RESUMO: O presente artigo visa apresentar elementos e exemplos de aplicação dos negócios jurídicos processuais típicos e atípicos em contratos empresariais. Para isso, primeiro se busca falar dos conceitos de autonomia da vontade privada e de negócio jurídico, depois aborda a diferença entre os negócios jurídico típicos e os atípicos, e por fim, explana a respeito da aplicação aos contratos empresariais supramencionada. Para isso, o presente trabalho se pauta em uma pesquisa de cunho bibliográfico, que possibilita a recuperação de conhecimentos já sistematizados em determinada área. Além disso, materiais publicados em livros e trabalhos acadêmicos, são capazes de sustentar pesquisas tendo como premissa o modo de acesso as fontes secundárias. Neste sentido, buscou-se efetuar pesquisas em portais de periódicos, além de investigações relacionadas a leis, decretos e documentos que pudessem sustentar a discussão aqui proposta. Destaca-se que a pesquisa bibliográfica possibilita um estudo mais amplo sobre o tema, pois utiliza-se de uma grande quantidade de fenômenos, diferentemente da pesquisa realizada de maneira direta.
Palavras-chave: Negócios Jurídicos Processuais. Aplicação. Contratos Empresariais. Código Civil.
ABSTRACT: This article seeks to talk about the applicability of typical and atypical procedural legal transactions, however, focusing this analysis within business contracts and to list applications in these contracts. To do this, it first seeks to talk about the concepts of autonomy of private will and legal transaction, then it addresses the difference between typical and atypical legal transactions, and finally, it explains about the application to the business contracts. For this, the present work is guided by bibliographic research, which allows the recovery of knowledge already systematized in a certain area. In addition, materials published in books and academic works can support research based on the premise of access to secondary sources. In this sense, we sought to conduct research on journals' portals, in addition to investigations related to laws, decrees and documents that could support the discussion proposed here. It is noteworthy that bibliographic research allows for a broader study on the topic, as it uses many phenomena, unlike research conducted directly.
Keywords: Legal Business Process. Applicability. Business Contracts. Civil Code.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 AUTONOMIA DA VONTADE E AUTONOMIA DA VONTADE PRIVADA; 3 NEGÓCIO JURÍDICO, 3.1 FATOS JURÍDICOS, ATOS JURÍDICOS, ATOS-FATOS JURÍDICOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS, 3.2 INTERESSE PÚBLICO E COLETIVIDADE EM RELAÇÃO AO NEGÓCIO JURÍDICO, 3.3 NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL, 3.4 CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS, 3.4.1 NEGÓCIO PROCESSUAL TÍPICO 3.4.2, NEGÓCIO PROCESSUAL ATÍPICO; 4 APLICAÇÕES PARA OS CONTRATOS EMPRESARIAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL; 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS bibliográficas.
1.INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil (CPC) de 1973 já previa a possibilidade de realização de negócios jurídicos processuais típicos que, em breves palavras, é o poder de as partes contratantes estipularem certos deveres, responsabilidades, poderes e outros procedimentos processuais, além daqueles já previsto em lei. Entretanto, foi com o advento do Novo Código de Processo Civil (NCPC) de 2015 que a aplicabilidade do instituto foi dilatada. Isto porque os artigos 190 e 191 do NCPC/2015 foram redigidos como cláusulas gerais e amplas, quase principiológica, com redação enxuta e simples e não taxativa. Isto permite que, como dito, seja estendidas as possibilidades de aplicação deste expediente jurídico além de otimizar a participação das partes na construção da decisão.
Claramente percebe-se que o legislador quis viabilizar, incentivar e aumentar a cooperação e participação das partes envolvidas na questão conflituosa (enfatizando a autonomia), além de tentar dar maior previsibilidade processual para busca da solução mais aderente para elas. Porém, é preciso destacar que, mesmo que a legislação tenha sido bastante permissiva e ampla ao permitir que os negócios jurídicos não se limitem a uma forma trazida em lei; um claro benefício em prol da solução do conflito mais adequada às necessidades das partes; esta regra também fomentou o aparecimento de dúvidas em relação a segurança jurídica, pois a falta de um rol exemplificativo nos artigos 190 e 191 do NCPC/2015 pode gerar questionamentos que, no limite, deverão ser respondidos pelo juiz da causa, já que este também é o fiscalizador do processo.
O presente artigo busca falar a respeito da aplicação do negócio jurídico processual aos contratos empresariais, elencando algumas aplicações práticas em contratos típicos e atípicos, considerando a presumível paridade entre as partes e a possibilidade que este instituto trouxe para que estas negoceiem antes e durante o processo judicial, dentro de certos limites, elencando bônus e ônus a cada um dos exemplos.
Desta forma, primeiro se busca falar do conceito autonomia privada, diferenciando, brevemente, do conceito de autonomia da vontade. Ato contínuo, buscará conceituar negócio jurídico abordando a diferença entre os negócios jurídico típicos e os atípicos, e por fim, indicar aplicações possíveis para os contratos empresariais.
Para isso, o presente trabalho se pauta em uma pesquisa de cunho bibliográfico, que segundo RODRIGUES (2007)[1] possibilita a recuperação de conhecimentos já sistematizados em determinada área. Além disso, o autor VERGARA (2016)[2] aponta que materiais publicados em livros e trabalhos acadêmicos, são capazes de sustentar pesquisas tendo como premissa o modo de acesso as fontes secundárias.
