lei nº 227/1967 |
Dá nova redação ao Decreto-lei nº 1.985, de 29 de janeiro de 1940 (Código de Minas) |
Lei Federal nº 6.567/1978 |
Dispõe sobre regime especial para exploração e o aproveitamento das substâncias minerais que especifica. |
Fonte: ibram.df.gov.br
Conforme exposto anteriormente, desde o surgimento da Constituição de 1988 a proteção do meio ambiente tornou-se matéria de ordem constitucional, com um capítulo dedicado a temática, além de outros dispositivos em partes diversas do texto constitucional com referência a questão ambiental.
Destarte, as normas infraconstitucionais relacionadas ao meio ambiente também se tornaram melhores, pois passaram a tomar como base o apregoado na lei maior. No quadro abaixo, algumas das legislações específicas de mineração posteriores à Constituição:
Legislação Específica de Mineração posterior à Constituição Federal de 1988
Decreto Federal nº 97.632/1989 |
Regulamenta sobre o Plano de Recuperação de Áreas Degradadas Para Exploração Mineral |
Decreto Federal nº 97.507/1989 |
Dispõe sobre licenciamento de atividade mineral, o uso do mercúrio metálico e do cianeto em áreas de extração de ouro, e dá outras providências |
Lei nº 7.805/1989. |
Altera o Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967, cria o regime de permissão de lavra garimpeira, extingue o regime de matrícula |
Resolução CONAMA nº 428/2010 |
Dispõe, no âmbito do licenciamento ambiental, sobre a autorização do órgão responsável pela administração da Unidade de Conservação. |
Fonte: ibram.df.gov.br
Na contemporaneidade é necessário todo um processo administrativo para que seja autorizado a atividade mineradora. Para que uma determinada área seja utilizada para quaisquer atividades, a legislação brasileira exige que seja feito um estudo no local para que seja feito um procedimento de licenciamento para que seja registrado a finalidade, remanejamento, etc. como uma forma de controle estatal no intuito de mensurar os benefícios e os danos socioambientais para que seja auferido uma licença permitindo a atividade.
O licenciamento é um procedimento administrativo de finalidade de assegurar a qualidade de vida por meio de controle prévio e continuado estudo de atividade que geram impactos no meio ambiente, este processo se resulta na licença ambiental, sendo o documento que autoriza e delimita atividades oriundas de utilização de recursos ambientais que possam causar degradação ambiental.
Há três medidas que são essenciais para a concessão de licença ambiental, sendo elas a medida preventiva onde tem como objetivo evitar danos ao meio ambiente por meio de proibições de ações que potencialize o efeito degradador. A medida mitigatória vem com o intuito de diminuir ou suavizar os danos ambientais, que possam causar danos. E por fim as medidas compensatórias que visam repor ou restaurar outra área com um novo reflorestamento.
O licenciamento em seu procedimento produz três licenças sequencialmente, sendo: a Licença Prévia, a Instalação e a de Operação; sendo elas etapas para a autorização do empreendimento.
A primeira fase é realizada os estudos da atividade no local planejado, sendo realizado o Estudo Prévio de Impacto Ambiental que gerará o Relatório de Impacto ambiental. Logo após a licença previa, se tudo estiver de acordo, A licença de Instalação deverá ser requerida, para que se inicie a instalação da estrutura e qualquer modificação deverá ser mandado ao órgão licenciador para que seja avaliado. E por fim, Licença de operação é a autorização da atividade ou empreendimento após verificar o efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, para que haja o seu funcionamento (FEITOSA et al, 2004).
Durante a atividade o poder público precisa exercer seu poder de fiscalização, podendo emitir sanções para aqueles que infringirem as legislações específicas, tanto no que se refere a danos ambientais, trabalhistas e sociais. Em se falando em sanções, o causador do dano pode ser penalizado civilmente (na obrigação de reparar o dano), administrativamente (como uma infração ambiental) e penalmente (sendo a punição pela conduta criminosa). Podendo até mesmo acumular simultaneamente. E ressaltasse que a absolvição penal do infrator não exclui o dever de reparar e nem afasta a sanção administrativa (PINHO, 2019).
4.2 Decreto nº 10.966/2022: estímulo à atividade garimpeira ou implementação de política pública?
O Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, sancionou no dia 11 de fevereiro de 2022 o Decreto nº 10.966, instituindo, segundo sua ementa, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (PróMape) e a Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Comape).
De acordo com seu artigo 1º, a finalidade do Decreto é a “de propor políticas públicas e estimular o desenvolvimento da mineração artesanal e em pequena escala, com vistas ao desenvolvimento sustentável regional e nacional. ” (BRASIL, 2022).
