LILIANE DE MOURA BORGES[1]
(orientadora)
RESUMO: As eleições no Brasil passaram por diversas mudanças ao longo do tempo, e consequentemente a legislação eleitoral também sofreu alterações. O objetivo geral da pesquisa é analisar como ocorre o processo eleitoral no Brasil sob a ótica do arrecadamento de recursos em campanhas e as novas formas de financiamento eleitoral. Em relação ao objetivo específico busca-se a partir dessa investigação examinar se as eleições estão ocorrendo de forma a atender a democracia vigente no país e como os candidatos e partidos políticos influem nesse processo. A justificativa do trabalho é entender de que maneira os candidatos buscam o financiamento para suas respectivas campanhas. O método utilizado na pesquisa foi a revisão bibliográfica baseada em livros doutrinários, textos legais e artigos de periódico. Ao final do trabalho conclui-se que as alterações nas legislações eleitorais beneficiam os grupos minoritários no que tange a distribuição de fundos para as campanhas.
Palavras-chave: Fundo eleitoral; campanha eleitoral; financiamento; arrecadação.
INTRODUÇÃO
Diante de vários cenários eleitorais no Brasil ao longo da sua história é relevante entender como funciona o processo eleitoral e o financiamento das campanhas eleitorais. Em um Estado Democrático de Direito, os cidadãos se questionam em relação ao papel da democracia nas eleições e se ela realmente tem eficácia plena e abrange a todos. A população necessita compreender como o dinheiro público é aplicado no âmbito eleitoral e de que forma ele é gerido.
O poder financeiro influencia diretamente nas eleições, e um dos meios de financiamento de campanhas eleitorais é o Fundo Especial de Financiamento de Campanha ou popularmente chamado de Fundo Eleitoral, regulado pela Lei nº 9.504/97. Esse Fundo tornou-se crucial para a lisura das eleições.
É essencial a participação popular no sistema eleitoral, pois através do dinheiro público são financiadas parte das campanhas. É importante os cidadãos compreenderem a distribuição desses recursos entre os partidos políticos e sua aplicação na prática.
O objetivo do trabalho é compreender como funciona o processo eleitoral e a arrecadação de recursos pelos partidos políticos e candidatos e conhecer quais são os requisitos legais em cada modalidade de arrecadação de recursos e compreender de que modo isso impacta no processo eleitoral. A pesquisa é qualitativa com abordagem descritiva e será realizada com base no método de revisão bibliográfica, descrevendo os objetivos e instrumentos baseados nos dispositivos legais, identificando e correlacionando os dados da pesquisa. O artigo está baseado em textos legais, livros doutrinários, informe jurisprudencial, periódicos e revistas.
No primeiro capítulo será abordado o histórico das eleições, seu propósito e como ela impacta a democracia. Já no segundo capítulo será analisado o Fundo Eleitoral e sua influência no resultado das eleições. No terceiro capítulo será avaliado a arrecadação de recursos em campanhas eleitorais. E então, no quarto capítulo o propósito será compreender os requisitos e o histórico da prestação de contas eleitorais, a origem do crédito e as dívidas dos candidatos e partidos políticos. No quinto capítulo será explorado a evolução da prestação de contas eleitorais no decurso do tempo e os débitos eleitorais. Por fim, o presente trabalho considera que a eleição é um mecanismo que efetiva a democracia, e que qualquer ato que contrarie as normas legais deve ser devidamente apurado e os responsáveis penalizados.
1.ELEIÇÕES
As eleições representam a forma concreta em que democracia pode ser exercida pelo povo. As primeiras eleições no Brasil, em 1532, ocorreram na Vila de São Vicente, para eleger representantes do município. O voto era censitário, ou seja, o direito ao voto era conforme a renda da população. No Brasil foram realizadas eleições pelo sistema indireto, no Período Imperial, na República, algumas eleições presidenciais e estaduais também foram indiretas.
