Resumo: O objetivo do presente artigo é apresentar uma leitura pragmática acerca dos direitos humanos na ordem jurídica internacional, notadamente em relação ao conflito das concepções universalistas e relativistas existentes, o qual é utilizado como fachada para a disputa de interesses de ordem diversa da mera contraposição teórica.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Ordem Jurídica Internacional. Conflito. Concepções Universalistas e Relativistas.
Sumário: 1. Introdução. 2. O debate sobre universalismo e relativismo cultural. 3. A construção do império e retórica dos Direitos Humanos. 4. Conclusão. 5. Referências.
INTRODUÇÃO
O aperfeiçoamento da ordem jurídica internacional dos direitos humanos perpassa necessariamente pela discussão de temas sensíveis e complexos, como soberania, cumprimento coercitivo das decisões proferidas por cortes internacionais, o conflito entre universalismo e relativismo cultural, dentre outros.
A questão dos direitos humanos sempre foi um tópico que deu origem a grandes
debates ao longo da história, tanto sobre o seu aspecto conceitual quanto sobre o aspecto
prático. No tocante ao regime multilateral de direitos humanos, a relação entre o Ocidente e as outras civilizações do mundo sempre foi complexa e cheia de nuances.
Tanto é assim que os fundamentos e a própria definição acerca do conteúdo e abrangência de cada direito humano estão justamente no epicentro dos debates das correntes universalistas e relativistas.
Nada obstante, uma leitura pragmática do referido conflito proposta pelo presente artigo permite refletir o quanto tais discussões são retóricas à luz do imperialismo dos direitos humanos, utilizadas como fachada para a disputa de interesses de ordem diversa da mera contraposição ideológica.
2. O DEBATE ENTRE UNIVERSALISMO E RELATIVISMO CULTURAL
Como é cediço, o conceito de direitos humanos surgiu como consequência histórica do mundo moderno, tendo como marcos iniciais de positivação a Revolução Francesa e a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, ambos em 1789. Tais marcos demonstram inequivocamente uma preocupação com a universalidade dos direitos, notadamente num segundo momento histórico de generalização dos direitos humanos no século XIX.
Com efeito, é possível observar que a visão universalista calcada na consideração da realidade como um todo único foi adotada com o intuito de vincular todo e qualquer fato a uma cultura mundial, um princípio que rege a vida do homem em sociedade. O fundamento do universalismo é a proteção do princípio da dignidade humana como valor intrínseco à própria condição humana, no que se cunhou denominar de “mínimo ético irredutível”.
É nesse ponto que, aos olhos dos relativistas, o universalismo simboliza uma arrogância do imperialismo cultural do mundo ocidental, numa tentativa obscena de universalizar suas próprias crenças.
O discurso relativista se fundamenta na noção de que os direitos humanos devem ser interpretados à luz da realidade cultural vigente na sociedade sob análise. Apontam como utópica e até mesmo preconceituosa a ideia de leitura única dos chamados direitos naturais do homem.
A questão é deveras complexa. No entanto, percebe-se que tantas discussões envolvendo universalistas e relativistas, num jogo político já ganho pelo imperialismo ocidental, fizeram com que a busca pela proteção do indivíduo se perdesse num espaço para uma dialética sem fim.
Dessarte, uma leitura pragmática sobre o embate é indispensável para se verificar a conveniência do uso da retórica dos direitos humanos pelos universalistas na corrida hegemônica.
Partindo dessa perspectiva, De Sousa Santos (1997, p. 29) assevera que os direitos humanos são o campo perfeito para que o Ocidente aprenda com as outras civilizações, “para que a falsa universalidade atribuída aos direitos humanos no contexto imperial seja convertida (…) num diálogo intercultural”.
Para tanto, inevitável uma mudança de comportamento por parte do Ocidente, que deve admitir as limitações dos valores priorizados pela sua concepção de direitos humanos, assim como estar aberto ao que outras civilizações podem trazer como contribuição para o debate.
3. A CONSTRUÇÃO DO IMPÉRIO E RETÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS
A concepção contemporânea de direitos humanos trabalhada na ordem internacional possui suas raízes na noção defendida pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual foi um dos primeiros marcos da civilização Ocidental moderna que se referiam a direitos universais do indivíduo.
O discurso dos direitos humanos tão aclamado e disseminado pela Revolução Francesa, no entanto, mostrou-se ao longo dos anos à serviço dos princípios ocidentais baseados na percepção de que a democracia liberal capitalista é o modelo a ser seguido por todos os povos do mundo, independentemente das diferenças culturais.
As acusações de imperialismo cultural não são recentes. Inicialmente, basearam-se nos argumentos feitos contra a noção de direitos humanos defendida pela Declaração de 1948 e, hodiernamente, ganharam contornos mais complexos e sofisticados à luz das teorias críticas. Assim, a despeito da Declaração Universal dos Direitos Humanos constituir um marco extremamente importante na luta pelo processo de humanização da humanidade (HERRERA FLORES, 2009), a história dos direitos humanos pós-Segunda Guerra Mundial é permeada pela utilização destes direitos como instrumentos de imposição do imperialismo ocidental. Se antes se obtinha uma imposição pelo uso da força bélica, a nova forma de imperialismo se processa pelo discurso humanitário confeccionado sob o manto da diplomacia e referendado pela comunidade internacional.
