ROMUALDO FLÁVIO DROPA
(orientador)
RESUMO: Apesar da evolução no Direito Administrativo contemporâneo, a Administração Pública ainda é a responsável por apurar e julgar os servidores públicos estatutários federais que descumpram suas determinações e normas internas. O julgamento no Processo Administrativo Disciplinar pode atribuir penas que variam de uma simples advertência até a perda de bens e do cargo efetivo. A subjetividade na caracterização da moralidade administrativa pode gerar falhas na constatação do dolo ou da culpa na apuração dos fatos. A discricionariedade e a subjetividade se fazem presentes em várias fases do Processo Administrativo Disciplinar. A exposição conceitual do tema, neste artigo, fora dividida em 03 (três) subtítulos. De modo que, após a Introdução, os próximos dois subtítulos apresentam conceitos e definições para a compreensão do processo ora avaliado e no último os conceitos envolvidos no Processo Administrativo Disciplinar e na (des)caracterização da Improbidade Administrativa no mesmo. Constata-se no presente trabalho que é inviável a caracterização da Improbidade Administrativa ao servidor sem a concreta caracterização do dolo específico devidamente comprovado durante o Processo Administrativo Disciplinar, pois a subjetividade no conceito de moralidade administrativa gera entraves para a eficaz caracterização do dolo exigido para a improbidade administrativa e seus efeitos ao servidor público federal estatutário.
Palavras-chave: (Des)caracterização; Improbidade Administrativa; Processo Disciplinar.
ABSTRACT: Despite the evolution in contemporary Administrative Law, the Public Administration is still responsible for investigating and judging federal civil servants who fail to comply with its internal rules and regulations. The judgment in the Disciplinary Administrative Process may attribute penalties that vary from a simple warning to the loss of assets and of the effective position. The subjectivity in the characterization of administrative morality can generate failures in the determination of malice or guilt in the ascertainment of facts. Discretion and subjectivity are present in several phases of the Disciplinary Administrative Process. The conceptual exposition of the theme, in this article, was divided in 03 (three) subtitles. After the Introduction, the next two chapters present concepts and definitions for the understanding of the process being evaluated and the last one presents the concepts involved in the Disciplinary Administrative Process and in the (dis)characterization of Administrative Improbity in it. It is verified in this work that it is unfeasible to characterize the server Administrative Improbity without the concrete characterization of specific malice duly proven during the Disciplinary Administrative Process, because the subjectivity in the concept of administrative morality generates obstacles for the effective characterization of the malice required for administrative improbity and its effects to the federal statutory public servant.
Keywords: (Dis)characterization; Administrative Improbity; Disciplinary Process.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. O Direito administrativo: 2.1 O regime jurídico administrativo. 3. A administração pública: 3.1 Princípios da administração pública; 3.2 Poderes da administração pública; 3.3 Atos administrativos; 3.4 Servidor Público Estatutário Federal; 3.5 Deveres do servidor público estatutário federal. 4. Processo administrativo: 4.1 Princípios do processo administrativo; 4.2 Processo Administrativo Disciplinar; 4.3 (Des)caracterização da improbidade administrativa no PAD; 4.4 Efeitos da caracterização da improbidade administrativa no PAD. 5. Conclusão. 6. Referências.
O Estado de Direito ou Estado Moderno surgiu na França, após a Revolução Francesa de 1.789, fruto da insatisfação dos súditos com a monarquia absolutista e seus efeitos. Com essa “modernidade” surgem normas que passam a balizar a atuação do governante, com princípios e códigos que limitam sua atuação e o obrigam a seguir o ordenamento jurídico vigente, sendo a legalidade e a moralidade consideradas regras a serem seguidas e a discricionariedade passou a ser vista como exceção na atuação do Administrador Público.
Nesse Estado de Direito surge o Direito Administrativo e seu vasto conjunto de leis, normas, processos e procedimentos, sendo o interesse público, sua indisponibilidade e prevalência sobre o interesse privado balizadores da atuação Estatal que, por meio de Atos Administrativos unilaterais rege direitos sob a ótica da legalidade e controle do Poder Judiciário.
Em nossos dias atuais, com a evolução do Direito Administrativo, dentre os Atos Administrativos temos o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) –como a principal ferramenta para que a Administração Pública apure e condene os servidores públicos que descumpram suas normas e determinações e gerem ou não danos ao erário, com penas que variam de simples advertência até a perda de bens e do cargo efetivo e, se incluída a Improbidade Administrativa na investigação realizada, após a condenação no Processo Administrativo Disciplinar, o servidor público responderá a um novo processo, agora judicial, onde estará sujeito a novas penas e sanções.
O escopo deste trabalho é investigar, a partir da perspectiva teórica de Matheus Carvalho (2022) e Sylvia Zanella Di Pietro (2022), a (des)caracterização da Improbidade Administrativa e seus efeitos aos Servidores Públicos Federais no Processo Administrativo Disciplinar, com o intuito de avaliar os critérios utilizados pelas comissões nomeadas pela Administração Pública para a caracterização do dolo ou da culpa no curso do processo e a consequente Improbidade Administrativa alegada.
Para possibilitar a efetiva análise investigativa, faremos um levantamento bibliográfico com pesquisas em livros, leis e jurisprudência, buscando embasamento técnico-científico para a exposição do tema com a apresentação de conceitos básicos até as minúcias e detalhes do processo de (des)caracterização da Improbidade Administrativa e seus efeitos no Processo Administrativo Disciplinar, com a exposição de tópicos didáticos que viabilizem o acesso à informação de forma clara e agregadora de novos conhecimentos com foco na eficácia e segurança jurídica no Processo Administrativo Disciplinar.