A votação é efetuada de forma secreta desde 1932, e as versões da lei eleitoral brasileira são regularmente revisadas e regulamentam desde o registro dos eleitores, a apuração dos votos, a fiscalização e a participação partidária, propaganda eleitoral e os definidos crimes eleitorais. Nessa época, sob o regime de governo de Vargas, houve avanço no sistema eleitoral brasileiro, com a participação popular nas eleições. (Laurentiis e Bianchi, 2019, p.150).
Com o passar do tempo e as mudanças sociais, alguns grupos adquiriram direito ao voto, como as mulheres em 1932 e os maiores de 16 anos e analfabetos a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. Nessa mesma data “nasce” a Justiça Eleitoral que através do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) regulamenta as eleições.
Em meio a consideráveis mudanças no sistema eleitoral, o Brasil vem se consolidando como um dos países com sistema de votação mais seguro do mundo. Atualmente, analisando as campanhas eleitorais, na prática se percebe que no momento em que são anunciados os candidatos que irão concorrer a disputa eleitoral se inicia de fato, uma longa “batalha” entre candidatos e partidos políticos, com o objetivo de consolidarem suas respectivas ideologias. Desse modo, muitas vezes a campanha daquele que almeja um vaga na política é projetada com o objetivo de prejudicar os adversários, expondo notícias duvidosas ou até mesmo falsas em relação aos mesmos com o intuito de causar danos à imagem deles, ao invés de apresentar seus próprios projetos de campanha para o eleitorado.
Atualmente as redes sociais tornaram-se um instrumento das campanhas eleitorais. Desse modo, muitos candidatos e partidos vêm aderindo a este meio para divulgarem suas campanhas, obter apoiadores e consequentemente os votos. Na democracia brasileira, por exemplo, existem candidatos e partidos políticos que utilizam as mídias sociais para fazer suas respectivas campanhas, contratando influenciadores digitais, com o propósito de disseminar sua ideologia política. (JARDELINO, CAVALCANTI e TONIOLO, p.2, 2020)
O propósito principal de uma campanha eleitoral é influenciar os eleitores a acreditarem e apoiarem as ideias de certo candidato ou partido conquistando desse modo seu voto. Essa persuasão acontece mediante a apresentação de projetos de governo e soluções para os problemas recorrentes no meio social. Geralmente os assessores e consultores de marketing político cuidam do planejamento da campanha, e usam todos os recursos disponíveis para eleger seu candidato. Segundo Carneiro e Silva, (2012, p.118):
O marketing político é sempre uma ação interessada em favor do candidato, mas tem no eleitor a fonte de sucesso, uma vez que cabe ao eleitor avaliar o candidato conforme a sua forma particular de votar. Cabe ao eleitor avaliar a postura do candidato, suas propostas, seu caráter, seus interesses, seu plano de governo, entre outros fatores que podem ser considerados de importância sob seu ponto de vista.
Nesse período eleitoral os cidadãos são estimulados a escolher um “lado partidário”, por influência dos meios de comunicação, redes sociais e debates entre amigos e familiares. A campanha deve ocorrer de forma democrática e compete à legislação eleitoral, limitar e definir o período em que vai ocorrer esse evento. A competência para legislar sobre matéria eleitoral é privativa da União, conforme o artigo 22, I da Constituição Federal:
Durante esse período o eleitor é constantemente “bombardeado” por diversas informações pela mídia a qual em muitas ocasiões não cumprem seu papel fundamental que é informar a população, e além disso, muitos canais de comunicação como rádios e redes sociais se dividem e rivalizam em razão de uma ideologia política e até mesmo por interesse financeiro e transmitem as notícias de uma forma desvirtuada para a população. Um provérbio popular que se encaixa nesse contexto diz “quem tem a informação tem o poder”, e o eleitor que busca as informações verídicas e não é seduzido pelas fake news pode contribuir para a escolha dos representantes capazes de governar para o povo e não para apenas um pequeno grupo social.
O processo eleitoral vai além do que simplesmente a escolha dos representantes políticos, ele deve cumprir um trâmite democrático para que as eleições sejam isonômicas e a vontade popular prevaleça. Para que isso ocorra, além das leis que regulam os eventos durante o período eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dispõe de resoluções para regulamentar as eleições, dentre elas trata do prazo de registro de candidatura, do Fundo especial de financiamento de campanha (FEFC), e da arrecadação e gastos de recursos e prestação de contas nas campanhas eleitorais.
