RESUMO: A Defensoria Pública tem a missão de prestar o serviço de assistência jurídica, de forma integral e gratuita, ao necessitados. O presente trabalho buscará analisar a possibilidade de a Defensoria Pública de Sergipe receber honorários advocatícios em face do Estado de Sergipe, expondo a divergência entre o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, bem como as legislações nacional e estadual. Para tanto, serão apresentadas as noções conceituais sobre a instituição, a evolução do acesso à assistência jurídica, os modelos de prestação de assistência judiciária e jurídica, por fim, será feita uma análise sobre os entendimentos do STF e STJ, bem como da leis nacional e estadual.
Palavras-chave: Defensoria Pública. Acesso à Justiça. Autonomia. Honorários Advocatícios.
RESUMEN: La Defensoría Pública lleva la misión de prestar el servicio de asistencia jurídica, de forma integral y gratuita, a los necesitados. El presente trabajo buscará analizar la posibilidad de la Defensoría Pública de Sergipe recibir honorarios de abogados enfrente del Estado de Sergipe, exponiendo la divergencia entre el Superior Tribunal de Justicia y el Supremo Tribunal Federal, así como las legislaciones nacional y estadual. Para tal fin, serán presentadas las nociones conceptuales sobre la institución, la evolución del acceso a la asistencia jurídica, los modelos de prestación de asistencia judicial y jurídica, por fin, se hará un análisis sobre los entendimientos del STF y STJ, así como de las leyes nacional y estadual.
Palabras clave: Defensoría Pública. Acceso a la Justicia. Autonomía. Honorarios de abogados.
INTRODUÇÃO
A Defensoria Pública tem a função de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, conforme estabelecido na Constituição Federal.
Os modelos de prestação de assistência jurídica e gratuita são o pro bono, o judicare, o salaried staff ou público e o misto.
No pro bono, a prestação de assistência gratuita é feita por profissionais liberais como advogados, à título caritativo, ou seja, não há nenhuma espécie de contraprestação. No modelo judicare, a assistência é custeada pelo Estado, mas sua prestação é realizada por advogados particulares. Já o modelo salaried staff ou público, compete ao Estado a instituição de um órgão que exercerá de forma exclusiva o múnus de promover a assistência jurídica à população necessitada. Esse é o modelo adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. O modelo misto reúne os modelos anteriores, havendo tanto a estruturação de um órgão de carreira pública como o pagamento de advogados para atuarem em determinadas causas, conhecidos como advogados dativos.
Um dos pontos mais relevantes da normativa constitucional da Defensoria Pública se refere à autonomia da instituição, no sentido de que ela pode atuar seja a nível administrativo, funcional e orçamentário, sem ingerências externas, ou seja, a concretização da instituição como um órgão autônomo e independente.
A EC 45/04 garantiu autonomia para as Defensorias Públicas estaduais, a EC 69/12 assegurou autonomia para a Defensoria Pública do Distrito Federal e a EC 74/13 garantiu para a União. Nesse viés, discute-se acerca da possibilidade de a Defensoria Pública receber honorários advocatícios em face do ente federativo ao qual pertença, sendo que o STF e o STJ possuem entendimentos divergentes e a Lei Estadual de Sergipe destoa do regramento nacional.
Dessa forma, diante da importância desse tema, o objeto de estudo do presente trabalho se centrará na divergência entre os Tribunais Superiores e no regramento das leis nacional e estadual.
Para a realização de tal análise, em um primeiro momento, serão apresentadas as noções conceituais da instituição, a evolução do acesso à prestação jurídica e os modelos de prestação de assistência judiciária e jurídica. Depois, em um segundo momento, serão analisados os entendimentos apresentados pelas Cortes Superiores. Por fim, serão abordados o regramento da Lei Nacional e Estadual, realizando-se uma crítica pelo de fato de o dispositivo estadual ferir a autonomia da Defensoria Pública assegurada constitucionalmente.
Para alcançar o estudo proposto será utilizado o método dedutivo, realizando uma abordagem qualitativa, e utilizando-se de fontes como livros doutrinários, artigos científicos e jurisprudência.
1 A EVOLUÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA
Segundo a Constituição Federal, a Defensoria Pública é uma instituição que tem a missão de prestar o serviço de assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem insuficiência de recursos.