Com o fim de cumprir seus objetivos este trabalho foi dividido em 03 subtítulos. Assim sendo, no primeiro tratamos sobre o conceito de Direito Administrativo e seu regime jurídico, trazendo à tona origem e definições que facilitarão o entendimento do tema e dos processos envolvidos.
No segundo com título “Direito Administrativo”, apresentamos os princípios, os poderes e os atos administrativos da Administração Pública bem como a definição de servidor público federal estatutário e seus deveres em sua atuação.
Por fim apresentamos o Processo Administrativo e seus princípios, com foco no Processo Administrativo Disciplinar e os efeitos ao servidor público federal estatutário da caracterização da Improbidade Administrativa em seu julgamento administrativo com a exposição de conceitos e peculiaridades.
O surgimento das relações em sociedade foi a pedra fundamental para o nascimento do direito que, em tese, teve como objetivo inicial criar regras capazes de resolver conflitos entre interesses opostos e litigantes. Conforme Carvalho (2022, p. 59-60), “O direito é tradicionalmente dividido em dois grandes ramos, quais sejam, o Direito Público e o Direito Privado.”.
A definição dos ramos do direito nos é fornecida por Matheus Carvalho:
[…] O Direito Público tem por objeto principal a regulação dos interesses da sociedade como um todo, compondo-se de normas que visam a disciplinar as relações jurídicas em que o Estado aparece como parte. Por sua vez, o Direito Privado tem por escopo a regulação dos interesses dos particulares, tutelando as relações travadas entre as partes como forma de possibilitar o convívio das pessoas em sociedade e a harmoniosa fruição e utilização de seus bens. (CARVALHO, 2022, p. 39-40).
O fracionamento do direito em Direito Público e Direito Privado teve origem no Direito Romano, que também diferenciava ambos os institutos, sendo o primeiro aquele que veio reger as relações de interesse da sociedade e o segundo as relações entre os particulares.
Segundo Di Pietro (2022), o Direito Administrativo não surgiu na Idade Média:
A Idade Média não encontrou ambiente propício para o desenvolvimento do Direito Administrativo. Era a época das monarquias absolutas, em que todo poder pertencia ao soberano; a sua vontade era a lei, a que obedeciam todos os cidadãos, justificadamente chamados servos ou vassalos (aqueles que se submetem à vontade de outrem [...]. (DI PIETRO, 2022, p. 1 grifos da autora).
Tomando como base o pensamento da autora, o Direito Administrativo surgiu na França, no início do século XIX fazendo parte do ramo do Direito Público, ou seja, nasceu com o Estado Moderno ou de Direito, que ao introduzir a legalidade e a tripartição dos poderes no ordenamento jurídico vigente à época, gerou uma demanda por normatizar a atuação Estatal e sua organização, com foco em proteger e gerir o interesse público.
São várias as correntes que definem o Direito Administrativo. O critério funcional é uma das correntes modernas utilizadas, segundo Carvalho (2022, p. 42):
Modernamente, a doutrina majoritária tem apontado no sentido de se utilizar o critério funcional, como o mais eficiente na definição da matéria. Conforme esse critério, o Direito Administrativo é o ramo jurídico que estuda e analisa a disciplina normativa da função administrativa, esteja ela sendo exercida pelo Poder Executivo, Legislativo, Judiciário ou, até mesmo, por particulares mediante delegação estatal. (grifos do autor).
Além disso, de acordo com Di Pietro (2022, p. 59), “[...] o Direito Administrativo, desde as origens, caracteriza-se pelo binômio liberdade/autoridade, direitos individuais/interesse público. Não há razão para defini-lo levando em consideração apenas um dos lados.”.
Nesse sentido, a finalidade do Direito Administrativo é a concretização do interesse público, sendo exemplos desse interesse ações como a desapropriação, o tombamento, as atividades de polícia, a intervenção e outras ações que tem por objetivo atingir interesse privado em busca do bem comum.
2.1 O REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO
As prerrogativas e as limitações de observação obrigatória na atuação estatal baseiam-se em um conjunto de princípios e regras que norteiam e possibilitam a compreensão da lógica no Direito Administrativo, conferindo validade aos atos praticados em conformidade com as regras e princípios impostos e anulabilidade aos atos que não observarem tais princípios orientadores.
Para Carvalho (2022, p. 65), “o Regime Jurídico Administrativo é o conjunto harmônico de princípios que definem a lógica da atuação do ente público, a qual se baseia na existência de limitações e prerrogativas em face do interesse público.”.
Já para Di Pietro (2022, p.77), “o conjunto das prerrogativas e restrições a que está sujeita a Administração e que não se encontram nas relações entre particulares constitui o regime jurídico administrativo.”.
O regime jurídico define a forma de atuação Estatal ao executar um ato administrativo, sendo tal ato passível de anulação em caso de desobediência a esse conjunto harmônico de princípios, prerrogativas e restrições.
A função administrativa é exercida pela Administração Pública para garantir o interesse público, sendo a mesma função típica do Poder Executivo e função atípica do Poder Legislativo e Poder Judiciário. Após estas considerações, vamos definir a Administração Pública e suas características.
A definição de Administração Pública nos é fornecida por Di Pietro (2022), sendo o conceito dividido em sentido objetivo e sentido subjetivo:
[…] Em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, o Poder Executivo. Em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa. (DI PIETRO, 2022, p. 65-66 grifos da autora).
