ANA PATRÍCIA RODRIGUES PIMENTEL[1]
(orientadora)
RESUMO: O presente artigo analisa a regulamentação do trabalho infantil artístico no ordenamento jurídico brasileiro com o fim de verificar se é possível a sua autorização ante à proibição constitucional e como são resguardados os direitos protetivos à infância e juventude nesse caso. À luz de jurisprudências, discute se a competência para autorização do trabalho infantil pertence à justiça comum ou à justiça do trabalho. Este estudo teve como objetivo analisar a legislação e a jurisprudência direcionadas à temática. A pesquisa foi realizada por meio do método dedutivo, precipuamente pela análise bibliográfica e documental. Conclui que, em exceção à proibição ao trabalho infantil, é possível a autorização para o trabalho infantil artístico, que será dada individualmente pelo Juiz do Trabalho, responsável por determinar as condições em que esse labor ocorrerá, considerando a proteção da criança e seus direitos.
PALAVRAS-CHAVE: Proteção da criança e do adolescente. Relação de trabalho. Trabalho infantil artístico.
ABSTRACT: This article analyzes the regulation of artistic child labor in the brazilian legal system in order to verify whether its authorization is possible under the constitutional prohibition and how the protective rights to children and youth are safeguarded in this case. In the light of jurisprudence, it discusses whether the competence to authorize child labor belongs to the common justice or to the labor justice. This study aimed to analyze the legislation and jurisprudence directed to the theme. The research was carried out through the deductive method, mainly through the bibliographic and documentary analysis. It concludes that, with the exception of the prohibition on child labor, authorization for artistic child labor is possible, which will be given individually by the Labor Judge, responsible for determining the conditions under which this work will take place, considering the protection of the child and its rights.
KEYWORDS: Artistic child labor; child and teenager protection; work relationship.
1.INTRODUÇÃO
O presente artigo versa sobre a delicada e complexa temática do trabalho infantil artístico e seu tratamento legal no direito brasileiro, uma vez que o trabalho infantil é expressamente proibido em diversos dispositivos da legislação pátria como medida de proteção à infância e à juventude, com vedação inclusive no texto constitucional.
O assunto tem sua relevância extraída do destaque dado à proteção da infância pela Constituição Federal e pela interpretação constitucional da Consolidação das Leis do Trabalho e do Estatuto da Criança e do Adolescente, que se opõem ao trabalho infantil ao entenderem a criança e o adolescente como sujeitos de direito dignos de maior atenção em virtude de sua condição peculiar como pessoas em desenvolvimento.
Ainda que seja a regra, a proibição não aparenta ser absoluta, dado que não é incomum ver crianças participando de campanhas publicitárias ou mesmo de telenovelas e demais trabalhos artísticos, o que leva ao questionamento: como é regulado o trabalho infantil artístico no ordenamento jurídico pátrio e resguardados os direitos protetivos à infância e à adolescência?
Para responder à questão faz-se necessário analisar as legislações e as jurisprudências aplicáveis ao trabalho infantil no meio artístico no Brasil, a fim de que se verifique como ocorre o processo de autorização para essa modalidade de trabalho e como é garantida a proteção à criança e ao adolescente inseridos nessa relação.
Em relação à metodologia adotada, o presente estudo baseou-se nas pesquisas bibliográfica e documental, voltado à leitura e análise de livros, revistas, artigos científicos, legislação, regulamentos e jurisprudências que abordassem o trabalho infantil e suas particularidades.
A respeito da espécie de pesquisa, no que tange aos objetivos, seu caráter é exploratório, visto que se direciona à obtenção e produção de conhecimentos acerca do tema. Quanto à abordagem, caracteriza-se como qualitativa, pois investiga os dados de modo subjetivo, sem se valer de dados quantificados ou estatísticas. Tem natureza básica, pois é orientada para aumentar o conhecimento científico acerca do trabalho infantil no âmbito das artes.
No primeiro capítulo é trabalhado breve histórico sobre o trabalho infantil e o avanço de sua regulamentação no Brasil no decorrer dos anos, culminando na Constituição de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Discorre também a respeito da possibilidade de autorização do trabalho infantil artístico e de seu procedimento.
O segundo capítulo aborda a problemática concernente ao juízo competente para processar e julgar as autorizações do trabalho infantil, matéria que não é uniformizada entre os órgãos jurisdicionais brasileiros. São expostas as duas posições principais: defensores da competência da justiça comum e defensores da competência da justiça do trabalho.
No terceiro capítulo são desenvolvidos os mecanismos de proteção para as crianças e adolescentes na relação de trabalho, como a adequação do ambiente para a jornada de trabalho, a garantia dos direitos trabalhistas dos artistas mirins e o acompanhamento do contrato de trabalho pelas autoridades judiciárias.