Os mestres Diogo Esteves e Franklyn Roger (2018, p. 51) discorrem sobre a evolução da assistência jurídica e judiciária no Brasil que remonta às Ordenações Filipinas, em 1595, em que não havia uma disposição expressa acerca da gratuidade de justiça, mas previam o direito à isenção de custas para a impetração de agravo e livravam os presos pobres do pagamento dos feitos em fossem condenados. Os referidos autores comentam:
(...) No Brasil, a gratuidade de justiça e a assistência jurídica gratuita têm suas origens mais remotas fincadas nas Ordenações Filipinas, sancionadas em 1595 durante o domínio castelhano de Filipe P. A matéria era regulada de forma secundária e assumia a condição de beneplácito régio dirigido aos miseráveis e às vítimas de pobreza extrema, como decorrência da influência vertida pelas tradições canônicas. Embora não tratasse da questão da gratuidade de justiça de maneira sistemática, as ordenações previam o direito à isenção de custas para a impetração de aggravo (Livro III, Título LXXXIV, Parágrafo 10)3 e livravam os presos pobres do pagamento dos feitos em que fossem condenados (Livro I, Título XXIV, Parágrafo 43)
A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar da matéria, ao instituir a obrigatoriedade da União e aos Estados conceder assistência judiciária aos necessitados, bem como a criação de órgãos especiais, assegurando a isenção de emolumentos, custas e taxas.
A Constituição de 1937 foi omissa em relação ao tema. A de 1967 retirou a obrigatoriedade do Poder Público em assegurar assistência judiciária, estabelecendo tão somente que essa assistência deveria ser concedida na forma da lei.
Por fim, a Constituição Federal de 1988 adotou o modelo público, no sentido de que cabe ao Estado garantir a prestação de assistência jurídica aos necessitados por meio da Defensoria Pública, uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado.
Vale destacar a distinção entre os conceitos de gratuidade de justiça, assistência judiciária e assistência jurídica.
A gratuidade de justiça consiste na dispensa provisória do pagamento de custas e emolumentos para os hipossuficientes, ocorrendo dentro e fora do processo. É o que dispõe o artigo 98 do Código de Processo Civil:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. (CPC, 2015).
Já a assistência judiciária consiste na possibilidade de representação endoprocessual de pessoas hipossuficientes dentro do processo. E a assistência jurídica se refere à possibilidade de representação endo e extraprocessual de pessoas hipossuficientes, sendo realizada em processos administrativos, conciliação e mediação, acordos extrajudiciais e em processos judiciais.
2 MODELOS DE PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA
Segundo Caio Paiva e Tiago Fensterseifer (2019, p.40), há muitos modelos de prestação de assistência jurídica e gratuita, sendo os mais conhecidos o pro bono, o judicare,, o salaried staff ou público e o misto.
No pro bono, a prestação de assistência gratuita é feita por profissionais liberais como advogados, à título caritativo, ou seja, não há nenhuma espécie de contraprestação.
No modelo judicare, a assistência é custeada pelo Estado, mas sua prestação é realizada por advogados particulares.
Caio Paiva e Tiago Fensterseifer (2019, p.40) comentam que “costuma-se apontar como vantagem desse modelo a possibilidade de a pessoa necessitada escolher o advogado particular que irá patrocinar a sua causa, garantindo-se um vínculo de confiança que supostamente inexistiria na indicação compulsória do profissional pelo Estado”.
Já o modelo salaried staff ou público, compete ao Estado a instituição de um órgão que exercerá de forma exclusiva o múnus de promover a assistência jurídica à população necessitada. Esse é o modelo adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, conforme o artigo 134 da Constituição Federal, exercido pela Defensoria Pública. Os mencionados autores comentam (2019, p. 40):
O salaried staff model pode ser considerado como o modelo oposto ao judicare, e isso porque nele os advogados integram uma carreira pública (não são profissionais liberais), recebem uma remuneração fixa independentemente da quantidade de casos que assumem (o pagamento não é feito, portanto, para cada caso concreto) e são designados para atuar com base em critérios objetivos (não há liberdade de escolha para a pessoa necessitada).
Por fim, o modelo misto reúne os modelos anteriores, havendo tanto a estruturação de um órgão de carreira pública como o pagamento de advogados para atuarem em determinadas causas, conhecidos como advogados dativos.
Vale destacar que, no Brasil, vigora um modelo híbrido na prática, pois ainda que a Constituição Federal adote o modelo público, quando não for possível a atuação da Defensoria Pública, poderá haver nomeação de advogados privados custeados pelo Estado, ou seja, nos locais onde não há a presença da Defensoria Pública, vislumbra-se a atuação de advogados dativos.
Nesse ponto, menciona-se que o Supremo Tribunal Federal declarou ser inconstitucional que o serviço de “assistência jurídica gratuita” será feito primordialmente por advogados dativos e não pela Defensoria Pública.