Nas eleições que serão realizadas em 2022 o prazo máximo para o registro de candidatura é até o dia 15 de agosto, conforme calendário eleitoral previsto pelo Tribunal Superior Eleitoral. A campanha é realizada pela propaganda eleitoral, pois através dela o eleitor vai refletir sobre as propostas dos candidatos e consequentemente escolher a que mais se identifica com ele. Esse é o momento em que aqueles que pretendem representar o povo tem de mostrar suas ideias e planos para resolver problemas sociais, melhorar a qualidade de vida da sociedade, resolver problemas pontuais como crise econômica e sanitária, e contribuir com o desenvolvimento do país. Em vista disso, é imprescindível que os candidatos usem de maneira produtiva o tempo disponível para a propaganda partidária.
A boca de urna é um crime eleitoral, e ocorre em período de campanha eleitoral desde os tempos da chamada República Velha. A boca de urna era praticada por meio do voto de cabresto em que grandes oligarcas e coronéis coagiam os eleitores no local de votação. Atualmente, caracteriza-se a boca de urna qualquer propaganda realizada por um indivíduo no dia da eleição com objetivo de convencer o eleitor a votar em determinado partido ou candidato conforme disposto na lei eleitoral.
No Brasil o poder econômico influencia em todas as áreas ou negócios e na política não é diferente, uma vez que são recorrentes as notícias na mídia de candidatos abastecendo os carros dos eleitores, entregando cestas básicas para pessoas carentes ou até mesmo distribuindo dinheiro em troca dos votos dos eleitores. Esse tipo de ação deve ser amplamente combatido, uma vez que a democracia deve prevalecer nas campanhas, e os candidatos e partidos devem ficar atentos às normas eleitorais, conforme Carneiro e Silva (2019, p.5).
A prestação de contas busca assegurar a transparência e responsabilidade na gestão pública, garantir a defesa dos recursos públicos, e manter a população devidamente informada sobre os gastos públicos. A prestação de contas deve ser feita por todos candidatos, seus vices, suplentes, e dos diretórios partidários nacionais e estaduais, em conjunto com seus respectivos comitês financeiros, se constituídos. Essa é uma medida que garante a transparência e a legitimidade da atuação partidária no processo eleitoral. Para Pasold e Schlickmann (2019, p.65) quando são normatizadas as disputas eleitorais os candidatos e partidos não devem se abster do dever de prestar contas à Justiça Eleitoral da quantidade de recursos arrecadados, além dos gastos em campanhas.
O candidato que renunciar à candidatura, dela desistir, for substituído, ou tiver seu pedido de registro indeferido pela Justiça Eleitoral deverá prestar contas correspondentes ao período em que participou do processo eleitoral, mesmo que não tenha realizado campanha. Se houver dissidência partidária, os dissidentes também deverão prestar contas.
2. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC)
O poder financeiro sempre influenciou nos resultados das eleições no Brasil, principalmente através de grandes doações de empresas para candidatos em troca de favores caso o mesmo consiga se eleger. Com a introdução da Reforma Eleitoral, a Lei da eleições 9504/97 não prevê mais a doação de recursos por pessoas jurídicas para as campanhas eleitorais. Isso foi um grande avanço no combate à desigualdade entre partidos e candidatos no cenário eleitoral, além disso fortaleceu a democracia em um sentido material.
O Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, habitualmente chamado de fundo eleitoral ou fundão, surgiu em 6 de outubro de 2017 pelas Leis n.º 13.487/17 e 13.488/17. A criação do fundo veio com objetivo de auxiliar financeiramente os partidos políticos após a decretação do fim de doações de pessoas jurídicas para as campanhas eleitorais. O dinheiro que compõe o fundo eleitoral, advém das verbas públicas da União e a sua distribuição acontece apenas em ano eleitoral. Os recursos são distribuídos da seguinte forma, de acordo com o artigo 16-alínea D da Lei 9504/97:
I – 2% (dois por cento), divididos igualitariamente entre todos os partidos com estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral;
II – 35% (trinta e cinco por cento), divididos entre os partidos que tenham pelo menos um representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos por eles obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados;
III – 48% (quarenta e oito por cento), divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes na Câmara dos Deputados, consideradas as legendas dos titulares;
IV – 15% (quinze por cento), divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes no Senado Federal, consideradas as legendas dos titulares.