Neste sentido, buscou-se efetuar pesquisas em portais de periódicos, além de investigações relacionadas a leis, decretos e documentos que pudessem sustentar a discussão aqui proposta. Destaca-se que a pesquisa bibliográfica possibilita um estudo mais amplo sobre o tema, pois utiliza-se de uma grande quantidade de fenômenos, diferentemente da pesquisa realizada de maneira direta (GIL, 2008)[3].
2.AUTONOMIA DA VONTADE E AUTONOMIA DA VONTADE PRIVADA
Segundo MIRANDA (2000)[4], a consciência (interna) é requisito indispensável para a vontade, seja na declaração, seja na manifestação. Faltando-se a consciência não há que se falar em contrato.
Quando não há vontade, ou quando não há consciência da exteriorização da vontade, não há declaração de vontade, ou ato volitivo adeclarativo (tácito) que possa ser suporte fático de negócio jurídico.
Divergente é a teoria da declaração (Erklärungstheorie) da doutrina alemã, que indica que somente a vontade que é externada, ou seja, efetivamente declarada e expressa, é, e pode, ser considerada válida.
Em vários ordenamentos jurídicos, inclusive o brasileiro, são aceitas as duas teorias, não em sua totalidade doutrinária e quase sempre de maneira fundida, sendo que a vontade é a centelha que alavanca e contribui para a formação de um negócio jurídico que, inicialmente é interior e, porém, precisa ser externada de maneira clara, transparente e inequívoca.
Apesar de a Teoria da Declaração de Vontade ter origens em leis e códigos antigos (Lei das XII tábuas e Lei 48 do Código de Hamurabi), vale destacar que foi somente nos séculos XVIII e XIX que a autonomia vontade, que não é rigorosamente uma teoria mas sim um princípio, teve uma evolução conceitual; isto porque, os ideais individualistas da época influenciaram este princípio e regiam todo o desenvolvimento das relações privadas, pois havia uma demanda por uma menor intervenção do Estado na vida particular.
Ocorre que, como muitos princípios e teorias a teoria da Declaração de Vontade e o princípio da autonomia da vontade teve um movimento pendular onde, saiu de uma intervenção estatal estrema, para um liberalismo e individualismo amplo, até a relativização em razão de novos contextos políticos, sociais e econômico de uma sociedade que se industrializava. Sendo assim, diante desse novo contexto, surge uma nova visão de autonomia, que se afasta do vocábulo “vontade” e se aproxima do “privado”.
Assim ensina KELSEN (1998)[5]:
Na medida em que a ordem jurídica institui o negócio jurídico como fato produtor de Direito, confere aos indivíduos que lhe estão subordinados o poder de regular suas relações mútuas, dentro dos quadros das normas gerais criadas por via legislativa ou consuetudinária, através de normas criadas pela via jurídico-negocial.
A autonomia tem um caráter mais intangível e subjetivo, vinculado ao íntimo da pessoa e a capacidade de autoafirmação. Entretanto, nem tudo ao qual a autonomia da vontade gera tem interesse jurídico; sendo assim, cria-se um gênero que é a autonomia da vontade privada, pois esta surge como o poder que os particulares possuem de regular qualquer relação, através do exercício de sua vontade, sendo que, neste caso, sob a égide de uma disciplina ou regras de um ordenamento jurídico.
Sendo assim, podemos entender que a autonomia de vontade privada, ou simplesmente autonomia privada, tem um caráter mais objetivo, particular e concreto, estando e está ligada ao negócio jurídico. Como diz CABRAL (2004)[6].
Numa visão simplista dos institutos, pode-se resumir a diferença afirmando que a autonomia da vontade relaciona-se com a liberdade de autodeterminação (manifestação da vontade livre) e a autonomia privada ao poder de autorregulamentação (normas estabelecidas no interesse próprio)
Portanto, apesar de ser gênero da autonomia de vontade, a autonomia privada é fonte do negócio jurídico processual.
Vale ressaltar o que diz COELHO (2012)[7],
O princípio da autonomia privada não é ilimitado. Balizam-no a ordem pública, a moralidade, a proteção da vontade livre e consciente das partes e dos contratantes débeis.
Sendo assim, há clara limitação da autonomia privada.
Com o advento do NCPC/2015 foram ampliadas as possibilidades de negociação procedimental em âmbito judicial, portanto, a vontade (elemento volitivo) ganhou destaque no cenário processual, como um meio de efetivar a prestação jurisdicional e tornar ela mais aderente aos interesses das partes.
Assim, como diz GAINO (2012):
A autonomia privada consiste no poder atribuído pelo ordenamento jurídico aos sujeitos de direito, pessoas físicas e jurídicas, para criação de ‘normas jurídicas primárias’, por meio de negócio ou contrato[8].
Enfim, a autonomia da vontade é mais ampla e extensa e é base para a liberdade nos contratos, no qual tenta afastar ao máximo a interferência Estatal. Já a autonomia privada considera a libertada de contratar (liberdade contratual), porém limita o mesmo a legislação.