2.O TRATAMENTO JURÍDICO DO TRABALHO INFANTIL ARTÍSTICO NO BRASIL
O trabalho infantil fez-se presente nas culturas e sociedades desde o início da história humana. Primeiro, no âmago familiar, sem qualquer diferenciação ou apreciação das características e peculiaridades da criança em relação aos membros adultos da família no desempenho das tarefas, como o cultivo de terras e a criação de animais. Após, com a modificação das relações mercantis e a migração dos trabalhadores do campo para a indústria, houve um crescimento massivo da utilização do trabalho infantil, que chegou a representar mais de um terço dos trabalhadores nas indústrias têxteis da Inglaterra no século XIX (TURTLE, 1999).
A indistinção entre o trabalho desempenhado por crianças e aquele operado por adultos perdurou em escala global até o advento da modernidade, quando, por motivos econômicos, sociais, filosóficos e religiosos foram editadas as primeiras medidas legais de proteção ao trabalho de menores, como o Act for the preservation of Health and Moral of Apprendices employed in cotton and other mills, datado de 1802, na Inglaterra. (SANTOS, 2006)
No Brasil, conforme explica Kassouf, o início do trabalho infantil deu-se por meio da escravidão, em razão dos filhos dos escravos os acompanharem nas atividades desempenhadas por eles, ainda que, por vezes, essas atividades extrapolassem a capacidade física. Mesmo com o fim da escravidão, o trabalho infantil perdurou através de seu emprego na indústria brasileira, especialmente em função da condição econômica precária que afetava muitas famílias.
Tão-somente no ano de 1927 é sancionada a primeira lei com o intuito de proteger a infância e a juventude nas terras brasileiras, com o Código de Menores. Sua edição decorreu de um movimento protecionista aos menores, com o progresso da legislação trabalhista ao redor do mundo rumo à proteção dos direitos humanos da criança e a consequente busca da erradicação do trabalho infantil (BRASIL, 1927).
O Código de 1927 foi o primeiro no ordenamento jurídico pátrio a definir uma idade mínima para desempenho do trabalho, estabelecendo a idade de 12 anos para qualquer espécie de trabalho, a idade de 16 anos para o labor em minas de subsolo e o mínimo de 18 anos para aqueles perigosos, insalubres ou noturnos. Estabeleceu também garantias de intervalos para descanso, frequência escolar e avaliações médicas (ANTONIASSI, 2008).
Adveio, então, a Constituição de 1934, que proibiu que adolescentes menores de 14 anos trabalhassem, bem como o trabalho noturno aos menores de 16 anos e permitiu o trabalho insalubre apenas para aqueles com mais de 18 anos (BRASIL, 1934).
A Constituição de 1946, em acréscimo às suas antecessoras, vedou o trabalho noturno e insalubre às crianças e adolescentes com menos de 18 anos. No entanto, permitiu a flexibilização judicial dessa proibição, conforme as necessidades concretas do trabalhador envolvido (BRASIL, 1946).
Por meio da Constituição de 1967, outorgada no curso da Ditadura Militar de 1964, a idade mínima para laborar voltou a ser de 12 anos. Em 1979 foi aprovado o novo Código de Menores, que não trouxe grandes novidades para a proteção da criança e do adolescente (BRASIL, 1967).
Já em 1988, com a promulgação da chamada “Constituição Cidadã”, foi adotada a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente como direito social, o que garantiu com absoluta prioridade seus direitos fundamentais. Essa proteção culminou na Emenda Constitucional nº 20/98, que proibiu o trabalho para aqueles com idade inferior a 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos (BRASIL, 1988).
A Lei nº 8.069/90 instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dotado da nova roupagem constitucional e do princípio da proteção integral em seus institutos.
Verifica-se, então, com base no ordenamento jurídico brasileiro, que a proibição do trabalho infantil é a regra adotada. Mesmo com as proibições legais, é notável a participação de crianças no mercado de trabalho nas mais variadas formas: espetáculos de circo; apresentações musicais; campanhas publicitárias; atuando em teatros; gravações de filmes, novelas; dentre outras relações de trabalho.
A atividade artística profissional, por mais que não seja realizada necessariamente com fins lucrativos, ainda assim é configurada como um trabalho. Apesar disso, não é elencada qualquer ressalva ou exceção à proibição ao trabalho infantil pela Constituição Federal que permita o exercício do trabalho artístico. Assim como na CRFB/88, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Consolidação das Leis do Trabalho não abordam exceções à proibição do trabalho aos menores de 14 anos.
Ainda que o trabalho exercido por crianças seja proibido, o labor infantil ainda ocorre nessas atividades consideradas artísticas, sem qualquer oposição do Estado. Isto ocorre em função da Convenção nº 138 da Organização Internacional do Trabalho que, em seu art. 8º, permite em caráter excepcional, mediante autorização individual, a exceção para a proibição do trabalho infantil no meio artístico (OIT, 1973).
Essa autorização é dada pelo Poder Judiciário, que concede alvará judicial considerando o caso concreto, com especificações e limitações acerca da atuação da criança no ambiente de trabalho. Conforme se nota no voto da Desembargadora Federal do Trabalho Anelia Li Chum, relatora do processo nº 00980.2009.382.02.00-1, que tramitou perante TRT da 2ª Região, o alvará pode ser revogado no caso da violação de alguma de suas cláusulas (BRASIL, 2010).