Em 2021, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acrescentou algumas novidades em relação ao Fundo Eleitoral. As mudanças aprovadas alteraram a Resolução nº 23.605/2019 que fixa procedimentos administrativos para a gestão do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Dentre as mudanças pode-se citar as novas implicações em relação à participação das federações partidárias, instituídas pela última reforma eleitoral. A federação partidária admite que dois ou mais partidos se agreguem em uma respectiva federação, de forma que representem apenas uma legenda nas campanhas eleitorais e no mandato, perdurando desse modo por um período mínimo de quatro anos.
Essa mesma resolução também dispõe que será computado em dobro os votos recebidos por mulheres e pessoas negras para a Câmara dos Deputados para que seja distribuído os recursos do FEFC e que as verbas serão destinadas proporcionalmente para as candidaturas de pessoas negras.
As modificações também alteram a Resolução nº 23.607/2019. As novidades discorrem outra vez sobre as federações partidárias e expõe que a prestação de contas da federação diz respeito àquelas que foram apresentadas pelos partidos que a compõe. Desse modo, cada partido político seguirá fazendo a própria prestação de contas, especificando os recursos arrecadados e distribuídos entre seus candidatos. O artigo 1º § 5º da referida resolução diz que: “A prestação de contas da federação corresponderá àquela apresentada à Justiça Eleitoral pelos partidos que a integram e em todos os níveis de direção partidária.”
Apesar das mudanças recentes no Fundo Eleitoral, alguns critérios de distribuição ainda se configuram bastante desiguais. No cenário político brasileiro percebe-se que os grandes partidos, obtém mais benefícios em relação aos partidos com menos representantes, como por exemplo, o tempo maior de propaganda eleitoral no rádio e televisão. Além disso, eles recebem mais recursos financeiros nessa comparação. De acordo com a Lei n.º 13.487/17, 63% dos valores dos recursos repassados pelo Fundo Eleitoral são destinados à partidos com maior representatividade na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Com essa distribuição desigual os partidos dominantes se perpetuam no poder criando uma espécie de monopólio de modo a desfavorecer os novos partidos com novas ideologias. Dessa forma o sistema eleitoral brasileiro está indo de encontro a democracia vigente.
3.ARRECADAÇÃO DE RECURSOS ELEITORAIS
Em qualquer nação democrática, o sistema de financiamento eleitoral é um dos assuntos que gera debate entre os cidadãos. Desse modo, os partidos e candidatos precisam obter recursos a fim de expor sua campanha e conquistar os eleitores. Com intuito de alcançar esse fim é indispensável que eles consigam acesso a recursos financeiros e formas de financiamento. Nas campanhas eleitorais, são arrecadados e aplicados, tanto por meios lícitos quanto ilícitos, valores muito altos, os quais não passam desapercebidos nas eleições principalmente em relação àquelas que dizem respeito ao Poder Executivo.
O dinheiro que é preciso para financiar as campanhas eleitorais e a democracia, também pode ser utilizado como ferramenta para influência ilegítima no processo eleitoral e nas decisões de cunho político. Enfim, a aplicação de recursos ilícitos dá o status de nula a qualquer eleição, ademais favorece que os grandes empresários financiadores de campanha se agreguem aos políticos e efetivem sua influência negativa na democracia. Posto isto, é de suma importância que ocorra uma fiscalização perante a verdadeira origem e destino de todos os recursos aplicados no financiamento das campanhas eleitorais. Outrossim, a Justiça Eleitoral deve agir de maneira rígida em cumprimento às normas eleitorais que dispõe do financiamento de campanha. (GOMES, 2021, p.513):
Sob o aspecto ético, não haveria problema se a atuação do político coincidisse com os interesses socioeconômicos da comunidade que representa. No entanto, condena-se o desvio do sentido da representação. Para muitos, a doação de campanha constitui verdadeiro investimento, do qual se espera retorno econômico-financeiro para ambas as partes do negócio.