3.NEGÓCIO JURÍDICO
A redução da lentidão processual através da maior cooperação e participação das partes junto com a desburocratização e a simplificação do procedimento, foi um dos principais objetivos buscados pelas alterações introduzidas no ordenamento nacional pelo Novo Código de Processo Civil de 2015. Segundo TARTUCE (2015)[9] isso é o suficiente para auxiliar no resultado da prestação jurisdicional. Por isso, que se pode afirmar que,
Nas últimas décadas, o estudo do processo civil desviou nitidamente sua atenção para os resultados a serem concretamente alcançados pela prestação jurisdicional. Muito mais do que com os clássicos conceitos tidos como fundamentais ao direito processual, a doutrina tem-se ocupado com remédios e medidas que possam redundar em melhoria dos serviços forenses. Ideias, como a de instrumentalidade e a de efetividade, passaram a dar a tônica do processo contemporâneo. Fala-se mesmo de “garantia de um processo justo”, mais do que de um ‘processo legal’, colocando no primeiro plano ideias éticas em lugar do estudo sistemático apenas das formas e solenidades do procedimento (THEODORO JR. 2015, p. 49)[10].
Percebe-se que os princípios da economia processual, segurança jurídica, celeridade, autoregramento da vontade e outros, foram basilares para esta reforma do código de processo civil.
Desse modo, segundo SPIRITO (2015)[11] diante dessa evolução do processo civil, é possível identificar a atuação proativa dos órgãos judiciários com o objetivo de conduzir as partes em processo de conciliação e diálogo.
Além disso, pode-se considerar que há uma assunção do legislador, mesmo que não expressa, de que a justiça “paternalista” pode não ser a melhor maneira de solucionar eventuais conflitos.
Portanto, há uma tentativa de quebra de paradigma, na qual se atribuía ao Estado “sempre” o poder de solucionar todos os conflitos da sociedade. Agora, apesar de, em muitos casos, optativo, as partes podem estipular regras mais adequadas para as suas relações, desde que respeitados os poderes do juiz; sendo o Estado apenas um fiscalizador dos limites e da forma.
3.1. FATOS JURÍDICOS, ATOS JURÍDICOS, ATOS-FATOS JURÍDICOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS
Os fatos jurídicos devem ser compreendidos de forma genérica, bem como a questão relacionada com as pessoas e as coisas. Segundo GONÇALVES (2016)[12] a diversas fases no direito sendo que ele nasce, desenvolve-se e extinguisse. Essas fases decorrem de fatos, denominados fatos jurídicos, por terem a capacidade de produzir efeitos jurídicos.
Ainda neste sentido, segundo MELLO (2015), fatos jurídicos são “acontecimentos que produzem efeitos no mundo jurídico, causando o nascimento, a modificação ou extinção da relação jurídica”.
Diante disso, podemos considerar que os fatos jurídicos podem ser classificados em fato jurídico em sentido estrito, ato-fato jurídico e ações humanas.
Os fatos jurídicos em sentido estrito ou naturais, podem ser caracterizados como aqueles que são involuntários, marcados pela casualidade natural, sem a interferência da vontade humana e de origem da própria natureza, sendo que juridicamente falando, são irrelevantes.
Diferente deste, o Ato-Fato jurídico são atos de origem da vontade do ser humano, porém, somente as consequências são consideradas. De acordo com MELLO (1988):
Há outras espécies em que o fato para existir necessita, essencialmente, de um ato humano, mas a norma jurídica abstrai desse ato qualquer elemento volitivo como relevante. O ato humano é da substância do fato jurídico, mas não importa para a norma se houve ou não vontade em praticá-lo. A essa espécie PONTES DE MIRANDA dá o nome de ato-fato jurídico.[13]
Agora, em relação a ação humana, este também é conhecido como atos jurídicos. Este possui a vontade humana como origem e pode ser distinguido em ilícito e lícito. Neste sentido, podemos trazer o que diz VENOSA (2017):
[...] são considerados fatos jurídicos todos os acontecimentos que podem ocasionar efeitos jurídicos, todos os atos suscetíveis de produzir aquisição, modificação ou extinção de direitos. São fatos naturais, considerados fatos jurídicos em sentido estrito, os eventos que, independentes da vontade do homem, podem acarretar efeitos jurídicos. Tal é o caso do nascimento mencionado, ou terremoto, que pode ocasionar a perda da propriedade. Numa classificação mais estreita, são atos jurídicos (que também podem ser denominados atos humanos ou atos jurígenos) aqueles eventos emanados de vontade, que tenham intenção precípua de ocasionar efeitos jurídicos, que não.[14]
Vale ressaltar que os atos jurídicos lícitos se dividem em atos jurídicos voluntários (ou em sentido estrito) e negócio jurídico. O primeiro, como diz TARTUCE (2015)[15], é a mera realização de vontade do titular de um determinado direito, sem a criação do um instituto jurídico, ou seja, há lei prévia. Já os negócios jurídicos são institutos que estão intimamente ligados com a autonomia da vontade, e dentro desse contexto, possibilitam a escolha do interessado jurídico. Além disso, possibilitam a estruturação do conteúdo eficácia de dentro das relações jurídica. O negócio jurídico normalmente pode ser identificado como um ato de autonomia privada, além disso, é pautado na autodeterminação.
Neste sentido, diz FERNANDES (2010):
negócio jurídico, por ser um ato de autonomia privada, no qual o sujeito estabelece o regulamento de seus interesses, consiste na declaração de vontade, a que o direito chancela os efeitos estabelecidos como desejados, honrando os requisitos de existência, validade e eficácia que a norma impõe.[16]
Portanto, para a realização do negócio jurídico, os elementos do art. 104 do código civil devem ser observados.