Quando da concessão do alvará, ressalta-se a necessária observância dos critérios estabelecidos no §1º do art. 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como a existência de instalações adequadas, a adequação do ambiente a eventual participação ou frequência de crianças e adolescentes e a observância dos princípios de proteção aos infantes (BRASIL, 1990).
Pelo que se depreende do julgamento do Recurso Ordinário nº 0021701-09.2014.5.04.0028, do TRT da 4ª Região, o alvará judicial concedido ao trabalhador mirim tem caráter específico, com objeto delimitado para cada contrato de trabalho a ser celebrado (BRASIL, 2015).
O caráter específico de cada alvará é confirmado em análise à Apelação de nº 0194826-82.2016.8.09.0052, julgada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que questiona sentença que delimitou os horários de atuação, os critérios para que seja permitido o trabalho, a proibição do exercício em atividades insalubres, de má fama ou perigosos, bem como a exigência de acompanhamento por um responsável legal (BRASIL, 2018).
O trabalho infantil artístico, portanto, só poderá ser exercido em caráter excepcional e de modo individualizado e específico, sendo indispensável a apreciação judicial da situação, mesmo que as atividades que serão desenvolvidas possuam caráter esporádico ou temporário, limitando-se a eventos pontuais. Isso ocorre em razão da proteção direcionada ao trabalho infantil, conforme exarado na argumentação da Reclamação nº 19164 MC/STF (BRASIL, 2016).
Em consideração à especificidade de cada alvará, é fundamental a fiscalização de seu cumprimento. Destaca-se a atuação do Ministério Público do Trabalho - MPT, por meio da COORDINFÂNCIA, coordenadoria responsável pelo combate ao trabalho infantil. Nos autos acima citados, é comum a participação do MPT por meio da propositura de Ações Civis Públicas e Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) em face das empresas que empregam as crianças, com o fim de coibir violações e lograr a revogação dos alvarás desrespeitados (MATOS, 2015).
Matos (2015) aponta que o MPT, em relação ao trabalho infantil, desenvolve suas atividades por linhas de atuação, com dimensões preventivas, repressivas e pedagógicas. Na linha pedagógica, o Parquet providencia a inserção ou o retorno da criança às atividades escolares.
A respeito das linhas preventiva e repressiva, Perez (2006) expõe que o MPT de forma preventiva investiga eventuais explorações de trabalhadores infantis, decorrentes de denúncias ou de investigação própria. Já em sua abordagem repressiva, há a instauração de inquéritos civis, ajuizamento de ações civis públicas e direcionamento aos Ministérios Públicos no âmbito estadual e federal, de modo a responsabilizar os ilícitos na seara penal.
Notável a presença de ambas as linhas de atuação no bojo do Recurso de Revista nº 882-56.2015.5.02.0033, de relatoria do Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte. No caso, o MPT verificou o envolvimento de um artista mirim em shows noturnos sem o acompanhamento dos pais ou responsáveis, bem como o uso de músicas inadequadas à faixa etária durante a apresentação, o que levou ao requerimento de tutela preventiva inibitória, as respectivas astreintes e indenização por dano moral coletivo (BRASIL, 2019).
Ainda no citado Recurso de Revista, assevera-se o papel que o juiz detém de avaliar a possibilidade danosa que a relação de trabalho terá ao desenvolvimento do menor quando da concessão do alvará. O magistrado deverá sempre assegurar, diante da relação de trabalho, a integridade física e moral das crianças e adolescentes.
Segundo o artigo 227 da Constituição Federal, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, direito à vida, à saúde, à alimentação, lazer, dignidade, profissionalização, dentre outros.
Os princípios, como a prioridade absoluta e a proteção integral, devem ser ponderados também pelo juiz responsável por autorizar o trabalho infantil na modalidade artística, de modo a estabelecer limites que respeitem a condição peculiar da criança e do adolescente e assegurem o cumprimento das condições gerais impostas por lei.
Observa-se, portanto, que a Convenção nº 138 da OIT trouxe uma notável exceção para a proibição do labor infantil consignada no texto constitucional e no Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que em caráter de excepcionalidade. De modo que o trabalho infantil adquiriu nova roupagem no contexto legal brasileiro, partindo da absoluta proibição àqueles que não atuavam como aprendizes para a permissão judicial após análise do caso concreto.
Conforme advogam Feliciano e Pessoa (2016), muitas dessas autorizações foram conduzidas sem o devido cuidado e exame do interesse da criança e do adolescente, o que conduz à indagação do juízo competente para autorizar essa relação de trabalho, pois este deve ponderar a situação específica de cada relação trabalhista para a concessão da autorização.
Surge, assim, a divergência sobre se a competência para autorizar e discutir as relações de trabalho envolvendo crianças, bem como os conflitos delas decorrentes, pertence ao Juízo da Infância e da Juventude ou ao Juízo do Trabalho.