Vejamos a ementa do caso:
É inconstitucional lei estadual que preveja que o serviço de “assistência jurídica gratuita” será feito primordialmente por advogados dativos e não pela Defensoria Pública. É possível a realização de convênio com a OAB para que esta desenvolva serviço de assistência jurídica gratuita por meio de defensoria dativa, desde que como forma de suplementar a Defensoria Pública ou de suprir eventuais carências desta. STF. Plenário. ADI 3892/SC, ADI 4270/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 14/3/2012 (Info 658).
3 POSSIBILIDADE DE A DEFENSORIA PÚBLICA RECEBER HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FACE DO ÓRGÃO PÚBLICO AO QUAL PERTENÇA
3.1 – DEFENSORIA PÚBLICA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O artigo 134 da Constituição Federal, com a redação atual dada pela EC 80/2014, assim dispõe:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal . (Constituição Federal, 1988).
A Constituição Federal consagrou a missão da Defensoria Pública na promoção dos direitos humanos, como um instrumento do regime democrático e a defesa dos direitos dos necessitados, não só à nível econômico, mas organizacional, os chamados “hipervulneráveis”, conforme foi entendido pelo Superior Tribunal de Justiça:
A Defensoria Pública tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores idosos que tiveram plano de saúde reajustado em razão da mudança de faixa etária, ainda que os titulares não sejam carentes de recursos econômicos. A atuação primordial da Defensoria Pública, sem dúvida, é a assistência jurídica e a defesa dos necessitados econômicos. Entretanto, também exerce suas atividades em auxílio a necessitados jurídicos, não necessariamente carentes de recursos econômicos. A expressão “necessitados” prevista no art. 134, caput, da CF/88, que qualifica e orienta a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo. Assim, a Defensoria pode atuar tanto em favor dos carentes de recursos financeiros como também em prol do necessitado organizacional (que são os ‘hipervulneráveis’)”. (STJ. Corte Especial. EREsp 1.192.577-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 21/10/2015 – Info 57.
Além disso, a instituição contribuiu para o efetivo cumprimento dos direitos fundamentais elencados na Carta Magna. Caio Paiva e Tiago Fensterseifer (2019, p.49) comentam sobre o tema:
Esse foi o “espírito” que norteou a criação da Defensoria Pública brasileira na CF/88, de modo a garantir o efetivo exercício dos direitos fundamentais pelos indivíduos e grupos sociais necessitados (ou vulneráveis) em condições de igualdade material e fática, a fim de promover a superação dos óbices, sobretudo de natureza socioeconômica, que se opõem à efetividade dos seus direitos e ao desfrute de uma vida digna. A Defensoria Pública, portanto, é expressão desse novo paradigma jurídico social ou mesmo de um constitucionalismo social estabelecido pela CF/88.
Um dos pontos mais relevantes da normativa constitucional da Defensoria Pública se refere à autonomia da instituição, no sentido de que ela pode atuar seja a nível administrativo, funcional e orçamentário, sem ingerências externas, ou seja, a concretização da instituição como um órgão autônomo e independente.
A EC 45/04 garantiu autonomia para as Defensorias Públicas estaduais, a EC 69/12 assegurou autonomia para a Defensoria Pública do Distrito Federal e a EC 74/13 garantiu para a União. Caio Paiva e Tiago Fensterseifer (2019, p. 54 e 55) dissertam sobre o assunto:
A autonomia atribuída à Defensoria Pública – a exemplo do que já vinha ocorrido com o Ministério Público desde 1988, por força do art. 127, § 2º da CF/88 – estabelece um realinhamento do Estado brasileiro do ponto de vista político-organizacional, na medida em que cria duas instituições públicas singulares no âmbito do nosso sistema de justiça e, de modo inovador, dissociadas do guarda-chuva institucional dos três poderes republicanos (Legislativo, Executivo e Judiciário). A autonomia constitucional assegurada ao Ministério Público desde 1988 e, mais recentemente, à Defensoria Pública, representa, notadamente, o distanciamento de tais instituições do espectro institucional do Poder Executivo, muito embora, no caso da Defensoria Pública, isso ainda não seja sentido com a devida intensidade na prática em alguns Estados e mesmo no âmbito Federal, enfrentando forte resistência política.