3.2. INTERESSE PÚBLICO E COLETIVIDADE EM RELAÇÃO AO NEGÓCIO JURÍDICO
O Direito Processual Civil é uma das vertentes do Direito Público, desse modo, segundo HARTMANN (2016)[17] isso significa dizer que é um ramo regulado pelo exercício do Estado. O NCPC/2015, parte de um modelo cooperativo, buscando sobretudo, dar maior efetividade e eficiência dentro do processo de modo geral.
Segundo DONIZETTI (2016)[18] existem muitos debates doutrinários que falam a respeito da possibilidade ou não de negócios jurídicos, figurando a União em um dos polos, principalmente, porque conforme mencionado mais acima, quando se fala de negócio jurídico é necessário a incidência do instituto da vontade.
Porém, segundo LEAL (2015)[19] já existem entendimentos no sentido de que, corroboram com a tese de que mesmo não emanando vontade, há algumas situações, por exemplo, em que a Fazenda Pública pode tecer negócios jurídicos. Porém, a doutrina não é uníssona nesse sentido, principalmente porque segundo o autor, a própria definição de Poder Público, se pauta nas normas de Direito Administrativo, principalmente:
a) Supremacia do interesse público e
b) Indisponibilidade do poder público.
Segundo o enunciado de n° 255 do Fórum Permanente de Processualistas Civis “É admissível a celebração de convenção processual coletiva” (ENUNCIADOS, 2016)[20] o referido enunciado, deixa evidente que a Fazenda Pública não apenas pode fazer negócios jurídicos, mas possui prerrogativas para fazer negócios jurídicos coletivos.
Além da Fazenda Pública, segundo PINHO (2016)[21] o negócio jurídico processual também dá margem a convenções processuais que envolvam a Ordem dos Advogados do Brasil e os órgãos do Poder Judiciário para, como outro exemplo, estipular calendário para implantação de processo eletrônico ou outros instrumentos para gerar efetividade e eficiência. Assim, a dimensão que podem atingir os negócios jurídicos pelo bem da coletividade é amplo e dependerá da disposição das partes de fazê-lo.
3.3. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL
Como visto, o negócio jurídico é um ato jurídico no qual possui como característica a manifestação elevada de vontade, com o intuito de produzir efeitos na esfera jurídica. Neste sentido, algo que era tratado de maneira restrita no CPC/1973, foi ampliado com o advento do NCPC/2015, sendo que, agora as partes podem transacionar ônus, poderes, faculdades e deveres processuais mais adequados (GONÇALVES, 2015) e aderentes aos seus interesses e objetivos.
Neste sentido, uma das melhores definições de negócio jurídico processual é o que diz o professor DIDIER JÚNIOR (2016):
negócio processual é o ato jurídico voluntário, em cujo suporte fático se reconhece ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações processuais ou alterar o procedimento. Sob esse ponto de vista, o negócio jurídico é fonte de norma jurídica processual e, assim, vincula o órgão julgador, que, em um Estado de Direito, deve observar e fazer cumprir as normas jurídicas válidas, inclusive as convencionais.[22]
Note que, apesar de conter o termo “processual”, estes negócios podem (e devem) ser usadas fora deste, ou seja, não é necessário que um conflito esteja instaurado no judiciário, é possível realizar um negócio jurídico processual em uma fase pré-processual, como em um contrato, memorando de entendimento ou um acordo simples.
Sendo assim, quando está sendo negociado um contrato empresarial, além das questões relacionada ao objeto do contrato, questões processuais podem ser negociadas para tentar prever possíveis problemas e delimitar maneiras mais eficazes de soluções processuais, mesmo que essas soluções não estejam elencadas expressamente na lei.
3.4. CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS
3.4.1. NEGÓCIO PROCESSUAL TÍPICO
O negócio jurídico processual amplia as possibilidades de negociação das partes que estão discutindo um contrato. Entretanto, é importante saber que este negócio é classificado de acordo com sua tipicidade, utilizando o conceito de contratos inserido no Código Civil.
Segundo Nogueira (2018):
Na doutrina civilista, é habitual encontrar a classificação dos contratos em típicos, conforme estejam reconhecidos formalmente pelo direito, e atípicos, quando o respectivo modelo não estiver previamente regulado em lei. A atipicidade contratual vem prevista no art. 425 do Código Civil8. É útil a utilização do mesmo critério para classificar os negócios jurídicos processuais, sobretudo a partir do CPC/15. Assim, no direito brasileiro, pode-se admitir a existência de negócios processuais típicos, quando o respectivo modelo já vier previamente estabelecido (v.g. acordo para suspensão do processo, art. 313, II), bem como de negócios processuais atípicos, quando não houver previsão, mas abertura do sistema para a estipulação negocial como fruto do exercício do poder de autorregramento da vontade. Esses negócios podem resultar de novos arranjos negociais, combinação ou fusão de negócios típicos.[23]
Vale destacar que o ordenamento jurídico civil brasileiro, adotou um modelo processual publicista, no Código de Processo Civil de 1973. Segundo GODINHO (2015)[24] portanto, mesmo que o negócio jurídico não tenha sido criação do NCPC/2015, foi nesse instrumento normativo que houve o seu efetivo reconhecimento e aplicação, visto que no Código anterior, essa aplicação não era pacífica e era restrita.
Assim, segundo DINAMARCO (2009)[25] o negócio jurídico pode ser determinado como sendo o ato de autorregulação, em relação ao interesse das partes, e isso significa dizer que ele se preocupa em atender de modo regulatório, o que objetivam as partes. Segundo a doutrina do autor, esse ato não poderia ser praticado dentro do âmbito processual, visto que seus efeitos já estariam definidos e delimitados pela lei, o que não abriria margem para que as partes intervissem.