Em relação às formas de financiamento de campanha eleitoral, há 3 (três) formas em que partidos políticos e candidatos podem financiar suas respectivas campanhas, que são o financiamento público exclusivo, o privado, e o misto. Através do financiamento público as campanhas eleitorais são totalmente financiadas com dinheiro público, advindos de tributos pagos pelos cidadãos. Dessa forma, há uma contribuição significativa para a redução da corrupção na esfera pública, uma vez que os candidatos eleitos não buscam apoio financeiro de grandes empresas privadas. Consequentemente, esse modelo de financiamento proporciona a isonomia entre os candidatos nas disputas eleitorais, visto que, não são todos os candidatos que requisitam dinheiro para a campanhas através de financiadores privados devido a sua condição financeira, ou mesmo por contrariar a própria ideologia do candidato ou partido político.
Em uma perspectiva realista será uma missão difícil extinguir o interesse privado nas campanhas eleitorais, pois os recursos privados, indubitavelmente infiltrará por caminhos ocultos, o que, além de não acabar com o problema, propiciará que os candidatos entrem no meio ilícito. É falho o pensamento de que a corrupção na política, ou mesmo na seara pública é sempre causada por financiadores privados de campanhas, visto que eles não estão envolvidos na maioria dos casos de corrupção. De maneira oposta, já que na maioria dos casos a corrupção se origina da ambição e cobiça do próprio candidato, que muitas vezes não chegam a ocupar o cargo público. Ao contrário, são poucos os que se contrapõem à influência do poder financeiro, que seduz mais o candidato do que ajudar o próprio povo. De outro modo, existem muitos candidatos com grandes chances de vencer as disputas eleitorais que participam ou são integrados à grupos políticos e sociais de grande poder aquisitivo, os quais lhes concedem total assistência financeira e instrução, não somente apenas o período eleitoral, mas durante toda sua carreira política, dessa forma eles estarão sempre bem auxiliados e a frente de outros candidatos diante do eleitorado. Nessa perspectiva Gomes, José (Direito Eleitoral 2021, p.513) aduz:
De sorte que o modelo de financiamento público exclusivo não põe fim à corrupção de agentes estatais, nem acaba com o financiamento espúrio de campanhas, tampouco com o uso de caixa 2. A bem da verdade, tais práticas têm na leniência e impunidade suas mais entusiásticas aliadas e apoiadoras.
Indo um pouco além, naqueles países cujos os desníveis sociais são evidentes, em que há taxas elevadas de analfabetismo, sistema de educação e saúde precário, e falta uma segurança básica para os cidadãos, inevitavelmente o gasto com recursos do Estado com o intuito de bancar as campanhas eleitorais de modo algum deve ser algo preferencial.
Pelo financiamento privado as campanhas eleitorais são conduzidas para serem subsidiadas pela iniciativa privada. Indo ao contrário desse sistema, defende-se que as empresas não possuem os chamados direitos políticos. De maneira oposta, as suas doações de empresários na maioria da vezes, possui uma natureza objetiva, adequando-se a um planejamento que visa anexar e atuar com certa influência no meio político, um exemplo claro é quando essas pessoas jurídicas emprestam dinheiro para diversos partidos que irão concorrer aos mesmos cargos nas eleições. Nesse sentido, o indivíduo quer for eleito terá uma dívida com aqueles financiadores, e dessa forma o dinheiro público é saqueado por esses sujeitos.