Assim, a atividade desenvolvida pela Administração Pública e o conjunto dos seus órgãos e agentes a caracteriza e define. Carvalho (2022), por sua vez, apresenta a Administração Pública com os seguintes termos:
[…] Em sentido formal, orgânico ou subjetivo designa o conjunto de órgãos e agentes estatais no exercício da função administrativa, independentemente do poder a que pertençam – seja ao Executivo, Judiciário, Legislativo ou a qualquer outro organismo estatal. Nesse sentido, a expressão deve ser grafada com as primeiras letras maiúsculas. Por sua vez, administração pública (em letra minúscula), embasada no critério material ou objetivo, se confunde com a função administrativa, devendo ser entendida como a atividade administrativa exercida pelo Estado, ou seja, a defesa concreta do interesse público. (CARVALHO, 2022, p. 37-38, grifos do autor).
Ao condensarmos os conceitos chegamos à conclusão que Administração Pública é o conjunto de entes estatais que exercem função administrativa com foco em princípios legais com o intuito de defender com eficácia o interesse público, sendo função típica do Poder Executivo e função atípica dos Poderes Judiciário e Legislativo.
3.1 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
É importante observar que a Administração Pública é regida por princípios e regras que norteiam sua atuação e conferem validade a seus atos, sendo a legalidade, a supremacia do interesse público e sua indisponibilidade os alicerces que embasam todo o sistema administrativo vigente e deles são gerados os demais princípios administrativos.
Para Carvalho (2022, p. 66), “[...] por seu turno, os princípios de Direito Administrativo definem a organização e a forma de atuar do ente estatal, estabelecendo o sentido geral de sua atuação”.
Os princípios do Direito Administrativo estabelecem o equilíbrio necessário entre o interesse público e o privado. Dois princípios que garantem esse equilíbrio nos é apresentado por Di Pietro (2022)
[…] Os dois princípios fundamentais e que decorrem da assinalada bipolaridade do Direito Administrativo – liberdade do indivíduo e autoridade da Administração – são os princípios da legalidade e da supremacia do interesse público sobre o particular, que não são específicos do Direito Administrativo porque informam todos os ramos do direito público; no entanto, são essenciais, porque, a partir deles, constroem-se todos os demais. (DI PIETRO, 2022, p. 82, grifos da autora).
A busca pelo equilíbrio citado pela autora é constantemente motivo de lides no Poder Judiciário, pois a supremacia de interesses é fato gerador de insatisfação no particular, que vê o interesse estatal triunfar em detrimento ao seu interesse.
No Brasil, a Administração Pública tem seus princípios explícitos no caput do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, in verbis:
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Munícipios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]. (BRASIL, 1988, texto digital).
A administração pública deve ter sua atuação pautada pelos princípios explícitos na Constituição Federal, sendo a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência a bússola que norteará o caminho a ser perseguido para a realização do interesse público.
Em conformidade com Carvalho (2022, p. 71), “o princípio da legalidade decorre da existência do Estado de Direito como uma Pessoa Jurídica responsável por criar o direito, no entanto submissa ao ordenamento jurídico por ela mesmo criado e aplicável a todos os cidadãos.”.
As normas refletem indiretamente a vontade popular, pois os representantes eleitos pelo povo as elaboram, conforme parágrafo único do artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, in verbis:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (BRASIL, 1988, texto digital).
Considerando que um dos fundamentos da Administração Pública é o interesse coletivo e as normas são criadas indiretamente pelo povo através de seus representantes eleitos pela maioria dos cidadãos, o ente estatal não pode agir sem considerar o ordenamento jurídico vigente, sob pena de nulidade de seu ato ilegal.
Para Di Pietro (2022, p. 82), “o princípio da impessoalidade significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento.”.
A impessoalidade deve nortear toda a atuação do administrador público, pois a parcialidade do mesmo é motivo de anulação de seus atos, sendo vedado o favorecimento a seus afetos ou a perseguição a seus desafetos, utilizando-se da máquina estatal com o oferecimento de benesses ou a abertura de sindicâncias ou processos administrativos disciplinares sem a devida motivação e fatos desabonadores concretos.
A distinção entre os princípios da legalidade e da moralidade nos é apresentado por Di Pietro (2022, p. 92), que diz que a:“[...] licitude e honestidade seriam os traços distintivos entre o direito e a moral, numa aceitação ampla do brocardo segundo o qual non omne quod licet honestum est (nem tudo o que é legal é honesto).”.
Para Carvalho (2022, p. 78-79), “[...] sendo assim, por ser a moralidade um conceito jurídico indeterminado, normalmente a jurisprudência aplica a sua violação como vício de legalidade da atuação administrativa.”.
A subjetividade no conceito da moralidade administrativa é um grande entrave para a caracterização da imoralidade/improbidade administrativa, pois conforme a discricionariedade podemos ter um ato idêntico caracterizado como doloso e um outro agraciado com atenuantes e caracterizado como culposo, caracterizando assim a discricionariedade na apuração dos fatos.
O princípio da Publicidade tem por finalidade tornar informações públicas. Nos termos de Carvalho (2022, p. 79), o princípio da Publicidade: “[...] é o conhecimento público acerca das atividades praticadas no exercício da função administrativa.”.
Em regra, a atuação da administração pública dever ter seus atos publicados para conhecimento da sociedade e dos seus agentes, não se admitindo a não exposição dos atos realizados e suas devidas motivações para que o povo fiscalize e acompanhe as ações da Administração Pública.