Esse era um dos fundamentos que vigorava, dentro do CPC de 1973, nesse sentido
Em suma, as opiniões contrárias à existência dos negócios processuais partem do pressuposto de que somente há negócio jurídico se os efeitos produzidos decorrem direta e expressamente da vontade das partes, o que não ocorreria no processo ou porque os efeitos decorrem da lei, ou porque seria necessária a intervenção judicial para se produzam” (CUNHA, 2016, p. 87)[26]
Neste código CPC/1973, somente os negócios processuais típicos eram previstos e aceitos.
Existem algumas situações que podem ser definidas como sendo negócios jurídicos processuais típicos, desde a vigência do Código de Processo Civil de 1973, que são:
a) a eleição convencional do foro (art. 111);
b) a convenção para reduzir ou prorrogar os prazos dilatórios (art. 181);
c) a convenção para a suspensão do processo (arts. 265, II, e 792);
d) a convenção sobre a distribuição do ônus da prova (art. 333, §único);
e) a convenção das partes para o adiamento da audiência (art. 453, 1);
f) a convenção sobre divisão do prazo entre litisconsortes para falar em audiência (454, §1º);
g) a convenção sobre a administração do estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, semoventes, plantações ou edifício em construção penhorados (art. 677, §2º);
h) a convenção sobre indicação de depositário de bens sequestrados (art. 824, 1);
i) a convenção sobre alienação de bens em depósito judicial (art. 1.113, § 3º).
O autor CUNHA (2016)[27] complementa com os seguintes negócios jurídicos processuais,
a) modificação do réu na nomeação à autoria (arts. 65 e 66); b) sucessão do alienante ou cedente pelo adquirente ou cessionário da coisa litigiosa (art. 42, § 1º); c) acordo de eleição de foro (art. 111); d) prorrogação da competência territorial por inércia do réu (art. 114); e) desistência do recurso (art. 158; art. 500, III); f) convenções sobre prazos dilatórios (art. 181); g) convenção para suspensão do processo (arts. 265, II e 792); h) desistência da ação (art. 267, § 4º; art. 158, parágrafo único); i) convenção de arbitragem (arts. 267, VII, art. 301, IX); j) revogação da convenção de arbitragem (art. 301, IX, e § 4º); k) reconhecimento da procedência do pedido (art. 269, II); l) transação judicial (arts. 269, III, 475-N, III e V, e 794, II); m) renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação (art. 269, V); n) convenção sobre a distribuição do ônus da prova (art. 333, parágrafo único); o) acordo para retirar dos autos o documento cuja falsidade foi arguida (art. 392, parágrafo único); p) conciliação em audiência (art. 447 e 449); q) adiamento da audiência por convenção das partes (art. 453, I); r) convenção sobre alegações finais orais de litisconsortes (art. 454, § 1º); s) liquidação por arbitramento em razão de convenção das partes (art. 475-C, I); t) escolha do juízo da execução (art. 475- P, parágrafo único); u) renúncia ao direito de recorrer; v) requerimento conjunto de preferência no julgamento perante os tribunais (art. 565, parágrafo único); w) desistência da execução ou de medidas executivas (art. 569); x) escolha do foro competente pela fazenda Pública na execução fiscal (art. 578, parágrafo único); (y) opção do exequente pelas perdas e danos na execução de obrigação de fazer (art. 633); z) desistência da penhora pelo exequente (art. 667, III); aa) administração do estabelecimento penhorado; ab) dispensa da avaliação se o exequente aceitar a estimativa do executado (art. 684, I); ac) opção do exequente por substituir a arrematação pela alienação via internet (art. 689-A); ad) opção do executado pelo pagamento parcelado (art. 745-A); ae) acordo de pagamento amigável pelo insolvente (art. 783); af) escolha de depositário de bens sequestrados (art. 824, I); ag) acordo de partilha (art. 1.031)
Assim, apesar de previstos dentro do ordenamento processual civil de 1973, os negócios jurídicos típicos não eram utilizados com muita frequência, e sua aplicação não era incentivada. As partes e advogados se limitavam a determinar o foro de eleição ou formalizar um acordo de uma lide, deixando a responsabilidade de resolver o conflito na figura do juiz.
Este cenário mudou completamente com a introdução do NCPC/2015, principalmente doas art. 190, o qual instituiu a cláusula geral de negociação processual atípica.
3.4.2. NEGÓCIO PROCESSUAL ATÍPICO
Em sentido contrário ao negócio jurídico típico, o atípico é aquele que não se encontra normatizado taxativamente. O negócio jurídico atípico permite que as partes tenham uma maior flexibilidade dentro da negociação, de modo que elas possam ter a liberdade de modular o processo judicial, contribuindo para concretizar e atender a todas as suas necessidades.
A aplicação de negócios jurídicos processuais atípicos pode, e de fato traz, maiores benefícios para os contratos empresariais independente de qual lado a parte estiver.
Consoante a redação do art. 200, do NCPC/2015, “os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais” (BRASIL, 2015)[28]. Portanto, o princípio da atipicidade, fala a respeito da possibilidade de qualquer tipo de negócio entre as partes ou entre estas e o juiz.
O princípio da atipicidade, segundo DIDIER JR. (2015)[29] o art. 190 do NCPC/2015 é uma cláusula geral, dentro da qual existe a possibilidade de se extrair o subprincípio da atipicidade em relação a negociação processual. E se fala subprincípio, porque ele serve para a concretização do princípio, em relação ao princípio do regramento da vontade do processo.