Nesse sentido é a jurisprudência dos Tribunais Superiores, de forma que é inconstitucional qualquer previsão que vincule a Defensoria Pública e seus órgãos à subordinação do Poder Executivo. Senão vejamos:
É inconstitucional, por violar o art. 134, § 2º, da CF/88, lei estadual que traga as seguintes previsões: a) A DPE integra a Administração Direta; b) O Governador do Estado é auxiliado pelo Defensor Geral do Estado; c) O Defensor Público-Geral é equiparado a Secretário de Estado. As Defensorias Públicas gozam de autonomia funcional e administrativa. Por essa razão, qualquer medida normativa que suprima essa autonomia da Defensoria Pública, vinculando-a a outros Poderes, em especial ao Executivo, implicará violação à Constituição Federal. STF. Plenário. ADI 4056/MA, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 7/3/2012 (Info 657). No mesmo sentido, o STF declarou que lei estadual que estabeleça que a Defensoria Pública ficará subordinada ao Governador do Estado é inconstitucional por violar a autonomia da Instituição (art. 134, § 2º da CF/88). STF. Plenário. ADI 3965/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 7/3/2012 (Info 657).
3.2 – POSSIBILIDADE DE RECEBER HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Nesse contexto, surgiu a discussão sobre a possibilidade de a Defensoria Pública receber honorários advocatícios em face do órgão ao qual pertença, isto é, se uma Defensoria Pública Estadual poderia receber honorários em face do Estado.
A Lei Complementar 80/94 dispõe:
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
XXI – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores.
Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça possuía entendimento no sentido de não ser possível:
Súmula 421/STJ: Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença
Também não são devidos honorários advocatícios à Defensoria Pública quando ela atua contra pessoa jurídica de direito público que integra a mesma Fazenda Pública. STJ. 5ª Turma. REsp 1102459-RJ, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ-RJ), julgado em 22/5/2012 (Info 498).
O fundamento residia numa suposta confusão, visto que se a Fazenda Pública fosse condenada a pagar honorários em favor da Defensoria Pública ela estaria pagando um valor que seria para ela mesma, pois o orçamento é oriundo do ente público.
Vale mencionar que esse entendimento é anterior as emendas constitucionais 45/2004, 74/2013 e 80/2014 que garantiram a autonomia a Defensoria Pública. Nesse viés, o Supremo Tribunal Federal possui entendimento de que a Defensoria Pública pode receber honorários advocatícios mesmo em face da pessoa jurídica à qual pertença:
Após as ECs 45/2004, 74/2013 e 80/2014, passou a ser permitida a condenação do ente federativo em honorários advocatícios em demandas patrocinadas pela Defensoria Pública, diante de autonomia funcional, administrativa e orçamentária da Instituição.
STF. Plenário. AR 1937 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 30/06/2017.
Destaca-se que esse entendimento foi esposado em um caso com Defensoria Pública Federal e a União, contudo também é aplicado às Defensorias Públicas Estaduais.
O argumento utilizado no julgado do STF é no sentido de que a o enunciado da Súmula 421 do STJ parte da premissa de que a Defensoria Pública seria um órgão subordinado ao Estado ou à União, sem qualquer autonomia, partindo da ideia de que os recursos da Defensoria seriam verbas do Estado ou da União, como se fosse uma espécie de “Secretaria” ou “Ministério”. Ocorre que as emendas constitucionais 45/2004, 74/2013 e 80/2014 garantiram autonomia funcional, administrativa e a iniciativa de proposta orçamentária às Defensorias, não sendo, portanto, possível falar sobre uma suposta confusão, de modo que a instituição possui orçamento próprio e autonomia para geri-lo. Assim, o Poder Público pode ser condenado a pagar honorários em face da Defensoria Pública, pois os recursos da Instituição não se confundem com o do ente federativo.
3.3 – DISTINÇÃO NA DEFENSORIA PÚBLICA DE SERGIPE
A Lei Complementar Estadual 183/2010 do Estado de Sergipe dispõe que:
Art. 4º São funções institucionais da DPE, além de outras previstas em lei:
XIX – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por entes públicos, exceto o Estado de Sergipe, suas autarquias e fundações, destinando-as a fundos geridos pela DPE e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Instituição e à capacitação profissional de seus membros e servidores.
Nesse viés, verifica-se que a lei estadual de Sergipe tem um regramento que destoa com a lei nacional e com jurisprudência do STF, no sentido de não ser possível receber os honorários advocatícios em face do Estado de Sergipe, suas autarquias e fundações. Assim, quando a Defensoria Pública de Sergipe litiga em face do Estado de Sergipe, ela não pode executar e receber o honorários advocatícios.
Destaca-se que, ainda que o repasse orçamentário seja repassado pelo Estado de Sergipe, a instituição é autônoma e possui iniciativa para sua proposta orçamentária, ou seja, embora haja esse resquício na legislação estadual, a Defensoria de Sergipe, de fato, possui autonomia frente ao Poder Executivo, não sendo subordinada e nem sofrendo ingerências externas em suas atuações institucionais seja administrativa, funcional ou orçamentária.