A atuação estatal deve primar pela eficiência em sua atuação. Conforme Di Pietro (2022, p. 99) “[...] vale dizer que a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito.”.
A atuação estatal deve considerar os relevantes princípios constitucionais como orientação para seus atos, porém devem seguir também os princípios implícitos na Constituição Federal e nas disposições infraconstitucionais, com foco em buscar a satisfação dos interesses coletivos.
3.2 PODERES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Para que a Administração Pública garanta a satisfação do interesse coletivo, lhe é concedida algumas prerrogativas, porém, junto com a supremacia estatal ante o interesse privado, foram alocados princípios que limitam a atuação estatal e norteiam seus atos com o intuito de garantir, além de outros princípios e normas, a legalidade e a moralidade esperada na gestão pública.
A supremacia estatal é definida por Carvalho (2022, p. 132), “ocorre que, para o exercício dessas funções, é indispensável que o ente público tenha facilidades no exercício de sua atividade.”.
A atuação estatal é permeada por discricionariedade, conforme nos ensina Di Pietro (2022, p. 150):
A discricionariedade, sim, tem inserida em seu bojo a ideia de prerrogativa, uma vez que a lei, ao atribuir determinada competência, deixa alguns aspectos do ato para serem apreciados pela Administração diante do caso concreto; ela implica liberdade a ser exercida nos limites fixados na lei.
A liberdade, citada acima, vai de encontro a vinculação do ato administrativo ao bojo de normas que o regem, gerando lides quanto a eficácia do ato praticado por divergências na interpretação da norma usada no caso concreto.
Para Di Pietro (2022, p. 104), “[...] embora o vocábulo poder dê a impressão de que se trata de faculdade da Administração, na realidade trata-se de poder-dever, já que reconhecido ao poder público para que o exerça em benefício da coletividade; os poderes são, pois, irrenunciáveis.”.
Conforme a autora, o administrador público detém a capacidade de agir, porém deve se limitar aos princípios que regem tal ato e, em caso de liberdade discricionária, deve motivar sua atuação e resultado esperado com a atuação estatal.
Dentre essas prerrogativas ou poderes da Administração Pública temos o Poder disciplinar que, conforme Di Pietro (2022, p. 108); “[...] é o que cabe à Administração Pública para apurar infrações e aplicar penalidades aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa; é o caso dos estudantes de uma escola pública.”.
Já em Carvalho (2022, p. 143), a fim de que “[...] o entendimento majoritário da doutrina, os atos decorrentes do Poder Disciplinar, são praticados, em regra, no exercício de competência discricionária. A discricionariedade, no entanto, não é ampla, no que tange à opção entre sancionar ou não o agente infrator.”.
A discricionariedade no exercício do poder disciplinar é verificada
Também se pode verificar a discricionariedade no exercício do Poder Disciplinar quando a lei se vale de conceitos jurídicos indeterminados para definir infrações administrativas, como, por exemplo, ocorre no art. 132, V, da Lei 8.112/90 que define como infração punível com demissão a conduta escandalosa ou incontinência pública na repartição, ou o inciso VI do mesmo artigo que prevê a insubordinação grave como conduta vedada ao agente. Nesses casos, à autoridade administrativa compete definir o que seria uma conduta escandalosa na repartição pública, traçando seus contornos, em cada caso concreto. (CARVALHO, 2022, p.144).
A discricionariedade no poder disciplinar não é total, sendo a margem de decisão limitada pela legislação, ou seja, apesar de poder decidir, o administrador continua vinculado ao princípio da legalidade, avaliando a conveniência e oportunidade entre as opções deixadas pela legislação vigente, com o intuito de conferir publicidade, transparência e eficiência em sua atuação.
Para Di Pietro (2022, p. 277), o “ato administrativo é a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com a observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário.”.
Um conceito também nos é fornecido por Carvalho (2022, p. 178):
Ato administrativo é todo ato praticado pela Administração Pública ou por quem lhe faça às vezes, no exercício da função administrativa (estando excluídos deste conceito os atos políticos), sob o regime de Direito Público, ou seja, gozando o ato de todas as prerrogativas estatais, diferente do que ocorre com os atos privados da Administração e, por fim, manifestando vontade do poder público em casos concretos ou de forma geral, não se confundindo com meros atos de execução de atividade.
O ato administrativo é a manifestação de vontade do Estado ao exercer a função administrativa com o escopo de garantir o interesse público, sendo o mesmo regido pelo Direito Público, ou seja, e deve seguir os princípios e regras do Direito Administrativo para que produza os efeitos esperados no mundo jurídico e na sociedade, sendo a legalidade e a motivação exemplos de princípios que, em sua ausência, tornam o ato administrativo passível de anulação posterior.
3.4 SERVIDOR PÚBLICO ESTATUTÁRIO FEDERAL
A pessoa física que presta serviços ao Estado é denominada agente público, sendo o servidor público uma categoria de agente público que detém o vínculo empregatício e remuneração pagas com verbas públicas como diferenciais a serem consideradas, bem como a possibilidade de responsabilização objetiva pelos danos causados ao Estado em sua atuação.
Para Di Pietro (2022, p. 690), “são servidores públicos, em sentido amplo, as pessoas físicas que prestam serviço ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos.”.
O regime jurídico do servidor público federal efetivo nos é apresentado por Carvalho (2022, p. 1023) como sendo “[...] no âmbito federal, não há discussão acerca da adoção de regime, em virtude da aplicação da lei 8.112/90 que define que todos os servidores da Administração Direta, autárquica e fundacional se submetem ao regime estatutário definido por aquela lei.”.