3.A AUTORIZAÇÃO PARA O TRABALHO DO ARTISTA MIRIM E A SUA COMPETÊNCIA
A controvérsia acerca da competência judicial para autorizar, bem como para processar e julgar as relações de trabalho infantil artístico é debatida nos tribunais pátrios e nos espaços acadêmicos, em especial porque não há definição legislativa exata de que juízo deve apreciar tais questões, de modo que a interpretação é dada a partir dos dispositivos do ECA e da Carta Constitucional.
Em discussão sobre o órgão competente para autorizar o trabalho artístico, Arruda, Correa e Oliva (2015) defendem ser do Juiz do Trabalho a competência para tanto, em virtude do advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, responsável por dar maior amplitude à atuação e competência da Justiça do Trabalho.
Antes da edição da Emenda nº 45/2004, a Justiça do Trabalho cuidava tão-somente de regular as relações trabalhistas em sentido estrito, a saber, as relações de emprego, com o preenchimento dos requisitos elencados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A partir de então, ocorreu a expansão de sua competência para abranger as relações de trabalho em sentido amplo e os dissídios delas decorrentes, como é o caso do processamento e julgamento dos movimentos paredistas, que antes não eram contemplados pela jurisdição trabalhista.
Com a alteração promovida pela emenda, ficou previsto no artigo 114, I, da CRFB/88, ser da competência da justiça trabalhista processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, em sentido amplo. Para os defensores da posição que a autorização deve ser concedida pelo Juízo do Trabalho, a expansão advinda da EC nº 45/2004 teve grande impacto positivo, dado que franqueou à justiça especializada uma maior abrangência (BRASIL, 1988).
Nessa linha de raciocínio, Feliciano e Pessoa (2016) citam a tese aprovada no XIII Congresso Nacional de Magistrados do Trabalho (CONAT) que, com participação de 913 magistrados trabalhistas no Brasil, asseverou ser a autoridade competente para apreciar os pedidos de autorização para o trabalho artístico de crianças e adolescentes o Juiz do Trabalho.
Defendem, então, que a autorização dada pela jurisdição trabalhista foi construída e consolidada no curso do tempo por meio da interação entre diversas instituições, como os Ministérios Públicos e as Varas Trabalhistas.
Filiado ao entendimento de ser competente a jurisdição trabalhista, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região editou o Ato GP nº 19/2013 e o Provimento GP/CR nº 07/2014. Segundo essas regulamentações, ficaria instituída na Justiça do Trabalho da região uma vara específica para decidir os processos de alvarás e os procedimentos que deveria adotar, como a remessa dos pedidos ao Ministério Público do Trabalho (BRASIL, 2014).
Além do TRT2, outros tribunais regionais comungavam dessa visão, como é o caso do Ministério Público – MP e Ministério Público do Trabalho - MPT do Mato Grosso, TRT5 e do Ministério Público de São Paulo, signatários da Recomendação Conjunta nº 1/2014, que direciona a propositura das ações que objetivam a autorização para o trabalho infantil artístico na seara trabalhista. No entanto, após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5326, os regulamentos administrativos que regulavam o recebimento dos pedidos pela Justiça do Trabalho foram revogados (BRASIL, 2018).
É levantada também a posição de a competência pertencer ao Juízo da Infância e Juventude, visto que, para alguns autores, a autorização para o trabalho não estaria compreendida no conceito de relação de trabalho, mas cuidaria da fase imediatamente anterior, o que confirmaria a competência da justiça comum para a expedição de alvará.
Assim como a competência para autorização para participação em eventos é da justiça comum, Vilela (2015) informa que a concessão do alvará será realizada pelo Juiz da Infância e Juventude, o que faz baseada na interpretação conjunta dos artigos 146 e 149 do ECA e entendendo a concessão de alvarás como requerimento de jurisdição voluntária, portanto, objeto da justiça comum.
O art. 146 do ECA define o Juiz da Infância e da Juventude como a autoridade responsável para realizar as autorizações e concessões previstas na lei. Por sua vez, o art. 149 versa sobre a autorização dada para criança ou o adolescente participarem de eventos artísticos, esportivos, espetáculos públicos e certames de beleza (BRASIL, 1990).
O Superior Tribunal de Justiça, no Conflito de Competência nº 110378, entendeu ser da competência da justiça comum processar e julgar os pedidos de autorização para menores de idade trabalharem em festas, eventos e espetáculos, justamente por interpretar ser procedimento especial de jurisdição voluntária, sem vislumbre de caráter trabalhista no pedido (BRASIL, 2010).
Nesse sentido, a ADI 5326, de relatoria do ministro Marco Aurélio, definiu que a competência para autorizar a participação da criança e do adolescente em eventos artísticos pertence à Justiça da Infância e Juventude, pois a controvérsia ainda não envolveria uma relação de trabalho, mas estaria no campo da jurisdição voluntária. Essa participação não se confunde com a concessão do alvará, que marca o início da relação trabalhista, sobretudo no que concerne aos objetivos de cada um dos institutos jurídicos (BRASIL, 2018).