Nesse aspecto, há de se reconhecer que por detrás do embate teórico do universalismo e relativismo existe muito mais do que se possa imaginar.
O discurso dos direitos humanos que é adotado na contemporaneidade é uma estratégia das potências Ocidentais para legitimar seu poderio político por meio da tentativa de universalização desses conceitos, os quais são, em essência, elementos fundamentais da ideologia liberal. Deliberadamente, esse universalismo desconsidera valores sociais e culturais de sociedades inseridas fora da civilização Ocidental, e é através da imposição dessa que o Ocidente busca bloquear qualquer oposição a sua hegemonia, de modo a desmembrar a soberania dos Estados mais fracos.
Com efeito, obtempera Nunes Simões (2014, p. 5) que “Os direitos humanos estavam a tornar-se uma das ideologias pelas quais os Estados mais poderosos se apoderam para impor os seus valores, a sua perspectiva do mundo e a sua força perante os outros, violando a sua soberania e o seu direito à autodeterminação”.
A realidade, dessarte, é que subjacente às divergências ideológicas entre universalistas e relativistas há sempre o jogo geopolítico que desnuda o imperialismo dos direitos humanos.
4. CONCLUSÃO
A concepção contemporânea de direitos humanos, tal qual manipulada no bojo de uma sociedade capitalista, apresenta-se como a cobertura ideológica ideal para a manutenção do poder pelas potências hegemônicas que decidem, a partir dos seus interesses e perspectivas, o que vale como humano e o que pode vale como a sua violação.
Não à toa, o universalismo se torna instrumento de dominação do imperialismo dos direitos humanos, utilizando-se a fachada da contraposição teórica dos relativistas pela retórica do “mínimo ético irredutível”. Nessa senda, a defesa da universalização desses direitos implica uma verdadeira tentativa de universalizar os valores e princípios da civilização Ocidental, aniquilando por completo o pensamento central do relativismo baseado na garantia da diferença.
Constata-se, no mais, a existência inegável de um lado perverso do discurso dos direitos humanos, impregnado pelos ideais do capitalismo ocidental e, por vezes, utilizado de forma seletiva para beneficiar e manter este próprio sistema.
5. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Guilherme Assis. Direitos Humanos e não violência. São Paulo: Atlas, 2001.
BALDI, César Augusto (Org.). Direitos Humanos na Sociedade Cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
FLORES, Joaquín Herrera. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência. Revista Sequência – Estudos Jurídicos e Políticos. V. 23, n. 44, 2002.
_______. A (re)invenção dos direitos humanos. Tradução de Jefferson
Aparecido Dias; Carlos Roberto Diogo Garcia e Antônio Henrique Graciano Suxberger.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009.
GUIMARÃES, Marco Antônio. Fundamentação dos direitos humanos: relativismo ou universalismo? IN: PIOVESAN, Flávia (Coord.). Direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2007.
HUNTINGTON, Samuel P. O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial. Lisboa: Gradiva, 1999.
KRETSHMANN, Ângela; CARVALHO, Evandro Menezes de (orgs.). Universalidade dos direitos humanos e diálogo na complexidade de um mundo multicivilizacional. Curitiba: Juruá, 2008.
NUNES SIMÕES, Liliana Filipa. O Discurso dos Direitos Humanos: Teoria, Práticas e Fundamentação. Dissertação de Mestrado, Universidade de Coimbra, 2014. Disponível em <https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/27229/1/TESE%20 VERSAO%20FINAL%202.pdf>. Acesso em maio de 2022.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. São Paulo: Saraiva, 2011.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Descolonizar el saber, reinventar el poder. Montevideo: Ediciones Trilce, 2010.
______. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 48, Jul. 1997. ISSN I0254-1106. pp. 11-32.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Dilemas e desafios da Proteção Internacional dos Direitos Humanos no limiar do século XXI. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 40 (1), 1997a. pp. 167-177.
Advogada, inscrita nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Paraná sob o nº 74.371, formada em 2014 pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes, 2018 e em Direito Tributário pela Faculdade Cidade Verde, 2020. Pós-graduanda em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 2021- presente.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GARCIA, Flavia Augusta rodrigues. Imperialismo dos direitos humanos: a fachada da contraposição teórica dos universalistas e relativistas. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 maio 2022, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58471/imperialismo-dos-direitos-humanos-a-fachada-da-contraposio-terica-dos-universalistas-e-relativistas. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: FELIPE GARDIN RECHE DE FARIAS
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Andrea Kessler Gonçalves Volcov
Por: Lívia Batista Sales Carneiro
Precisa estar logado para fazer comentários.