Essa análise é comprovada principalmente por condenações de executivos de grandes empreiteiras que possuem ligações à agentes políticos. Nessa perspectiva a demonstração que esse esquema se torna recorrente no cenário da política é indubitavelmente clara. Existe várias situações em que a compensação de favores ocorre por meio de contratos entre empresas pertencentes ou conectadas ao financiador, pelo privilégio em licitações concedidos aos doadores, o sobrefaturamento de obras públicas, ou mesmo pela isenção de tributos para a contratadas. Enfim, as pessoas que investem alto nas campanhas eleitorais certamente querem reaver seus valores, acrescidos de lucros advindos dos recursos públicos. Portanto, no período eleitoral o financiamento de campanhas se torna algo extremamente comum e lucrativo para essas pessoas.
Neste cenário, o eleitorado é excluído dos seus próprios direitos políticos e sociais, principalmente em relação aqueles de áreas essenciais como saúde e educação. As irregularidades no campo eleitoral atingem de maneira significativa a população, e não auxiliam para elevar a qualidade de vida dos cidadãos, e nem para reduzir as desigualdades e propor a livre concorrência de forma isonômica entre as empresas na esfera pública. Ocorre do mesmo modo, uma outra forma de corrupção em que os doadores privados são associados ao crime organizado, formando verdadeiras quadrilhas. Neste cenário o Poder Público se transforma em uma ferramenta de apoio ao crime.
Por fim mediante o financiamento misto as campanhas eleitorais são financiadas tanto pelo Estado quanto pela iniciativa privada. Ocorre diversas possibilidades de financiamento, e as mudanças são estabelecidas pelas normas de cada Estado. Na esfera pública, há ocorrências em que a União: disponibiliza uma quantia a candidatos e partidos, e conforme algumas restrições, os restituem as despesas das campanhas, além de contribuir com gastos, como na propaganda partidária.
4.A EVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS NO DECURSO DO TEMPO
A prestação de contas eleitoral é um mecanismo de suma importância para identificar a origem e o quantum dos recursos obtidos pelos candidatos para a corrida eleitoral. Evita que ilícitos ocorram e traz transparência para a sociedade. O artigo 28 da Lei 9504/97 dispõe sobre a prestação de contas:
Art. 28. A prestação de contas será feita:
I - no caso dos candidatos às eleições majoritárias, na forma disciplinada pela Justiça Eleitoral;
II - no caso dos candidatos às eleições proporcionais, de acordo com os modelos constantes do Anexo desta Lei.
§ 1o As prestações de contas dos candidatos às eleições majoritárias serão feitas pelo próprio candidato, devendo ser acompanhadas dos extratos das contas bancárias referentes à movimentação dos recursos financeiros usados na campanha e da relação dos cheques recebidos, com a indicação dos respectivos números, valores e emitentes.
Conforme prevê a regulamentação da obrigação de prestar contas, primeiramente imputado aos partidos políticos e em seguida, normatizado igualmente para os candidatos nas disputas eleitorais, esse dever ético e positivado dispõe que todos os montantes de recursos adquiridos e gastos sejam devidamente declarados à Justiça Eleitoral; uma vez que é imprescindível que as campanhas eleitorais tenham um caráter justo, isonômico e democrático. Os candidatos que tiverem irregularidades na prestação de contas sofrerão consequências, como normatiza o artigo 30-A § 2o da Lei 9504/97:
Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.
§ 2o Comprovados a captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.
Nesse contexto, a participação do eleitor como denunciante de irregularidades é imprescindível, e cabe uma análise apartada, pelo fato de não contribuir para a discussão em comento.
4.1 DÉBITOS ELEITORAIS
As dívidas adquiridas nas campanhas eleitorais encontram-se positivadas em lei. E em primeiro plano foi regulado na taxatividade dos encargos a serem pagos, desde as eleições ocorridas no Brasil em 1998. Anteriormente a regulamentação eleitoral aduzia que não era aceito que as despesas com as eleições no período eleitoral tivessem sua quitação em fase posterior ao período regulamentado pelo dispositivo legal.