Os defensores filiados a essa posição, também baseados nos artigos supracitados, sustentam que o alvará é a condição para a relação de trabalho ter início, de modo que, por ainda não estar configurada a relação, a competência trabalhista para o feito não é aplicada. Nessa linha, a Justiça do Trabalho só começaria a regular a relação a partir do início do trabalho do infante, após a emissão do alvará na justiça comum (VILELA, 2015).
Em contrapartida, os defensores da competência da jurisdição trabalhista sustentam que, por ser o juiz do trabalho o responsável por regular todos os dissídios da relação de trabalho, deve poder também expedir o alvará para permitir o ingresso da criança ou do adolescente nessas relações (VILELA, 2015).
No Recurso de Revista nº 882-56.2015.5.02.0033, o Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a competência trabalhista para apreciar as questões relativas ao trabalho infantil artístico posteriores à autorização, em consonância com o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2019).
Ainda no Recurso de Revista supracitado restou consignado que a autorização dada pela justiça comum diz respeito à entrada, permanência e participação de eventos de cunho artístico, diferentes da autorização para a prática de um trabalho. Essa questão também foi levantada no voto da ministra Rosa Weber na ADI 5326, que foi vencido (BRASIL, 2018).
Na oportunidade, a ministra defendeu a distinção entre a participação em eventos artísticos e o efetivo trabalho da criança, decorrente de uma contratação ou da tomada de serviços:
Em outras palavras: não se revestindo o trabalho infantil de essência lúdica, própria das atividades artísticas educacionais ou recreativas, em que a criança ou adolescente é protagonista, revestindo-se, sim, de caráter subordinado e econômico, em que a atuação artística é coordenada por um terceiro que explora economicamente tal atividade, inafastável concluir pela existência ao menos de uma relação de trabalho, na qual a força de trabalho da criança ou adolescente, desempenhada em favor de outrem, se insere na esfera produtiva desse.
Essa relação de trabalho artístico infantojuvenil não guarda semelhança com as relações depreendidas do artigo 149 do ECA, referindo-se, sim, à relação entre trabalhador e tomador dos serviços ou entre empregado e empregador (BRASIL, 2018, p. 55)
Sustentou em seu voto que a autorização para o infante laborar deveria ser dada na seara trabalhista, fundamentada no art. 114 da Lei Fundamental, e que as participações em eventos cabiam à justiça comum, no entendimento do art. 149 do ECA.
Nota-se a imperiosa necessidade de distinção entre os requerimentos direcionados ao Judiciário. Pois, já que a autorização para que as crianças participem de eventos artísticos e a autorização para o labor possuem objetos jurídicos distintos, também devem ter sua definição de competência apreciada de modo distinto.
Em relação à participação do infante em eventos de caráter artístico, esportivo e certames de beleza, resta nítido que a competência é definida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em seus instrumentos. Quanto à concessão de alvará individualizado que permita o ingresso na relação de trabalho, há a divergência exposta, com argumentos consistentes em ambas as posições.
Resta consignar que, apesar do entendimento firmado pelo STF na ADI 5326, a questão da competência para autorizar as crianças vinculadas a essa exceção ao trabalho infantil não foi encerrada, vez que o julgado referiu-se precipuamente à participação nos eventos artísticos, conforme estabelecido pelo ECA (BRASIL, 2018).
Pelo histórico firmado nas decisões judiciais e políticas institucionais dos órgãos públicos responsáveis por fiscalizar as relações trabalhistas, a interpretação acerca da competência tem mais robustez para apontar o Juiz do Trabalho como a autoridade adequada para a concessão de alvarás, dado que poderá fiscalizar e acompanhar a delicada relação de trabalho desde seu início.
4.A PROTEÇÃO DA CRIANÇA FRENTE À RELAÇÃO DE TRABALHO
Uma vez autorizada a relação de trabalho infantil artístico, os princípios, como a prioridade absoluta e a proteção integral, devem ser ponderados de modo firme pelo juiz responsável pela autorização, para estabelecer limites que respeitem a condição peculiar da criança e do adolescente e assegurem o cumprimento das condições gerais impostas pela lei.
Marques (2009) advoga pela permissão do trabalho infantil artístico com claras limitações, em obediência ao princípio da proteção integral e da prioridade absoluta dos interesses da criança e do adolescente. Para o autor, o caráter sociocultural e artístico da atividade laboral deve ser acentuado na relação de trabalho, com o fim de contribuir com a formação pessoal do trabalhador mirim. Pondera também que a permissão deve ser encarada como uma exceção, não como regra.
Essa discussão é de grande importância, especialmente em virtude do respeito ao estágio de desenvolvimento em que os artistas mirins estão integrados e a proteção especial que o texto constitucional concedeu aos menores. Alkimin e Nascimento (2018) abordam o cuidado necessário em virtude da exposição das crianças nesse contexto em situações estressantes, que podem comprometer sua infância e juventude por ocuparem o lugar que deveria ser destinado aos estudos e ao lazer.