É preciso fazer uma crítica a esse dispositivo estadual, de modo que fere com a autonomia da instituição assegurada constitucionalmente e também que tal lei da Defensoria de Sergipe caminha de forma contrária ao regramento da Lei Nacional e das outras Defensorias Públicas Estaduais.
CONCLUSÃO
A Defensoria Pública tem a missão de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, conforme estabelecido na Constituição Federal. A evolução do acesso à prestação de assistência jurídica remonta às Ordenações Filipinas, após, com a Constituição de 1934, foi estabelecida a assistência judiciária aos necessitados, bem como a criação de órgãos especiais, assegurando a isenção de emolumentos, custas e taxas. A Constituição de 1937 foi omissa em relação ao tema. A de 1967 retirou a obrigatoriedade do Poder Público em assegurar assistência judiciária, estabelecendo tão somente que essa assistência deveria ser concedida na forma da lei.
Por fim, a Constituição Federal de 1988 adotou o modelo público, no sentido de que cabe ao Estado garantir a prestação de assistência jurídica aos necessitados por meio da Defensoria Pública, uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado.
Em relação aos modelos de prestação de assistência judiciária e jurídica, há o pro bono, o judicare,, o salaried staff ou público e o misto. O modelo público é adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, conforme o artigo 134 da Constituição Federal, exercido pela Defensoria Pública.
Um dos pontos mais relevantes da normativa constitucional da Defensoria Pública se refere à autonomia da instituição, no sentido de que ela pode atuar seja a nível administrativo, funcional e orçamentário, sem ingerências externas, ou seja, a concretização da instituição como um órgão autônomo e independente. A EC 45/04 garantiu autonomia para as Defensorias Públicas estaduais, a EC 69/12 assegurou autonomia para a Defensoria Pública do Distrito Federal e a EC 74/13 garantiu para a União.
Nesse sentido, surgiu a discussão acerca da possibilidade de a Defensoria receber honorários em face do ente federativo ao qual pertença. A LC 80/94 dispõe que é função institucional executar e receber honorários sucumbenciais inclusive em face de entes públicos. O STJ possui entendimento sumulado no sentido de não ser possível o recebimento de honorários em face da pessoa jurídica à qual pertença. Por outro lado, o STF entende que com autonomia estabelecida constitucionalmente, é possível que a Defensoria receba honorários me face do ente federativo, visto que não há que se falar em confusão tampouco de subordinação.
No entanto, destaca-se que a Lei Estadual de Sergipe não permite que a Defensoria receba honorários em face do Estado de Sergipe, suas autarquias e fundações. Uma previsão que caminha em dissonância com a Lei Nacional e com o entendimento do STF.
É preciso criticar esse dispositivo de modo que é um resquício na legislação estadual e fere a autonomia da instituição assegurada pela Carta Magna.
REFERÊNCIAS
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______. Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp80.htm Acesso em: 18/06/2022.
______. Lei Complementar nº 183, de 31 de março de 2010. Dispõe a Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado de Sergipe – DPE, reestrutura a Carreira de Defensor Público do Estado de Sergipe, e dá outras providencias. Disponível em: https://www.defensoria.se.def.br/?page_id=20279 Acesso em: 18/06/2022.
______. Lei n. 13.105, de 16 de março de 1995. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm Acesso em: 18/06/2022.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Defensoria Pública e honorários advocatícios. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/d96409bf894217686ba124d7356686c9>. Acesso em: 18/06/2022
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Inconstitucionalidade da defensoria dativa como forma primordial de assistência jurídica gratuita. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/9188905e74c28e489b44e954ec0b9bca>. Acesso em: 16/06/2022
ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. – 3. Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.
PAIVA, Caio. FENSTERSEIFER, Tiago. Comentários à Lei Nacional da Defensoria Pública. Belo Horizonte: Editora CEI, 2019.
Pós-graduada no curso de Direito de Família e das Sucessões da rede de ensino LFG/Anhanguera. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, NATHALIE CELESTINO RIBEIRO DE. Possibilidade de a Defensoria Pública de Sergipe receber honorários advocatícios em face do Estado de Sergipe Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2022, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58748/possibilidade-de-a-defensoria-pblica-de-sergipe-receber-honorrios-advocatcios-em-face-do-estado-de-sergipe. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gudson Barbalho do Nascimento Leão
Por: Maria Vitória de Resende Ladeia
Por: Diogo Esteves Pereira
Por: STEBBIN ATHAIDES ROBERTO DA SILVA
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