Pensando em tornar mais dinâmica a normatização que autorizava um caráter de indubitabilidade das dívidas de campanha, surge a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nº 20.987/2002 que regulamentava a opção de pagar as dívidas de campanhas eleitorais. Ela dispôs sobre o prazo estabelecido de prestação de contas ocorria em um período abstrato. Diante do que já era esperado compreendeu-se que como o prazo de entrega da prestação de contas fosse indefinido, então esse era o momento limite para pagar os débitos decorrentes dos gastos não pagos no período eleitoral. Em suma, essa decisão concedia a chance de, ao constatar as dívidas eleitorais, o candidato apenas pagaria as despesas ao prestar contas, e somente na ocasião em que tivesse recursos suficientes, ficando dessa forma como um período incerto. Desse modo a Justiça Eleitoral era vista como fraca e incapaz de verificar a prestação de contas e dos recursos arrecadados, contudo posteriormente foi regulamentado o prazo para a prestação de contas eleitorais definido pela Lei 9504/97:
Art. 28. A prestação de contas será feita:
I - no caso dos candidatos às eleições majoritárias, na forma disciplinada pela Justiça Eleitoral;
II - no caso dos candidatos às eleições proporcionais, de acordo com os modelos constantes do Anexo desta Lei.
4o Os partidos políticos, as coligações e os candidatos são obrigados, durante as campanhas eleitorais, a divulgar em sítio criado pela Justiça Eleitoral para esse fim na rede mundial de computadores (internet):
I - os recursos em dinheiro recebidos para financiamento de sua campanha eleitoral, em até 72 (setenta e duas) horas de seu recebimento;
II - no dia 15 de setembro, relatório discriminando as transferências do Fundo Partidário, os recursos em dinheiro e os estimáveis em dinheiro recebidos, bem como os gastos realizados.
A Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nº 21.609/2004, reconheceu que os partidos políticos poderiam arcar com os débitos de campanha dos candidatos. Percebe-se que a mesma lei implantou uma ferramenta de fiscalização: a constatação de onde veio os recursos obtidos pelos partidos para o pagamento desses ônus através da prestação de contas dos partidos políticos que ocorre todo ano. A Lei 9504/97 atualmente dispõe que:
Art. 29. Ao receber as prestações de contas e demais informações dos candidatos às eleições majoritárias e dos candidatos às eleições proporcionais que optarem por prestar contas por seu intermédio, os comitês deverão:
§ 3o Eventuais débitos de campanha não quitados até a data de apresentação da prestação de contas poderão ser assumidos pelo partido político, por decisão do seu órgão nacional de direção partidária.
É válido esclarecer que em nenhum momento configurou-se perante a autorização regulamentadora que os candidatos às eleições ao se encontrarem endividados pelas campanhas transferissem os encargos financeiros aos seus respectivos partidos, visto que, o dispositivo legal regularia a hipótese de que o partido se responsabilizaria pelos débitos, e não ao contrário. É importante ressaltar que não é direito pleno do candidato repassar suas dívidas de campanha ao partido, o partido político é que está apto e legitimado para decidir em seu juízo, a agir desse modo, de forma voluntária e independente a assumir as dívidas de campanhas de seus candidatos. (SCHLIKMANN E PASOLD, 2016).
Coube então à Justiça Eleitoral normatizar a instrumentalização da responsabilidade de dívidas entre partidos e candidatos por meio da Resolução do TSE nº 23.217/2010:
Art. 20. Os candidatos e comitês financeiros poderão arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.
§ 1o Excepcionalmente, será permitida a arrecadação de recursos após o prazo fixado no caput, exclusivamente para quitação de despesas já contraídas e não pagas até aquela data, as quais deverão estar integralmente quitadas até a data da entrega da prestação de contas à Justiça Eleitoral, sob pena de desaprovação das contas (Lei no 9.504/1997, art. 29, §3o).
§ 2o Eventuais débitos de campanha não quitados até a data de apresentação da prestação de contas poderão ser assumidos pelo partido político, por decisão do seu órgão nacional de direção partidária com cronograma de pagamento e quitação (Lei no 9.504/1997, art. 29, § 3o).