O trabalho infantil, caso não seja devidamente fiscalizado e adequado às necessidades especiais desses humanos em situação de desenvolvimento, pode ter graves consequências na formação psicológica, física, motora, emocional e social dos trabalhadores mirins. Para Antoniassi (2008, p. 127), “a rigidez da disciplina, o constante receio de ser repreendida pelo empregador e a privação do convívio com pessoas de igual idade geram um desequilíbrio psicológico na criança que dificilmente se resolverá na idade adulta”.
Tratando-se de crianças e adolescentes, deve-se observar a construção da jornada de trabalho considerando o período de estudos, a estipulação de carga horária reduzida, flexibilização dos horários de trabalho e condições especiais para seu exercício, com o fim de que a ocupação não lhes seja prejudicial (ANTONIASSI, 2008).
Os alvarás concedidos, nesse sentido, devem usar de medidas de proteção como limitar o trabalho noturno a uma quantidade reduzida de horas, a depender da idade do trabalhador; não expor os menores a riscos de acidentes ou a manobras perigosas; determinar a obrigatoriedade de matrícula e frequência em uma instituição de ensino; restringir o conteúdo das apresentações à faixa etária adequada (BRASIL, 2018).
Júnior e Loiola (2018) discorrem sobre a defesa dada aos trabalhadores menores de dezoito anos pela CLT ao estipular as condições, turnos, contratos de aprendizagem e outros parâmetros com relação a seu trabalho.
Em sua pesquisa, os autores analisam a atuação do Ministério Público do Estado do Ceará em ação civil pública que objetivava a proibição do adolescente conhecido como Mc Pedrinho realizar apresentações musicais, diante do teor do trabalho desenvolvido nos shows, que feriam os princípios trazidos no ECA ao trazerem conotação sexual, erotismo e vulgaridades incompatíveis com a idade do menor (JUNIOR e LOILOLA, 2018).
Na decisão liminar prolatada no caso, foi considerado o teor prejudicial do trabalho desempenhado pelo Mc Pedrinho, listado como uma das piores formas de trabalho infantil, conforme o Decreto 6.481/2008. Diante disso, em defesa ao adolescente, acolheu a pretensão ministerial e proibiu aquelas apresentações (JUNIOR e LOILOLA, 2018).
Observa-se, pois, que o trabalho artístico deve ser compatível com as disposições direcionadas à preservação da dignidade da criança, suas necessidades pedagógicas, sua segurança e saúde e com as restrições impostas por lei. Caso isso seja desrespeitado, torna-se necessária a intervenção de órgãos como o Ministério Público e o Conselho Tutelar, analisando as ações possíveis em cada caso.
Cabe ao Ministério Público, como guardião da ordem jurídica, a fiscalização e acompanhamento das autorizações judiciais para assegurar seu cumprimento e evitar os danos ocorridos com eventuais violações.
Neto e Marques (2013) propõem a atuação dos Ministérios Públicos dos Estados e do Ministério Público do Trabalho de modo conjunto, para que seja alcançada a responsabilização civil e criminal dos responsáveis pela criança e a responsabilização trabalhista e civil dos beneficiários do trabalho artístico procedido em desconformidade com os alvarás.
Cuidando da defesa na jornada de trabalho, a Convenção 138 da OIT estabelece, no item 2 do artigo 8º, que as permissões concedidas para o trabalho infantil artístico limitarão o número de horas das funções autorizadas, bem como prescreverão as condições em que o labor poderá ser realizado (OIT, 1973).
Ressalta-se que as condições serão estabelecidas de acordo com cada situação concreta, com o intuito de adequar-se às necessidades e peculiaridades específicas. É o caso da Apelação Cível nº 0194826-82.2016.8.09.0052, que tramitou perante o Tribunal de Justiça do Estado do Goiás (BRASIL, 2018).
No recurso, em reforma à sentença de primeiro grau, o tribunal entendeu ser possível que o adolescente cuja jornada de trabalho estava sendo discutida realizasse apresentações musicais até o início da madrugada, mas manteve a obrigatoriedade de estar acompanhado de um dos genitores, que havia sido estabelecida na sentença. Ademais, confirmou a limitação de dois shows por semana, com o máximo de quatro horas de duração, e a vedação de apresentações em locais insalubres, perigosos ou de má-fama (BRASIL, 2018).
Consoante demonstrado no feito acima, o inicialmente determinado nos alvarás pode ser revisto à luz de novos fatos, vantagens ou se verificada uma menor prejudicialidade para os infantes incluídos. Tanto na concessão quanto na revisão dos alvarás, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como do melhor interesse da criança e do adolescente e da proteção integral têm de orientar a decisão judicial, propriamente fundamentada.