Neste sentido, sendo uma cláusula geral, uma aparente dificuldade de determinar como aplicar o negócio jurídico processual atípico surge. Para elucidar o novo instrumento, DIDIER (2015, p. 381)[30] lista alguns exemplos de negócios processuais atípicos permitidos pelo Art. 190:
a) acordo de impenhorabilidade;
b) acordo de instância única;
c) acordo de ampliação ou redução dos prazos;
d) acordo para superação preclusão;
e) acordo de substituição de bem penhorado;
f) acordo de rateio de despesas processuais;
g) dispensa consensual de assistente técnico;
h) acordo para retirar o efeito suspensivo da apelação;
i) acordo para não promover execução provisória;
j) acordo para dispensa de caução em execução provisória;
k) acordo para limitar número de testemunhas;
l) acordo para autorizar intervenção de terceiro fora das hipóteses legais;
m) acordo para decisão por equidade ou baseada em direito estrangeiro ou consuetudinário;
n) acordo para tornar uma prova ilícita, entre outros.
Além do elencado acima, os enunciados nº 19 e n º 262 do FPPC trouxeram alguns exemplos de negócios jurídicos processuais atípicos permitidos pelo NCPC/2015.
Enunciado n. 19 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: ‘São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazo das partes, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo da apelação, acordo para não promover a execução provisória’; Enunciado n. 262 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: ‘É admissível negócio processual para dispensar caução no cumprimento provisório de sentença.[31]
Esta tentativa de elencar as possíveis aplicações do negócio jurídico processual é de suma importância pois dá suporte para os negociantes que pretendem utilizar o presente instituto em um contrato empresarial.
O negócio jurídico processual, pode ser celebrado antes ou durante o processo. E em relação ao momento anterior ao processo, segundo NEVES (2016)[32] em relação ao momento que antecede o processo, a doutrina defende, que existe uma aproximação com a questão da arbitragem, de modo que a Convenção possa ser elaborada por intermédio de uma cláusula contratual, ou algum outro instrumento.
Agora, em relação aos requisitos de validade, os negócios jurídicos processuais passam pelo plano de validade de atos jurídicos. Segundo NEVES (2016, p. 588)[33] que o negócio processual não depende de homologação pelo juiz, aplicando-se o previsto no Art. 200, caput, no Novo Código de Processo Civil, de forma que o acordo procedimental é eficaz independente de qualquer ato homologatório judicial. O referido artigo, afirma que os atos das partes produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais.
4.APLICAÇÕES PARA OS CONTRATOS EMPRESARIAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL
Apesar de já termos indicados algumas aplicações para o negócio jurídico processual nos contratos empresariais no item anterior, se faz necessários explorarmos mais aplicações desta solução nos contratos empresariais.
O objetivo de uma empresa é o lucro, ou melhor, é a busca de uma vantagem econômica[34]. Sendo assim, ampliar as possibilidades de negociação para alcançar tal objetivo, principalmente reduzindo ou delimitando riscos, é medida bem-vinda para as empresas.
Neste contexto, a utilização de negócios jurídicos processuais nos contratos empresariais pode melhorar o ambiente de negócio e promover acordos mais aderentes a realidade das partes. Negociar medidas processuais amplia o rol de itens que podem ser “postos a mesa” ao negociar um contrato, dando mais poder e autonomia para as empresas (partes). Vale ressaltar que há uma presunção de que as partes estejam em pé de igualdade, ou seja, o equilíbrio entre as partes negociantes de um contrato é presumido.
Além de tentar regular a relação entre as partes, o contrato também é uma tentativa de prever possíveis desvios e mitigar riscos. Nestes dois últimos pontos é que o negócio jurídico processual pode ser uma ferramenta de destaque, pois pode reduzir a sensação de imprevisibilidade processual. Além disso, pode trazer as melhores práticas processuais de mecanismos mais céleres e eficientes como o da arbitragem para o processo judicial.