§ 3o No caso do disposto no parágrafo anterior, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral passará a responder por todas as dívidas solidariamente com o candidato, hipótese em que a existência do débito não poderá ser considerada como causa para a rejeição das contas (Lei nº 9.504/97, art. 29, § 4º)
Em suma, a obtenção de recursos para o pagamento dos débitos eleitorais acontece em passos lentos no decurso do tempo, e as dívidas tendem a se acumular. Desse modo, a descoberta da origem dos financiamentos das despesas eleitorais efetuam-se, claramente, através de prestações das contas eleitorais feitas anualmente pelos partidos políticos que fazem a assunção dos encargos, quando a lei submetem a eles que prestem contas do pagamento.
Portanto, a lei determina que a verificação de débitos de campanhas não quitados pelos partidos políticos conforme a regulamentação em dispositivo legal, deverá ser considerado como desaprovação de contas pela Justiça Eleitoral. É relevante destacar que esse procedimento deve ser eficácia plena, uma vez que a ocorrência de ônus de campanhas eleitorais sem o devido pagamento ao final das disputas eleitorais pelos partidos político, representa uma subtração considerável de parte essencial do financiamento de campanhas eleitorais (SCHLIKMANN E PASOLD, 2016).
No artigo 30 da Lei 9504/97 essa regularização é exposta de tal modo:
Art. 30. A Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas de campanha, decidindo: (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)
I - pela aprovação, quando estiverem regulares; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
II - pela aprovação com ressalvas, quando verificadas falhas que não lhes comprometam a regularidade; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
III - pela desaprovação, quando verificadas falhas que lhes comprometam a regularidade; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
IV - pela não prestação, quando não apresentadas as contas após a notificação emitida pela Justiça Eleitoral, na qual constará a obrigação expressa de prestar as suas contas, no prazo de setenta e duas horas. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
Enfim, os candidatos têm um dever moral perante a Justiça eleitoral e os cidadãos de prestar as contas no prazo estabelecido, de modo a tornar as eleições mais transparentes para o eleitorado, e caso não consigam podem recorrer aos partidos políticos, os quais devem estar atentos ao prazo estipulado em lei.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
A eleição é um mecanismo que que dá voz ao povo para a escolha dos representantes políticos. Apesar da sua evolução ao longo do tempo, atualmente ainda verifica-se algumas falhas que devem ser corrigidas para a consolidação de um sistema eleitoral justo e uma democracia de plena eficácia. Embora muitos indivíduos entrem no jogo político mal intencionados com o objetivo de apenas satisfazer seus interesses privados, ainda há aqueles que lutam por um sistema político igualitário em que todos possam concorrer ao pleito eleitoral por meio das mesmas condições. Um exemplo disso são as alterações nas legislações eleitorais que beneficiam os grupos minoritários no que tange a distribuição de fundos para as campanhas. Apesar disso, a distribuição de recursos ainda favorece os partidos com mais representantes na Câmara dos Deputados e Senado Federal. No que diz respeito a arrecadação de recursos para as campanhas eleitorais ainda há muitas irregularidades a serem sanadas. Deve haver um controle mais rígido na verificação da origem dos recursos que os candidatos e partidos arrecadam.
Acerca da prestação de contas eleitorais, constitui-se uma ferramenta do Poder Judiciário de suma importância, visto que dá um caráter de credibilidade e transparência entre os próprios candidatos e também para os eleitores. Os candidatos tem um prazo estabelecido em lei para prestar as contas perante a Justiça Eleitoral, caso ocorra atraso poderá ser penalizado conforme a regulamentação e pode até mesmo ficar impedido de receber o diploma caso seja eleito. As normas eleitorais prestam um auxílio aos candidatos à eleição, uma vez que eles podem ser amparados por seus respectivos partidos para realizarem a quitação das dívidas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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[1]Liliane de Moura Borges. Advogada. Mediadora de Conflitos. Professora Mestra do curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo/TO. E-mail: [email protected]
Bacharelando em Direito pela Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMPOS, Hugo Victório Lopes. A perspectiva das eleições ao longo do tempo no Brasil e as inovações do financiamento eleitoral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jun 2022, 04:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58692/a-perspectiva-das-eleies-ao-longo-do-tempo-no-brasil-e-as-inovaes-do-financiamento-eleitoral. Acesso em: 22 nov 2024.
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