A definição do servidor estatutário nos é fornecida por Carvalho (2022, p. 1029):
O servidor estatutário, após aprovação em concurso público é convocado, mediante ato de nomeação, a tomar posse, assumindo, em decorrência deste ato, um cargo público. Este agente não celebra contrato com a Administração Pública, estando seus direitos e obrigações previstos em diplomas legais específicos, denominados estatutos. No âmbito federal, a Lei 8.112/90 é o estatuto que trata dos servidores civis.
Um diferencial aplicado ao servidor público estatutário federal é a natureza do vínculo mantido com a Administração Pública, pois, após a nomeação e a posse o servidor efetivo terá acesso a um cargo público onde seus direitos e obrigações estão todos reunidos na Lei 8.112 (BRASIL, 1990), sendo o vínculo jurídico decorrente de uma lei (estatuto).
A Carta Magna de 1988, em seu artigo 37, inciso II determina a forma de investidura em um cargo efetivo do serviço público estatutário:
II - A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo coma natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; [...]. (BRASIL, 1988, texto digital)
A estabilidade conferida ao servidor estatutário é um diferencial que movimento um vasto mercado de cursos visando a investidura em tais cargos, pois, a demissão do servidor estável só é possível com o devido processo legal com a observância de princípios dentre os quais citamos o contraditório e a ampla defesa, sendo o gestor administrativo, através do poder disciplinar, o responsável pela apuração da falha ou ato em desconformidade e a devida condução e julgamento do processo, sendo o rito a ser seguido definido na Lei 8.112 (BRASIL, 1990)[1] e na Lei 9.784 (BRASIL, 1999)[2].
3.5 DEVERES DO SERVIDOR PÚBLICO ESTATUTÁRIO FEDERAL
A legislação infraconstitucional é exemplificativa ao discorrer sobre os deveres do servidor público estatutário federal, ou seja, outros deveres podem vir a ser considerados, principalmente deveres éticos e morais.
Para Di Pietro (2022, p. 775), “os deveres dos servidores públicos vêm normalmente previstos nas leis estatutárias, abrangendo, entre outros, os de assiduidade, pontualidade, discrição, urbanidade, obediência, lealdade. O descumprimento dos deveres enseja punição disciplinar.”.
A autora, ao discutir a legislação, reafirma que os deveres dos servidores públicos estatutários federais constantes no artigo 116 da Lei 8.112 (BRASIL,1990), in verbis:
Art. 116º. São deveres do servidor:
I – exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;
II – observar as normas legais e regulamentares;
III – cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;
[...]
XII – representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.
Parágrafo único. A representação de que trata o inciso XII será encaminhada pela via hierárquica e apreciada pela autoridade superior àquela contra a qual é formulada, assegurando-se ao representado ampla defesa. (BRASIL, 1990, texto digital).
O conhecimento do regime que rege sua relação empregatícia é primordial para que o servidor estatutário federal tenha sucesso em sua atuação, pois além das peculiaridades da legislação infraconstitucional, as normas e regulamentos internos, o servidor deve observar e seguir as normas citadas na Constituição Federal, sob pena de penalização disciplinar.
O Processo Administrativo é a ferramenta usada para inibir arbitrariedades e garantir o cumprimento dos princípios e normas que regem a atuação da Administração Pública com o intuito de garantir a defesa do patrimônio e do interesse público e, ao mesmo tempo, garantir os direitos dos particulares afetados por essa atuação.
Para Carvalho (2022), o conceito de processo administrativo se configura como:
[…] uma série concatenada de atos administrativos, respeitando uma ordem posta por lei, com uma finalidade específica, ensejando a prática de um ato final. A doutrina costuma dizer que todos os atos administrativos devem ser precedidos de um processo formal que justifica sua prática e serve de base para sua legitimidade, documentando todas as etapas até a formação válida da atuação da Administração Pública. (CARVALHO, 2022, p. 1405).
Tomando como base o entendimento do autor, o processo administrativo foi criado para garantir a formalidade e a legalidade nos atos administrativos, ou seja, as regras e princípios que regem o processo administrativo devem orientar o gestor público para que o fim almejado seja alcançado com maestria e eficácia, garantindo a defesa do interesse público e o cumprimento das normas que o regulamentam, sendo no caso do servidor público federal estatutário a Lei 9.784 (BRASIL, 1999).
As características do Processo Administrativo nos é fornecida por Di Pietro (2022):
O processo administrativo, que pode ser instaurado mediante provocação do interessado ou por iniciativa da própria Administração, estabelece uma relação bilateral, ‘inter partes’, ou seja, de um lado, o administrado, que deduz uma pretensão e, de outro, a Administração que, quando decide, não age como terceiro, estranho à controvérsia, mas como parte que atua no próprio interesse e nos limites que lhe são impostos por lei. (DI PIETRO, 2022, p. 797, grifos da autora).
Conforme o entendimento da autora, o processo administrativo pode ser instaurado por iniciativa da própria administração pública ou por provocação de um interessado, sendo uma relação bilateral entre as pretensões arguidas. A Administração Pública, apesar de ser parte no processo administrativo, é quem decide a lide levando em consideração seus interesses e o cumprimento dos princípios e regras que regem sua atuação.
4.1 PRINCÍPIOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
O Processo Administrativo, assim como a Administração Pública, deve aplicar em sua atuação os princípios e regras citados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e na legislação infraconstitucional.