Sendo assim, vale a pena arrolamos mais algumas possibilidades de aplicação do negócio jurídico processual com base no CPC/2015:
a) a eleição convencional do foro (art. 63);
b) a eleição de foro na execução (art. 781, I);
c) a fixação de calendário processual entre o juiz e as partes (art. 191);
d) a anuência das partes para que o juiz reduza os prazos peremptórios (art. 222, §1º);
e) a renúncia da parte ao prazo estabelecido exclusivamente em seu favor (art. 225);
f) a renúncia ou alteração de prazos processuais e/ou recursais, conferir efeito suspensivo aos recursos;
g) modificação da contagem dos prazos;
h) modificação da forma de citação e intimação das partes;
i) a suspensão do processo pela convenção das partes (arts. 313, II, e 922, caput);
j) a delimitação consensual das questões de fato e de direito (art. 357, § 2º);
k) o adiamento da audiência (art. 362, I) ou sua não realização (art. 319, VII);
l) determinar o depositário e da forma de administração do bem penhorado, no caso de penhora de empresa, outros estabelecimentos ou semoventes (art. 862, 2°);
m) a convenção sobre o prazo das alegações finais na hipótese de litisconsórcio (art. 364, § 1º);
n) a distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes, antes ou durante o processo (art. 373, §§ 3º e 4º);
o) a escolha consensual do perito (art. 471);
p) renúncia à audiência de conciliação prévia;
q) renúncia da sub-rogação de direitos em caso de morte do locatário de imóvel residencial;
r) desnecessidade de caução para a concessão de despejo liminar;
s) a convenção sobre a liquidação por arbitramento da sentença (art. 509, I);
t) acordos para evitar constrições judiciais ou afastar medidas coercitivas (art. 775 e 830); assim como pela impenhorabilidade de bens, inclusive na execução (art. 833, I);
u) contratos com garantia real, como a hipoteca, penhor, alienação fiduciária e anticrese, que produzem a eficácia processual do art. 835, § 3º;
v) determinar a escolha de depositário-administrador no de penhora de frutos e rendimentos (art. 869);
w) acordar sobre o método de avaliação do bem penhorado (art. 871, I);
x) opção do executado pelo parcelamento, que é um negócio unilateral de eficácia mista, material e processual (art. 916);
y) determinar que um documento, título executivo extrajudicial, constante no rol do art. 784 do Código de Processo Civil perdesse seu caráter executivo, uma vez que este possui caráter disponível e, no sentido inverso, convencionar caráter executivo a determinado documento que não consta no rol do art. 784 do CPC/2015. Ou seja, seria possível, então, a criação de títulos executivos extrajudiciais atípicos;
z) a suspensão negocial da execução (art. 921, 1, c/c art. 313, Il; e art. 922);
aa) determinar que o executado como depositário do bem penhorado (art. 840, § 2º);
bb)as formas de suspensão do processo;
cc) regras de mediação e arbitragem;
dd)escolha dos bens penhoráveis e/ou avaliação do bem-posto em garantia para fins de penhora, escolha do perito, inversão da ordem de preferência dos bens penhoráveis, escolha dos meios expropriatórios;
ee) impossibilidade de execução provisória ou estipulação ou dispensa da caução na execução provisória;
ff) acordo de não recorrer ou de instância;
gg)escolha prévia do depositário dos bens;
hh)estipular que não será feita protesto de decisão judicial;
ii) limites mínimos e máximos para astreintes;
jj) convencionar que o executado não será incluído em cadastro de inadimplentes;
kk) aceitação da litisdenunciação, afastar denunciação a lide, afastar chamamento ao processo;
ll) afastar liquidação provisória da sentença;
mm) limitação do número de testemunhas, inversão da ordem de oitiva das testemunhas;
nn)fixação de preço vil;
oo)remoção do prazo de dois anos após a aprovação do plano de recuperação judicial (algo que já ocorre com os procedimentos extraprocessuais);
pp)possibilidade de convenção para estipulação de outros prazos para apresentações de impugnações ao Plano de Recuperação Judicial;
qq)determinar como serão as habilitações retardatárias;
rr) eliminação da Assembleia Geral de Credores por outro tipo de reunião e votação do plano apresentado e
ss) possibilidade de redução na fiscalização do cumprimento do plano aprovado.
Adicionalmente ao exposto acima, os procedimentos adotados nas soluções alternativas de conflitos, como a arbitragem, mediação, conciliação e comitês de prevenções e resoluções de conflito (dispute boards), são exemplos já testado e que podem ser base de pesquisa e inspiração para estipular cláusulas contratuais no qual negócio jurídico processual será o objeto, incorporando as melhores práticas dessas soluções nos contratos empresariais.
Notem que, a exemplo das cláusulas arbitrais cheias, é altamente recomendável que, ao redigir uma cláusula no qual um negócio jurídico processual está sendo negociado, que esta seja detalhada, redigida de forma rigorosa e mais completa possível. Além disso, recomenda-se também a utilização de cláusulas escalonadas para uma maior efetividade da solução negociada.
Agora, apesar de trazer benefícios aos contratos empresariais, não podemos ignorar que problemas possam surgir na aplicação do negócio jurídico processual. Um exemplo é a possibilidade de estipular um calendário (art.191 CPC/2015) próprio para o processo. Tal situação pode ser inviável se considerar que o judiciário iria ter que se adaptar a cada um dos calendários contratuais estipulados. Outro exemplo seria a renúncia de um recurso diante da incerteza do futuro.
Para a aplicação nos contratos empresariais, além de serem observadas os princípios contratuais e de direto, os negócios jurídicos devem obedecer a certos requisitos e limitações que podem ser extraídas da leitura do 190, do NCPC, e são eles:
a) a ampla negociação processual é permitida apenas sobre direitos que admitam autocomposição, ou seja, feitos em que seja possível a solução consensual. É de se registrar o fato de que o direito discutido seja eventualmente indisponível não obsta solução por consensualidade – a ação alimentícia é um exemplo. Não por acaso, há o Enunciado nº 135 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, o qual aduz que “a indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual”;
b) o art. 190 do CPC prevê expressamente que partes plenamente capazes possam estipular mudanças no procedimento. A doutrina majoritária acentua que é a capacidade processual (ou seja, a de estar em juízo) que é prevista naquele preceito. O dispositivo não exige a necessidade de assistência jurídica para celebração do ajuste, havendo, contudo, “indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-judiciária” (Enunciado nº 18 do Fórum Permanente de Processualistas Civis);
c) o preceito em comento prevê expressamente que o negócio processual atípico possa ser estruturado “antes ou durante o processo”. Por causa disso, não há impedimento de que tal empreendimento ocorra em sede de contrato de adesão, conforme, inclusive, a própria literalidade do seu parágrafo único;
d) o objeto da ampla negociação processual tem como fito estipular mudanças no procedimento, podendo haver a convenção sobre “ônus, poderes, faculdades e deveres processuais”. Sem embargo dessa literalidade, não se pode furtar de consignar que a estipulação de limites claros para atuação das partes é empreendimento deveras dificultoso, de sorte que apenas com o uso mais reiterado dessa cláusula geral, com a consequente definição jurisprudencial, é que seguras balizas serão construídas. Convém anotar, de qualquer sorte, que os tradicionais controles de validade de negócio jurídico, visualizados na legislação civil, são plenamente aplicados para controle da higidez do ajuste derivado deste preceito. Ademais, é inviável o uso da cláusula aberta quando houver normatização expressa sobre específico ajuste processual (a exemplo da cláusula de foro), e sempre que a matéria for de reserva legal, a negociação processual em torno dela é ilícita.