Baldi, Carvalho e Chinelato (2020, p. 56), abordando o assunto, aduz que o trabalho infantil artístico “deve ser norteado por todos os instrumentos e fundamentos de proteção, dado que a finalidade primordial, ao contratar crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento, deve ser a proteção integral.”.
A doutrina da proteção integral da criança e do adolescente é a adotada pelo direito brasileiro e manifesta na carta fundamental de 1988 e no ECA, que os considera dignos de proteção especial em virtude da necessidade de assegurar seu desenvolvimento físico, psíquico, mental e social.
Essa é uma doutrina basilar, nomeadamente devido ao estado da criança como pessoa em desenvolvimento, com uma vulnerabilidade maior e uma maturidade menor que os adultos, um ser em estágio de formação do seu caráter, personalidade e de seu perfil social, além dos limitadores físicos, dado que estão desenvolvendo seu corpo e crescendo em suas capacidades em diversas áreas.
Antoniassi (2008) define a doutrina da proteção integral como um sistema de concessões à criança, que é vista como sujeito de direitos e não como mero objeto de intervenção jurídica. As concessões, segundo ela, são necessárias para a fruição de seus direitos originários e fundamentais.
Sem essas concessões, os artistas mirins são expostos a sérios riscos na sua relação de trabalho. Tanto aos riscos de consequências à sua formação e desenvolvimento, quanto riscos à garantia de seus direitos trabalhistas, assim como aqueles que decorrem diretamente da situação laboral em que participam.
Os riscos podem advir, por exemplo, dos ambientes em que ocorre o trabalho e do período prolongado de tempo que se toma dos artistas infantis. Como discorre Cavalcante (2012), essas situações são capazes de afetar a saúde, o desenvolvimento biopsicossocial e o aproveitamento escolar das crianças e adolescentes.
Os ambientes em que ocorrerá o desempenho das funções precisam ser adequados para preservar a saúde e a segurança dos menores, fornecendo todos os subsídios necessários para que as atividades não sejam nocivas à sua formação.
O art. 149, §1º, alínea “e” do ECA, prevê que o ambiente será adequado à participação e frequência de crianças e adolescentes. Esta é uma disposição direcionada à participação em eventos, mas certamente é aplicável no caso de atividades profissionais, com um peso ainda maior (BRASIL, 1990).
Faz-se necessária a observância de garantias voltadas à proteção dos artistas mirins em seus contextos de trabalho, em respeito aos princípios consolidados no texto constitucional e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Segundo o artigo 227 da Constituição Federal, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, direito à vida, à saúde, à alimentação, lazer, dignidade, profissionalização, dentre outros (BRASIL, 1988).
Essa sistemática de coobrigação entre a família, a sociedade e o Estado será direcionada também à relação de trabalho em que está inserida a criança, para que esses direitos sejam observados, como é o caso do próprio direito à profissionalização, atestado no texto constitucional e sopesado com os demais direitos fundamentais.
Além das proteções relacionadas ao contexto de trabalho propriamente dito, é imperioso que a relação de trabalho infantil artístico assegure a observância de todos os direitos trabalhistas e previdenciários que dela decorrem, como o pagamento de adicional noturno e a indenização pelas horas extras, a contribuição para a seguridade social, dentre outros (BRASIL, 1943).
Quanto à relação de emprego, caracterizada pelos requisitos da subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade, previstos no art. 3º da CLT, é necessária ainda mais atenção à adequação das singularidades dos artistas infantis aos direitos dos empregados (BRASIL, 1943).
Um desses direitos é o de férias proporcionais, que preferencialmente devem ser concedidas no mesmo período das férias escolares. Há, além disso, a emissão de Carteira de Trabalho e Previdência Social e sua assinatura, o 13º salário, o seguro-desemprego e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), prerrogativas dos empregados, independentemente de sua idade (BRASIL, 1943).
Apesar de esse vínculo ter um caráter especial em comparação às demais relações trabalhistas em razão de ter uma criança envolvida, digna de tutela especial do Estado, ainda versará sobre um contrato de trabalho. É, pois, uma relação entre um contratante e um contratado, um tomador de serviços e um prestador deles, de modo que os direitos fruídos pelos trabalhadores comuns estendem-se aos artistas infantis nessa condição.
Todos os direitos trabalhistas do artista mirim devem ser observados e resguardados, principalmente pelo maior cuidado que deve ser dedicado a essa categoria de trabalhador. Nessa perspectiva ocorreu o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1428492 do Maranhão que, ao julgar fazer jus à pensão por morte menor sob guarda, corroborou a garantia dos direitos trabalhistas às crianças e adolescentes (BRASIL, 2018).
Em contrapartida à concessão dos direitos previdenciários, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) interpôs o Recurso Extraordinário nº 1225475 do Rio Grande do Sul, para que se reconheça que crianças e adolescentes não podem ser reconhecidos como segurados, pois a legislação previdenciária condiciona essa qualidade àqueles que têm idade igual ou superior a dezesseis anos (BRASIL, 2020).