Como exemplo de princípios constitucionais explícitos temos o caput do artigo 37, in verbis:
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Munícipios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]. (BRASIL, 1988, texto digital).
Outro princípio constitucional a ser observado é o explicito no artigo 5º, LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa.” (BRASIL, 1988, texto digital).
Os princípios previstos na legislação infraconstitucional estão explícitos no caput do artigo 2º da Lei 9.784 (BRASIL, 1999) e os critérios a serem seguidos pela administração pública são citados em seu parágrafo único, in verbis:
Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V- divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
[...]XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação. (BRASIL, 1999, texto digital).
Os princípios citados acima deixam latente as duas vertentes presentes na atuação do administrador público ao conduzir o processo administrativo: a legalidade e o interesse público. Porém o administrador deve motivar suas decisões quando presente a discricionariedade em sua atuação, usando da proporcionalidade ao gerir os interesses da coletividade.
Conclui-se que, apesar de citar a probidade, decoro e boa-fé, o legislador finaliza determinando que ao interpretar a norma administrativa, a garantia ao atendimento do fim público seja priorizada, ou seja, a supremacia do interesse público deve se fazer presente no procedimento executado, sendo a legalidade a bússola a nortear a atuação do administrador público que deverá ter como prioridade o interesse público na atuação estatal.
4.2 PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – PAD
O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) é o regime utilizado para apurar e, em caso de condenação, aplicar penalidades aos servidores públicos que não cumpram a contento as obrigações e regras impostas no exercício do cargo público, com observância aos princípios e regras que regem a atuação da Administração Pública ao exercer o poder disciplinar para corrigir distorções na atuação de seus subordinados bem como garantir o devido ressarcimento ao erário em caso de danos ou favorecimento indevido a terceiros envolvidos no ato faltoso.
Na visão de Baltar Neto e Torres (2022) “o Processo Administrativo Disciplinar é decorrente dos poderes da Administração e constitui-se em instrumento para apuração de ilícito administrativo-disciplinar (infrações administrativas) praticado por servidores públicos.”.
Para Carvalho (2022), o conceito de processo administrativo se configura como:
[…] uma série concatenada de atos, respeitando um procedimento previamente estipulado na lei e visando alcançar uma finalidade específica que, no caso, é a de apurar a infração cometida e definir a sanção mais correta a ser aplicada. Nesse sentido, o PAD se desenvolve em três fases:
a) Instauração: A instauração se dá com a designação da comissão processante. A comissão deverá ser composta obrigatoriamente por 3 (três) servidores estáveis que não sejam conjugues ou parentes até o terceiro grau civil do acusado.
(CARVALHO, 2022, p. 1135 - 1137).
O autor ainda afirma que:
b) Inquérito Administrativo: O inquérito administrativo é a segunda fase do processo administrativo disciplinar, que abarca toda a ideia de contraditório e ampla defesa.
c) Julgamento: Após a elaboração do relatório, a autoridade julgadora deverá proferir o julgamento, no processo administrativo, em um prazo máximo de 20 (vinte) dias, concluindo pelo arquivamento do processo ou aplicação de penalidade. (CARVALHO, 2022, p. 1137 - 1139).
Considerando o exposto pelo autor, fica evidente que uma fase importante no Processo Administrativo Disciplinar é o Inquérito Administrativo, pois nessa fase teremos, em tese, a oportunidade para o servidor acusado exercer seu direito ao contraditório e ampla defesa, sendo a instrução probatória o momento onde os institutos como o dolo e a improbidade administrativa são avaliados pela comissão processante, sendo a apresentação da defesa peça primordial para a justiça no julgamento e a apuração de possíveis falhas que possibilitem a anulação do processo administrativo disciplinar.
A obrigatoriedade do Processo Administrativo Disciplinar nos é apresentada por Di Pietro (2022, p. 813):
A Lei 8.112/90 exige a realização desse processo para a aplicação das penas de suspensão por mais de 30 dias, demissão, cassação de aposentadoria e disponibilidade, e destituição de cargo em comissão (art. 146); o artigo 100 do Decreto –lei 200, de 25-2-67 (Reforma Administrativa federal), ainda exige o mesmo processo para a demissão ou dispensa do servidor efetivo ou estável, comprovadamente ineficiente no desempenho dos encargos que lhe competem ou desidioso no cumprimento de seus deveres. (grifos da autora).
Como se observa, o intuito do legislador ao tornar obrigatório o Processo Administrativo Disciplinar foi garantir ao servidor que poderá sofrer a perda de um direito ou condição, a oportunidade de apresentar sua defesa e sua versão dos fatos para que, através de imparcialidade e justiça tenhamos a apuração da realidade, com a penalização do servidor que cometeu um ilícito com dolo ou culpa e possibilitar o ressarcimento ao erário do dano causado ao patrimônio público.
4.3 A (DES)CARACTERIZAÇÃO DA IMPROBIDADE ADMIN. NO PAD
O artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e seus princípios tornam explícita a intenção do legislador em garantir a probidade, a moral e a ética a ser exigida de todo agente público em sua atuação.
Para Bezerra Filho (2022), “o ato de improbidade retrata a noção de desonestidade, de má-fé e ilegalidade que importa no auferimento de vantagem ilícita ou que resulta em prejuízo ao erário ou que atenta contra os princípios norteadores da administração pública.”.
O enquadramento na lei de improbidade administrativa deve considerar, conforme Carvalho (2022, p. 960); “a Lei de Improbidade Administrativa não deve ser aplicada para meras irregularidades ou transgressões disciplinares – pois estas serão devidamente punidas na instância administrativa, mediante a instauração de processo disciplinar.”.