e) segundo o parágrafo único do art. 190, de ofício ou a pedido, o magistrado controlará a validade das convenções, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
Portanto, analisados os requisitos subjetivo e objetivos, verificada a ausência de vícios, dentro dos limites legais e sob o controle dos judiciários, os negócios jurídicos processuais podem ser aplicados, como visto acima, nos mais diversos contratos e situações.
Há ressalvas para a aplicação de negócios jurídicos processuais em contratos de adesão. Estes possuem características peculiares que podem reduzir a possibilidade de negociação, principalmente por causa da vulnerabilidade de uma das partes. Portanto, deve ser muito bem redigida a cláusula para não ser considerada abusiva.
Como ponto final, entendemos que é possível a aplicação de negócios jurídicos processuais em contrato com a administração pública. O Estado, mesmo sob o manto do regime jurídico de direito público, pode celebrar negócios processuais a influenciar futuras (ou atuais) demandas judiciais. Para isso, o Estado necessitaria de embasamento idôneo para que possa empreender convenções processuais atípicas. Porém, os principais limites para que isso venha a ocorrer, podem ser apontados como sendo a própria inviabilidade de expurgo de preceito expresso legal, além da própria necessidade de que o avençado não vá de encontro a primados de salvaguarda do interesse coletivo.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo que foi mencionado, fica evidente que o negócio jurídico processual amplia a rol de itens que podem ser negociados em um contrato empresarial. Seja em um contrato de locação, contrato de compra e venda e até em estatutos e contratos sociais de constituição de sociedades. As matérias de cunho processual podem incorporar a estratégia negocial para viabilizar um acordo mais aderente a realidade das partes.
Note que, como dito, não é necessário que exista uma ação judicial em curso para que seja formalizado um negócio jurídico processual; na verdade, o ideal é que este negócio seja realizado antes de uma judicialização.
O negócio jurídico processual faz parte de uma tentativa do legislador de tornar mais célere a resolução de conflito, oferecendo às partes os meios e a responsabilidade para assumir uma posição mais ativa na negociação e na resolução de conflitos.
Além disso, o negócio jurídico processual contribui para reduzir os riscos de um contrato e mitigar custos de um eventual litígio.
O presente artigo tentou trazer exemplos para aplicação desta solução, entretanto, apesar de extensa, os exemplos apresentados não se restringem aos mesmos; a habilidade e a criatividade das partes e advogados, aliado aos profundos conhecimentos do objeto negociado e de processo civil, podem ampliar tais aplicações nos contratos empresariais.
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[18] DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
[19] LEAL André Cordeiro; SILVA, Maria dos Remédios Fontes; MOSCHEN, Valesca Raizer Borges. Processo, Jurisdição e Efetividade da Justiça II. Florianópolis: CONPEDI, 2015.
[20] ENUNCIADOS do Fórum Permanente de Processualistas Civil. Portal Processual. São Paulo, março de 2016. Disponível em: <http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/ 06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf>. Acesso em: 16 abril 2021.
[21] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A relevância da negociação com princípios na discussão das cláusulas de convenção processual: aplicação concreta dos postulados da advocacia colaborativa. Revista de Processo. Revista dos Tribunais, v. 258/2016, p. 1230152, ago./2016.
[22] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.
[23] NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2018.
[24] GODINHO, Robson Renault. Negócios processuais sobre o ônus da prova no novo código de
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[25] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito de processual civil. 6ª ed., vol. 2. São
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[26] CUNHA, Leonardo Carneiro da. Negócios Jurídicos Processuais no Processo Civil Brasileiro. In: CABRAL, Antônio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios Processuais. 2ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016.
[27] CUNHA, Leonardo Carneiro. Negócios jurídicos processuais no processo civil brasileiro. 2016. Disponível em: <http://www.academia.edu/10270224/Neg%C3% B3cios_jur%ADdicos_processuais_no_processo_civil_brasileiro>. Acesso em: 16 abril 2021.
[28] BRASIL. Código de Processo Civil de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 16 abril 2021.
[29] DIDIER JÚNIOR, F. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, v. 1, 17. ed. Salvador: Podivm, 2015.
[30] Ibidem.
[31] STRECK, Lenio. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
[32] NEVES, D. A. A. Manual de direito processual civil. 8. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
[33] Ibidem.
[34] FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2. ed., rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
Mestrando em Direito, advogado, Pós-Graduado em Contratos, Master em Supply Chain Management e Pós-Graduado em Business Administration pelo INSPER.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Júlio César Torquato dos. A aplicação do negócio jurídico processual em contratos empresariais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2022, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58433/a-aplicao-do-negcio-jurdico-processual-em-contratos-empresariais. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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