(...) o Pró-MAPE inaugura uma nova perspectiva de políticas públicas sobre a atividade garimpeira no Brasil. É um programa de políticas governamentais integradas, com a participação de vários ministérios, em caráter multidisciplinar, resultado do reconhecimento de que nenhuma política pública isolada será capaz de promover o desenvolvimento socioambiental desejado. (BRASIL, 2022b)
As políticas públicas são estratégias governamentais que têm como intuito diminuir os problemas sociais, atendendo determinadas necessidades da população. Segundo Bobbio (1992), configuram-se como uma rede de proteção, de bem-estar, implementada pelo Estado para garantir a todo cidadão tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação e educação, os quais devem ser assegurados enquanto direito político e não como caridade.
Nesse sentido, o Decreto nº 10.966/2022 nasceu como resultado das considerações e recomendações do Grupo de Trabalho instituído em julho de 2019 no âmbito do Ministério de Minas e Energia, para estudar o regime de outorga de lavra garimpeira. A perspectiva apresentada é perceber a atividade garimpeira de forma integrada, levando em consideração o fator ambiental e social, entendendo que dali sobrevém o sustento de muitas famílias, mas que precisa ser uma atividade fiscalizada. Regulamentar para controlar e melhorar as práticas.
Dentre os objetivos do Programa, está a integração e fortalecimento das políticas setoriais, sociais, econômicas e ambientais para o desenvolvimento sustentável da mineração artesanal e em pequena escala, estimulando as melhores práticas, a formalização da atividade e a promoção da saúde, da assistência e da dignidade das comunidades envolvidas. (BRASIL, 2022b)
Entretanto, tal normativa não está imune às críticas, as quais advém da percepção que o Decreto nº 10.966/2022 será um estímulo à atividade garimpeira. Essa percepção vem alicerçada nos dados que revelam que a atividade garimpeira artesanal feita individualmente quase inexiste, o que de fato existe é a garimpagem empresarial utilizando máquinas e infraestrutura caras.
Também há cooperativas de garimpeiros que podem conseguir licenças para fazer a atividade legalmente graças à Lei nº 7.805/1989. Entretanto, segundo Paraguassu (2021), muitas delas são usadas como fachadas para lavar o ouro tirado de terras indígenas e outros locais distantes do local licenciado. Segundo IPAM (2021) “de 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas cresceu 495%; no caso das unidades de conservação, o crescimento foi de 301%. Somente em 2020, 9,3% da área de garimpo no país ocorreu dentro de terras indígenas”.
Assim sendo, para que de fato esta lei cumpra o proposto, há que se intensificar os meios de fiscalização e controle destas atividades. Bem como, aplicar as sanções devidas.
O Brasil no decurso da sua história como país criou inúmera leis, tanto constitucionais como infraconstitucionais, visando proteger o Meio Ambiente, haja vista a necessidade de salvaguardar recursos imprescindíveis a manutenção da vida desta e das próximas gerações de brasileiros. Tal proteção ambiental sempre buscou coadunar com a necessidade do progresso e da movimentação da economia.
A mineração é uma das atividades econômicas que produz grandes impactos socioambientais. Tais impactos se dividem em externalidades positivas, como: condições de subsistência e incremento da economia. E, externalidades negativas, como: a perda ou redução dos biomas e da biodiversidade das áreas afetadas e o aumento de pessoas com doenças derivadas da mineração, principalmente os trabalhadores diretamente envolvidos.
Nesse sentido, o Estado vem cada vez mais atuando, articulando ações no intuito de proteger o ambiente e a sociedade, minimizando as externalidades negativas da mineração e estimulando as externalidades positivas.
Contudo, a própria ação estatal pode ser desastrosa se não implementada com segurança e completude. O Decreto nº 10.966/2022, por exemplo, para não se configurar um estímulo à atividade garimpeira e ser a política pública que se propõe, precisa contar com órgãos ambientais atuantes, com um aparato técnico, material e humano adequado.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Decreto nº 10.966, de 11 de fevereiro de 2022.
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[1] Orientadora. Doutora e Mestre em Direito - UNESA/RJ. Professora universitária - UNISULMA. Pesquisadora. E-mail: [email protected]
Bacharelando do curso de Bacharelado em Direito da Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão (UNISULMA). E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARMENTO, Getulio Nilson Figueira. Para além da mineração artesanal: impactos na saúde dos trabalhadores e no meio ambiente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 maio 2022, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58390/para-alm-da-minerao-artesanal-impactos-na-sade-dos-trabalhadores-e-no-meio-ambiente. Acesso em: 22 nov 2024.
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