Conforme entendimento dos autores, o ato de improbidade administrativa é caracterizado pela má-fé, a desonestidade e o dolo do agente público em lesionar o patrimônio público, enriquecer ilicitamente ou beneficiar terceiros com a devida comprovação do dolo específico do servidor público em praticar o ato faltoso, sendo as demais condutas que divergirem da conduta proba esperada na atuação do servidor público apuradas obrigatoriamente na esfera administrativa.
A Lei 14.230 (BRASIL,2021) promoveu importante alteração na Lei 8.429 (BRASIL, 1992)[3] quanto à caracterização do dolo específico e a obrigatoriedade da comprovação do cometimento de um ato doloso com fim ilícito para o enquadramento da conduta como ato de improbidade administrativa. Várias foram as alterações nos conceitos e procedimentos na Lei de Improbidade Administrativa, com o intuito de fornecer ao julgador um norte para a caracterização da conduta irregular e a correta caracterização de uma possível improbidade no processo administrativo disciplinar.
Ratificando tal entendimento, Di Pietro (2022) diz que: “a lei 8.429/92 foi profundamente alterada pela Lei 14.230, de 25-10-21, a tal ponto que talvez tivesse sido mais adequada a elaboração de outra lei.”.
O artigo 1º da lei 8.429 (BRASIL, -1992) (Lei de Improbidade Administrativa) é cristalino quanto a caracterização do ato irregular como ato de improbidade administrativa, pois determina que o dolo esteja presente na conduta e o define, não deixando margem para interpretações errôneas:
Art. 1º. O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.
§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.
§ 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa.
[...]
§ 8º Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário. (BRASIL, 1992, texto digital).
Conforme a legislação citada, o legislador cita como escopo do sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa o asseguramento da integridade do patrimônio público e seus interesses, e conceitua o ato de improbidade administrativa para que a comissão apuradora e a comissão julgadora do processo administrativo disciplinar observem tais conceitos ao caracterizar uma conduta considerada faltosa ao ordenamento administrativo vigente e sua configuração ou não como um ato de improbidade administrativa no processo administrativo disciplinar.
Para Pazzaglini Filho (2022, no âmbito do devido processo legal, as decisões judiciais que:
[…] impuseram condenação por dolo baseado em prejuízo presumido (dano in re ipsa) decorrente de mera transgressão de norma legal, v.g., por ferimento do Estatuto das Licitações, ou por improbidade culposa de lesão ao erário, à vista da revogação da condenação por dano patrimonial presumido e do tipo culposo de improbidade, devem ser reformadas de ofício ou a requerimento da parte interessada nas ações de improbidade em curso na data da publicação da Lei 14.230/2021. (PAZZAGLINI, 2022, p. 24).
Conforme o autor, o efeito retroativo na alteração legislativa torna cabível a reforma das sentenças dos processos em curso na data da alteração, pois o interesse público deve prevalecer, pois o legislador representa a vontade popular e tal procedimento é garantido em nosso ordenamento jurídico haja vista seu efeito aos processos ainda em andamento.
O servidor público federal estatutário deve atuar com honestidade, moralidade e retidão, garantindo a integridade do patrimônio público aos seus cuidados e buscando alcançar a efetividade esperada em sua atuação com o cumprimento à risca dos seus deveres e das regras impostas pela administração pública. Apenas a transgressão a esses princípios e valores com má-fé e dolo específico devidamente comprovados configura um ato passível de enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa.
4.4 EFEITOS DA CARACTERIZAÇÃO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NO PAD
O servidor público federal estatutário condenado em um processo administrativo está sujeito, conforme a gravidade e a natureza do ato irregular praticado, às penalidades disciplinares previstas no artigo 127 da Lei 8.112 (BRASIL, 1990), in verbis:
Art. 127. São penalidades disciplinares:
I – advertência;
II – suspensão;
III – demissão;
IV – cassação de aposentadoria ou disponibilidade;
V – destituição de cargo em comissão;
VI – destituição de função comissionada. (BRASIL, 1990, texto digital).
Além das sanções acima, o servidor condenado responde nas esferas civil e penal pelo ato faltoso, pois conforme artigo 125 da Lei 8.112 (BRASIL, 1990) as sanções poderão cumular-se, sendo independentes entre si, ou seja, o servidor poderá sofrer três sanções por um único ato faltoso, não caracterizando tal ocorrência como bis in idem.
A caracterização da Improbidade Administrativa no momento do julgamento do servidor acusado gera a pena de demissão no Processo Administrativo disciplinar, conforme inciso IV do artigo 132 da Lei 8.112 (BRASIL, 1990), in verbis:
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
I – crime contra a administração pública;
II – abandono de cargo;
III – inassiduidade habitual;
IV – improbidade administrativa;
[...]
XIII –transgressão nos incisos IX a XVI do art. 117. (BRASIL, 1990, texto digital).
Conforme artigo acima, ao caracterizar a Improbidade Administrativa ao ato faltoso do servidor, o mesmo sofrerá a pena de demissão e seus efeitos, devendo agora o condenado responder a um novo processo, agora judicial.
Em caso de condenação no processo de Improbidade Administrativa, as penas possíveis são determinadas pelo parágrafo 4º do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis:
§4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (BRASIL, 1988, texto digital).