No acórdão que rejeitou o pedido ficou definido que as normas de garantia do trabalhador não podem ser interpretadas em seu detrimento, como é o caso dos direitos previdenciários da criança e do adolescente que são autorizados a trabalhar. Antes, pelo entendimento do Supremo, deve ser aplicado à situação o princípio da universalidade de cobertura e do atendimento, que versa acerca da proteção de todas as pessoas pela Seguridade Social, de modo a abrigar a relação trabalhista infantil.
O entendimento firmado no julgado foi de notável relevância ao defender que normas protetivas não podem privar direitos, garantindo a extensão dos benefícios previdenciários aos menores que estão inseridos em uma relação de trabalho, como a contagem de tempo de serviço para aposentadoria ou a concessão de auxílio-doença, por exemplo.
É suficiente, por conseguinte, que o trabalho infantil esteja de fato configurado para que sejam estendidas a esses trabalhadores as garantias constitucionais e legais costumeiras de qualquer outra forma de trabalho, independente de qualquer restrição de idade para os benefícios. Dado que, uma vez autorizados a laborar, necessitam da mesma salvaguarda jurídica aplicável ao regime empregatício comum.
Desse modo, são necessárias proteções para as crianças e adolescentes na determinação das circunstâncias de seu trabalho, no ambiente em que será exercido o labor e também nas consequências jurídicas decorrentes dessa relação, respeitados a dignidade da pessoa humana e resguardados os seus direitos.
As proteções serão observadas pelo juiz que conceder o alvará autorizando o trabalho infantil artístico, ao delimitar as atividades que poderão ser exercidas e o modo de seu exercício, em atenção à compatibilidade com a condição de cada criança e adolescente. Tais proteções também serão fiscalizadas pelos Ministérios Públicos, desde as condições determinadas no alvará e mesmo até seu cumprimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme a dignidade da pessoa humana da criança e a sua condição peculiar de indivíduo em desenvolvimento passaram a ser reconhecidas em sociedade, foram tomadas providências para a proibição do trabalho infantil, previamente encarado como algo comum. Com as mudanças sociais, a proteção da criança e do adolescente logrou relevo a partir da criação de legislações voltadas a esse propósito.
Constata-se que não há nenhuma regulamentação específica que permita e oriente o trabalho infantil artístico no ordenamento jurídico pátrio. Antes, pela interpretação conjunta de dispositivos constitucionais, legais e de convenções internalizadas pelo Brasil, entende-se que é juridicamente possível sua autorização em caráter excepcional, como exceção à proibição ao trabalho infantil.
A autorização será dada por intermédio de alvará judicial, de forma individualizada e adequada a cada caso concreto, com a imposição de condições e limites ao exercício do trabalho pelo menor. O alvará que permitir o trabalho infantil artístico poderá ser revisto ou revogado a qualquer tempo, seja para adequar-se a uma nova situação, seja em razão de seu descumprimento.
A competência para processar e julgar o pedido de concessão do alvará, bem como para acompanhar o contrato de trabalho será da Justiça do Trabalho, ramo especializado da justiça destinado ao julgamento das causas trabalhistas. A definição de competência da jurisdição trabalhista tem caráter mais benéfico para os artistas mirins do que justiça comum, pois poderá conduzir a relação desde sua autorização até o eventual término, garantidora de maior segurança jurídica para eles.
Na expedição do alvará e em todo o período do labor serão considerados os princípios da proteção integral e o melhor interesse da criança e do adolescente, de modo a conformar a jornada de trabalho às suas necessidades físicas, psíquicas e emocionais. Do mesmo modo, a proteção consistirá na garantia de todos os direitos trabalhistas e previdenciários oriundos da relação, dado que, como relação de trabalho que é, necessita da salvaguarda legal, em especial para assegurar a defesa da parte hipossuficiente. No caso, o trabalhador mirim.
Além do juiz, a família, a sociedade, o conselho tutelar e o Ministério Público têm a incumbência constitucional de promover a defesa dos direitos da criança e do adolescente, o que abrange a seara do trabalho infantil artístico. Por meio da atuação conjunta e coordenada de todos, a proteção será efetivamente promovida e quaisquer danos, mitigados.
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[1] Graduada em Direito pela Universidade Regional de Gurupi (2003). Especialista em Direito Tributário; Em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; Em Direito Civil e Processo Civil, ambos pela Fundação Universidade do Tocantins – UNITINS. Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins – UFT. Professora Adjunta, vinculada mediante concurso público a Universidade Federal do Tocantins – UFT. E-mail: [email protected]. ORCID ID https://orcide.org/000-0002-79225725. Endereço de correspondência: Quadra 208 Sul (ARSE 23), Alameda 01, Lote 07, Residencial das Artes, Apartamento 303 – B, CEP 77.020-558, Palmas – TO.
graduado em Direito pela Universidade Federal do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Raimundo Sousa. A proteção e a regulamentação do trabalho infantil artístico no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jun 2022, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58744/a-proteo-e-a-regulamentao-do-trabalho-infantil-artstico-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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