Para Di Pietro (2022), o artigo 12 da Lei 8.429 (BRASIL,1992):
[…] Na Lei 8.429/92, as sanções estão previstas no artigo 12, indo além da norma constitucional, ao prever outras medidas, a saber, a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (para a hipótese de enriquecimento ilícito), a multa civil e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.(DI PIETRO, 2022, p. 1014, grifos da autora).
Para a autora, a ampliação das penas não viola ou infringe a norma constitucional, pois não houve limitação para o legislador para estabelecer novas penas em seu corpo. Discordo da autora ao acreditar que a norma infraconstitucional deve respeitar sua matriz, no caso, a Constituição da República Federativa do Brasil vigente, pois a constitucionalidade das normas infraconstitucionais é fator primordial para a segurança jurídica esperada em um Estado Democrático de Direito e a Constituição de um País representa a vontade popular que, conforme tal regime é soberana e titular do poder, já que todo o poder emana da mesma.
5 CONCLUSÃO
Apesar da evolução em nosso ordenamento jurídico, ainda temos resquícios da discricionariedade do absolutismo ao constatarmos que, ao tomar conhecimento de atos faltosos cometidos por seus servidores públicos federais estatutários, a Administração Pública se utiliza do processo administrativo disciplinar para acusar, apurar e punir, mesmo sendo parte integrante e interessada no processo.
A efetiva apuração, a caracterização do dolo específico e a consequente Improbidade Administrativa nos processos é fator primordial para que a Justiça se faça presente no caso avaliado, pois a ausência de Impessoalidade durante o processo gera a possível anulação dos atos realizados, pois a perseguição ou o favorecimento à servidores vai de encontro aos princípios constitucionais a serem observados pelo administrador público, sendo que a discricionariedade em partes do processo invalida a mais varonil das defesas e provas constantes no processo e geram uma condenação sem a devida motivação esperada na atuação estatal.
A subjetividade no conceito da moralidade administrativa é um dos grandes entraves para a efetiva apuração da improbidade nos processos administrativos disciplinares, pois é um conceito vago e pessoal, que permite que a mesma conduta tenha avaliações diferentes, conforme a discricionariedade e a avaliação do julgador e da comissão apuradora que, ao caracterizar a improbidade administrativa no julgamento já condena o servidor à demissão conforme inciso IV do artigo 132 da Lei 8.112 (BRASIL, 1990) (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis) e o condena também a responder um novo processo, agora judicial, nos ditames da Lei 8.429 (BRASIL, 1992) (Lei da Improbidade Administrativa) podendo vir a ser condenado e sofrer novas penalidades.
A caracterização da Improbidade Administrativa no Processo Administrativo Disciplinar deve levar em consideração apenas as condutas com má-fé, desonestidade e com comprovada intenção em cometer o ato ilícito e gerar dano ao patrimônio público, pois conforme alteração promovida pela Lei 14.230 (BRASIL,2021) na Lei 8.429 (BRASIL, 1992) (Lei da Improbidade Administrativa), o dolo nesses casos deve ser específico e comprovado nos autos, sem a possibilidade de subjetividade em sua apuração, com a caracterização devida do que é um ato de improbidade administrativa na legislação vigente.
O universo de atos que divergirem dessa classificação devem ser apurados e julgados na instância administrativa com base na Lei 8.112 (BRASIL, 1990) (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis) e Lei 9.784 (BRASIL, 1999) (Lei do Processo Administrativo na Administração Pública) que preveem em seus artigos todo o procedimento esperado na apuração e julgamento de um processo administrativo disciplinar com a aplicação de penas severas e o devido ressarcimento ao erário em caso de dano, independente de culpa ou dolo na atuação do servidor faltoso, ou seja, não há espaço para subjetividades ou conjecturas ao tratarmos do servidor público federal estatutário acusado de um ato faltoso em sua atuação na administração pública federal e na caracterização desse ato na Lei de Improbidade Administrativa.
BRASIL. Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021. Altera a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre improbidade administrativa. Brasília, DF: Presidência da República, 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14230.htm. Acesso em: 25 abr. 2022.
BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Brasília, DF: Presidência da República,1999.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm>. Acesso em: 18 mar. 2022.
BRASIL. Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal; e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm. Acesso em: 18 mar. 2022.
BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm. Acesso em: 16 mar. 2022.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2022]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em: 16 mar. 2022.
BALTAR NETO, Fernando Ferreira; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Direito Administrativo. 12. ed. Salvador: Juspodivm, 2022. [Coleção Sinopses para Concursos].
BEZERRA FILHO, Aluizio. Processo de Improbidade Administrativa. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2022.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2022.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 35. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2022.
[1] Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas.
[2] Lei do Processo Administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
[3] Dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o §4º do art. 37 da Constituição Federal, e dá outras providências.
Bacharelando do curso de Direito pela Faculdade Serra do Carmo – FASEC em Palmas/TO. Especialista em Liderança e Formação de Gestores pela Universidade Federal do Tocantins - UFT. Especialista em Psicopedagogia Institucional pela Universidade Castelo Branco - UCB. Bacharel em Contabilidade pela Universidade Estadual do Tocantins - UNITINS. Tecnológo Agroindustrial com enfase em Alimentos pela Universidade Estadual do Pará - UEPA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, JONNILTON. A (des)caracterização da improbidade administrativa e seus efeitos aos servidores públicos estatutários federais no processo administrativo disciplinar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun 2022, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58602/a-des-caracterizao-da-improbidade-administrativa-e-seus-efeitos-aos-servidores-pblicos-estatutrios-federais-no-processo-administrativo-disciplinar. Acesso em: 22 nov 2024.
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